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Document 61987CC0080

    Conclusões do advogado-geral Mancini apresentadas em 19 de Janeiro de 1988.
    A. Dik, A. Menkutos-Demirci e H. G. W. Laar-Vreeman contra College van Burgemeester en Wethouders Arnhem e Winterswijk.
    Pedido de decisão prejudicial: Raad van Beroep Arnhem - Países Baixos.
    Segurança social - Igualdade de tratamento entre homens e mulheres - Directiva 79/7.
    Processo 80/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1988 -01601

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:20

    61987C0080

    Conclusões do advogado-geral Mancini apresentadas em 19 de Janeiro de 1988. - A. DIK, A. MENKUTOS-DEMIRCI E H.G.W. LAAR-VREEMAN CONTRA COLLEGE VAN BURGEMEESTER EN WETHOUDERS DE ARNHEM E DE WINTERSWIJK. - PEDIDOS DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADOS PELO RAAD VAN BEROEP DE ARNHEM. - SEGURANCA SOCIAL - IGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE HOMENS E MULHERES - DIRECTIVA 79/7. - PROCESSO 80/87.

    Colectânea da Jurisprudência 1988 página 01601


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. Por despacho de 19 de Fevereiro de 1987, que deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 19 de Março seguinte, o Raad van Beroep de Arnhem interroga o Tribunal sobre a aplicação ratione temporis da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174).

    As questões foram submetidas no âmbito de dois processos que opõem A. Dik e A. Menkutos-Demirci ao município de Arnhem e H. G. W. Laar-Vreeman ao correspondente órgão administrativo de Winterswijk. As recorrentes, todas elas casadas, queixam-se de terem sido excluídas do direito ao subsídio de desemprego previsto na "Wet Werkloosheidsvoorziening" ( a seguir "WWV"), ou lei de assistência aos desempregados, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1965 (Stbl. 1964, 485). A recusa por parte de ambos os municípios de lhes concederem o referido subsídio funda-se, designadamente, na alínea l) do n.° 1 do artigo 13.°, nos termos do qual não tem direito às prestações "a trabalhadora... que, tendo o estatuto de mulher casada, não possa ser qualificada como chefe de família (' kostwinster' ), nos termos das disposições regulamentares adoptadas pelo ministro competente, ouvida a comissão central, ou que não viva permanentemente separada do cônjuge".

    Esta norma foi revogada com efeito retroactivo a 23 de Dezembro de 1984 pela lei de 24 de Abril de 1985 (Stbl. 230), que entrou em vigor em 1 de Maio seguinte. O artigo II, ponto A, dessa lei contém uma disposição transitória segundo a qual, "a alteração introduzida pelo artigo I, ponto A, não é aplicável ao trabalhador que tenha ficado desempregado antes de 23 de Dezembro de 1984, salvo se tiver beneficiado nessa data de uma prestação ao abrigo da Werkloosheidswet (a seguir "WW") (...) ou de um subsídio de desemprego pago nos termos de um regime aplicável a pessoas cuja relação laboral não seja considerada uma relação de emprego, nos termos do n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 6.° da WW". A abolição da condição relativa à qualidade de chefe de família não vale, pois, para os trabalhadores que ficaram desempregados ou que atingiram o termo do prazo máximo previsto pela WW antes de 23 de Dezembro de 1984 e que, se essa disposição não existisse, teriam beneficiado de um subsídio de desemprego ao abrigo da WW.

    Ora, as Sr.as Dik, Menkutos-Demirci e Laar-Vreeman ficaram desempregadas antes de 23 de Dezembro de 1984 e, depois dessa data, não sendo chefes de família, foi-lhes recusado o direito às prestações previstas pela WW. Recorreram para o Raad van Beroep das decisões pelas quais os órgãos representativos das municipalidades respectivas tinham indeferido os seus pedidos. Para apreciar a compatibilidade da referida restrição com a Directiva 79/7/CEE, aquele órgão jurisdicional submeteu ao Tribunal duas questões prejudiciais:

    "1) Se a Directiva 79/7/CEE concede aos Estados-membros o poder discricionário de incluir, na legislação destinada a dar-lhe cumprimento, uma disposição transitória nos termos da qual se mantém, mesmo após 23 de Dezembro de 1984, o requisito de chefe de família para a mulher casada que tenha ficado desempregada antes daquela data?

    2) Se a disposição com base na qual uma norma transitória como a mencionada na primeira questão retroage ao termo do prazo fixado, para dar cumprimento à Directiva 79/7/CEE, é compatível com esta última?"

    2. A resposta à primeira questão não é difícil. No acórdão de 4 de Dezembro de 1986 (processo 71/85, Estado neerlandês/Federatie Nederlandse Vakbeweging (FNV), Colect. p. 3855), este Tribunal interpretou a obrigação de não discriminação entre homens e mulheres que o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE estabelece em matéria de segurança social precisamente em relação ao regime neerlandês do subsídio de desemprego. Recordo que à época dos factos a que se reporta aquele processo, os Países Baixos não tinham ainda dado cumprimento à Directiva 79/7/CEE. Estava, pois, em vigor o n.° 1 do artigo 13.° da WWV e estava em vias de ser aprovada a regulamentação transitória que foi mais tarde adoptada mediante a lei de 24 de Abril de 1985 (para mais detalhes quanto à regulamentação neerlandesa relativa ao subsídio de desemprego e aos problemas que suscitou nesse país a transposição da Directiva 79/7/CEE, permito-me remeter para as conclusões que apresentei no referido processo em de 2 de Julho de 1986).

    Tal como o acórdão de 24 de Junho de 1986 (processo 150/85, Drake/Chief Adjudication Officer, Colect. p. 1995), o acórdão FNV reconheceu o efeito directo do artigo 4.°, n.° 1. O Tribunal considerou, nomeadamente, que essa disposição "pouvait, à défaut de mise en oeuvre de la directive, être invoqué à partir du 23 décembre 1984, pour écarter l' application de toute disposition nationale non conforme audit article... . En l' absence de mesures d' application... les femmes ont le droit d' être traitées de la même façon et de se voir appliquer le même régime que les hommes se trouvant dans la même situation, régime qui reste, à défaut d' exécution de ladite directive, le seul système de référence valable" (n.° 23).

    Já nessa ocasião, todavia, o Tribunal decidiu, pelo menos implicitamente, no sentido da incompatibilidade de uma disposição transitória com o efeito directo reconhecido ao princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, referindo-se ao acórdão de 19 de Janeiro de 1982 (processo 8/81, Becker, Recueil, p. 53), nos termos do qual a competência atribuída aos Estados para escolherem os meios necessários ao cumprimento das suas obrigações não impede que se considere que as disposições de uma directiva são imediatamente invocáveis, o Tribunal declarou no n.° 25 que "un Etat membre, ne peut invoquer... (ce) pouvoir d' appréciation... pour mettre en oeuvre le principe d' égalité de traitement en matière de sécurité sociale prévu par la directive 79/7/CEE pour dénier tout effet à son article 4, paragraphe 1, qui est susceptible d' être invoqué en justice en dépit du fait que ladite directive n' a pas été exécutée dans son ensemble".

    Recordo ainda que, no acórdão de 24 de Junho de 1987 (processo 384/85, Borrie Clarke/Chief Adjudication Officer, Colect. p. 2865) o Tribunal se pronunciou sobre a compatibilidade de uma disposição transitória e retroactiva com o artigo 4.°, n.° 1. Nesse processo, chamado a determinar se o efeito directo do princípio da não discriminação incide sobre uma norma transitória adoptada após a entrada em vigor da directiva e que visa prolongar os efeitos discriminatórios do regime legal anterior, o Tribunal afirmou que "la directive ne prévoit aucune dérogation au principe de l' égalité de traitement". E acrescentou "qu' un État membre ne peut pas laisser subsister après le 22 décembre 1984 des inégalités de traitement dues au fait que les conditions exigées pour la naissance du droit à prestation sont antérieures à cette date. Le fait que ces inégalités résultent de dispositions transitoires prises à l' occasion de l' institution d' une nouvelle prestation n' est pas une circonstance de nature à conduire à une appréciation différente" (n.° 10). Por fim, o Tribunal reafirmou que, na falta de uma execução adequada da directiva após a sua entrada em vigor, o único critério válido é o da aplicação do mesmo regime aos homens e às mulheres que se encontrem na mesma situação.

    Ora, não há dúvida alguma de que estes princípios se aplicam igualmente no presente caso.

    3. A segunda questão diz respeito à possibilidade de se atribuir efeito retroactivo a medidas de transposição de uma directiva adoptadas após a expiração do prazo concedido aos Estados-membros para esse fim. A questão que o juiz a quo submeteu ao Tribunal está ligada à situação particular que foi chamado a decidir, mas, num plano mais geral, diz respeito às modalidades nacionais de implementação das obrigações que derivam das directivas. A legitimidade das leis retroactivas será, pois, apreciada ao nível dos ordenamentos nacionais.

    Do ponto de vista do direito comunitário, parece-me em todo o caso que a questão, tal como sugere a Comissão das Comunidades Europeias, deverá ter resposta afirmativa. É certo que, no presente caso, o efeito directo do artigo 4.°, n.° 1, permite que essa disposição seja invocada a partir do dies ad quem do prazo fixado para a transposição da directiva; a este respeito, portanto, a eventual retroactividade das normas de execução é de todo indiferente.

    Pelo contrário, na hipótese de não se admitir esse efeito directo, creio que negar aos Estados-membros a possibilidade de intervirem a posteriori, fazendo retroagir as normas de execução à expiração do prazo previsto para a transposição, significaria impedir que o efeito de harmonização inerente às directivas se exerça em todos os ordenamentos jurídicos a partir do mesmo momento.

    4. Com base nestas considerações, sugiro que o Tribunal responda da forma seguinte às questões submetidas pelo Raad van Beroep de Arnhem por decisão de 19 de Fevereiro de 1987 nos processos que opõem A. Dik e A. Menkutos-Demirci ao município de Arnhem e H. G. W. Laar-Vreeman ao correspondente órgão administrativo de Winterswijk:

    "1) A partir de 23 de Dezembro de 1984, dies ad quem do prazo fixado para a transposição da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, o artigo 4.°, n.° 1, que proíbe todas as discriminações em razão do sexo, directa ou indirectamente, por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar, tem efeito directo.

    Na falta de medidas de aplicação adequadas da referida disposição, as mulheres casadas têm direito a que lhes seja aplicado o regime estabelecido para os homens que se encontrem em idênticas condições. Podem, portanto, invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais os direitos que lhes confere o artigo 4.°, n.° 1, opondo-se a uma regulamentação transitória com base na qual se mantém em vigor a qualificação de chefe de família, mesmo depois de 23 de Dezembro de 1984, para as mulheres casadas que tenham perdido o emprego antes dessa data.

    2) Uma regulamentação destinada a dar cumprimento a uma directiva, adoptada após ter expirado o prazo fixado para a sua transposição para o direito interno, que atribua efeito retroactivo às medidas de execução à data da expiração do prazo referido, não é incompatível com o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE."

    (*) Tradução do italiano.

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