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Document 61987CC0395
Joined opinion of Mr Advocate General Jacobs delivered on 26 May 1989. # Ministère public v Jean-Louis Tournier. # Reference for a preliminary ruling: Cour d'appel d'Aix-en-Provence - France. # Competition - Copyright - Amount of royalties - Reciprocal representation contracts. # Case 395/87. # François Lucazeau and others v Société des Auteurs, Compositeurs et Editeurs de Musique (SACEM) and others. # References for a preliminary ruling: Cour d'appel de Poitiers and Tribunal de grande instance de Poitiers - France. # Competition - Copyright - Amount of royalties - Reciprocal representation contracts. # Joined cases 110/88, 241/88 and 242/88.
Conclusões conjuntas do advogado-geral Jacobs apresentadas em 26 de Maio de 1989.
Processo-crime contra Jean-Louis Tournier.
Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel d'Aix-en-Provence - França.
Concorrência - Direitos de autor - Nível dos direitos - Contratos de representação recíproca.
Processo 395/87.
François Lucazeau e outros contra Société des Auteurs, Compositeurs et Editeurs de Musique (SACEM) e outros.
Pedidos de decisão prejudicial: Cour d'appel de Poitiers e Tribunal de grande instance de Poitiers - França.
Concorrência - Direitos de autor - Nível dos direitos - Contratos de representação recíproca.
Processos apensos 110/88, 241/88 e 242/88.
Conclusões conjuntas do advogado-geral Jacobs apresentadas em 26 de Maio de 1989.
Processo-crime contra Jean-Louis Tournier.
Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel d'Aix-en-Provence - França.
Concorrência - Direitos de autor - Nível dos direitos - Contratos de representação recíproca.
Processo 395/87.
François Lucazeau e outros contra Société des Auteurs, Compositeurs et Editeurs de Musique (SACEM) e outros.
Pedidos de decisão prejudicial: Cour d'appel de Poitiers e Tribunal de grande instance de Poitiers - França.
Concorrência - Direitos de autor - Nível dos direitos - Contratos de representação recíproca.
Processos apensos 110/88, 241/88 e 242/88.
Colectânea de Jurisprudência 1989 -02521
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1989:215
CONCLUSOES APENSAS DO ADVOGADO-GERAL JACOBS APRESENTADAS EM 26 DE MAIO DE 1987. - MINISTERE PUBLIC CONTRA JEAN-LOUIS TOURNIER. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR D'APPEL D'AIX-EN-PROVENCE - FRANCA. - PROCESSO 395/87. - FRANCOIS LUCAZEAU E OUTROS CONTRA SOCIETE DES AUTEURS COMPOSITEURS ET EDITEURS DE MUSIQUE (SACEM). - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COUR D'APPEL DE POITIERS E TRIBUNAL DE GRANDE INSTANCE DE POITIERS - FRANCA. - PROCESSOS APENSOS 110/88, 241/88 E 242/88. - CONCORRENCIA - DIREITOS DE AUTOR - NIVEL DOS DIREITOS - CONTRATOS DE REPRESENTACAO RECIPROCA.
Colectânea da Jurisprudência 1989 página 02521
Edição especial sueca página 00113
Edição especial finlandesa página 00125
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Nestes quatro processos (processo 395/87, Ministère public contra Tournier, e processos apensos 110/88, SACEM/Lucazeau, 241/88, SACEM/Debelle, e 242/88, SACEM/Soumagnac), o Tribunal é solicitado a pronunciar-se quanto à interpretação dos artigos 30.°, 59.°, 85.° e 86.° do Tratado CEE, no que respeita à conduta da sociedade francesa de gestão de direitos de autor, a Société des auteurs, compositeurs et éditeurs de musique (SACEM), face aos proprietários de discotecas franceses, e no que respeita à relação entre a SACEM e as sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros da CEE.
2. Antes de abordar estas questões de interpretação, é necessário considerar o contexto jurídico e factual em que surgem estes litígios perante os tribunais franceses, analisando o direito francês aplicável, o papel e o funcionamento da SACEM e a organização das suas relações com as outras sociedades e com categorias de clientes, como os proprietários de discotecas.
A legislação francesa aplicável
3. Nos termos da lei de 11 de Março de 1957, sobre a propriedade literária e artística (alterada pela lei de 3 de Julho de 1985, sobre os direitos de autor e os direitos dos executantes, dos produtores de fonogramas e videogramas e das empresas de radiodifusão), os direitos de que é titular o autor (isto é, o criador) da obra incluem o direito de execução ou de representação ("droit de représentation") e o direito de reprodução ("droit de reproduction"). Nos termos do artigo 27.° da lei, a execução define-se como "a comunicação da obra ao público por qualquer processo...". Nos termos do artigo 28.°, a reprodução define-se como "a fixação material ("fixation matérielle") da obra por qualquer processo que permita comunicá-la ao público de forma indirecta", inclusivamente por reprodução mecânica. O artigo 30.° prevê a transferência dos direitos de representação e de reprodução a título oneroso ou a outro título qualquer. O artigo 31.° prevê, inter alia, que, quando o autor ceda os seus direitos, devem ser especificadas no contrato a extensão e a finalidade do uso a que a obra pode ser destinada. Esta disposição permite ao autor ou aos seus cessionários utilizar o mesmo direito para finalidades diferentes. Na prática, tendo em conta os direitos relativos à reprodução, o autor de uma obra musical transferirá o seu direito de reprodução a um produtor de fonogramas com vista à produção e à comercialização exclusivamente para uso privado. Se a gravação, em banda magnética ou em disco, for posteriormente difundida em público - por exemplo, numa discoteca, num café ou numa casa comercial -, o autor tem direito a receber do proprietário do estabelecimento simultaneamente um montante correspondente ao
direito de representação e um montante correspondente ao direito complementar de reprodução mecânica ("droit complémentaire de reproduction mécanique") pela utilização em público do fonograma.
4. O artigo 33.° da lei de 11 de Março de 1957 prevê, em princípio, a nulidade da cessão global de direitos em relação a obras futuras. Todavia, o n.° 2 do artigo 43.° abre uma excepção para o contrato geral de representação ("contrat général de représentation"), definido como um acordo segundo o qual uma organização profissional de autores concede a um organizador de espectáculos ("entrepreneur de spectacles") o direito de representar durante a vigência do acordo as obras actuais e futuras incluídas no repertório da organização, de acordo com as condições estipuladas pelo autor ou pelos seus herdeiros legais.
5. Tendo em conta os princípios subjacentes à remuneração dos autores, o artigo 35.° da lei de 11 de Março de 1957 prevê que a cessão de direitos de autor "deve incluir em benefício do autor uma participação proporcional nas receitas resultantes da venda ou da exploração". A remuneração em montante fixo é permitida somente em casos excepcionais, por exemplo, quando não seja possível, na prática, determinar a base para o cálculo da participação do autor.
6. O título IV da lei de 3 de Julho de 1985 estabelece certas regras relativas à constituição, à dissolução e ao funcionamento das sociedades de gestão de direitos de autor. O artigo 38.°, que, inter alia, requer que tais sociedades tornem acessível aos utilizadores de música a globalidade do repertório dos autores e compositores, franceses ou estrangeiros, por elas representados, tem sido entendido pela doutrina no sentido de que exige que as
sociedades mantenham uma lista completa desse repertório para ser consultada pelos utilizadores de música. Nos termos do artigo 41.°, a sociedade de gestão de direitos de autor deve enviar uma cópia das suas contas anuais ao Ministério da Cultura e informá-lo previamente de qualquer modificação proposta em relação ao seu estatuto ou às suas regras relativas à cobrança e à distribuição dos montantes referentes aos direitos. Não existe nenhuma disposição especial, nesta lei ou em qualquer outra, em relação a qualquer controlo externo sobre a fixação, pelas sociedades de gestão de direitos de autor, dos montantes da remuneração devida pelos direitos de autor.
7. Finalmente, deve referir-se que, nos termos do artigo 426.° do code pénal, constitui contrafacção "qualquer reprodução, interpretação ou difusão de uma obra do espírito humano com violação dos direitos do autor, tal como definidos e regulados por lei".
O papel e o funcionamento da SACEM
8. Os membros da SACEM são autores e compositores de obras musicais e, também, editores de música que exploram obras musicais por força de contratos celebrados com autores e compositores. Nos termos dos artigos 1.° e 2.° do seu estatuto, ao aderir à sociedade, o membro confere à SACEM o direito exclusivo de exercer, em todo o mundo, os direitos de execução em público e de reprodução mecânica das obras por ele criadas ou exploradas. A função específica da SACEM consiste em cobrar e distribuir os direitos devidos aos seus membros em relação ao exercício desses direitos. Filial da SACEM, a Société pour l' administration du droit de reproduction mécanique des auteurs, compositeurs et éditeurs (SDRM) é encarregada pela SACEM da exploração do direito de reprodução mecânica; todavia, por força de um contrato de mandato,
a SACEM cobra e distribui em nome da SDRM os direitos devidos pelo referido direito complementar de reprodução mecânica.
9. O repertório de obras musicais gerido pela SACEM inclui não somente as obras que lhe foram confiadas pelos seus membros, mas também as obras geridas pela SACEM por força de contratos de representação recíproca celebrados com sociedades de gestão de direitos de autor de outros países, incluindo sociedades sediadas em todos os outros Estados-membros da CEE, excepto a Irlanda, onde os direitos de representação são geridos pela British Performing Right Society, e o Luxemburgo, que se inclui na esfera de actuação da própria SACEM.
10. Essencialmente, num contrato desta natureza, uma sociedade de gestão de direitos de autor encarrega-se, numa base de reciprocidade, de gerir os direitos de representação respeitantes ao repertório de uma sociedade estrangeira, no âmbito da sua esfera de actuação (normalmente, o seu território nacional). Para esse efeito, acorda em aplicar, em relação à cobrança e à distribuição dos direitos devidos em relação ao repertório estrangeiro, os mesmos termos e condições que aplica ao seu próprio repertório e em tomar todas as medidas necessárias para evitar qualquer ofensa aos direitos de autor. Acorda também em transferir para a sociedade estrangeira, pelo menos uma vez por ano, as somas cobradas pela utilização do repertório desta última e tem direito a deduzir desse montante uma soma razoável a título de encargos de gestão. Por força de contratos de reciprocidade com outras sociedades espalhadas pelo mundo, a SACEM controla na sua zona de actuação os
direitos de representação de quase todo o repertório mundial de obras musicais protegidas.
Relações entre a SACEM e as discotecas
11. As relações entre a SACEM e os proprietários de discotecas em França são regidas por um contrato-tipo, designado por contrato geral de representação, na acepção do n.° 2 do artigo 43.° da lei de 11 de Março de 1957 (ver n.° 4 destas conclusões). A SACEM concede uma autorização global ao proprietário da discoteca para executar em público qualquer obra incluída no repertório (nacional e estrangeiro) gerido pela SACEM, por meio da chamada "clause forfaitaire" (cláusula de montante fixo), cujos termos são os seguintes:
"Em contrapartida do direito concedido ao licenciado de utilizar as obras actuais e futuras que integram o repertório geral da SACEM durante o período de vigência do contrato, de acordo com as condições e métodos de exploração nele previstos, o direito estipulado no artigo 2.° das condições especiais é exigido independentemente da composição do programa das obras efectivamente executadas no estabelecimento."
A discoteca é exigido o pagamento de um direito sob a forma de uma percentagem do volume de negócios total do estabelecimento, definido como o total das receitas realizadas pela discoteca em retribuição da prestação de um serviço ou da venda de um produto ao público, incluindo as receitas provenientes das entradas e dos consumos, e também o IVA e o serviço. A percentagem actual é de 8,25%, que resulta da soma de 6,60%, percentagem relativa ao
direito de representação em público, e de 1,65%, percentagem relativa ao direito complementar de reprodução mecânica. O montante pago pela discoteca está sujeito a um limite mínimo mensal garantido, fixado pela SACEM tendo em conta as características do estabelecimento.
12. Na prática, a maioria dos proprietários de discotecas beneficia de condições mais favoráveis. Mais de três quartos das cerca de 4 000 discotecas francesas são membros de associações patronais que negociaram acordos com a SACEM, nos termos dos quais, em contrapartida de certas vantagens, das quais as mais importantes são a exclusão do IVA da base de cálculo e uma redução de 10% nas restantes receitas, se comprometem a assistir a SACEM, especialmente pelo fornecimento de cópias das suas declarações fiscais e, de modo geral, pelo fornecimento de informações e apoio e ainda pela resolução amigável de litígios. Além disso, certas discotecas individuais que não são membros daquelas associações profissionais beneficiam da exclusão do IVA da base de cálculo, em contrapartida do fornecimento à SACEM de cópias das suas declarações fiscais.
13. Desde 1978, as condições exigidas pela SACEM para a utilização do seu repertório têm sido objecto de uma decidida contestação por parte de uma minoria de proprietários de discotecas em França. No essencial, estes acusam a SACEM de impor taxas demasiado elevadas, estabelecer uma discriminação injusta entre discotecas e recusar sem justificação objectiva a concessão de licenças exclusivamente para a parte do seu repertório em que as discotecas estão interessadas, nomeadamente, música "pop" de origem
predominantemente anglo-americana. Alguns proprietários de discotecas apresentaram estas queixas à Commission de la concurrence francesa, que, num parecer emitido em 17 de Novembro de 1981, considerou que a SACEM interferiu com o funcionamento normal do mercado ao discriminar entre diferentes categorias de proprietários de discotecas. Todavia, em parecer posterior, emitido em 13 de Março de 1984, a mesma comissão rejeitou todas as acusações, incluindo a de discriminação. Foram igualmente apresentadas queixas à Comissão das Comunidades Europeias, a qual, em Setembro de 1987, encetou um processo de averiguações quanto à compatibilidade do nível dos direitos exigidos pela SACEM com o artigo 86.° do Tratado CEE.
14. Desde 1978, a SACEM instaurou centenas de processos, em tribunais criminais e cíveis, contra proprietários de discotecas recalcitrantes, pedindo, em alguns casos, a condenação por contrafracção de operadores que utilizaram o seu repertório sem autorização e, noutros casos, o pagamento de direitos devidos pela concessão de licenças. Em muitos destes processos os proprietários de discotecas invocaram o Tratado CEE, nomeadamente os seus artigos 85.° e 86.° Todavia, a maioria dos tribunais franceses, incluindo a Cour de cassation, decidiu que a conduta da SACEM não viola o Tratado. Outros tribunais franceses suspenderam a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, nos presentes processos.
15. Três dos processos agora pendentes perante o Tribunal, nomeadamente os processos apensos 110, 241 e 242/88, dizem respeito a proprietários de discotecas, designadamente Lucazeau,
Debelle e Soumagnac, que difundiram gravações de obras protegidas pela SACEM sem beneficiarem de um contrato de autorização. Os proprietários de discotecas foram condenados por contrafacção, mas, nos processos cíveis em que se pedia a sua condenação no pagamento dos direitos devidos à SACEM, foi-lhes deferido o requerimento no sentido de serem apresentadas algumas questões a este Tribunal. O processo 395/87, Tournier, não é usual, na medida em que deriva de um processo instaurado por um proprietário de discoteca, Verney, contra o director-geral da SACEM, Tournier, em que o proprietário da discoteca pede a condenação do Tournier por práticas comerciais desleais contrárias às disposições do direito da concorrência e do direito penal franceses e solicita uma indemnização por perdas e danos, na qualidade de assistente.
As questões apresentadas
16. As questões apresentadas pela cour d' appel de Poitiers, no processo 110/88, e pelo tribunal de grande instance de Poitiers, nos processos 241 e 242/88, são formuladas, em termos idênticos, como se segue:
1) O facto de uma sociedade civil constituída por autores, compositores e editores de música, conhecida por SACEM, que se encontra numa posição dominante em relação a uma parte substancial do mercado comum e vinculada por contratos de representação recíproca com sociedades de autores de outros países da CEE, fixar uma taxa de direitos de autor acumulados na base de 8,25% do volume de negócios de uma discoteca, incluindo todos os impostos, constitui uma imposição directa ou indirecta aos co-contratantes de
condições de transacção não equitativas, na acepção do artigo 86.° do Tratado de Roma, uma vez que essa taxa é manifestamente superior à praticada por idênticas sociedades de autores de outros países da Comunidade Económica Europeia?
2) A organização, graças a um conjunto de acordos ditos de representação recíproca, de um exclusivo de facto em países da Comunidade, que permite a uma sociedade de controlo e de cobrança de direitos de autor que exerce a sua actividade no território de um Estado-membro fixar um direito global mediante um contrato de adesão que impõe ao utilizador o pagamento deste direito para poder utilizar o repertório dos autores estrangeiros, é susceptível de constituir uma prática concertada contrária às disposições do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado?
17. As questões apresentadas pela cour d' appel de Aix-en-Provence no processo 395/87 são de alcance mais lato e estão formuladas como se segue:
1) O nível do direito ou dos direitos cumulados fixado pela SACEM, que ocupa uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum, constituindo em França um monopólio de facto no que se refere à gestão dos direitos de autor e respectiva cobrança, é compatível com o disposto no artigo 86.° do Tratado de Roma ou, pelo contrário,
consubstancia uma prática abusiva e anticoncorrencial pela imposição de condições não negociáveis e não equitativas?
2) A organização - graças a um conjunto de convenções ditas de representação recíproca - de uma exclusividade de facto na maior parte dos países da Comunidade, permitindo a uma empresa de controlo e cobrança de direitos de autor que exerce a sua actividade no território de um Estado-membro fixar arbitrariamente e de forma discriminatória o nível dos direitos, o que tem como efeito impedir que os utilizadores possam efectuar a sua escolha no repertório dos autores estrangeiros sem serem forçados a pagar direitos sobre o repertório da sociedade de autores do Estado-membro considerado, constitui uma prática concertada contrária às disposições do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado de Roma, tendo como efeito facilitar os abusos de posição dominante, na acepção do artigo 86.° do mesmo Tratado?
3) O artigo 86.° do Tratado de Roma deve ser interpretado no sentido de que constitui "uma condição de transacção não equitativa" o facto de uma empresa de controlo e de cobrança de direitos de autor que beneficia de uma posição dominante em parte substancial do mercado comum e está ligada por contratos de representação recíproca a empresas similares de outros países da CEE fixar uma base de cálculo e uma taxa para os direitos, quando se verifica que essa taxa é várias vezes superior à praticada por todas as sociedades de autores dos países membros da CEE, sem razão objectivamente
justificável e sem relação com as importâncias distribuídas aos autores, tornando o direito desproporcionado relativamente ao valor económico da prestação fornecida?
4) Deve ou não considerar-se que o facto de uma sociedade composta por autores e editores, em posição de monopólio de facto no território de um Estado-membro, recusar o acesso dos utilizadores de fonogramas apenas ao repertório estrangeiro que ela representa, fechando o mercado, tem por objectivo - ou em todo o caso, por consequência - impedir, restringir ou falsear a concorrência, na acepção do n.° 1 do artigo 85.°?
5) Tendo em conta o facto de o Tribunal ter já entendido que a colocação de um disco ou de um livro à disposição do público se confunde com a circulação do suporte material da obra, provocando a extinção do direito de cobrar direitos de autor, e apesar do pagamento - pelo comprador ao editor - do preço do disco no qual está incorporado o direito de autor correspondente à autorização de utilização da obra, a aplicação de uma regulamentação nacional que equipara à contrafacção em matéria de fonogramas os casos em que não sejam pagos à empresa nacional de controlo, gestão e cobrança - em situação de monopólio de facto - os direitos que esta fixa para a difusão pública é compatível com os artigos 30.° e 59.° do Tratado se esses direitos forem abusivos e discriminatórios e se a sua taxa não for determinada pelos próprios autores e/ou não for aquela que
seria susceptível de ser obtida por acordo directo com as sociedades de autores estrangeiras que os representam?"
Os problemas jurídicos apresentados ao Tribunal
6. As questões apresentadas pelos tribunais nacionais são altamente complexas, mas essencialmente solicitam a orientação do Tribunal de Justiça quanto aos seguintes problemas:
1) a compatibilidade com os artigos 30.° e 59.° da legislação francesa que permite à SACEM exigir das discotecas, depois de pagos direitos pela produção e comercialização de fonogramas, outros direitos pela execução em público de fonogramas, quando estes últimos direitos sejam excessivamente elevados ou, por outro motivo, devam ser considerados injustos;
2) a compatibilidade com o artigo 85.° dos contratos de representação recíproca celebrados entre a SACEM e as sociedades de gestão de direitos de autor estrangeiras (isto é, não francesas) e da recusa, por estas sociedades estrangeiras, de conceder licenças para a utilização directa dos seus repertórios pelos proprietários de discotecas em França;
3) a compatibilidade com o artigo 85.° ou com o artigo 86.° da exigência da SACEM de que os proprietários de discotecas
francesas paguem um direito pelo acesso a este repertório completo, sem consideração das suas efectivas necessidades;
4) os critérios a aplicar pelos tribunais nacionais no sentido de determinarem se o direito que a SACEM exige pela execução em público de fonogramas pelas discotecas francesas é excessivamente elevado e, consequentemente, abusivo, na acepção do artigo 86.°; em particular, pretende-se saber se os tribunais podem ter em consideração os factos, quando provados, de que o direito é fixado de forma discriminatória e de que o nível do direito não tem relação com as somas efectivamente distribuídas aos autores, sendo várias vezes mais elevado ou, pelo menos, manifestamente mais elevado do que o aplicado pelas sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros da CEE.
19. No que respeita ao primeiro problema acima identificado, suscitado apenas pela cour d' appel de Aix-en-Provence no processo 395/87 e não pelos outros tribunais nacionais, a aplicabilidade do artigo 30.° e do artigo 59.° pressupõe a existência de um elemento de comércio ou de prestação de serviços interestatal; assim, ainda que não resulte da decisão de reenvio neste processo, transparece que o tribunal nacional deve ter suposto que os direitos pela produção e comercialização dos fonogramas referidos foram pagos noutro Estado-membro. Como aspecto
adicional ao primeiro problema, parece-me que a questão do preço injusto ou excessivo é uma questão que deve ser decidida à luz do artigo 86.° e não à luz dos artigos 30.° ou 59.°
20. Quanto ao terceiro problema, sou da opinião de que a recusa, por parte da SACEM, de conceder licenças para algo que não seja o seu repertório global deve também ser apreciada à luz do artigo 86.°, desde que, no fundo, esta recusa diga respeito à conduta de uma única empresa em posição dominante. Neste contexto, deve ser referido que o artigo 86.° inclui como tipos de práticas abusivas a imposição de "condições de transacção não equitativas" (artigo 86.°, alínea a)) e a imposição da aceitação de prestações suplementares (artigo 86.°, alínea d)).
21. Tendo em conta estas considerações, em minha opinião, é possível, das sete questões apresentadas pelos tribunais nacionais, seleccionar quatro questões essenciais relativas à interpretação do Tratado, como se segue:
1) Os artigos 30.° e 59.° do Tratado CEE deverão ser interpretados no sentido de que impedem a aplicação de uma legislação nacional que qualifica de contrafacção a execução pública de obras musicais por meio de fonogramas sem pagamento de um direito, na hipótese de já ter sido pago noutro Estado-membro um direito referente à produção e comercialização do fonograma?
2) O artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CEE deverá ser interpretado no sentido de que proíbe a celebração de acordos entre sociedades de gestão de direitos de autor estabelecidas em
diferentes Estados-membros, mediante os quais as sociedades acordam, numa base de reciprocidade, a gestão dos repertórios de cada uma das outras dentro do seu respectivo território nacional, proibindo igualmente que estas sociedades se recusem a conceder licenças para a execução pública dos seus repertórios a utilizadores de música estabelecidos nos territórios nacionais das outras sociedades?
3) O artigo 86.° do Tratado CEE deverá ser interpretado no sentido de que proíbe, como prática abusiva, que uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, exija que os seus clientes paguem um direito para poderem ter acesso ao seu repertório global, independentemente da efectiva utilização que dele façam?
4) Que critérios deverão ser aplicados por um tribunal nacional para determinar se o direito exigido por uma sociedade de gestão de direitos de autor que ocupa uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum pela execução pública do seu repertório é excessivamente elevado, de tal forma que a sua imposição constitui um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86.°? Poderá o tribunal nacional tomar em consideração a questão de saber se o direito foi fixado de maneira discriminatória, qual a
relação entre o nível do direito e o montante efectivamente pago aos autores e qual a relação entre o nível do direito e o montante exigido pelas sociedades de gestão de direitos de autor pela execução pública dos seus repertórios noutros Estados-membros?
Abordarei as questões pela ordem acima exposta.
A primeira questão (artigos 30.° e 59.° do Tratado CEE)
22. Se a questão do preço excessivo ou injusto ficar reservada para consideração à luz do artigo 86.°, a primeira questão torna-se relativamente simples. Esta questão, no fundo, consiste em saber se as disposições nacionais que permitem a exigência do pagamento de um direito pela execução em público de fonogramas por cuja produção e comercialização foram já pagos direitos noutro Estado-membro, podem considerar-se equivalentes a uma restrição à livre circulação de mercadorias, contrária ao artigo 30.°, ou à livre prestação de serviços, contrária ao artigo 59.°
23. É claro que a cobrança de um direito pela produção ou comercialização de um fonograma não esgota as possibilidades de exploração do direito de autor sobre uma obra musical. Como a Comissão alega nas suas observações escritas no processo 395/87, a doutrina do esgotamento dos direitos, desenvolvida na jurisprudência do Tribunal, visa impedir que o titular de um
direito de propriedade industrial ou intelectual se aproveite do âmbito territorial de aplicação da legislação nacional para beneficiar mais do que uma vez da comercialização do artigo - como um fonograma, por exemplo - em que o seu esforço criativo encontrou expressão material. Os presentes processos, todavia, não dizem respeito à comercialização de fonogramas, mas à execução pública de obras musicais - e esta, pela sua natureza, pode ser repetida um número indefinido de vezes.
24. É um princípio universal consagrado na doutrina dos direitos de autor (com afloramentos, inter alia, nos artigos 9.° e 11.° da convenção de Berna relativa à protecção das obras literárias e artísticas, na qual são partes todos os Estados-membros da CEE), que o titular de um direito de autor sobre uma obra musical ou semelhante tem o direito exclusivo de autorizar a reprodução da obra (isto é, por via de produção e comercialização) e a sua execução pública, e que estes dois direitos de exploração podem ser exercidos em separado ou cumulativamente. Este princípio foi reconhecido pelo Tribunal no seu acórdão de 17 de Maio de 1988, no processo 158/86, Warner Brothers/Christiansen, onde se fez referência às "duas prerrogativas essenciais do autor, o direito exclusivo de representação e o direito exclusivo de reprodução..." (n.° 13).
25. Tendo em conta o disposto no artigo 30.°, a jurisprudência do Tribunal reconhece que em relação a certos tipos de obras literárias e artísticas constitui parte da função essencial do direito de autor, para o respectivo titular ou seus mandatários, exigir direitos por qualquer execução pública das obras (ver,
quanto aos filmes, o processo 62/79, Coditel/Ciné Vog Films ("Coditel I"), Recueil 1980, p. 881, n.os 12 a 14; quanto aos fonogramas, o processo 402/85, Basset/SACEM, Colect. 1987, p. 1747). No processo Basset, o Tribunal examinou a compatibilidade do direito complementar de reprodução mecânica com o artigo 30.° Aderindo à opinião de que, a despeito de um nome que induz em erro, esse direito deve ser considerado uma parte da remuneração do autor pela execução pública, o Tribunal decidiu que:
"... mesmo supondo que a cobrança do direito em causa seja susceptível de produzir um efeito restritivo sobre as importações, não faz parte do quadro das medidas de efeito equivalente proibidas pelo artigo 30.° do Tratado, visto que deve ser considerada como exploração normal de um direito de autor e que não constitui uma discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário na acepção do artigo 36.° do Tratado" (n.° 16).
26. É claro que os mesmos princípios se aplicam em relação ao artigo 59.° No processo Coditel I (já referido) o Tribunal decidiu que:
"Se o artigo 59.° do Tratado proíbe as restrições à livre prestação de serviços, não tem em vista com isso os limites ao exercício de certas actividades económicas que provêm da aplicação das legislações nacionais relativas à protecção da propriedade intelectual, salvo se tal aplicação constituir uma
forma de discriminação arbitrária ou uma restrição disfarçada nas relações económicas entre os Estados-membros" (n.° 15).
Como foi referido, o Tribunal confirmou, no proceso Basset, que a exigência de um direito em relação à execução em público do fonograma não podia ser qualificada de discriminação arbitrária ou de restrição disfarçada ao comércio.
27. Por conseguinte, eu daria a seguinte resposta à primeira questão:
"Os artigos 30.° e 59.° do Tratado CEE não obstam à aplicação de uma legislação nacional que qualifica de contrafacção a execução pública de obras musicais por meio de suportes de som sem o pagamento de um direito, num caso em que já haviam sido pagos noutro Estado-membro os direitos referentes à produção e comercialização do suporte de som."
A segunda questão (artigo 85.° do Tratado CEE)
28. Os proprietários de discotecas alegam que o efeito da rede de contratos de representação recíproca, conjugado com a recusa, por parte de cada uma das sociedades de gestão de autores, de concessão de licenças de utilização do seu repertório por utilizadores de música fora do seu território nacional, se traduz na compartimentação dos mercados nacionais e assegura um monopólio de facto exercido por cada uma das sociedades dentro do seu próprio território nacional. Em consequência, os proprietários de discotecas em França não têm qualquer alternativa senão negociarem com a SACEM nas condições por ela impostas, sem poderem procurar
melhores condições junto das sociedades de gestão de direitos de autor estrangeiras. Argumentam, por isso, que os referidos acordos, conjugados com a recusa de concessão directa de licenças, devem ser considerados incompatíveis com o n.° 1 do artigo 85.°
29. O n.° 1 do artigo 85.° proíbe, por incompatíveis com o mercado comum, todos os acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. Em particular, o n.° 1 do artigo 85.° proíbe acordos e outras práticas restritivas que consistam em repartir os mercados ou as fontes de abastecimento. Tendo em conta o disposto no n.° 3 do artigo 85.°, um acordo pode beneficiar da não aplicação da proibição contida no n.° 1, caso estejam satisfeitas certas condições.
30. Um certo número de factores pode ser considerado objecto de acordo entre as partes, nos processos a nível nacional: em primeiro lugar, os acordos recíprocos existem e devem ser considerados acordos entre empresas, na acepção do n.° 1 do artigo 85.°; em segundo lugar, os acordos são de natureza não exclusiva (pois foi eliminada uma cláusula de exclusividade nos anos 70, a pedido da Comissão) e por isso, em princípio, as sociedades de gestão de direitos de autor podem confiar a gestão do
do seu repertório a mais do que uma sociedade para o mesmo território ou envolver-se directamente na concessão de licenças nos territórios de cada uma das outras. Todavia, também não é discutido que a limitação do âmbito territorial de cada um destes acordos tem como consequência que as sociedades de gestão de direitos de autor, ainda que desejassem conceder licenças a clientes nos territórios das outras, apenas poderiam conceder licenças para a utilização dos seus próprios repertórios, mas não para a utilização de repertórios de outras sociedades cuja gestão lhes foi confiada por força dos acordos recíprocos. Para dar um exemplo concreto, a sociedade alemã gestora de direitos de representação, GEMA, poderia, em princípio, conceder licenças para a utilização do seu próprio repertório nacional por utilizadores de música em França, mas não poderia concorrer com a SACEM oferecendo o repertório da British Performing Rights Society ou, muito menos, o próprio repertório nacional da SACEM, de que a GEMA é gestora na Alemanha, ao abrigo de um acordo recíproco de representação. Por outro lado, é pacífico que, até hoje, nenhum proprietário de discotecas em França conseguiu obter directamente uma licença para a utilização do repertório de uma sociedade de gestão de direitos de autor estrangeira e que, enquanto não se verificar esse licenciamento directo, cada sociedade gozará de uma total exclusividade de facto dentro do seu próprio território nacional. Assim, para voltar ao exemplo concreto dado acima, uma recusa pela SACEM de conceder licenças de utilização do seu próprio repertório aos proprietários de discotecas em França significa que a SACEM não tem de recear a concorrência da GEMA, mesmo em relação ao próprio repertório desta
última. Ao mesmo tempo, até este elemento de potencial concorrência parece ser ilusório, já que é reconhecido pelas partes que uma autorização directa limitada ao repertório de uma sociedade de gestão de direitos de autor em particular é provavelmente uma proposta comercialmente pouco atraente, quer para a sociedade, quer para os proprietários de discotecas.
31. Dois pontos são discutidos. O primeiro consiste em saber se a recusa de concessão directa de autorizações resulta de uma prática concertada, susceptível de ser abrangida pelo disposto no n.° 1 do artigo 85.° O segundo consiste em saber se os acordos recíprocos e a recusa de concessão de autorizações, tendo em conta as exigências práticas da gestão dos direitos de representação em relação a discotecas, são, em geral, na prática, susceptíveis de impedir, restringir ou falsear a concorrência neste mercado.
32. A SACEM não discute os factos relativos à compartimentação do mercado e à exclusividade de facto em relação a cada sociedade de gestão de direitos de autor, mas, apoiada pela Comissão, alega que estas características não resultam de qualquer prática proibida pelo n.° 1 do artigo 85.°, sendo antes um reflexo das realidades económicas deste mercado específico, que torna a concorrência impraticável e aponta inexoravelmente para a necessidade da gestão dos direitos de representação numa base territorial.
33. Em minha opinião, talvez não seja possível, nesta altura, dar uma resposta categórica aos problemas que poderão surgir nestes casos em relação ao artigo 85.° Estes processos são muito pouco comuns. A primeira vista, somos confrontados com uma absoluta exclusividade de facto, uma total compartimentação do mercado comum dentro das fronteiras nacionais e uma completa ausência de concorrência; em qualquer outro sector, tudo isto seria manifestamente incompatível com o n.° 1 do artigo 85.° Por outro lado, o mercado é totalmente excepcional, por causa da natureza pouco habitual dos direitos de propriedade intelectual em questão, que não só são de âmbito territorial, regulados exclusivamente pelos direitos nacionais, com sensíveis divergências entre si, e, de resto, sujeitos a períodos muito longos de protecção, mas ainda exigem, para serem efectivamente exercidos, uma supervisão e uma gestão permanentes nos territórios nacionais. A SACEM alega, neste contexto, que a concorrência entre sociedades de gestão de direitos de autor em diferentes Estados-membros da CEE não é praticável e que os acordos recíprocos e a recusa de concessão directa de autorizações não podem, consequentemente, de modo algum, impedir ou restringir a concorrência. A SACEM alega que qualquer sociedade de gestão de direitos de autor que desejasse actuar num território nacional diferente do seu próprio teria de montar um sistema de gestão que a habilitasse a negociar contratos com clientes, controlar os factores que constituem a base de cálculo dos direitos, fiscalizar a utilização do seu repertório e empreender as acções necessárias para a prevenção de contrafacções. Confrontada
com esta perspectiva, cada sociedade pode com mais reduzidos custos assegurar efectivamente a gestão do seu repertório, confiando-o à sociedade já estabelecida no outro território. Este acordo também beneficia o cliente, na medida em que lhe permite obter acesso à globalidade do repertório mundial de música através de negociações com uma única sociedade de gestão de direitos de autor.
34. A verdadeira natureza do problema assim apresentado é demonstrada pela rigidez da opção posta pelos termos do artigo 85.° neste caso. Por um lado, se se pretendesse declarar que não há restrição ou distorção da concorrência, para efeitos de aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 85.°, semelhante afirmação, neste sector, somente poderia ser baseada numa análise detalhada do mercado. Por outro lado, se se verificasse, à luz daquela análise, que existia tal efeito, pareceria impossível aplicar aos acordos em questão uma isenção nos termos do n.° 3 do artigo 85.°: com efeito, se afectam a concorrência, não podem satisfazer a exigência final contida no n.° 3 do artigo 85.°, pois eliminariam a concorrência em relação à totalidade do mercado.
35. Estas são matérias que, em minha opinião, a Comissão tem obrigação de resolver, tomando posição sobre os acordos que lhe foram notificados. A Comissão está, em qualquer caso, melhor colocada do que os tribunais nacionais para examinar o mercado a nível comunitário. A Comissão deveria, igualmente, poder decidir se a permanente exclusividade de facto é o resultado de uma prática concertada entre as sociedades encarregadas dos direitos de
representação nos Estados-membros ou se tal exclusividade resulta necessariamente da natureza do mercado em questão.
36. Na ausência de uma resposta formal por banda da Comissão, pode, em qualquer caso, ser supérfluo para os tribunais nacionais, nos presentes processos, pronunciarem-se directamente sobre os problemas que se levantam, tendo em conta o âmbito de aplicação do artigo 85.° A validade dos contratos de representação recíproca e a existência de qualquer prática concertada não parecem estar directamente em causa perante eles. Como é indicado pelos próprios tribunais nacionais, nos termos em que formularam as suas questões, estes factores parecem relevantes, exclusiva ou principalmente, na medida em que reforçam a posição dominante detida pela SACEM, tendo em conta o disposto no artigo 86.° Para este objectivo, seria suficiente, em minha opinão, que os tribunais nacionais considerassem questões de facto a exclusividade absoluta e a total ausência de concorrência, matérias que raramente são objecto de controvérsia entre as partes.
37. Se fosse considerado necessário que os tribunais nacionais se pronunciassem directamente quanto à aplicação do artigo 85.° nestes processos, o primeiro problema posto à sua consideração seria a recusa, pelas sociedades de gestão de direitos de autor, de concessão de autorizações para a utilização dos seus repertórios a utilizadores no exterior do seu próprio território nacional. Caberia aos tribunais nacionais decidir se isto pode ser visto como um problema com significado autónomo face aos acordos recíprocos, e se, desta forma, a recusa de concessão directa de autorizações é o
resultado de uma prática concertada entre as sociedades, como tem sido alegado pelos proprietários de discotecas nestes processos.
38. Em minha opinião, o problema da concessão directa de autorizações não pode ser desligado da questão dos acordos recíprocos. Como já mencionei acima, por causa da limitação territorial do âmbito dos acordos recíprocos, as sociedades de gestão de direitos de autor, mesmo que pretendessem conceder autorizações a clientes nos territórios de cada uma das outras, somente poderiam conceder licenças para a utilização dos seus próprios repertórios; ora, autorizações assim restringidas não parecem constituir uma proposta comercialmente viável. Em minha opinião, segue-se que a recusa de concessão directa de autorizações deve ser vista meramente como a consequência lógica dos acordos recíprocos; consequentemente, parece inútil examinar se aquela recusa é o resultado de uma prática concertada.
39. Se fosse tomada uma posição diferente em relação ao significado do problema da concessão directa de licenças, a questão essencial para os tribunais nacionais seria saber se a conduta das sociedades estrangeiras de gestão de direitos de autor ao recusarem conceder licenças directamente aos proprietários de discotecas em França é o resultado de uma coordenação ou cooperação intencional entre as sociedades, ou se, pelo contrário, resulta da decisão independente de cada sociedade, actuando por sua própria conta em função de uma apreciação dos seus interesses individuais. Ao decidirem esta questão, em minha opinião, seria legítimo que os tribunais nacionais tomassem em consideração a cooperação que já
existe entre as sociedade de gestão de direitos de autor por força da rede de contratos de representação recíproca e o facto de a exigência de exclusividade só ter sido eliminada dos acordos numa data relativamente recente (ver processo 243/83, Binon/AMP, Recueil 1985, p. 2015, n.° 17). Ao mesmo tempo, os tribunais nacionais necessitariam de examinar se o comportamento paralelo pode ser satisfatoriamente explicado por factores que não implicam a existência de uma prática concertada (ver processos apensos 29 e 30/83, Compagnie royale asturienne des mines SA e Rheinzink GmbH/Comissão, Recueil 1984, p. 1679, n.° 16). Ao examinar se existe explicação alternativa, seria necessário tomar em consideração as exigências especiais da gestão dos direitos de representação em relação às discotecas, que, alega a SACEM, explicam e justificam a organização desse mercado em termos nacionais (ver n.° 33, supra).
40. O problema seguinte posto à consideração dos tribunais nacionais seria saber se os acordos recíprocos (e, caso se considere relevante, a recusa de concessão directa de licenças) são susceptíveis, tendo em conta as especiais exigências do mercado em relação à gestão dos direitos de autor (referidas no n.° 33), de impedir, restringir ou falsear a concorrência neste mercado. Finalmente, no caso de terem reconhecido que há um efeito real ou potencial sobre a concorrência, os tribunais nacionais necessitariam de analisar o problema de saber se os acordos podem ser susceptíveis de beneficiar de uma isenção ao abrigo do n.° 3 do artigo 85.° Se entenderem que é possível, deverão suspender os processos e esperar pela decisão da Comissão - que, nos termos do
n.° 1 do artigo 9.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1962, p. 204; EE 08 F1 p. 22), tem competência exclusiva para conceder ou recusar as isenções.
41. Consequentemente, proponho que à segunda questão seja respondido como se segue:
"O n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que proíbe:
a) a celebração, entre sociedades de gestão de direitos de autor estabelecidas em diferentes Estados-membros, de acordos pelos quais assumem, numa base de reciprocidade, a gestão dos repertórios de cada uma das outras dentro dos seus respectivos territórios nacionais, caso esses acordos, tendo em conta as especiais características do mercado em relação à gestão dos direitos de representação, sejam susceptíveis de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado;
b) a recusa pelas sociedades de gestão de direitos de autor, vinculadas por uma rede de contratos de representação recíproca, de conceder directamente licenças para a utilização dos seus repertórios nacionais a utilizadores de música nos territórios nacionais de cada uma das outras, caso seja dado como provado que a recusa de autorização é o resultado de uma prática concertada entre aquelas sociedades e caso a recusa, tendo em conta as especiais características do mercado em relação à gestão dos direitos
de representação, seja susceptível de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado."
As terceira e quarta questões (artigo 86.° do Tratado CEE)
42. As terceira e quarta questões dizem respeito ao abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86.°, em relação às autorizações globais e ao nível dos direitos, respectivamente. Os tribunais nacionais não solicitam qualquer esclarecimento quanto às noções de posição dominante e de efeito da conduta da SACEM sobre o comércio. Parece ser suposto pelos tribunais nacionais que estas duas condições para a aplicabilidade do artigo 86.° estão satisfeitas e parece não haver razão para contestar essa posição. Não obstante, devo fazer preceder a consideração do problema do abuso de algumas considerações gerais acerca da natureza da posição dominante da SACEM.
43. Deve-se começar por dizer que esta posição dominante é fora do comum. O facto de a SACEM ser a única sociedade de gestão de direitos de autor deste tipo em França, de não ter qualquer razão para recear a concorrência das sociedades estrangeiras e de as suas actividades não serem objecto de uma apertada regulamentação pelas autoridades públicas significa que goza de uma liberdade de acção quase absoluta. Há, além disso, uma clara desigualdade de poder negocial entre a SACEM e as discotecas, que constituem um elevado número de pequenas e médias empresas geograficamente dispersas (se bem que, quanto à maior parte, agrupadas em várias organizações
profissionais), completamente dependentes da música para o seu funcionamento e sem possibilidade de escolha da contraparte para negociar. Conquanto estes factores, em si mesmos, não apontem para a existência de qualquer abuso ou exijam um mais elevado padrão de conduta da SACEM do que de qualquer outra empresa dominante, em minha opinião apontam para a necessidade de um exame particularmente exigente, por parte dos tribunais nacionais, da justificação para as práticas alegadamente abusivas. A abordagem feita pelos tribunais nacionais do problema da justificação diferirá em função das respectivas normas jurídicas nacionais. Enquanto um tribunal nacional poderá, por exemplo, fazer operar uma presunção, outro poderá proceder em termos de inversão do ónus da prova. O resultado final, todavia, será similar, isto é, as práticas terão de ser justificadas pela empresa dominante em questão.
A autorização global
44. Como foi já referido, por meio da "cláusula de montante fixo", constante do contrato-tipo celebrado com os proprietários das discotecas, a SACEM exige o pagamento de um único direito para acesso ao seu repertório global, independentemente do tipo ou do número de obras musicais efectivamente utilizadas pelas discotecas. Os proprietários de discotecas alegam que é abusivo exigir-lhes um pagamento para terem acesso à totalidade do repertório mundial gerido pela SACEM, quando as suas necessidades podiam ser satisfeitas pelo acesso apenas a uma certa parte ou partes daquele repertório. Não resulta de forma inteiramente clara dos autos quais
são as pretensões exactas das discotecas. Numa passagem é sugerido que solicitam simplesmente acesso a certos repertórios estrangeiros geridos pela SACEM, nomeadamente o americano e o britânico; noutro local, que solicitam acesso a uma certa categoria de obras musicais, isto é, música "pop", predominantemente, mas não exclusivamente, de origem anglo-americana. Em qualquer hipótese, reivindicam menos do que a autorização global, deixando subentender que tal licença menos extensa será necessariamente mais barata.
45. A Comissão e o Governo francês, pelo seu lado, salientam que as dificuldades práticas da divisão do repertório mundial em lotes comercializáveis e a consequente necessidade de acrescida verificação e controlo conduziriam, provavelmente, a custos mais elevados e não a custos inferiores para os utilizadores de música. Apontam, igualmente, as vantagens da autorização global, na medida em que proporciona às discotecas uma liberdade completa na escolha de obras musicais.
46. O Tribunal não teve ainda ocasião de se pronunciar sobre a compatibilidade com o artigo 86.° de uma prática como a autorização global. Todavia, no processo 127/73, BRT/SABAM e NV Fonior (Recueil 1974, p. 313), foi pedido que fosse objecto de resposta, inter alia, a questão de saber se a exigência por uma sociedade de gestão de direitos de autor da transferência global, pelos seus membros, de todos os direitos sem qualquer distinção entre categorias podia ser considerada um abuso, na acepção do
artigo 86.° No acórdão, o Tribunal entendeu que, para se determinar se a sociedade impôs condições não equitativas aos seus membros, deverão ser tomados em conta todos os interesses relevantes com vista a pôr em confronto a gestão efectiva dos direitos pela sociedade e a exigência de um máximo de liberdade dos membros no respeitante à possibilidade de disporem das suas obras; para esta finalidade, foi necessário analisar se as práticas controvertidas da sociedade excederam o limite do absolutamente necessário para a prossecução dos seus objectivos (n.os 7 a 11). Sugiro que semelhante abordagem seja aqui adoptada, excepto no que toca àquele confronto, que neste caso deverá ser feito entre os interesses das sociedades de gestão de direitos de autor e uma categoria dos seus clientes, isto é, os proprietários de discotecas.
47. Os tribunais dos Estados Unidos, que se viram confrontados com repetidos litígios anti-trust em relação à prática de concessão de licenças globais (conhecida por "blanket licensing") pelas sociedades americanas de direitos de representação, a Broadcast Music Inc. ("BMI") e a American Society of Composers, Authors and Publishers ("ASCAP"), encararam o problema em termos de ponderação a fazer entre os benefícios do "blanket licensing", quer em relação aos clientes, quer em termos de efectiva gestão dos direitos de autor, e as desvantagens em termos de restrições da concorrência e da liberdade de escolha dos clientes. Embora devam ser admitidas certas diferenças de ênfase resultantes dos diferentes contextos legais e factuais, a jurisprudência americana fornece algumas indicações úteis para a apreciação dos interesses concorrentes envolvidos.
48. Num acórdão que fez doutrina, proferido em 1979 no processo Columbia Broadcasting System/BMI e ASCAP (441 US 1, 60 L Ed 2nd 1, 99 S Ct 1551), o Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu que o "blanket licensing", per se, não podia ser considerado uma violação do Sherman Act, mas devia ser apreciado à luz de uma "rule of reason". Tendo em conta a "rule of reason", o tribunal deve ponderar os efeitos pró-concorrenciais de uma prática em confronto com os seus efeitos anticoncorrenciais, de forma a determinar se essa prática restringe, de forma não razoável, o comércio no mercado em causa. Ao aplicar esta análise a processos instaurados por diferentes utilizadores em relação ao "blanket licensing", os tribunais de instância americanos, em geral, pronunciaram-se a favor do "blanket licensing" (ver, em particular, Buffalo Broadcasting Inc. e o./ASCAP e BMI, United States Court of Appeal for the Second Circuit, 18 de Setembro de 1984, 744 F., 2nd 917; 223 US PQ (BNA) 478; Copy L. Rep. (CCH) P25, 710; Fed. Sec. L. Rep. (CCH) P66, 204). De particular interesse é o processo BMI/Moor-Law Inc. (527 F. Supp. 758 (D. Del. 1981)), em que a entidade gestora dos direitos de representação instaurou um processo por contrafacção devido à utilização não autorizada do seu repertório pelo night-club da ré, que pediu em reconvenção o reconhecimento de que a BMI tinha violado as leis anti-trust por não oferecer uma alternativa realista à autorização global, que constituía uma imposição ilegal. Numa abordagem baseada na "rule of reason", o tribunal pronunciou-se, inter alia, no sentido de que a autorização global privava os utilizadores de música do controlo sobre as suas obrigações totais para com a BMI,
pois os direitos pagos não foram calculados com base em factores que podiam controlar, como o número de representações de cada obra, mas com base em factores menos controláveis, tais como (nesse caso) as despesas efectuadas pelo night-club para proporcionar diversão "ao vivo". Pelo lado positivo, o tribunal salientou a simplicidade e a relação custos-eficácia da autorização global como meio de comercializar direitos de representação, bem como a flexibilidade que oferece aos utilizadores (como a ré, naquele caso), que não podiam identificar de antemão as composições que utilizariam. O tribunal, além disso, declarou que não havia alternativas praticáveis à autorização global; em particular, a alternativa de uma licença baseada no tipo de música utilizado pelo licenciado envolveria custos adicionais no respeitante à divisão do repertório por tipos de música, ao controlo da utilização e à resolução dos litígios quanto ao âmbito da autorização.
49. Cabe aos tribunais nacionais, nos presentes processos, ponderar os benefícios e desvantagens da autorização global, tomando em consideração o contexto particular em que é imposta. Ao fazê-lo, os tribunais podem ter em consideração a óbvia conveniência da autorização global como um veículo para a comercialização dos direitos de representação, tal como a flexibilidade que oferece aos utilizadores, como as discotecas, que não podem prever atempadamente as suas necessidades exactas. Cabe também aos tribunais nacionais examinar se há uma alternativa viável à autorização global. Ao fazê-lo, será necessário, em primeiro lugar, determinar quais são as reais exigências das
discotecas. Se pretenderem somente o acesso a certos repertórios estrangeiros, os custos da classificação serão provavelmente mais baixos, mas os custos do controlo proporcionalmente mais elevados. A criação de uma nova categoria de música "pop" para dançar, por outro lado, afigura-se mais onerosa, pelo menos inicialmente, mas desde que a categoria seja definida, de forma bastante ampla, não dará necessariamente origem a despesas de fiscalização mais elevadas. Finalmente, os tribunais nacionais, em minha opinião, deveriam tomar em consideração um outro factor que foi considerado relevante no processo SABAM, já referido, e também em certas decisões americanas, que é o poder de negociação respectivo das partes.
50. No que respeita à formulação da resposta à terceira questão, conquanto atrás tenha procurado esclarecer em pormenor os seus aspectos mais relevantes, pode bastar adoptar a solução encontrada no processo SABAM, a que me tenho referido. Responderia, consequentemente, à terceira questão, da forma seguinte:
"O artigo 86.° proíbe como prática abusiva a imposição por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, de uma exigência no sentido de os seus clientes deverem pagar um direito pelo acesso ao repertório total da sociedade, independentemente da efectiva utilização desse repertório pelos clientes em questão, caso a imposição dessa exigência exceda o necessário para uma gestão eficaz dos direitos de autor."
O nível do direito
51. Como a Comissão alegou nas suas observações escritas nestes processos, há uma tendência natural por parte de um monopólio para impor um preço de monopólio, isto é, um preço que lhe permita um lucro máximo e que é mais elevado do que seria possível impor no mercado concorrencial. Embora do ponto de vista económico tal comportamento seja perfeitamente racional, dele pode resultar a imposição de preços injustamente elevados a clientes ou consumidores. O artigo 86.° proíbe especificamente os preços não equitativos como uma prática abusiva e o Tribunal tem entendido que um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86.°, pode consistir na imposição de um preço excessivo em relação ao valor económico do serviço prestado (processo 26/75, General Motors/Comissão, Recueil 1975, p. 1367).
52. O Tribunal, além disso, entendeu já, em relação ao nível do direito aplicado pela SACEM aos proprietários de discotecas francesas, que:
"não se exclui que o nível da taxa ou das taxas cumuladas, fixadas pela sociedade de gestão, possa ser tal que se torne aplicável o artigo 86.° do Tratado" (processo 402/85, Basset/SACEM, Colect. 1987, p. 1747).
No processo Basset, porém, não se pedia ao Tribunal que se pronunciasse sobre o nível dos direitos. Nos presentes processos, os tribunais nacionais procuram especificamente uma orientação
quanto ao critério a aplicar para determinar se o nível dos direitos é ou não injustamente elevado.
53. Há consenso nas observações apresentadas ao Tribunal nestes processos acerca da inaplicabilidade, no presente contexto, do critério adoptado no processo 27/76, United Brands/Comissão (Recueil 1978, p. 207), para determinar se um preço é excessivo em relação ao valor económico do benefício recebido. Naquele acórdão, o Tribunal indicou (em relação a um produto e não a um serviço) que é necessário examinar se a diferença entre os custos efectivamente suportados no fabrico do produto e o preço efectivamente exigido é excessivo e, se a resposta a essa questão for em sentido afirmativo, se foi imposto um preço que é injusto, em valores absolutos ou quando comparado com produtos concorrentes (n.° 252 do acórdão). Alega-se que é inadequado, no presente contexto, proceder na base de uma comparação entre os custos de produção e o preço de venda, dado que é impossível determinar o custo da criação de uma obra intelectual, como é uma obra musical. Além disso, é impossível comparar o nível dos direitos impostos pela SACEM com o nível dos que são exigidos pelas suas concorrentes, porque não há nenhuma.
54. Face à visível inadequação do método estabelecido, os tribunais nacionais mencionam três possíveis critérios para determinar se o nível do direito é excessivo, nomeadamente a discriminação, as relações entre o nível do direito e o montante pago aos autores e uma comparação com o nível de direitos exigidos pelas homólogas da SACEM aos proprietários de discotecas de outros
Estados-membros. A SACEM rejeita esses critérios, em especial o da comparação com as taxas de outros Estados, e propõe vários critérios da sua própria lavra, dos quais os mais significativos são a importância da música para as discotecas e, consequentemente, do acesso ao repertório, o custo daquele acesso em proporção dos custos totais suportados pelas discotecas e a comparação com os direitos impostos pela SACEM a outras categorias de utilizadores de música em França. Considerarei sucessivamente os critérios mencionados pelos tribunais nacionais e os propostos pela SACEM e depois procurarei examinar se há outros critérios que possam auxiliar os tribunais nacionais na apreciação do nível do direito.
i) Os critérios referidos pelos tribunais nacionais
55. O problema da discriminação é levantado nas segunda e quinta questões apresentadas pelo tribunal nacional no processo 395/87. Todavia, não resulta claramente do pedido de decisão prejudicial em que caso e em que aspecto o nível do direito pode ser considerado discriminatório. Podem ser, consequentemente, consideradas quatro hipóteses:
1) O direito é discriminatório porque, na prática, é fixado de acordo com a capacidade de pagamento do proprietário da discoteca e não de acordo com a efectiva utilização do repertório da SACEM.
2) O direito é discriminatório tendo em conta os níveis exigidos pelas sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros da CEE.
3) O direito é discriminatório porque são aplicados níveis diferentes a diferentes categorias de proprietários de discotecas. Neste contexto, deverá recordar-se que a maioria dos proprietários de discotecas paga um direito reduzido em virtude de acordos especiais celebrados entre as suas organizações profissionais e a SACEM, e que outras discotecas também beneficiam a título individual de condições favoráveis.
4) O direito é discriminatório tendo em conta o nível exigido a outras categorias de utilizadores de música.
56. A primeira hipótese levanta o mesmo problema que o da autorização global, que foi já acima considerado (nos n.os 44 a 49). A importância dos níveis dos direitos exigidos noutros Estados-membros para determinar se o direito exigido pela SACEM é excessivo será objecto de consideração mais tarde (nos n.os 60 a 63); mas, em qualquer caso, a diferença entre os níveis não pode ser considerada resultante de discriminação pela SACEM, uma vez que esta não é responsável pela fixação dos níveis noutros Estados-membros. Se, ao referir-se à discriminação, o tribunal nacional tinha em mente o facto de a SACEM impor direitos diferentes a diferentes categorias de proprietários de discotecas,
sou da opinião de que tal conduta não equivale a uma indicação no sentido de que o direito normal, de 8,25% das receitas totais, seja excessivo, mas pode equivaler a outra discriminação abusiva prevista na alínea c) do artigo 86.°, isto é, "aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência". Para decidir se existe uma discriminação, nesta acepção, o tribunal nacional necessitará de considerar como questão de facto se há uma justificação objectiva para a diferenciação no tratamento entre diferentes categorias de proprietários de discotecas. O problema crucial, nesta óptica, consiste em saber se os proprietários de discotecas que gozam de tratamento mais favorável fornecem uma genuína e adequada compensação por esse tratamento especial.
57. Quanto à quarta hipótese, o Tribunal indicou no acórdão United Brands (já referido) que é possível inferir se um preço é excessivo, inter alia, examinando os preços de produtos comparáveis. No presente contexto, consequentemente, parece legítimo que os tribunais nacionais tomem em consideração o nível dos direitos pagos por outros importantes utilizadores de música - tais como estações de rádio e de televisão - para terem acesso ao repertório da SACEM; se se detectar uma significativa desproporção entre os direitos pagos por aqueles outros utilizadores e pelos proprietários de discotecas, isso pode ser um indício de que o nível dos direitos exigidos aos últimos é excessivo. Na efectivação de tal comparação, será de facto necessário que os tribunais nacionais tenham em consideração o facto de a maioria dos proprietários de discotecas pagar menos do que a taxa básica
de 8,25%. Acrescentaria que diferenças de tratamento entre os proprietários de discotecas e os outros utilizadores de música que careçam de justificação objectiva podem, portanto, equivaler a uma prática abusiva diferente, prevista na alínea c) do artigo 86.° (ver o n.° 56 destas conclusões).
58. A importância do montante do direito pago aos autores, como critério para apreciar se o direito é ou não injusto, é referida na terceira questão apresentada pelo tribunal nacional no processo 395/87. Não é claro se, ao referir-se ao montante pago aos "autores", o tribunal nacional pretendia dizer "autores" no sentido restrito de compositores de obras musicais ("compositeurs et auteurs") ou no sentido amplo de titulares de direitos de autor. Dos números fornecidos pela SACEM à Comissão, resulta que, em 1986, o total das receitas recebidas das discotecas foi de cerca de 250 milhões de francos franceses, dos quais 83 milhões de francos franceses (após dedução das despesas administrativas e outras) seguiram para os membros da SACEM, incluindo editores e subeditores; destes 83 milhões, 27,6 milhões foram pagos especificamente a compositores. Ainda que este último número ignore os montantes que foram pagos a compositores estrangeiros por via das homólogas da SACEM noutros países, a proporção efectivamente paga aos compositores parece pequena.
59. Todavia, não considero que o problema do montante especificamente pago aos compositores seja útil para determinar o carácter equitativo ou não do direito pago pelas discotecas. A razão consiste em que o direito de autor sobre uma obra musical
é normalmente detido e explorado por pessoas diferentes para fins diversos. Cada titular de um direito de autor, seja um compositor em sentido restrito, um editor de música ou um produtor de suportes de som, poderá reclamar uma remuneração proveniente dos direitos cobrados pelas obras musicais, em contrapartida do seu esforço criativo ou do seu investimento. A meu ver, considerar o montante do direito efectivamente pago a uma única categoria de titulares de direitos de autor, isto é, aos compositores, não pode deixar de induzir em erro. Por outro lado, a relaçâo entre o nível do direito e o montante efectivamente pago aos titulares de direitos de autor como um todo é, em minha opiniâo, relevante para avaliar o carácter equitativo do direito; em breve, voltarei a este ponto (ver infra, n.os 69 a 73).
60. Passando ao critério da comparação com as taxas dos direitos exigidos noutros Estados-membros da CEE, diria, para começar, que considero este método potencialmente útil, mas não imediatamente, para os tribunais nacionais. A dificuldade deste método comparativo reside em que é necessário imaginar um termo objectivo de comparação entre as taxas impostas nos diferentes Estados-membros. Isto não é tarefa fácil, dadas as diferenças das legislações nacionais e dos métodos de cálculo e de cobrança dos direitos utilizados pelas diferentes sociedades de gestão de direitos de autor. Por exemplo, quanto à legislação nacional dos Estados-membros, somente a França e a Bélgica exigem um pagamento
adicional pelo direito de reprodução mecânica, um factor que provoca necessariamente um aumento do nível global do direito exigido nestes países. Quanto aos métodos de cálculo e de cobrança, enquanto a SACEM exige uma percentagem fixa das receitas totais, outras sociedades de gestão de direitos de autor fixam os seus direitos com base numa taxa uniforme, em função de factores como o tamanho da discoteca, o número de lugares sentados, o preço de entrada ou o preço da bebida mais consumida.
61. Segundo salienta a Comissão, provavelmente a única maneira de neutralizar essas diferenças, por forma a chegar a uma comparação válida, consiste em comparar os dados com base no direito imposto a uma discoteca-tipo ideal. A Comissão levou a cabo esse exercício no quadro da sua investigação acerca do nível dos direitos exigidos pela SACEM. Solicitou a cada uma das sociedades de gestão de direitos de autor que calculasse o direito que teria de pagar uma discoteca imaginária, acerca da qual forneceu detalhes suficientes (receitas globais, dimensões, etc.) para que cada sociedade pudesse aplicar o seu próprio método de cálculo. Os resultados desta diligência foram apresentados em forma de quadro ao Tribunal. Mostram que a discoteca imaginária pagaria o montante mais elevado em França (100%), imediatamente seguida somente pela Itália (91,37%). Os equivalentes a pagar noutros Estados-membros, como a Alemanha (6,7% do montante pago em França), o Reino Unido (12,24%) e o Luxemburgo (19,04%), são notoriamente inferiores. Quanto ao Luxemburgo, onde os direitos de representação são geridos pela SACEM, é de notar que os direitos a pagar pelas discotecas são
estabelecidos com base numa taxa fixa e que as actividades das sociedades de gestão de direitos de autor, incluindo a fixação do montante dos direitos, estão sujeitas a supervisão do ministro da Economia Nacional (regulamento grão-ducal de 26 de Outubro de 1972, Mémorial 1972, p. 1495).
62. A SACEM criticou justificadamente os resultados da análise comparativa da Comissão na audiência. Alegou que o quadro contém vários erros (por exemplo, chama direito anual à taxa diária estabelecida pela sociedade portuguesa) e que a Comissão ignora o facto de a sociedade alemã, GEMA, na maior parte dos casos aplicar um aumento de 50% ao direito que impõe, de forma a tomar em consideração a música gravada pela discoteca para seu uso próprio. Os cálculos da Comissão também não tomaram em consideração reduções que são particularmente importantes em França, onde cerca de 80% das discotecas, de facto, pagam apenas 6,26% das suas receitas totais, e não a taxa de base de 8,25%. Os números, além disso, não tomam em consideração o facto, acima referido no n.° 60, de somente a França e a Bélgica, entre os países da CEE, imporem um encargo adicional pelo direito de reprodução mecânica. Mais importante ainda - uma crítica que a própria Comissão admite - é o facto de uma simples análise comparativa ser claramente insuficiente para dar um quadro global das possíveis disparidades, particularmente tendo em conta a diferença fundamental entre o método de cálculo utilizado pela SACEM e o utilizado por sociedades de outros Estados-membros. Para que tal quadro global pudesse ser obtido, seria necessário efectuar numerosas análises comparativas,
utilizando como referência discotecas imaginárias com parâmetros diferentes.
63. Se, quando tais análises comparativas tiverem sido realizadas, os resultados demonstrarem a existência de disparidades no nível dos direitos, essas disparidades poderão constituir um indício prima facie, para um tribunal nacional, de uma possível prática abusiva, ainda que a mera existência de tais disparidades não seja, de facto, concludente. Se os resultados revelarem que o nível dos direitos é substancialmente mais elevado em França do que noutros Estados-membros, haverá, em minha opinião, uma forte presunção de prática abusiva, tornando proporcionalmente mais pesado o ónus, que impenderia sobre a SACEM, de justificar o nível dos direitos que exige (ver n.° 43 destas conclusões).
ii) Os critérios propostos pela SACEM
64. Rejeitando tanto a comparação com o nível dos direitos exigidos noutros Estados-membros como os outros critérios referidos pelos tribunais nacionais, a SACEM propõe alguns critérios diferentes, incluindo a importância da música para as discotecas, o valor do direito em relação aos custos totais suportados pelas discotecas e uma comparação com os direitos exigidos a outras categorias de utilizadores de música em França.
65. O critério da importância da música para o sector de actividade em questão é aparentemente atractivo, uma vez que parece absolutamente lógico que aqueles que necessitam mais de música
paguem mais por ela. Todavia, parece-me que a utilidade do critério entra em crise numa situação em que uma dada categoria de utilizadores está completamente dependente do fornecimento de música para poder exercer a sua actividade e em que, devido à ausência de concorrência, esta categoria não tem outro remédio senão pagar, qualquer que seja o preço que lhe é exigido. Esta é a situação das discotecas francesas.
66. A SACEM alega que o custo do direito para as discotecas equivale a uma média de cerca de 10% do total das despesas, o que é inferior a outras despesas, como a mão-de-obra, e se considera uma proporção razoável. Todavia, idênticas objecções podem ser feitas, tanto em relação a este, como em relação ao primeiro critério. Numa situação de total dependência de um fornecedor, não é possível dizer até que ponto o custo do fornecimento se torna desrazoável para o comprador: simplesmente, tem de pagar ou cessa de funcionar. Seria também de ter presente que o sistema de cobrança utilizado pela SACEM, ou seja, uma percentagem do volume de negócios total, torna impraticável para o explorador de uma discoteca tentar influenciar ou mesmo prever com segurança o nível das suas obrigações financeiras para com a SACEM. O sistema de autorização global e a impossibilidade prática de acesso directo às sociedades de gestão de direitos de autor estrangeiras, além disso, impossibilitam-no de economizar, reduzindo a sua dependência do repertório da SACEM.
67. A SACEM vai ao ponto de expor as taxas dos direito impostos a outros importantes utilizadores de música, como as redes de rádio e televisão, alegando que as diferenças entre as taxas pagas pelas diversas categorias de utilizadores reflectem a importância da música para o funcionamento de cada categoria. Todavia, como o agente da Comissão energicamente alegou na audiência, mesmo que o sistema de imposição da SACEM seja internamente coerente, isso não prova que seja equitativo em relação aos seus clientes: é possível que os encargos impostos a cada categoria, embora proporcionais entre si, sejam todos manifestamente elevados. O critério sugerido pela SACEM é, consequentemente, de limitada utilidade. Por outro lado, como foi já referido, uma manifesta desproporção entre os encargos suportados pelas diferentes categorias pode indiciar que um dado encargo é excessivo (ver n.° 57 destas conclusões).
iii) Outros critérios possíveis
68. O exame dos critérios sugeridos pelos tribunais nacionais e pela SACEM tem sido de pouca utilidade concreta imediata para os tribunais nacionais. Em minha opinião, se se pretende estabelecer uma base firme para o cálculo do direito, em relação ao valor do benefício concedido, é necessário regressar ao tipo de critério económico-objectivo adoptado pelo Tribunal de Justiça no acórdão United Brands.
69. Admito que o método preciso estabelecido nesse acórdão, isto é, a comparação entre o preço de custo e o preço de venda com vista
a determinar a margem de lucro, não pode ser directamente transposto para o presente contexto. Todavia, tendo em consideração a perspectiva apontada pelo Tribunal no processo SABAM, a que já me referi, julgo que os tribunais nacionais podem determinar se o direito é excessivo por um método objectivo consistente numa comparação entre o nível do direito (tomando em conta, para este efeito, as respectivas receitas totais), por um lado, e as despesas exigidas por uma gestão eficaz dos direitos de representação e pela necessidade de assegurar uma remuneração razoável aos titulares de direitos de autor, por outro.
70. Ao efectuar esta avaliação, os tribunais nacionais necessitarão de ter em consideração a estrutura dos custos da SACEM. Os números mais recentes disponíveis nestes processos referem-se a 1986 e são provenientes do relatório geral da SACEM (rapport d' activité) relativo àquele ano e da correspondência entre a SACEM e a Comissão. Resulta desses documentos que, em 1986, as receitas globais da SACEM provenientes de direitos de todos os géneros se elevaram a cerca de 1,1 bilião de francos franceses. Desta soma, cerca de 250 milhões, ou seja, cerca de 25%, provieram de discotecas, tanto ambulantes como fixas, tornando as discotecas a mais importante fonte de receitas, a seguir ao sector da rádio e da televisão. Dessas receitas de 250 milhões de francos franceses, 33 1/3%, ou seja, cerca de 83 milhões, foram retidos pela SACEM para gestão e despesas correntes, restando, após dedução de algumas outras despesas, o montante líquido de 150 milhões de francos franceses para distribuição. Desta soma líquida, cerca de 83 milhões de francos franceses foram distribuídos aos membros da
SACEM e cerca de 46,8 milhões foram remetidos às sociedades de gestão de direitos de autor estrangeiras com as quais a SACEM tem contratos de representação recíproca. Cerca de 20 milhões de francos franceses não foram distribuídos porque os titulares de direitos de autor em causa não puderam ser identificados.
71. Compete, de facto, aos tribunais nacionais apreciar a estrutura dos custos e tirar algumas conclusões necessárias. Todavia, dos números acima mencionados, dois aspectos parecem merecer particular consideração: o primeiro é a proporção das receitas brutas retidas pela SACEM para cobrir despesas de gestão; e o segundo é a proporção das receitas líquidas distribuídas às sociedades de gestão de direitos de autor estrangeiras.
72. Quanto às despesas de gestão, parece que a SACEM deduz a mesma proporção - isto é, 33 1/3% - de todos os direitos, quer se destinem aos seus próprios membros, quer a sociedades estrangeiras. É digno de nota que o montante retido para despesas de gestão - 83 milhões - seja igual ao que é distribuído aos próprios membros da SACEM e quase o dobro do distribuído a sociedades estrangeiras. Os custos de gestão parecem ser de três ordens, consistindo nas despesas relativas às autorizações (isto é, à actividade de contratação com as discotecas), à cobrança dos direitos e à distribuição, incluindo o controlo da utilização de música. Tendo em conta a utilização de contratos-tipo e de autorizações globais, há boas razões para crer que as despesas
efectivas com as autorizações deveriam ser fracas. Similarmente, o facto de a grande maioria das discotecas ter aceitado enviar as suas declarações fiscais à SACEM em compensação de reduções da taxa dos direitos deveria reduzir os custos efectivos de cobrança. Quanto às despesas de controlo da utilização da música, a SACEM revelou, em correspondência com a Comissão que esta colocou à disposição do Tribunal em resposta a uma questão escrita, que em cada ano efectua inspecções no local em metade das discotecas permanentes e num quarto das que só funcionam durante uma parte do ano. Essas inspecções consistem no controlo, durante duas horas, das obras efectivamente difundidas na discoteca. Os controlos no local exigem obviamente muita mão-de-obra e, por conseguinte, devem ser dispendiosos. Em minha opinião, compete aos tribunais nacionais apreciar se tais controlos são necessários e eficazes à luz do seu objectivo, que é contribuir para uma justa distribução dos direitos entre os titulares de direitos de autor, ou se bastaria que a SACEM se baseasse noutros meios, tais como declarações dos disc-jockeys, que, de acordo com o contrato-tipo, cada discoteca está, de qualquer maneira, obrigada a fornecer. Neste contexto, é significativo que, de acordo com a correspondência atrás mencionada, igualmente referente às sociedades homólogas da SACEM noutros Estados-membros da CEE, a SACEM seja a única sociedade de gestão de direitos de autor que se apoia sistematicamente em controlos levados a cabo no local, enquanto as outras se baseiam nas declarações dos disc-jockeys, por vezes combinadas com sondagens ocasionais, ou mesmo em informação recolhida de fontes estranhas, como a frequência da utilização na rádio ou na televisão.
73. Se é correcto que as discotecas em França utilizam predominantemente música "pop" de origem anglo-americana (e se será esse o caso caberá aos tribunais nacionais apurar, dado tratar-se de uma questão de facto), seria de esperar que a maior parte do montante líquido para distribuição fosse destinada às sociedades de direitos de representação britânica e americana. Os números referidos acima indicam, de facto, que, em 1986, daquela soma líquida, mais de 50% foram distribuídos aos membros da SACEM e apenas 25% às sociedades estrangeiras. O montante transferido para as sociedades estrangeiras não toma em consideração certas somas que devem também ser consideradas receitas de exploração de obras musicais estrangeiras, nomeadamente os montantes devidos a subeditores franceses, adaptadores, etc., de obras estrangeiras, que recebem a sua parte dos direitos directamente da SACEM. Nem tão-pouco o montante total de 46,8 milhões de francos franceses é repartido entre as diversas sociedades estrangeiras (ainda que a SACEM tenha informado a Comissão de que a British Performing Right Society recebeu cerca de 11,6 milhões de francos franceses e a alemã GEMA cerca de 5,4 milhões). Os tribunais nacionais podem ter necessidade de examinar, tendo em conta a utilização efectiva dos repertórios estrangeiros, se a proporção das receitas provenientes dos direitos distribuída às sociedades estrangeiras de gestão de direitos de autor fornece uma indicação no sentido de que o nível dos direitos é excessivo.
74. Consequentemente, daria a seguinte resposta à quarta questão:
"Para determinar se o nível dos direitos exigidos a uma categoria dos seus clientes por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, é excessivamente elevado, de tal forma que a imposição desses direitos constitui uma prática abusiva, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE, um tribunal nacional pode ter em conta a questão de saber se o nível dos direitos é desproporcionado:
a) em relação aos direitos exigidos pela mesma sociedade a outras categorias de clientes;
b) em relação às despesas exigidas por uma gestão eficaz dos direitos de autor e pela necessidade de assegurar uma remuneração razoável aos titulares de direitos de autor.
A existência de disparidades substanciais entre os níveis dos direitos exigidos pela sociedade de gestão de direitos de autor dominante e dos exigidos pelas sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros (se estabelecidas por métodos objectivos de comparação) dará origem a uma forte presunção de que os direitos exigidos pela sociedade que ocupa uma posição dominante são excessivos, com a consequência de que incumbirá a essa sociedade justificar o respectivo nível."
Conclusão
75. Em conclusão, daria a seguinte resposta às questões apresentadas pela cour d' appel de Poitiers e pelo tribunal de grande instance de Poitiers nos processos apensos 110/88, 241 e 242/88:
"1. O n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que proíbe:
a) a celebração, entre sociedades de gestão de direitos de autor estabelecidas em diferentes Estados-membros, de acordos pelos quais assumem, numa base de reciprocidade, a gestão dos repertórios de cada uma das outras dentro dos seus respectivos territórios nacionais, caso esses acordos, tendo em conta as especiais características do mercado em relação à gestão dos direitos de representação, sejam susceptíveis de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado;
b) a recusa pelas sociedades de gestão de direitos de autor vinculadas por uma rede de contratos de representação recíproca de conceder directamente licenças para a utilização dos seus repertórios nacionais a utilizadores de música nos territórios nacionais de cada uma das outras, caso seja dado como provado que a recusa de autorização é o resultado de uma prática concertada entre aquelas sociedades e caso a recusa, tendo em conta as especiais características do mercado em
relação à gestão dos direitos de representação, seja susceptível de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado.
2. O artigo 86.° do Tratado CEE proíbe como prática abusiva a imposição por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, de uma exigência no sentido de os seus clientes deverem pagar um direito pelo acesso ao repertório total da sociedade, independentemente da efectiva utilização desse repertório pelos clientes em questão, caso a imposição dessa exigência exceda o necessário para uma gestão eficaz dos direitos de autor.
3. Para determinar se o nível dos direitos exigidos a uma categoria dos seus clientes por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, é excessivamente elevado, de tal forma que a imposição desses direitos constitui uma prática abusiva, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE, um tribunal nacional pode ter em conta a questão de saber se o nível dos direitos é desproporcionado:
a) em relação aos direitos exigidos pela mesma sociedade a outras categorias de clientes;
b) em relação às despesas exigidas por uma gestão eficaz dos direitos de autor e pela necessidade de assegurar uma remuneração razoável aos titulares de direitos de autor.
A existência de disparidades substanciais entre os níveis dos direitos exigidos pela sociedade de gestão de direitos de autor dominante e dos exigidos pelas sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros (se estabelecidas por métodos objectivos de comparação) dará origem a uma forte presunção de que os direitos exigidos pela sociedade que ocupa uma posição dominante são excessivos, com a consequência de que incumbirá a essa sociedade justificar o respectivo nível."
76. Daria as seguintes respostas às questões apresentadas pela cour d' appel de Aix-en-Provence no processo 395/87:
"1. Os artigos 30.° e 59.° do Tratado CEE não obstam à aplicação de uma legislação nacional que qualifica de contrafacção a execução pública de obras musicais por meio de suportes de som sem o pagamento de um direito, num caso em que já haviam sido pagos noutro Estado-membro os direitos referentes à produção e comercialização do suporte de som.
2. O n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que proíbe:
a) a celebração, entre sociedades de gestão de direitos de autor estabelecidas em diferentes Estados-membros, de acordos pelos quais assumem, numa base de reciprocidade, a gestão dos repertórios de cada uma das outras dentro dos seus respectivos territórios nacionais, caso esses acordos, tendo em conta as especiais características do mercado em relação à gestão dos
direitos de representação, sejam susceptíveis de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado;
b) a recusa pelas sociedades de gestão de direitos de autor vinculadas por uma rede de contratos de representação recíproca de conceder directamente licenças para a utilização dos seus repertórios nacionais a utilizadores de música nos territórios nacionais de cada uma das outras, caso seja dado como provado que a recusa de autorização é o resultado de uma prática concertada entre aquelas sociedades e caso a recusa, tendo em conta as especiais características do mercado em relação à gestão dos direitos de representação, seja susceptível de impedir, restringir ou falsear a concorrência nesse mercado.
3. O artigo 86.° do Tratado CEE proíbe como prática abusiva a imposição por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, de uma exigência no sentido de os seus clientes deverem pagar um direito pelo acesso ao repertório total da sociedade, independentemente da efectiva utilização desse repertório pelos clientes em questão, caso a imposição dessa exigência exceda o necessário para uma gestão eficaz dos direitos de autor.
4. Para determinar se o nível dos direitos exigidos a uma categoria dos seus clientes por uma sociedade de gestão de direitos de autor, em posição dominante numa parte substancial do mercado comum, é excessivamente elevado, de tal forma que a imposição
desses direitos constitui uma prática abusiva, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE, um tribunal nacional pode ter em conta a questão de saber se o nível dos direitos é desproporcionado:
a) em relação aos direitos exigidos pela mesma sociedade a outras categorias de clientes;
b) em relação às despesas exigidas por uma gestão eficaz dos direitos de autor e pela necessidade de assegurar uma remuneração razoável aos titulares de direitos de autor.
A existência de disparidades substanciais entre os níveis dos direitos exigidos pela sociedade de gestão de direitos de autor dominante e dos exigidos pelas sociedades de gestão de direitos de autor noutros Estados-membros (se estabelecidas por métodos objectivos de comparação) dará origem a uma forte presunção de que os direitos exigidos pela sociedade que ocupa uma posição dominante são excessivos, com a consequência de que incumbirá a essa sociedade justificar o respectivo nível."
(*) Língua original: inglês.