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Document 61987CC0054

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 13 de Dezembro de 1988.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Recursos próprios - Juros de mora - Verificação de direitos - Rectificação.
    Processo 54/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1989 -00385

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:537

    61987C0054

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 13 de Dezembro de 1988. - COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA ITALIANA. - RECURSOS PROPRIOS - JUROS DE MORA - VERIFICACAO DE DIREITOS - RECTIFICACAO. - PROCESSO 54/87.

    Colectânea da Jurisprudência 1989 página 00385


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor presidente,

    Senhores juízes,

    1. É uma questão de princípio relativa à cobrança dos recursos próprios da Comunidade pelos Estados-membros que a Comissão solicita que o Tribunal de Justiça decida no presente processo.

    2. O essencial dos factos pode ser resumido da seguinte forma: na sequência de uma inspecção efectuada pelos serviços da Comissão em Junho-Julho de 1980, em Ravena, verificou-se que os serviços aduaneiros italianos haviam erradamente contabilizado direitos aduaneiros como estando abrangidos pelo Tratado CECA, logo como recursos nacionais. Os direitos em causa foram inicialmente apurados nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 1980. Após rectificação, as correspondentes somas foram inscritas a crédito da conta da Comissão em 20 de Setembro de 1980.

    3. A Comissão, que desistiu em audiência do segundo e terceiro fundamentos de incumprimento inicialmente invocados, solicita, no essencial, que o Tribunal de Justiça declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11.° do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.° 2891/77 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, que dá aplicação à Decisão de

    21 de Abril de 1970 relativa à substituição das contribuições financeiras dos Estados-membros por recursos próprios das Comunidades (adiante designado "regulamento") (1), por se recusar a pagar juros de mora sobre essas quantias.

    4. Desejamos sublinhar antes de mais, citando o advogado-geral Lenz, que

    "as disposições financeiras de direito comunitário fazem parte do núcleo de normas fundamentais do sistema jurídico comunitário cujo rigoroso cumprimento é indispensável para garantir o efectivo funcionamento da Comunidade" (2).

    5. A interpretação das normas relativas aos recursos próprios e às modalidades da sua cobrança e colocação à disposição da Comunidade pelos Estados-membros deve garantir que a respectiva aplicação preserve escrupulosamente esse objectivo. É esse o sentido da jurisprudência do Tribunal de Justiça quando se recusa a considerar um movimento de greve previsível como facto justificativo do atraso na inscrição dos recursos (3), ou a aceitar que um Estado-membro possa apreciar a oportunidade de execução de um pedido de inscrição antecipada de recursos (4). Em ambos os casos são devidos juros de mora por força do artigo 11.° do regulamento.

    6. É à luz destes princípios que passamos a examinar o presente processo.

    7. Para a República Italiana não há lugar ao pagamento de juros de mora em virtude de a rectificação constituir um "novo apuramento", na acepção do segundo parágrafo do artigo 2.° do regulamento, e de, a contar dessa data, a inscrição do crédito ter sido feita dentro do prazo previsto no artigo 10.° daquele regulamento.

    8. A Comissão contesta que tenha existido "novo apuramento", na acepção do segundo parágrafo do artigo 2.° Argumenta que essa possibilidade supõe a existência de um apuramento inicial correcto. Ora, tal não sucedeu no caso vertente, visto que os direitos foram contabilizados como estando abrangidos pelo Tratado CECA. Assim sendo, apenas deve ser tomada em consideração a data em que o apuramento do crédito devia ter sido efectuado. Consequentemente, são devidos juros de mora.

    9. Refira-se, desde já, que as teses da Comissão e do Estado demandado parecem conter uma premissa comum: em caso de novo apuramento na acepção do segundo parágrafo do artigo 2.°, o prazo do artigo 10.° começa a correr a partir dessa data e, consequentemente, se for cumprido não serão devidos juros de mora.

    10. Esta análise conduz as partes a esforçarem-se por demonstrar, no caso da Comissão, que não existe novo apuramento, e, por parte da República Italiana, que o segundo parágrafo do artigo 2.° deve ser aplicado neste caso.

    11. Pela nossa parte, entendemos não residir aí a verdadeira dificuldade do caso presente pois estamos longe de atribuír à noção de "novo apuramento" os efeitos que, ao que parece, se pretende conceder-lhe.

    12. Com efeito, não partilhamos a opinião das partes sobre o funcionamento automático da natureza "regular" de uma inscrição efectuada no prazo previsto no artigo 10.° para a hipótese de um "novo apuramento".

    13. Refira-se, antes de mais, que nem o segundo parágrafo do artigo 2.°, nem o artigo 8.°, relativo à contabilização - e não à inscrição na conta da Comissão - dos "novos apuramentos", implicam essa solução que, certamente, se baseia apenas na letra do artigo 10.° que estabelece, recorde-se, que "a inscrição referida no n.° 1 do artigo 9.° efectuar-se-á o mais tardar no dia 20 do segundo mês seguinte àquele em que o direito tiver sido apurado".

    14. Caso o Tribunal entenda que não existe atraso na incrição quando efectuada com respeito pelo prazo acima referido, que começa a correr a partir do efectivo apuramento, ainda que este seja feito depois da data limite, idêntica solução deve ser adoptada quando existir novo apuramento feito na sequência de um apuramento inexacto. Isto porque apenas o efectivo apuramento do direito deve ser tomado em consideração.

    15. Ora, o Tribunal de Justiça considerou, precisamente, no processo 303/84, em que a República Federal da Alemanha, que não apurara o crédito na data prevista na regulamentação comunitária,

    se recusou a pagar juros de mora com fundamento em que a inscrição fora efectuada no prazo previsto no artigo 10.°, que começara a correr a partir do efectivo apuramento, que

    "decorre dos termos do citado artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77 que são devidos juros de mora por "qualquer atraso" nas inscrições na conta da Comissão".

    E o Tribunal entendeu também que,

    "seja qual for a razão do atraso da inscrição na conta da Comissão, são devidos juros de mora sem que caiba distinguir consoante esse atraso na inscrição decorra do desconhecimento da data limite fixada para o apuramento dos direitos ou de não ser cumprido o prazo estabelecido no n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 2891/77" (5).

    16. Atendendo aos termos deste acórdão, entendemos que existirá igualmente atraso na inscrição, gerador de juros de mora, no caso de existir novo apuramento e de a Comunidade não ter podido dispor das somas que lhe eram devidas antes de findo o prazo estabelecido no artigo 10.°, que começa a correr a partir do dia em que se devia ter procedido ao apuramento do crédito.

    "Se assim não fosse, se o nascimento do direito ficasse dependente do apuramento efectuado pelos Estados, a estes seria, na prática, restituído um poder fiscal que lhes havia sido retirado" (6).

    17. O facto de existir um erro de contabilização ou de apuramento "stricto sensu", não deve ter qualquer reflexo sobre os direitos da Comunidade. A partir do momento em que esse facto implique atraso na inscrição, são devidos juros de mora nos termos do artigo 11.° do regulamento. E o facto de a Comissão poder não exigir o respectivo pagamento em nada altera o rigor do princípio. Consideramos, também, inútil investigar se existe, no caso presente, novo apuramento, na acepção do segundo parágrafo do artigo 2.°, visto que, seja como for, o atraso na inscrição é manifesto e que, assim sendo, a República Italiana não pode recusar o pagamento de juros com base no artigo 10.° do regulamento em causa.

    18. O rigor da interpretação que propomos é intencional. Significa propor que o Tribunal de Justiça declare que existe na esfera jurídica dos Estados-membros uma obrigação de resultado quanto à colocação à disposição dos recursos próprios da Comunidade num prazo contado a partir do dia em que o crédito devia ter sido apurado. A diligência e rigor das administrações nacionais de forma alguma podem condicionar o "efectivo funcionamento da Comunidade" (7). Esta deve poder dispor "dos recursos próprios nas melhores condições possíveis" (8).

    19. Propomos, assim, que o Tribunal:

    - declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE ao recusar o pagamento de juros de mora, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 2891/77, devidos em consequência de erros na classificação de determinados direitos aduaneiros durante os três primeiros meses de 1980;

    - condene o Estado demandado nas despesas.

    (*) Língua original: francês.

    (1) JO L 336 de 27.12.1977, p. 1; EE 01 F2 p. 76.

    (2) Conclusões no processo 70/86, Comissão/República Helénica, acórdão de 17 de Setembro de 1987, Colect., p. 3554.

    (3) Processo 70/86, já citado.

    (4) Processo 93/85, Comissão/Reino Unido, acórdão de 18 de Dezembro de 1986, Colect., p. 4011.

    (5) Processo 303/84, Comissão/República Federal da Alemanha, acórdão de 20 de Março de 1986, Colect., p. 1171, n.° 17, sublinhado nosso.

    (6) Conclusões Mancini no citado processo 303/84.

    (7) Conclusões Lenz no citado processo 70/86.

    (8) Décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 2891/77.

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