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Document 61986CJ0063

    Acórdão do Tribunal de 14 de Janeiro de 1988.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Acção por incumprimento - Exigência de nacionalidade para acesso à habitação social e ao crédito imobiliário a taxa reduzida.
    Processo 63/86.

    Colectânea de Jurisprudência 1988 -00029

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1988:9

    61986J0063

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 14 DE JANEIRO DE 1988. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA ITALIANA. - ACCAO POR INCUMPRIMENTO - EXIGENCIA DE NACIONALIDADE PARA ACESSO A HABITACAO SOCIAL E AO CREDITO IMOBILIARIO A TAXA REDUZIDA. - PROCESSO 63/86.

    Colectânea da Jurisprudência 1988 página 00029


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Livre prestação de serviços - Acesso aos auxílios públicos em matéria de alojamento - Exclusão dos nacionais de outros Estados-membros - Inadmissibilidade

    (Tratado CEE, artigos 52.° e 59.°)

    Sumário


    O nacional de um Estado-membro que pretenda exercer uma actividade não assalariada noutro Estado-membro deve, para ser assegurada uma perfeita igualdade de concorrência com os nacionais deste último, poder obter habitação em condições equivalentes àquelas de que estes beneficiam. Ainda que, na prática, sejam variáveis as necessidades em matéria de habitação dos cidadãos comunitários que exerçam as liberdades conferidas pelo Tratado, não é possível a este respeito, tratando-se da aplicação do princípio fundamental do tratamento como nacional, nem distinguir entre diferentes formas de estabelecimento nem excluir os prestadores de serviços.

    Por isso, está-se em presença de uma violação dos artigos 52.° e 59.° do Tratado quando um Estado-membro reserva apenas aos seus nacionais, através de diversas disposições da sua legislação, o acesso à propriedade e à locação de habitações construídas ou recuperadas com a ajuda de fundos públicos, bem como o acesso ao crédito imobiliário a taxa reduzida.

    Partes


    No processo 63/86,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, na qualidade de agente, assistido por Silvio Pieri, funcionário italiano em serviço na Comissão no âmbito do sistema de intercâmbio de funcionários comunitários e nacionais, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georges Kremlis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg

    demandante,

    contra

    República Italiana, representada por Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço de Contencioso Diplomático, na qualidade de agente, assistido por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na embaixada de Itália, 5, rue Marie Adelaïde,

    demandada,

    que tem por objecto obter a declaração de que a República Italiana, ao reservar - por diversas disposições da sua legislação - aos nacionais italianos o acesso ao crédito imobiliário a taxa reduzida, bem como à locação e atribuição de habitações de construção pública ou subvencionada, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. G. Bosco, presidente de secção, f. f. de presidente, O. Due e G.C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet, T. F. O' Higgins e F. Schockweiler, juízes,

    advogado-geral: J. L. da Cruz Vilaça

    secretário: B. Pastor, administradora

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 4 de Junho de 1987,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Outubro de 1987,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição registada na Secretaria do Tribunal em 6 de Março de 1986, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção que visa obter a declaração de que a República Italiana, ao reservar aos nacionais italianos o acesso à propriedade e à locação de habitações construídas ou recuperadas com o apoio de fundos públicos, bem como o acesso ao crédito imobiliário a taxa reduzida, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48.°, 52.° e 59.° do Tratado CEE bem como do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77). Concretamente, a Comissão acusa a República Italiana de excluir os nacionais dos outros Estados-membros do acesso às referidas faculdades, através da exigência da nacionalidade italiana contida nos decretos do presidente da República n.os 655, de 23 de Maio de 1964, e 1035, de 30 de Dezembro de 1972, na Lei n.° 33, de 24 de Abril de 1980, da região da Puglia, na Lei n.° 38, de 7 de Maio de 1980, da região da Toscana, na Lei n.° 15, de 25 de Maio de 1981, da região da Emília-Romagna e, nesta mesma região, no plano decenal de apoio à construção para fins habitacionais, aprovado em 8 de Setembro de 1981, bem como na Lei n.° 32, de 23 de Abril de 1982, da região da Ligúria.

    2 Resulta dos autos que, em 10 de Dezembro de 1984, na sequência de uma queixa apresentada por um cidadão belga a quem foi indeferido, pelas autoridades da região da Emilia-Romagna, um pedido de concessão de crédito imobiliário a taxa reduzida para compra de uma habitação em Mordano (Bolonha), onde residia e exercia uma actividade não assalariada, a Comissão dirigiu uma interpelação por incumprimento ao Governo italiano, iniciando assim, contra a legislação citada, o processo previsto no artigo 169.° do Tratado, considerando-a contrária aos artigos 48.°, 52.° e 59.° do Tratado e ao Regulamento n.° 1612/68 já citado.

    3 Em 16 de Abril de 1985, a Comissão transmitiu ao Governo italiano o parecer fundamentado previsto no artigo 169.°, n.° 1, do Tratado.

    4 Por telex de 24 de Abril de 1985, o Governo italiano chamou a atenção da Comissão para o facto de já em Dezembro de 1984 ter transmitido cópia de uma circular ministerial de 24 de Novembro de 1984, segundo a qual os nacionais dos Estados-membros da Comunidade que exerçam a sua actividade profissional principal em Itália e que aí residam devem ser considerados sob todos os aspectos como equiparados aos nacionais italianos quanto ao acesso à habitação social.

    5 Em 4 de Setembro de 1985, a Comissão emitiu um parecer complementar, considerando que essa circular não era suficiente para pôr fim à infracção constatada, nomeadamente porque não era vinculativa para as autoridades regionais e não tinha sido objecto de publicação adequada.

    6 No decurso da fase escrita do processo perante o Tribunal, o Governo italiano reconheceu a insuficiência da circular ministerial e, por decreto do presidente do Conselho de Ministros de 15 de Maio de 1987, determinou que os nacionais dos outros Estados-membros da Comunidade que residam em Itália, aí exerçam actividades assalariadas e preencham as condições subjectivas e objectivas da legislação sobre a habitação social são equiparados aos nacionais italianos para os efeitos dessa legislação.

    7 Na audiência, após ter constatado que esse decreto vincula igualmente as autoridades regionais e que foi publicado na Gazzetta ufficiale della Republica italiana, o agente da Comissão declarou que, no que respeita às relações entre a legislação em litígio, por um lado, e as disposições comunitárias contidas no artigo 48.° do Tratado e no Regulamento n.° 1612/68, por outro, a acção ficara privada de objecto. Em consequência, a Comissão desistiu da sua acção neste ponto.

    8 Para mais ampla exposição da legislação italiana, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

    9 Para delimitar o objecto do litígio, deve constatar-se que a acção respeita apenas à condição da nacionalidade prevista pela legislação italiana em matéria de habitação social. Tal como a Comissão reconheceu na audiência, as outras condições impostas por essa legislação não estão em causa. Por conseguinte, após a publicação do citado decreto do presidente do Conselho de Ministros italiano, de 15 de Maio de 1987, e a desistência da Comissão de uma parte do seu pedido, o único problema colocado pelo presente processo é o de saber se, no âmbito da aplicação dos artigos 52.° e 59.° do Tratado, o direito comunitário se opõe a que o acesso à habitação social seja reservado aos cidadãos nacionais.

    10 A este respeito, o Governo italiano invoca a ausência de nexo directo entre o exercício de actividades profissionais e a faculdade de aceder a uma habitação social ou ao crédito imobiliário a taxa reduzida destinado a construção ou aquisição de uma habitação desse tipo. A condição relativa à nacionalidade, em discussão, não constitui uma restrição ao direito de estabelecimento ou à livre prestação de serviços; limita apenas uma faculdade susceptível de favorecer e facilitar o exercício desses direitos. Ora, as obrigações que resultam dos artigos 52.° e 59.° do Tratado, tal como foram interpretados pelo Tribunal, não abrangem essas faculdades, em relação às quais a supressão da condição de nacionalidade pressupõe uma coordenação das legislações nacionais, como prevê o Regulamento n.° 1612/68, relativo aos trabalhadores assalariados.

    11 Na audiência, o Governo italiano reconheceu todavia que a condição relativa à nacionalidade pode considerar-se contrária ao artigo 52.° do Tratado no que se refere ao direito de estabelecimento a título principal. Em contrapartida, no que respeita ao direito de estabelecimento dito "secundário" e à livre prestação de serviços, o Governo italiano sustenta que o exercício desses direitos não implica a presença permanente da pessoa interessada no lugar do exercício das actividades profissionais. Estaria, portanto, excluída a aplicação das regras comunitárias sobre não discriminação ao acesso dessas pessoas à habitação social. Aliás, essas pessoas não podem preencher as outras condições previstas pela legislação em causa, condições que são não discriminatórias e estão ligadas às finalidades sociais dessa legislação.

    12 Em presença destes argumentos, é necessário recordar que os artigos 52.° e 59.° do Tratado se destinam essencialmente a aplicar, no domínio das actividades não assalariadas, o princípio do tratamento igual consagrado no artigo 7.°, segundo o qual "no âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade".

    13 Estes dois artigos tendem assim a assegurar o benefício do tratamento como nacional ao cidadão de um Estado-membro que pretenda exercer uma actividade não assalariada noutro Estado-membro e proíbem qualquer discriminação baseada na nacionalidade, resultante de legislação nacional ou regional, e que constitua obstáculo ao acesso ou ao exercício de uma tal actividade.

    14 Como resulta dos programas gerais aprovados pelo Conselho em 18 de Dezembro de 1961 (JO 1962, p. 32 e 36), que fornecem, como o Tribunal salientou por diversas vezes, úteis indicações tendo em vista a aplicação das disposições do Tratado relativas ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços, a referida proibição não abrange unicamente as regras específicas relativas ao exercício das actividades profissionais, mas igualmente as relativas às diversas faculdades gerais, úteis ao exercício dessas actividades. Entre os exemplos mencionados pelos dois programas figuram a faculdade de adquirir, explorar ou alienar direitos e bens móveis ou imóveis, de contrair empréstimos e nomeadamente a de ter acesso às diversas formas de crédito.

    15 Para uma pessoa singular, o exercício de uma actividade profissional não pressupõe somente a possibilidade de ter acesso a instalações a partir das quais possa exercer essa actividade, se necessário pedindo emprestado o montante exigido para a respectiva aquisição, mas igualmente a de poder obter uma habitação. Daqui resulta que as restrições contidas na legislação sobre a habitação no lugar em que a actividade é exercida são susceptíveis de constituir um obstáculo a esse exercício.

    16 Para garantir a perfeita igualdade de concorrência, o nacional de um Estado-membro que pretenda exercer uma actividade não assalariada noutro Estado-membro deve, pois, poder obter habitação em condições equivalentes àquelas de que beneficiam os seus concorrentes nacionais deste último Estado. Assim sendo, qualquer restrição feita não apenas ao direito de acesso à habitação, mas igualmente às diversas facilidades concedidas a esses nacionais para reduzirem o encargo financeiro com ela, deve ser encarada como um obstáculo ao exercício da própria actividade profissional.

    17 Nestas condições, uma legislação relativa à habitação, mesmo quando respeita à habitação social, deve considerar-se sujeita ao princípio do tratamento como nacional, tal como este resulta das disposições do Tratado relativas às actividades não assalariadas.

    18 É certo, tal como afirmou o Governo italiano, que na prática nem todos os casos de estabelecimento suscitam a mesma necessidade de encontrar uma habitação permanente e que, regra geral, esta necessidade não se faz sentir nos casos de prestação de serviços. É igualmente exacto que o prestador de serviços, na maioria dos casos, não preencherá as condições, não discriminatórias, que decorrem das finalidades da legislação sobre a habitação social.

    19 Não se pode no entanto excluir a priori que uma pessoa, ainda que conserve o seu lugar de estabelecimento principal num Estado-membro, tenha de exercer as suas actividades profissionais noutro Estado-membro durante um período tão prolongado que tenha necessidade de aí dispor de habitação estável e preencha as condições, não discriminatórias, para ter acesso a uma habitação social. Daqui resulta que se não pode distinguir entre formas diferentes de estabelecimento, nem excluir os prestadores de serviços do benefício do princípio fundamental do tratamento como nacional.

    20 Deve pois reconhecer-se que, ao reservar apenas aos nacionais italianos, através de diversas disposições da sua legislação, o acesso à propriedade e à locação de habitações construídas ou recuperadas com a ajuda de fundos públicos, bem como o acesso ao crédito imobiliário a taxa reduzida, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 52.° e 59.° do Tratado CEE.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    21 Nos termos do artigo 69.°, n.° 2 do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Segundo o n.° 4 do mesmo artigo, a parte que desiste é condenada nas despesas, salvo se a desistência for justificada pela atitude da outra parte.

    22 A Comissão retirou na audiência uma das acusações formuladas na sua petição, devido ao facto de a República Italiana ter alterado a sua posição nesse ponto após a propositura da acção.

    23 Daí resulta que a desistência parcial da Comissão é justificada pela atitude da República Italiana que, por outro lado, foi vencida quanto ao restante.

    24 Assim, a República Italiana deve ser condenada nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    declara:

    1) A República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 52.° e 59.° do Tratado CEE ao reservar apenas aos nacionais italianos, através de diversas disposições da sua legislação, o acesso à propriedade e à locação de habitações construídas ou recuperadas com a ajuda de fundos públicos, bem como o acesso ao crédito imobiliário a taxa reduzida.

    2) A República Italiana é condenada nas despesas.

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