Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61987CJ0339

    Acórdão do Tribunal de 15 de Março de 1990.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino dos Países Baixos.
    Incumprimento - Inobservância de uma directiva - Conservação das aves selvagens.
    Processo C-339/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-00851

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:119

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-339/87 ( *1 )

    1 — Enquadramento jurídico

    1. As disposições comunitárias

    A Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125), com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/411/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985QO L 233, p. 33; EE 15 F6 p. 84), destina-se à criação de um regime geral de protecção de aves selvagens, bem como à regulamentação da caça e do comércio dessas espécies.

    O n.o 1 do artigo 18.o da directiva dispõe que os Estados-membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à directiva no prazo de dois anos a contar da sua notificação e desse facto informarão imediatamente a Comissão. Tendo a directiva sido notificada em 6 de Abril de 1979, o prazo fixado para a sua transposição para o direito nacional terminou em 6 de Abril de 1981.

    As disposições da directiva em causa no presente processo são as seguintes:

    «Artigo 5.o

    Sem prejuízo dos artigos 7o e 9.o, os Esta-dos-membros tomarão as medidas necessárias à instauração de um regime geral de protecção de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.o e que inclua nomeadamente a proibição:

    a)

    de as matar ou de as capturar intencionalmente, qualquer que seja o método utilizado;

    b)

    de destruir ou de danificar intencionalmente os seus ninhos e os seus ovos ou de colher os seus ninhos;

    c)

    de recolher os seus ovos na natureza e de os deter, mesmo vazios;

    d)

    de as perturbar intencionalmente, nomeadamente durante o período de reprodução e de dependência, desde que essa perturbação tenha um efeito significativo relativamente aos objectivos da presente directiva;

    e)

    de deter as aves das especies cuja caça e cuja captura não sejam permitidas.

    ...

    Artigo 7.o

    1.   Com base no seu nível populacional, na sua distribuição geografica e na sua taxa de reprodução no conjunto da Comunidade, as espécies enumeradas no anexo II podem ser objecto de actos de caça no âmbito da legislação nacional. Os Estados-membros velarão para que a caça a essas espécies não comprometa os esforços de conservação empreendidos na sua área de distribuição.

    2.   As espécies enumeradas no anexo II, parte 1 podem ser caçadas na zona geográfica marítima e terrestre da aplicação da presente directiva.

    3.   As espécies enumeradas no anexo II, parte 2 podem ser caçadas apenas nos Estados-membros para os quais são mencionadas.

    4.   Os Estados-membros certificam-se de que a prática da caça, incluindo quando necessário a falcoaria, tal como decorre da aplicação das medidas nacionais em vigor, respeita os princípios de uma utilização razoável e de uma regulamentação equilibrada do ponto de vista ecológico das espécies de aves a que diz respeito, e que esta prática seja compatível, no que diz respeito à população destas espécies, nomeadamente das espécies migradoras, com as disposições decorrentes do artigo 2.o Velarão particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o período nidícola nem durante os diferentes estádios de reprodução e de dependência. Quando se trate de aves migradoras, velaram particularmente para que as espécies às quais se aplica a legislação da caça não sejam caçadas durante o seu período de reprodução e durante o período de retorno ao seu local de nidificação. Os Estados-membros transmitem à Comissão todas as informações úteis que digam respeito à aplicação prática da sua legislação de caça.

    Artigo 8.o

    1.   No que diz respeito à caça, à captura ou ao abate de aves no âmbito da presente directiva, os Estados-membros proibirão o recurso a todos os meios, instalações ou métodos de captura ou de abate em grande escala ou não selectivos, ou que possam conduzir localmente ao desaparecimento de uma espécie, e particularmente das enumeradas na alínea a) do anexo IV.

    2.   Além disso, os Estados-membros proibirão qualquer perseguição utilizando meios de transporte e nas condições mencionadas na alínea b) do anexo IV;

    Artigo 9.o

    1.   Os Estados-membros podem derrogar os artigos 5.o, 6.o, 7.o e 8.o, senão existir outra solução satisfatória, com os fundamentos seguintes:

    a)

    no interesse da saúde e da segurança públicas;

    no interesse da segurança aeronáutica;

    para evitar danos importantes às culturas, ao gado, às florestas, às pescas ou às águas;

    para a protecção da flora e da fauna;

    b)

    para fins de investigação e de ensino, de repovoamento, de reintrodução e ainda para a criação associada a estas acções;

    c)

    para permitir, em condições estritamente controladas e de um modo selectivo, a captura, a detenção ou qualquer outra exploração judiciosa de certas aves, em pequenas quantidades.

    2.   As derrogações devem mencionar:

    as espécies que são objecto das derrogações;

    os meios, instalações ou métodos de captura ou de abate autorizados;

    as condições de risco e as circunstâncias de tempo e de local em que essas derrogações podem ser adoptadas;

    a autoridade habilitada a declarar que as condições exigidas se encontram efectivamente reunidas, a decidir quais os meios, instalações ou métodos que podem ser postos em prática, dentro de que limites e por quem;

    as medidas de controlo a aplicar.

    3.   Os Estados-membros enviarão anualmente à Comissão um relatório sobre a aplicação do presente artigo.

    4.   Tendo em conta as informações de que dispõe, e nomeadamente aquelas que lhe são comunicadas por força do n.o 3, a Comissão velará constantemente para que as consequências destas derrogações não sejam incompatíveis com a presente directiva e tomará as iniciativas adequadas para o efeito.»

    2. A legislação nacional

    As disposições neerlandesas em causa no presente processo têm por objecto a regulamentação da caça. Nos Países Baixos, a caça é principalmente regulamentada pela lei, de 3 de Novembro de 1954, relativa às disposições referentes à caça (a seguir «Jachtwet»). Essa lei foi alterada pela lei de 17 de Março de 1988.

    O artigo 2.o dessa lei fornece, para efeitos da sua aplicação, definições relativas às diferentes espécies de caça, no caso a caça selvagem, a caça miúda, a caça aquàtica e a outra caça.

    O n.o 1 do artigo 8.o da Jachtwet confere ao explorador de um terreno o direito de aí caçar o pombo torcaz, a gralha preta, a chuca, o gaio e a pega, sem limite de tempo e com o auxílio de todos os meios adequados. Por força do n.o 3 dessa disposição, esse explorador pode permitir a outras pessoas, mediante autorização escrita, caçar a caça referida no n.o 1, no terreno de que tem o usufruto. Essa autorização tem a duração máxima de um ano.

    O n.o 1 do artigo 10.o da Jachtwet proíbe a busca, a recolha e a detenção de ovos de aves de caça, e proíbe também a perturbação intencional durante o período de reprodução dessa caça. O n.o 2 dessa disposição prevê uma derrogação respeitante à busca, recolha e à detenção dos ovos da caça referido no n.o 1 do artigo 8.o, pelo proprietário da caça, daqueles a quem concedeu autorizações, pelo explorador de um terreno, pelos membros da sua família e pelo seu pessoal, desde que essa caça esteja aberta. No respeitante à busca, recolha e detenção de ovos de caça diferente da referida no n.o 1 do artigo 8.o, por essas pessoas, a proibição referida no n.o 1 só ė aplicável se essas medidas se destinarem à conservação da caça.

    Os artigos 19.o a 27.o da Jachtwet são relativos ao exercício da caça. O n.o 1 do artigo 19.o dispõe que, excepto se os interesses da agricultura se opuserem, o titular do direito de caça é obrigado a caçar ou a deixar caçar de modo tal que a caça seja conservada em quantidade suficiente ou, no caso de não existir, que essa quantidade seja atingida. O artigo 20.o, que estabelece o regime de abertura e do encerramento da caça, tem a seguinte redacção:

    «1.

    A caça referida no n.o 1 do artigo 8.o é aberta durante todo o ano, salvo disposições em contrário do ministro.

    2.

    O ministro determinará... em que medida a caça que não a mencionada no n.o 1 do artigo 8.o será aberta. Essa caça não será aberta durante o período compreendido entre 16 de Fevereiro e 15 de Julho se os interesses da agricultura o exigirem.»

    Com base nesta disposição, o ministro da Agricultura e da Pesca elaborou um despacho em 8 de Agosto de 1977 alterado em 9 de Outubro de 1987. Esse despacho fixa a data da abertura e do encerramento da caça para as seguintes espécies: perdiz, faisão macho, faisão fêmea, galinhola, ganso comum, ganso-grande-de-testa-branca e ganso campestre, com excepção dos gansos campestres pequenos, patoreal, pato-trombeteiro, marrequinhocomum, piádéira, arrabio, zarrocomum, zarrobastardo, frisada, zarronegrinha, narcejacomum, tarambola dourada, galeirão comum e gaio.

    Por força do regulamento de 24 de Fevereiro de 1987, o ministro da Agricultura e da Pesca pode conceder aos titulares de uma licença de caça uma autorização de caçar um determinado número de espécies de aves enumeradas no anexo do referido regulamento. Por força do artigo 3.o do referido regulamento, uma autorização só pode ser concedida se, na opinião do ministro, não existir outra solução satisfatória, no interesse da saúde e da segurança públicas, para impedir danos importantes, ao gado, às florestas, às pescas e às águas para a protecção da flora e da fauna. O período de validade dessa autorização é, no máximo, de um ano. As autorizações concedidas para impedir os prejuízos importantes só podem ser concedidas para um prazo situado no período referido, relativamente à espécie em causa, no anexo do regulamento. Uma cópia da autorização é enviada ao chefe da polícia da circunscrição na qual o titular da licença é autorizado a caçar.

    O artigo 22.o da Jachtwet que fixa as regras relativas aos meios de caça autorizados têm a seguinte redacção:

    «1.

    Podem ser utilizadas na caça:

    a)

    as armas que preencham as condições impostas pelo ministro;

    b)

    os cães, que não os «galgos»;

    c)

    geregistreerde eenderkoien (esperas de patos registadas);

    d)

    as aves de caça, isto é, os falcões peregrinos e os açores;

    e)

    aves vivas utilizadas como chamarizes, na condição de não serem cegas nem mutiladas e com excepção dos patos utilizados como chamarizes;

    f)

    os instrumentos utilizados como chamarizes, na medida em que não tenham sido excluídos pelo ministro.

    2.

    Além dos meios referidos no n.o 1, são autorizados para a caça referida no n.o 1 do artigo 8.o os meios adequados para desencovar ou levantar a caça, os furões, as redes e as armadilhas.

    3.

    ...

    4.

    É proibido caçar ou estar no campo para caçar com meios não autorizados.

    5 a 8.

    ...»

    O n.o 1 do artigo 26.o especifica que é proibido caçar animais para os quais a época de caça não esteja aberta. Segundo a mesma disposição, é, nomeadamente, proibido caçar com a espingarda a partir de veículos a motor ou de qualquer outro veículo e de determinadas embarcações.

    O artigo 27.o da Jachtwet autoriza o ministro a fazer derrogações à proibição de caçar animais para os quais não abriu a caça, nomeadamente para efeitos de organização de concursos de cães de caça ou de adestramento de cães de caça. Essas autorizações podem ser acompanhadas de algumas restrições.

    Os artigos 43.o a 59.o da Jachtwet contêm disposições relativas aos danos. Por força dos artigos 53.o e 54.o o ministro pode emitir, derrogando as disposições contidas na lei ou aprovadas por força desta, autorizações de caça com vista à prevenção e à limitação dos danos. Essas autorizações podem ser sujeitas a determinadas condições.

    O artigo 60.o da Jachtwet proíbe deter para a venda, colocar à venda, vender ou entregar caça morta ou viva que não tenha sido obtida de acordo com a lei ou as disposições adoptadas em sua execução durante o período compreendido entre a abertura da caça até ao décimo dia a seguir ao encerramento da caça dessa espécie. Essa disposição proíbe igualmente deter, colocar à venda, vender ou entregar caça morta ou viva durante o período compreendido entre o décimo primeiro dia a seguir ao encerramento da caça, até à abertura da caça a essa espécie.

    3. Os antecedentes do processo

    Por carta de 28 de Outubro de 1985, a Comissão, considerando que determinadas disposições da legislação neerlandesa em matéria de caça às aves não davam cumprimento à directiva, deu início ao processo previsto pelo artigo 169.o do Tratado CEE contra o Reino dos Países Baixos.

    Em resposta a essa carta, em 18 de Fevereiro de 1986, o Governo neerlandês afirmou a compatibilidade da lei da caça e da prática administrativa com as disposições da directiva. Enviou também à Comissão um anteprojecto da lei de alteração da Jachtwet. Não considerando satisfatórias essas disposições, a Comissão emitiu, em 11 de Fevereiro de 1987, o parecer fundamentado previsto no artigo 169.o do Tratado CEE que não obteve resposta.

    II — Fase escrita do processo e pedidos das partes

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 28 de Outubro de 1987, a Comissão, nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE, submeteu ao Tribunal os incumprimentos imputados ao Reino dos Países Baixos no domínio da conservação das aves selvagens.

    O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase escrita do processo sem instrução.

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    declarar verificado que, ao não tomar no prazo fixado todas as medidas legislativas regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE;

    2)

    condenar o Reino dos Países Baixos nas despesas do processo.

    O Reino dos Países Baixos conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    1)

    julgar a acção improcedente;

    2)

    condenar a Comissão nas despesas do processo.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    Segundo a Comissão, tendo a directiva instaurado um regime geral de protecção das aves selvagens que só pode ser derrogado em circunstâncias especiais, a legislação neerlandesa relativa à caça é contrária à directiva em seis pontos.

    Primeira acusação: as espécies de aves que ė permitido caçar

    A Comissão alega que as espécies a seguir discriminadas e que podem ser caçadas ao abrigo dos artigos 2.o e 20.o da Jachtwet, são protegidas pelas disposições da directiva;

    o galo-lira, espécie que, por força da alínea a) do artigo 5.o e do n.o 3 do artigo 7.o, bem como do anexo II, parte 2, da directiva, os Estados-membros não podem autorizar a caça;

    todas as espécies de gansos e de patos, apesar de só determinadas espécies serem mencionadas no n.o 3 do artigo 7.o e no anexo II da directiva;

    a narceja real, apesar dessa espécie não figurar no anexo I da directiva deve ser objecto de medidas de protecção especiais;

    a gralha preta e a gralha mantelada, o corvo calvo, a chuca, o gaio e a pega, apesar destas espécies não figurarem no anexo II da directiva.

    A Comissão considera que os artigos 2o e 20.o da Jachtwet autorizam a administração nacional a tomar as iniciativas que ultrapassem os limites fixados pela directiva. Com efeito, o ministro competente pode autorizar a caça de determinadas espécies de aves que não figuram no anexo II da directiva, tais como o galo-lira e a narceja real. A decisão ministerial, de 8 de Agosto de 1977, autoriza a caça ao gaio, quando essa espécie não figura no anexo II da directiva. Essa situação jurídica pode tornar mais difícil para os interessados impugnar judicialmente uma iniciativa do ministro contrária à directiva.

    O Governo neerlandês alega que os artigos 2.o e 20.o da Jachtwet, tendo em consideração também os textos de aplicação baseados no artigo 20.o, aplicam, de modo adequado, as disposições da directiva.

    O Governo neerlandês observa que o artigo 2o da Jachtwet refere a que espécies se aplica e que no âmbito de aplicação dessa lei só se pode caçar a espécie cuja caça esteja aberta. Alega que o facto de uma espécie animal ser mencionada no artigo 2.o da Jachtwet não significa que essa espécie possa sempre ser caçada, mas apenas se determinadas condições estiverem preenchidas e a caça à espécie em questão estiver aberta.

    No respeitante ao gaio, o Governo neerlandês explica que, embora essa espécie faça parte também da regulamentação prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 20.o, n.o 1, e 8.o, n.o 1, da Jachtwet, o ministro competente, usando o seu poder de estabelecer excepções, decidiu, no entanto, em 8 de Agosto de 1977, que o período da caça abrange o período compreendido entre 15 de Julho a 30 de Abril seguinte inclusive. Portanto, de 1 de Maio a 15 de Julho não se pode caçar o gaio.

    O Governo neerlandês alega que as outras aves que são abrangidas pelo regime do n.o 1 do artigo 20.o da Jachtwet pertencem a espécies que causam ou podem causar durante todo o ano danos importantes à agricultura em todo o território dos Países Baixos. A permissão da caça é a única possibilidade de evitar ou combater os prejuízos importantes na agricultura e de proteger a flora bem como o resto da fauna. A ameaça de prejuízos importantes para a agricultura, nomeadamente das sementes, viveiros de plantas, rebentos das árvores de fruto, arbustos ornamentais, frutas, legumes de folhas e bolbos, permanece durante todo o ano devido à natureza pluriforme da agricultura neerlandesa e da escolha de alimentação pouco especializada das espécies em causa. Os meios de defesa e de caça, entre os quais a espingarda e as armadilhas para a gralha, aplicadas em grande escala nos Países Baixos, permitem manter em limites razoáveis os prejuízos causados à agricultura, assegurando ao mesmo tempo uma muito boa conservação das espécies de aves em causa.

    O Governo neerlandês alega que o artigo 9.o da directiva prevê a necessidade eventual de derrogações, nomeadamente para evitar danos importantes às culturas e para a protecção da flora e da fauna. Observa que, se não existir outra solução satisfatória, o ministro da Agricultura e da Pesca pode utilizar o seu poder de adoptar medidas derrogatórias. O regime do n.o 1 do artigo 20.o da Jachtwet não confere, assim, um poder que exceda o que é permitido pela directiva.

    Segundo o Governo neerlandês, no regime do n.o 2 do artigo 20.o da Jachtwet, a caça às espécies que não façam parte do n.o 1 do artigo 20.o é proibida, na medida em que o ministro da Agricultura e da Pesca não tenha adoptado outras medidas. O ministro determinou em que medida a caça que não a referida no n.o 1 do artigo 8.o da Jachtwet é aberta, em duas decisões de aplicação baseadas no n.o 2 do artigo 20.o dessa lei, isto é, a decisão de 8 de Agosto de 1977 e o regulamento de 24 de Fevereiro de 1987.

    O Governo neerlandês assinala que, por força da decisão ministerial de 8 de Agosto de 1977, a caça é apenas aberta para as espécies de aves enumeradas no anexo II da directiva, com excepção do gaio. Sublinha que essa decisão só não incluiu o gaio para fechar durante o período de nidificação a caça a essa espécie, que é, aliás, aberta durante todo o ano, de acordo com o n.o 1 do artigo 20.o da Jachtwet.

    O Governo neerlandês recorda que, em relação às espécies de aves que não podem ser caçadas nos Países Baixos, apenas são ainda concedidas as autorizações de caça referidas no regulamento de 24 de Fevereiro de 1987. Uma autorização desse tipo não confere o poder de derrogar as disposições da lei ou aprovadas nos termos desta. Esse regulamento não é uma simples prática administrativa mas um acto ministerial baseado na lei da caça, que não pode ser derrogado. Assim, a caça ao galo-lira, à narceja real e à gralha mantelada é encerrada durante todo o ano, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 8.o, n.o 1, e 20.o, n.o 2 da Jachtwet, e dada a não referência a essas aves no regulamento de 24 de Fevereiro de 1987.

    Por último, o Governo neerlandês especifica que, em princípio, a caça não é aberta no período de nidificação e de postura de ovos, isto é, durante o período compreendido entre 16 de Fevereiro e 15 de Julho. O regulamento, de 24 de Fevereiro de 1987, relativo à gralha negra, à chuca, à pega e ao gaio só admite excepções se a abertura da caça for necessária para evitar e combater danos importantes na agricultura. Na sua opinião trata-se aqui da protecção de interesses determinados, como é previsto pelo artigo 9.o da directiva.

    Segunda acusação: as derrogações respeitantes a determinadas espécies de aves

    A Comissão considera que a legislação neerlandesa, e nomeadamente o artigo 8.o da Jachtwet, permite ao explorador dos terrenos, sem limitação no tempo e com a ajuda de todos os meios adequados para fazer sair ou levantar a caça, com a ajuda de furões, de redes e de armadilhas, caçar os pombos torcazes, a gralha negra, a chuca, o gaio e a pega. Ora, as disposições conjugadas dos artigos 5.o e 7.o, bem como o anexo II da directiva não permitem a caça das referidas espécies, com excepção do pombo torcaz. Por força do n.o 4, do artigo 7.o da directiva, a caça ao pombo torcaz não pode ser autorizada sem limitação no tempo. Além disso, as disposições conjugadas do artigo 8.o e do anexo IV da directiva proíbem a utilização dessas armadilhas.

    A Comissão salienta que, embora não seja excluído que a caça às espécies de aves acima referidas possa ser autorizada por força do artigo 9.o da directiva para evitar danos importantes às culturas ou para proteger a fauna, o meio escolhido pela legislação neerlandesa não é, todavia, adequado. Com efeito, uma disposição legal como aquela que está em causa não permite apreciar, como o impõe o artigo 9.o da directiva, as circunstâncias de tempo e de local específicas a cada um dos casos.

    O Governo neerkndês observa que o ministro tem a possibilidade de encerrar a caça dessas espécies durante um determinado período ou em determinadas partes do território e que só utilizou esse poder em relação ao gaio. Acrescenta que a caça às outras espécies de aves referidas na lei não foi encerrada, tendo em conta os danos causados e susceptíveis de ser causados por essas aves. Devido ao facto de nenhuma dessas aves ser considerada caça atractiva, o risco de serem caçadas se não houver danos importantes é extremamente fraco. No respeitante à utilização de armadilhas, o Governo neerlandês sublinha que não são utilizadas para as aves.

    Terceira acusação: a busca, a recolha e a detenção de ovos de determinadas espécies de aves

    A Comissão acusa o n.o 2, do artigo 10.o, da Jachtwet de autorizar a busca, a recolha e a detenção de ovos das espécies de aves enumeradas no n.o 1, do artigo 8.o, quando, nos termos do n.o 2 do artigo 6.o, e do anexo III, parte 1, da directiva, essa autorização só pode ser concedida relativamente ao pombo torcaz. O facto de, segundo o Governo neerlandês, essas actividades não terem sido praticadas não pode liberar os Países Baixos da obrigação que lhe incumbe adequar o texto da lei à directiva.

    O Governo neerlandês responde que a busca e a recolha de ovos das especies de aves referidas no n.o 1, do artigo 8.o, da Jachtwet, não aconteceram.

    Quarta acusação: as derrogações rektivas à prevenção de danos

    A Comissão alega que o n.o 2, do artigo 20.o, bem como os artigos 53.o e 54.o da Jachtwet não correspondem ao artigo 9.o da directiva. Com efeito, essa disposição autoriza derrogações à proibição geral em determinadas condições, no caso concreto, para evitar danos importantes. Segundo a Comissão, é muito importante que essas condições sejam exactamente reproduzidas na legislação neerlandesa e que sejam objecto de uma apreciação especial que distinga, nomeadamente, entre a necessidade da caça enquanto tal, por um lado, e a necessidade da utilização de um determinado meio de caça, por outro. Considera que definições gerais pouco precisas e incompletas, tais como as que figuram no artigo 53.o da lei, conduzem a que seja mais difícil para os interessados impugnar decisões que derrogam a proibição geral. Assim, o artigo 53.o permite a concessão de autorizações de caça às espécies que, segundo a directiva, não podem ser caçadas nos Países Baixos, como a narceja real, o gaio-lira e o ganso-de-faces-ne-gras.

    Quanto ao artigo 54.o da Jachtwet, a Comissão precisa que essa disposição não cumpre as imposições da direciva na medida em que o artigo 9.o exige que as medidas derrogatórias sejam destinadas a impedir danos importantes.

    O Governo neerhndês sustenta, no respeitante às autorizações emitidas nos termos do artigo 53.o da Jachtwet, que essas autorizações apenas são concedidas para impedir e combater prejuízos importantes causados por determinadas espécies que, de acordo com o anexo II da directiva, podem ser caçadas nos Países Baixos e cuja caça é aberta nos Países Baixos durante todo o ano ou uma parte deste. Essas autorizações só são concedidas se não existir outra solução satisfatória para impedir e combater os prejuízos importantes na acepção da directiva. Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o artigo 9.o da directiva exige que a necessidade da utilização de determinados meios de caça seja objecto de uma apreciação distinta em relação à necessidade da caça enquanto tal, o Governo neerlandês observa que, por força do artigo 7.o da directiva, as espécies de aves enumeradas no anexo II da directiva podem ser objecto de actos venatorios no âmbito da legislação nacional. No respeitante aos meios de caça, as proibições fixadas pelo artigo 8.o e pelo anexo IV da directiva são respeitadas nos Países Baixos.

    A propósito da autorização que pode ser concedida pelo ministro da Agricultura e da Pesca, nos termos do artigo 54.o da Jachtwet, para limitar a população de uma ou de várias espécies especificamente citadas, o Governo neerlandês observa que essa autorização que é, aliás, acompanhada de condições estritas, só pode ser emitida para combater danos. As pessoas a quem a autorização é concedida devem limitar a população das espécies citadas na autorização, nos terrenos que aí são indicados. Além disso, a autorização em questão só é concedida se não existir outra solução satisfatória para combater e evitar esses danos. Na opinião do Governo neerlandês, o sistema preenche as condições impostas pelo artigo 9.o da directiva. Por último, as autorizações, nos termos do artigo 54.o da Jachtwet, só são, geralmente, concedidas para pombos e espécies animais não indígenas regressadas ao estado selvagem.

    Quanto ao facto de ser mais difícil aos interessados contestar um comportamento que eles consideram contrário à directiva, o Governo neerlandês alega que não existe qualquer via de recurso directo contra a Jachtwet, dado que nem a directiva nem as outras disposições de direito comunitário implicam essa obrigação. O juiz nacional pode, em contrapartida, controlar a aplicação concreta dessa lei à luz das disposições da directiva pertinentes e no âmbito de um recurso individual.

    Quinta acusação: a caça a partir de aviões

    Na opinião da Comissão, a Jachtwet não proíbe a caça a partir de aviões, embora as disposições conjugadas do artigo 8.o, n.o 2, e do anexo IV da directiva imponham aos Estados-membros a proibição de qualquer perseguição a partir de aviões. O facto de, na prática, não serem actualmente utilizados nos Países Baixos os aviões como meio de perseguição não pode liberar esse Estado-membro da sua obrigação de transpor as disposições da directiva para o direito nacional.

    O Governo neerlandês responde que nos Países Baixos não são utilizados aviões para a perseguição da caça. Além disso, resulta do n.o 1, do artigo 26.o da Jachtwet, que é proibido caçar a partir de um avião. Por isso, a perseguição por esse método, que constitui uma forma de localização da caça, é também proibida.

    Sexta acusação: as derrogações para os concursos de cães de caça

    A Comissão observa que, por força do artigo 27.o da Jachtwet, o ministro pode autorizar derrogações à lei para organização de concursos ou de treino de cães de caça, embora a directiva não preveja qualquer derrogação desse tipo. Essa disposição é formulada em termos tão gerais que não pode haver restrições.

    O Governo neerlandês observa que, quando concedida uma autorização para o adestramento de cães de caça, só são visados o treino desses cães e a localização da caça. Essas autorizações são concedidas para dar ao seu titular a oportunidade de ensinar ao seu cão a experiência da perseguição da caça e não permitem a captura ou a morte dos animais cuja caça não esteja aberta

    nessa altura. Por força do artigo 23.o da Jachtwet, qualquer pessoa é obrigada a impedir que um cão que esteja à sua guarda procure, persiga, capture ou abata caça nos terrenos em que não está autorizada a caçar.

    IV — Respostas das partes às questões escritas apresentadas pelo Tribunal

    Na sequência de um pedido do Tribunal, o Governo neerlandês comunicou-lhe o conjunto das disposições legislativas e regulamentares relativas à caça às aves, actualmente em vigor nos Países Baixos.

    Em resposta à questão do Tribunal sobre a questão de saber quais dessas disposições considera não terem ficado conformes às disposições da Directiva 79/409, dado que a demandada tinha anunciado nos seus articulados determinadas modificações das disposições em causa, a Comissão comunicou ao Tribunal que nenhuma dessas modificações foi adoptada. Assim, declarou manter todas as acusações contra a regulamentação neerlandesa em matéria de caça às aves.

    Diez de Velasco

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

    Top

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

    15 de Março de 1990 ( *1 )

    No processo C-339/87,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Thomas van Rijn, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    contra

    Reino dos Países Baixos, representado por G. M. Borchardt e M. A. Fierstra, consultores jurídicos adjuntos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo,

    demandado,

    que se destina a obter a declaração de que o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, por não ter adoptado no prazo concedido todas as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Direttiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p.l; EE 15 F2 p. 125),

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, na qualidade de presidente, P. Koopmans, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,

    advogado-geral: W. Van Gerven

    secretario: J. A. Pompe, secretario adjunto

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 14 de Novembro de 1989,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Janeiro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 28 de Outubro de 1987, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado, uma acção destinada a que se declare que o Reino dos Países Baixos, ao não ter adoptado no prazo concedido todas as medidas legislativas regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    2

    Nos termos do artigo 18.° da directiva, «os Estados-membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de dois anos a contar da sua notificação». Tendo a directiva sido notificada em 6 de Abril de 1979, esse prazo terminou em 6 de Abril de 1981.

    3

    A Comissão tendo verificado que as disposições legislativas e regulamentares neerlandesas em matéria de caça não eram totalmente conformes à Directiva 79/409, atrás referida, deu início ao processo do artigo 169.° do Tratado. Depois de ter notificado o Reino dos Países Baixos para apresentar as suas observações emitiu um parecer fundamentado em 11 de Fevereiro de 1987 que não obteve resposta. A Comissão intentou então a presente acção na qual se desenvolvem seis acusações contra o regime jurídico neerlandês da caça às aves.

    4

    Para mais ampla exposição dos antecedentes do processo, das disposições nacionais em causa, da tramitação do processo bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    5

    Antes de apreciar as diferentes acusações da Comissão relativas à não conformidade das disposições neerlandesas com a directiva em questão, convém responder ao argumento da Comissão segundo o qual essa directiva não foi validamente transposta para a ordem jurídica interna pelo facto de as disposições conjugadas dos artigos 2.° e 20.° da lei sobre a caça autorizarem o ministro competente a tomar decisões que ultrapassam os limites fixados pela directiva. Ora, na opinião da Comissão a directiva instaura um regime geral de protecção que só pode ser derrogado em determinados casos especiais e em certas circunstâncias específicas.

    6

    A este respeito, há que recordar que, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 189.° do Tratado, a directiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. No acórdão de 23 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha (29/84, Recueil 1985, p. 1661), o Tribunal sublinhou que resulta desta disposição que a transposição de uma directiva não exige necessariamente uma acção legislativa em cada Estado-membro. Quanto à Directiva 79/409, resulta da jurisprudência do Tribunal, confirmada, nomeadamente, pelo acórdão de 27 de Abril de 1988, Comissão/França (252/85, Colect. 1988, p. 2243), que a transposição para o direito interno de uma directiva não exige necessariamente uma repetição formal e textual das suas disposições numa disposição expressa e explícita e que se pode dar cumprimento à transposição com um contexto jurídico geral, desde que este assegure efectivamente a plena aplicação da directiva de um modo suficientemente claro e preciso.

    7

    Resulta dos autos que uma parte das normas relativas à caça das aves nos Países Baixos está contida em dois despachos ministeriais, de 8 de Agosto de 1977 e de 24 de Fevereiro de 1987. Segundo as explicações dadas pelas partes aquando da audiência perante o Tribunal, os despachos ministeriais visados no caso em apreço, que foram adoptados nos termos da lei sobre a caça e publicados no Jornal Oficial neerlandês, têm um alcance geral e são susceptíveis de criar direitos e obrigações na esfera jurídica dos particulares.

    8

    Tendo em conta as características dos dois actos jurídicos ministeriais, a circunstância de a Directiva 79/409 se encontrar transposta para o direito neerlandês por instrumentos jurídicos de natureza diferente, a lei relativa à caça e os dois despachos agora em questão, não é por si mesma contrária às imposições do terceiro parágrafo do artigo 189.° do Tratado. No entanto, convém especificar que a autoridade nacional competente pela lei relativa à caça para tomar as medidas para a sua aplicação é obrigada, como acontece com a própria lei, a respeitar as disposições da directiva, em especial as respeitantes à possibilidade de caçar as diferentes espécies e às condições para o exercício da sua caça, e não pode ignorá-las sem colocar o direito nacional em contradição com o direito comunitário.

    Primeira acusação: as espécies de aves que podem ser caçadas

    9

    A Comissão alega que um determinado número de espécies, que podem ser caçadas nos termos dos artigos 2° e 20.° da lei relativa à caça, são protegidas pelo artigo 7° da directiva, uma vez que essas espécies não figuram no anexo II da mesma. Na sua opinião, trata-se do galo-lira, de várias espécies de gansos e de patos, da narceja real, da gralha preta e da gralha mantelada, do corvo calvo, da chuca, do gaio e da pega.

    10

    O Governo neerlandês considera que as disposições da lei relativa à caça e dos seus textos de aplicação transpõem de modo adequado as proibições previstas pela directiva. Sublinha que as aves em relação às quais podem ser concedidas as autorizações de caça pelo ministério competente fazem parte de espécies que causam ou podem causar, durante todo o ano, danos importantes à agricultura em todo o território dos Países Baixos. Por conseguinte, considera que a manutenção da abertura da caça a essas espécies é a única possibilidade de evitar esses danos.

    11

    No respeitante à caça das espécies que, nos termos do artigo 17.° conjugado com o anexo II da directiva, não podem ser caçadas, há que, em relação às espécies citadas, examinar a acusação da Comissão fazendo as distinções seguintes.

    — Galo-lira, narceja real, gralha mantelada

    12

    Estes três tipos de aves são abrangidos pelo n.° 2 do artigo 20.° da lei relativa à caça, segundo o qual a caça destas espécies é proibida, salvo medida adoptada em contrário pelo ministro competente. Contudo, está provado que, no caso em apreço, nenhuma medida deste tipo foi adoptada. Nestas condições, quer dizer no estádio actual da regulamentação nacional aplicável, as aves em causa estão protegidas de acordo com os termos da directiva. Deste modo, este elemento da primeira acusação deve ser rejeitado.

    — Gansos e patos

    13

    Estas aves fazem parte igualmente do âmbito de aplicação do n.° 2 do artigo 20.° da lei relativa à caça, acima mencionado. Segundo decreto ministerial de 8 de Agosto de 1977, o ganso comum, o ganso-grande-de-testa-branca e o ganso campestre, bem como o pato real, o pato-trombeteiro, a piádéira, o arrabio e a frisada podem ser caçados durante um determinado período do ano. Este decreto está conforme ao anexo II da directiva, que permite a caça destas aves em todos os Estados-membros e, em especial, nos Países Baixos. Assim, este elemento da primeira acusação deve também ser rejeitado.

    — Gralha preta, chuca, pega, gaio

    14

    A caça das três primeiras espécies está aberta durante todo o ano, nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, e 20.°, n.° 1 da lei. No respeitante ao gaio, o decreto ministerial de 8 de Agosto de 1977 só previu um encerramento parcial da caça, de 1 de Maio a 14 de Julho. Pelo contrário, nos termos do artigo da directiva, nenhuma dessas espécies pode ser caçada.

    15

    No respeitante ao argumento do Governo neerlandês, segundo o qual a caça dessas espécies é justificada do ponto de vista da limitação de danos importantes, há que recordar que, como o Tribunal o decidiu no acórdão de 17 de Setembro de 1987, Comissão/Alemanha (412/85, Colect. 1987, p. 3503), essa derrogação deve ser baseada pelo menos num dos fundamentos enumerados de modo limitado no n.° 1 do artigo 9.° da directiva, e deve corresponder aos critérios enumerados no n.° 2 do referido artigo, a fim de limitar as derrogações ao estritamente necessário e permitir o controlo pela Comissão. Ora, as disposições nacionais em causa não preenchem as condições impostas. Esse elemento da primeira acusação deve, assim, ser considerado fundamentado.

    — Corvo calvo

    16

    A caça desta ave, que é abrangida pelo mesmo regime que o galo-lira, a narceja real e a gralha mantelada, foi autorizada pelo regulamento de 24 de Fevereiro de 1987, adoptado pelo ministro competente, nos termos da competência prevista pelo n.° 2 do artigo 20.° da lei relativa à caça. Todavia, há que observar que as disposições desse regulamento dizem respeito às diferentes condições das derrogações autorizadas pelo artigo 9.° da directiva, com fundamento na prevenção dos danos importantes. Consequentemente, a acusação a este respeito deve ser afastada.

    17

    Resulta do conjunto das considerações anteriores que a primeira acusação só é fundamentada no respeitante à caça à gralha preta, à chuca, ao gaio e à pega.

    Segunda acusação: as derrogações respeitantes a determinadas espécies de aves

    18

    A Comissão alega que o n.° 1 do artigo 8.° da lei relativa à caça permite ao usufrutuário de um terreno caçar determinadas espécies de aves protegidas, sem limitação no tempo e com a ajuda de todos os meios adequados a fazer sair e a levantar a caça, assim como o recurso a furões, redes e armadilhas. Considera que, embora a caça de determinadas espécies, no caso concreto do pombo torcaz, da gralha preta, da chuca, do gaio e da pega possa ser autorizada, nos termos do artigo 9.° da directiva para evitar danos importantes, a legislação neerlandesa não preenche as condições impostas por essa disposição.

    19

    O Governo neerlandês observa que a administração tem a possibilidade de encerrar a caça dessas espécies durante um determinado período ou em determinadas partes do território e que utilizou esse poder em relação ao gaio por um determinado período, de acordo com o n.° 1 do artigo 20.° da lei. Acrescenta que a caça das outras espécies referidas pela lei não esteve fechada, tendo em consideração os danos por elas causados e que o risco de algumas delas serem caçadas, na ausência de danos importantes, é extremamente baixo. Por último, precisa que os meios de caça proibidos pelo anexo IV da directiva, tais como as armadilhas, não são utilizados nos Países Baixos.

    20

    Relativamente ao argumento do Governo neerlandês destinado a defender essas possibilidades de caça tendo em consideração os danos causados pelas aves referidas, convém recordar que, segundo a jurisprudência citada do Tribunal, eventuais derrogações às proibições impostas pela directiva devem cumprir as exigências impostas pelo artigo 9.° da mesma. Ora, a legislação neerlandesa não contém especificações nesse sentido.

    21

    No referente à acusação relativa aos meios de caça das espécies já mencionadas, permitidos nos termos do n.° 2 do artigo 22.° da lei, o argumento do Governo neerlandês segundo o qual os meios de caça proibidos pelo anexo IV da directiva, como as armadilhas, não são utilizados nos Países Baixos deve também ser afastado.

    22

    A este respeito há que sublinhar que as proibições relativas aos meios de captura previstos pela directiva devem provir de disposições normativas. A inexistência de uma prática incompatível com a directiva não pode liberar o Estado-membro em causa da sua obrigação de adoptar medidas legislativas ou regulamentares, a fim de assegurar uma transposição adequada das suas disposições. Com efeito, o princípio da segurança jurídica exige que as proibições em causa sejam retomadas em disposições legais coercivas. Assim, a segunda acusação deve ser aceite.

    Terceira acusação: a busca, a recolha e a detenção de ovos de determinadas espécies de aves

    23

    A Comissão alega também que a lei relativa à caça autoriza a busca, a recolha e a detenção de ovos das espécies enumeradas no n.° 1 do artigo 8.°, enquanto, nos termos do n.° 2 do artigo 6.° e do anexo III, parte 1 da directiva, essa autorização só pode ser concedida no respeitante ao pombo torcaz.

    24

    O Governo neerlandês responde que, na realidade, não se procede à busca e à recolha de ovos das espécies referidas no n.° 1 do artigo 8.° da lei.

    25

    Este argumento do Governo neerlandês não pode ser aceite. Com efeito, está provado que a busca, a recolha e a detenção dos ovos do pombo torcaz, da gralha preta, da chuca, do gaio e da pega, autorizadas nos termos da legislação nacional, são contrárias à alínea c) do artigo 5.° da directiva. Como foi sublinhado antes, o facto de um determinado número de actividades incompatíveis com as proibições da directiva não existirem num determinado Estado-membro não pode justificar a ausência de disposições legais nesse sentido. Com efeito, a fim de garantir a plena aplicação das directivas, de direito, e não apenas de facto, os Estados-membros devem prever um quadro legal específico no domínio em questão. Assim, a terceira acusação deve ser considerada fundamentada.

    Quarta acusação: as derrogações relativas à prevenção de danos

    26

    A Comissão alega que as disposições da lei relativa à caça respeitantes à prevenção de danos não correspondem aos termos do artigo 9.° da directiva. Considera que é muito importante que as condições de derrogação enunciadas nesse artigo sejam exactamente retomadas na legislação nacional e que sejam objecto de uma apreciação especial que distinga, nomeadamente, entre a necessidade da caça enquanto tal, por um lado, e a necessidade da utilização de um determinado meio de caça, por outro.

    27

    O Governo neerlandês sustenta que as autorizações de caça previstas nos artigos 53.° e 54.° da lei só são concedidas para evitar e combater danos importantes causados por determinadas espécies que, nos termos do anexo II da directiva, podem ser caçadas nos Países Baixos e em relação às quais a caça é aberta durante todo o ano ou uma parte deste. Acrescenta que essas autorizações, que são sujeitas a um grande número de condições, só são emitidas se não existir outra solução satisfatória.

    28

    Este argumento do Governo neerlandês deve ser rejeitado. Com efeito, convém observar que nem a existência de danos importantes nem as outras circunstâncias fundamento de derrogação enunciadas no artigo 9.° da directiva figuram no texto dos artigos 53.° e 54.° da lei relativa à caça. Como foi salientado anteriormente, resulta da jurisprudência do Tribunal (ver acórdão de 17 de Setembro de 1987, atrás referido) no domínio da conservação das aves selvagens, que os critérios com base nos quais os Estados-membros podem derrogar as proibições impostas pela directiva devem ser retomadas em disposições nacionais específicas, dado que a exactidão da transposição tem uma importância especial, num caso como aquele em que a gestão do património comum é confiada, em relação ao seu território, aos respectivos Estados-membros.

    29

    A explicação segundo a qual os imperativos de protecção referidos no artigo 9.° da directiva são respeitados, de facto, pela prática ministerial em matéria de autorizações de caça, não pode ser acolhida, uma vez que, como o Tribunal o recordou no acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Comissão/Itália (429/85, Colect. 1988, p. 843), simples práticas administrativas, por natureza modificáveis segundo o critério da administração, não podem ser consideradas como constituindo uma execução válida da obrigação que incumbe aos Estados-membros destinatários de uma directiva, por força do artigo 189.° do Tratado. Assim, a quarta acusação é fundamentada.

    Quinta acusação: a caça a partir de aviões

    30

    A Comissão alega que o artigo 22.° da lei relativa à caça não proíbe a perseguição de aves a partir de aviões embora as disposições conjugadas do artigo 8.°, n.° 2, e da alínea a) do anexo IV da directiva, imponham aos Estados-membros a proibição desse tipo de caça.

    31

    O Governo neerlandês responde que nos Países Baixos não são utilizados aviões para a perseguição da caça. Portanto, considera supérfluo incluir na legislação nacional essa proibição.

    32

    A este respeito, há que observar que, como foi anteriormente especificado, o facto de, num Estado-membro não se recorrer a um determinado meio de caça, não pode constituir uma razão para não transpor essa proibição para a ordem jurídica nacional. Por conseguinte, a quinta acusação deve ser aceite.

    Sexta acusação: as derrogações para os concursos de cães de caça

    33

    A Comissão salienta que a administração pode, nos termos da competência que lhe foi dada pela lei da caça, derrogá-la para efeitos de autorizar a organização de concursos ou o adestramento de cães de caça, embora a directiva não preveja qualquer derrogação desse tipo. Considera que as disposições nacionais em causa são formuladas em termos tão gerais que não revelam se as condições impostas a esse respeito pela directiva são respeitadas.

    34

    O Governo neerlandês observa que, quando é emitida uma autorização ministerial para o adestramento de cães de caça, só são visados o treino desses cães e a localização da caça. Essas autorizações são emitidas para dar ao seu titular a oportunidade de ensinar ao cão a experiência da perseguição da caça, mas não permitem a captura ou a morte das aves cuja caça não está aberta.

    35

    Este argumento do Governo neerlandês não pode ser aceite, uma vez que equivale a sustentar que a organização de concursos de cães de caça ou o adestramento destes cães não dão origem a infracções às disposições da directiva. Com efeito, o artigo 5.° da directiva obriga os Estados-membros a adoptar as medidas necessárias para instaurar um regime geral de protecção das aves que inclua, nomeadamente, a proibição de as matar, de as capturar ou de as perturbar.

    36

    Como o Tribunal especificou no acórdão de 13 de Outubro de 1987, Comissão//Países Baixos (236/85, Colect. 1987, p. 3989), independentemente de uma eventual conformidade de uma prática administrativa com os imperativos de protecção fixados pela directiva, as condições em que podem ser concedidas as autorizações respeitantes aos concursos de cães de caça ou ao adestramento desses cães devem ser fixadas por disposições normativas. Vista a ausência de um quadro jurídico legal ou regulamentar específico que disciplina as actividades acima referidas, a sexta acusação deve ser considerada fundamentada.

    37

    Por conseguinte, há que reconhecer que o Reino dos Países Baixos, ao não adoptar nos prazos fixados todas as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 79/409 do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    Quanto às despesas

    38

    Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a parte demandada sido vencida há que condená-la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    decide:

     

    1)

    O Reino dos Países Baixos, ao não adoptar no prazo fixado todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

     

    2)

    O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

     

    Kakouris

    Koopmans

    Mancini

    O'Higgins

    Moitinho de Almeida

    Grévisse

    Diez de Velasco

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 15 de Março de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    Em substituição do presidente

    C.N. Kakouris

    presidente de secção


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandés.

    Top