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Document 61986CC0197

Conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn apresentadas em 17 de Septembro de 1987.
Steven Malcolm Brown contra The Secretary of State for Scotland.
Pedido de decisão prejudicial: Court of Session, Outer House (Scotland) - Reino Unido.
Não discriminação - Acesso ao ensino universitário - Auxílio à formação.
Processo 197/86.

Colectânea de Jurisprudência 1988 -03205

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:375

61986C0197

Conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn apresentadas em 17 de Septembro de 1987. - STEVEN MALCOLM BROWN CONTRA SECRETARY OF STATE FOR SCOTLAND. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO COURT OF SESSION DA ESCOCIA. - NAO DISCRIMINACAO - ACESSO AO ENSINO UNIVERSITARIO - AUXILIO A FORMACAO. - PROCESSO 197/86.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03205
Edição especial sueca página 00489
Edição especial finlandesa página 00495


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

Este pedido de decisão prejudicial, apresentado pela Court of Session da Escócia ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, suscita importantes questões relativas ao direito à formação profissional numa universidade e, em particular, ao direito a um auxílio para subsistência. É o último de uma série de cinco processos, em quatro dos quais já apresentei as minhas conclusões, que, em parte, se referem aos problemas agora em discussão. Para evitar repetições, farei remissão para essas conclusões. Os factos relevantes, relativamente aos quais há acordo das partes (apresentados com absoluta clareza, se assim posso dizer, no despacho de reenvio), são os seguintes:

Stephen Malcolm Brown, o demandante no processo pendente perante o órgão jurisdicional nacional, nasceu em França em 1966. O seu pai, de nacionalidade britânica, e a sua mãe, francesa, trabalharam ambos em Inglaterra, mas só até 1965, altura em que se mudaram para França, onde ainda viviam na época dos factos. O demandante, que possui dupla nacionalidade francesa e britânica, estudou em França, tendo concluído o ensino secundário em 1983. Foi admitido na Universidade de Cambridge, no curso de engenharia electrotécnica que se iniciou no Outono de 1984.

Antes de ir para Cambridge, esteve empregado, a partir de 9 de Janeiro de 1984, na Ferranti plc em Edimburgo, como estagiário. O seu emprego era em tempo integral, remunerado e descrito como "estágio industrial pré-universitário", sendo pagas as contribuições para a segurança social. Após um curso de introdução de 12 semanas, começou a trabalhar e "desempenhou tarefas no âmbito da engenharia electrotécnica de natureza prática, solicitadas pela empresa como parte da sua actividade empresarial normal", nas palavras do despacho de reenvio. A admissão na universidade era uma condição prévia para ser aceite no estágio. Em 14 de Setembro de 1984 foi para Cambridge, deixando a Ferranti.

Em Outubro de 1984, a Ferranti aceitou conceder-lhe uma bolsa, ao abrigo do seu Programa de Apoio Universitário. Assim, foi-lhe atribuída uma determinada quantia em cada período lectivo, prosseguindo igualmente a sua formação profissional, sob a forma de um emprego remunerado, durante as férias de Verão. Não era obrigado a trabalhar para a Ferranti após a conclusão do curso, nem esta se obrigava a dar-lhe trabalho. Normalmente, a Ferranti apenas concede apoio aos estudantes que já concluíram o primeiro ano da universidade, tendo tal regra sido afastada neste caso em atenção ao seu desempenho profissional durante os primeiros meses de 1984.

A Universidade de Cambridge recomenda, embora não exija, que os estudantes de engenharia electrotécnica obtenham experiência nesse ramo antes de iniciarem o curso. No entanto, é obrigatório adquirir oito semanas de experiência antes do fim do segundo ano.

O demandante projecta concluir o curso e trabalhar como engenheiro electrotécnico, tornando-se membro do respectivo organismo profissional, a Institution of Electrical Engineering.

O seu curso visa fornecer aos estudantes um amplo conhecimento em determinados ramos da engenharia e da electrotecnia. Também inclui cadeiras de matemática e gestão de empresas. A especialização em engenharia electrotécnica só se faz após o terceiro ano.

Os filiados da Institution podem ser membros estudantes, membros associados, membros e fellows. Os membros e os fellows são conhecidos como "corporate members". Um diploma com alta classificação em engenharia electrotécnica ou em matérias conexas, como física, matemática, informática ou processamento de dados, obtido após um curso reconhecido pela Institution, como é o caso do demandante, satisfaz as exigências daquela em matéria de preparação universitária e permite ao licenciado inscrever-se imediatamente como membro associado. Para uma pessoa se tornar "corporate member", é necessário preencher outras condições relativas ao treino técnico e à experiência. O candidato tem também que ser aprovado num "exame profissional" que inclui uma exposição escrita relatando a sua experiência e uma entrevista sobre o conteúdo da mesma. Embora no Reino Unido qualquer pessoa possa desempenhar a actividade de engenheiro e usar o respectivo título sem possuir qualquer qualificação formal nem ser membro de uma determinada instituição, uma pessoa inscrita na secção dos profissionais de engenharia do registo do "Engineering Council" tem o direito de usar o título de "chartered engineer" e a referência "C. Eng.", desde que seja membro de determinadas organizações profissionais. O facto de se ser "corporate member" da Institution of Electrical Engineers constitui habilitação para figurar nesse registo.

No uso de poderes conferidos pela lei, o Secretary of State for Scotland emitiu a seguinte regulamentação relativa à concessão de subsídios a estudantes com fundos públicos: o Students' Allowance (Scotland) Regulations 1971 (SI 1971/124), alterado pelo Students' Allowances (Scotland) Amendment Regulations 1983 (SI 1983/798) e pelo Students' Allowances (Scotland) Amendment (n.° 2) Regulations 1983 (SI 1983/1536). Os dois principais elementos do subsídio de estudos são o auxílio para subsistência, cujo montante depende da contribuição dos pais, que por sua vez está em função dos respectivos rendimentos, e o pagamento das propinas, que é efectuado directamente pelo Scottish Education Department ("SED") à universidade, independentemente dos rendimentos do estudante ou dos seus pais.

Não creio que seja necessário indicar o conteúdo desta regulamentação em pormenor. Basta referir que, por cartas de 6 de Agosto e 18 de Outubro de 1984, o SED indeferiu o pedido de subsídio apresentado pelo demandante, por este não satisfazer nenhuma das três condições alternativas enunciadas nos parágrafos seguintes, que o habilitariam ao subsídio. Fundamentando o indeferimento, o SED afirmou que o demandante:

1) não residira habitualmente nas ilhas britânicas nos três anos anteriores a 31 de Agosto de 1984.

2) embora tivesse residido na área da Comunidade Europeia durante esse período, não tinha tido um emprego na Escócia, durante pelo menos nove dos doze meses que antecederam aquela data, nem requerera o subsídio para estudar num "estabelecimento de formação profissional" (("escola profissional", nos termos do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho (JO 1968, 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77) )), condições estas que têm de ser ambas satisfeitas para que um nacional de um país da CEE, residente na Comunidade mas não na Escócia, obtenha um subsídio. Deve notar-se que outra condição que deve ser satisfeita, nesta matéria, é que a pessoa que pede o subsídio tenha ido para o Reino Unido com o objectivo, único ou principal, de procurar ou obter um emprego;

3) embora o demandante fosse residente na Comunidade Europeia e filho de um nacional da CEE, nenhum dos seus progenitores estava empregado na Escócia à data relevante para o pedido (30 de Junho de 1984) nem tinha estado empregado na Escócia por um período total não inferior a um ano durante os três anos anteriores a tal data.

No recurso contencioso contra a decisão do SED, o demandante afirma que tem direito a um subsídio e que a regulamentação em causa está prejudicada por uma das seguintes disposições do direito comunitário: a) artigo 7.° do Tratado CEE, com a interpretação dada pelo Tribunal no processo 293/83, Gravier/Ville de Liège (Recueil 1985, p. 593); b) n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68; c) n.° 2 do artigo 7.°; ou d) artigo 12.° do mesmo regulamento.

A sua posição é contestada pelo Secretary of State da Escócia (que tutela o SED) e a Court of Session submeteu a este Tribunal diversas questões relacionadas com essas disposições do Tratado e do regulamento.

Na parte que nos interessa, o artigo 7.° do regulamento tem a seguinte redacção:

"1. O trabalhador nacional de um Estado-membro não pode, no território de outros Estados-membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

3. Beneficia igualmente, com o mesmo fundamento e nas mesmas condições que os trabalhadores nacionais, de acesso ao ensino nas escolas profissionais e nos centros de readaptação ou de reconversão."

O artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 estabelece que:

"Os filhos de um nacional de um Estado-membro que esteja ou tenha estado empregado no território de outro Estado-membro, são admitidos nos cursos de ensino geral, de aprendizagem e de formação profissional nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, desde que residam no seu território."

O Governo dinamarquês objecta, a título preliminar, que, na medida em que é cidadão inglês, o demandante não pode invocar contra o Reino Unido qualquer disposição do Tratado relativa à discriminação. O Governo do Reino Unido não adopta tal posição e, excepção feita a uma breve referência nas observações do Governo dinamarquês, a questão não foi objecto de debate. Parto do princípio de que, enquanto cidadão francês, o demandante pode invocar direitos, já que a França é o país em que residiu e com o qual, apesar do facto de ser filho de um cidadão britânico, possui uma relação mais próxima.

Primeira questão

"A frequência, a tempo inteiro, de um curso de engenharia numa universidade, que confere um diploma que permite ao seu titular satisfazer as condições académicas exigidas para a inscrição na organização profissional dos engenheiros electrotécnicos, o que por sua vez lhe permite, obtida uma experiência profissional complementar, invocar a qualidade de engenheiro e usar o título de 'chartered engineer' , constitui:

a) uma formação profissional incluída no âmbito de aplicação do Tratado CEE, para os efeitos do seu artigo 7.°, com a interpretação que o Tribunal lhe deu nos processos 152/82, Forcheri/Reino da Bélgica, e 293/83, Gravier/Ville de Liège;

e/ou

b) uma formação numa 'escola profissional' , referida no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho?"

Esta questão deve ser decidida à luz dos acórdãos do Tribunal proferidos nos processos 192/82, Forcheri/Bélgica (Recueil 1983, p. 2323), e Gravier, já citado, embora o órgão jurisdicional nacional, para a sua decisão, possa socorrer-se das decisões do Tribunal nos processos 293/85, Comissão/Bélgica, e 24/86, Blaizot/Universidade de Liège e outros (Colect. 1988, p. 305 e 379), nos quais foi largamente debatida a questão de saber se, e quando, o ensino universitário pode constituir uma formação profissional.

A minha opinião está contida nas conclusões apresentadas nesses processos, particularmente naqueles em que a demandada foi a Bélgica, e não vou agora repeti-la in extenso. Resumindo, afirmei que um curso universitário constitui uma formação profissional quando "prepara para uma especialização" ou "fornece os necessários conhecimentos e experiência" para uma profissão ou emprego específicos, ainda que inclua "um elemento" de instrução geral. Em resposta às questões escritas do Tribunal, o Governo alemão pareceu aceitar que todas as formas de ensino universitário que preparam para um emprego ou profissão constituem uma formação profissional e o Governo dinamarquês admitiu também que qualquer treino que confira aptidão para o desempenho de uma profissão e que esteja acima do nível de educação geral constitui formação profissional.

Por outro lado, a República Federal afirmou nas suas observações que um curso universitário pode constituir uma formação profissional apenas se a respectiva conclusão for um requisito para o acesso a determinada profissão. Não aceito essa afirmação. Há algumas profissões às quais podem ter acesso, não só os titulares de um determinado diploma, mas ainda aqueles que, não o tendo, possuem alguma qualificação ou experiência académica ou profissional. Afirmar que os cursos universitários que habilitam para tais profissões não constituem uma formação profissional porque não são um requisito geral para o acesso às mesmas, constitui uma restrição injustificada da definição dada no acórdão Gravier.

Dos factos admitidos pelas partes, referidos no despacho de reenvio, resulta prima facie que o curso do demandante satisfaz, relativamente à engenharia electrotécnica, o critério por mim definido como estando na base do acórdão Gravier. Concede-lhe, em larga medida, a experiência e os conhecimentos exigidos para ser engenheiro electrotécnico, para trabalhar no ramo da engenharia electrotécnica e, se o diploma tiver a classificação exigida, para ser "membro associado" da respectiva organização profissional, o que lhe permite tornar-se "membro" da mesma. Em minha opinião, não é argumento decisivo contra a sua posição o facto de o curso não lhe conceder, imediata ou directamente, a qualificação de "chartered engineer". Parece evidente que o diploma que o qualifica para se tornar "membro associado" é parte integrante da qualificação necessária para se tornar "membro", além de constituir a preparação para a profissão em causa.

Não perfilho a interpretação mais restritiva reclamada pelos Governos alemão e dinamarquês, segundo a qual o artigo 7.°, n.° 3, contém a exigência adicional da conexão com a actividade do trabalhador, enquanto tal. A liberdade de circulação dos trabalhadores, que o Regulamento n.° 1612/68 pretende facilitar, é "um dos meios de (o trabalhador) garantir a possibilidade de melhorar as suas condições de vida e de trabalho e de facilitar a sua promoção social" (terceiro considerando). Em parte, este objectivo seria obviamente frustrado se um trabalhador da Comunidade não pudesse receber formação numa nova disciplina, particularmente a um nível mais avançado.

Relativamente à segunda parte da primeira questão, o demandante e a Comissão consideram que não se pode traçar qualquer distinção útil entre "formação profissional" e a expressão "ensino em escolas profissionais", do n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68. O Reino Unido considera que o Tribunal pode chegar a essa conclusão. Na minha opinião, qualquer estabelecimento que ministre um ou mais cursos de formação profissional deve ser considerado, por esse facto, como uma "escola de ensino profissional", para os efeitos do n.° 3 do artigo 7.°

Segunda questão

"A noção de acesso à formação profissional, para os efeitos do artigo 7.° do Tratado CEE, com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal nos processos 152/82, Forcheri/Reino da Bélgica, e 293/83, Gravier/Ville de Liège, deve ser entendida como englobando o pagamento por um Estado-membro, por força das disposições do seu direito nacional, ao formando (ou a outrem, em seu nome), de: a) propinas de inscrição e/ou b) quantias destinadas ao seu sustento?"

A pergunta não se refere à obrigação de pagar propinas, como no processo Gravier, mas ao pagamento a um estudante - ou em seu nome - das respectivas propinas. A razão deve-se ao facto de no Reino Unido, em geral, as propinas não serem pagas pelos estudantes britânicos, mas pela entidade responsável pelo ensino na respectiva zona. Não vejo qualquer diferença entre cobrar ou não cobrar propinas, por um lado, e pagar ou não as mesmas, por outro. Ambas as situações são discriminatórias, nos termos da interpretação estabelecida no processo Gravier.

A doutrina do acórdão Gravier abrange as propinas de frequência, por contraposição às propinas de inscrição? No processo Gravier faz-se referência a propinas de inscrição, mas, como resulta dos factos desse processo e dos processos Blaizot e 309/85, Barra/Estado Belga e Cidade de Liège, o que estava em discussão em todos os processos relativos à Bélgica não era a propina de inscrição, que todos os estudantes pagam, mas o que foi designado na audiência como o "minerval para estudantes estrangeiros", que podia atingir 50% dos encargos escolares. Esse "minerval" constituía essencialmente, ou pelo menos materialmente, uma propina de frequência.

De facto, por força de uma alteração dos regulamentos aplicáveis no Reino Unido, que entraram em vigor em Setembro de 1986, as propinas de frequência dos nacionais dos Estados-membros (à primeira vista, independentemente da natureza dos estudos universitários realizados), passaram a ser pagas pelas autoridades do Reino Unido. Por esta razão, o Reino Unido não contestou a afirmação de que as propinas de frequência não devem ser pagas pelo estudante comunitário. Parece no entanto que a alteração não satisfaz inteiramente o demandante. A alteração não teve efeitos retroactivos. Foram-lhe exigidas propinas pelos anos de 1984 e 1985 e foi sugerido que pode ter de pagá-las relativamente a 1986. Mais ainda, o seu advogado afirmou em audiência que a alteração não se aplica, ou pode não ser aplicada, aos estudantes cujos cursos se iniciaram antes de a alteração ter entrado em vigor.

Pelas razões expostas, considero que as referidas propinas não eram exigíveis ao demandante, dado que este efectuava uma formação profissional, nos termos da doutrina do acórdão Gravier, a qual, como indiquei no processo Blaizot, considero ser aplicável, não apenas para o futuro, mas também aos estudantes que tinham iniciado uma formação profissional à data do acórdão Gravier, relativamente à totalidade dos respectivos cursos. Assim, caso já tenham sido pagas, as propinas são reembolsáveis; caso contrário, não são exigíveis.

O auxílio para subsistência, a que se refere a segunda parte da segunda questão, levanta um problema diferente.

O demandante afirma com convicção, citando o acórdão 9/74, Casagrande andeshauptstadt Muenchen (Recueil 1974, p. 773), que as condições de acesso à formação profissional, não só incluem as condições sob as quais os estudantes são inicialmente admitidos num curso, mas também abrangem o necessário para que a frequência do mesmo seja possível. O estudante tem de ter meios de sustento, livros e equipamento. Enquanto os estudantes nacionais recebem auxílios para subsistência, um estudante de outro Estado-membro tem de se manter a si próprio, um factor crucial na decisão de frequentar o curso; há aqui, afirma-se, uma clara discriminação.

Os Estados-membros que apresentaram observações, bem como o Secretary of State no processo perante o órgão jurisdicional nacional, insistem em que os subsídios de manutenção não estão abrangidos pelo acórdão Gravier. Neste processo, a Comissão não fez tal exigência. Na verdade, embora tenha tomado uma posição diferente noutros processos anteriores, parece-me que acabou por aceitar aquela orientação.

A questão não é de fácil resposta , mas, pelas razões que passo a expor, já sugeridas nas minhas conclusões no processo Gravier, não considero que as condições de acesso referidas nesse acórdão incluam tais subsídios.

Em primeiro lugar, o acórdão Gravier salienta que as propinas eram "uma barreira financeira ao acesso ao ensino", na medida em que, se o estudante as não pagasse, não podia receber tal ensino. Embora, como é evidente, reconheça que o aluno não pode estudar se não puder comer nem tiver onde dormir, não me parece que os meios de subsistência tenham uma ligação suficientemente directa com o acesso ao próprio curso para serem abrangidos pelo princípio da não discriminação invocado no acórdão Gravier. O acesso directo à formação profissional está incluído no âmbito do artigo 7.° do Tratado; a obtenção de meios de subsistência, na ausência de disposições de direito comunitário mais específicas, não está.

Será este resultado incompatível com a afirmação feita pela Comissão, e admitida pelo Secretary of State, de que um trabalhador não pode ser discriminado na obtenção de um subsídio de manutenção destinado a um curso de formação profissional, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1612/68? Em minha opinião, não é. Há no regulamento uma disposição específica afirmando que os trabalhadores têm direito, "com o mesmo fundamento e nas mesmas condições que os trabalhadores nacionais", ao "acesso à formação profissional" ou, como no texto francês, apenas ao "enseignement des écoles professionnelles".

A luz do texto francês e de outras versões, que não da inglesa, considero que "acesso à formação profissional" significa o mesmo que ao "enseignement des écoles professionnelles" e abrange, não apenas o direito à frequência, mas também todos os aspectos relativos à obtenção de uma formação profissional. Tendo em conta os objectivos do regulamento, contidos nos respectivos considerandos, parece-me, pelas razões referidas nas minhas conclusões no processo Lair, que o fundamento e as condições referidas no artigo 7.°, n.° 3, incluem os subsídios de manutenção, caso estes sejam concedidos aos trabalhadores nacionais.

O artigo 7.°, n.° 2, admitindo que seja aplicável, questão que também debati no processo Lair, é ainda mais claro. As "vantagens sociais", caso se apliquem à formação profissional ou a outras formas de instrução, abrangem claramente os subsídios de manutenção. Se, conforme penso, abrangem pelo menos a instrução geral, é impensável que um trabalhador tenha mais direitos relativamente à instrução geral do que à formação profissional.

Em minha opinião, a resposta à alínea a) é positiva e à alínea b) negativa.

Terceira questão

"Um nacional de um Estado-membro, que residiu nesse Estado-membro e que se muda para outro Estado-membro ("Estado-membro de acolhimento"), deve ser considerado um trabalhador, para os efeitos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, no caso de:

a) o interessado exercer uma actividade remunerada a tempo inteiro, abrangida por um sistema de segurança social, na qualidade de estagiário de engenharia electrotécnica, durante oito meses antes da sua entrada na universidade,

b) ainda antes da sua entrada no território do Estado-membro de acolhimento, ter efectuado diligências para iniciar, no fim do referido período de oito meses, estudos de engenharia a tempo inteiro numa universidade do Estado-membro de acolhimento,

c) a entidade patronal não ter contratado o interessado para exercer a função que lhe foi atribuída se este não tivesse sido admitido na universidade

e

d) o interessado ter aceite esse emprego com o objectivo de adquirir uma experiência profissional no sector da indústria electrotécnica?"

Uma vez que a decisão final sobre se o demandante é um trabalhador, para os efeitos do artigo 7.° do regulamento, cabe ao órgão jurisdicional nacional, a questão que se nos coloca é a de saber se, para esse efeito, o termo "trabalhador" pode ser interpretado de forma a abranger uma pessoa que desempenha as actividades especificadas nesta questão.

O demandante alega que, enquanto trabalhou para a Ferranti, foi um trabalhador, nos termos do artigo 48.° do Tratado. Preenchia o critério definido no processo 66/85, Lawrie-Blum/Land Baden-Wuerttemberg (acórdão de 3 de Julho de 1986, Colect., p. 2121): uma pessoa que "durante um certo período de tempo realiza tarefas para outra pessoa, sob a direcção desta, em troca das quais recebe uma remuneração". Estava na mesma situação que o professor estagiário do processo Lawrie-Blum, que também realizara "uma preparação prática directamente relacionada com o exercício efectivo da profissão em causa". Mais ainda, estava abrangido pelo sistema nacional de segurança social, como estagiário de engenharia.

O demandante e a Comissão afirmam que isto é suficiente. Uma vez adquirida, a qualidade de trabalhador mantém-se para todos os efeitos, e não se pode estabelecer um período mínimo antes de se ser considerado trabalhador para os efeitos do artigo 48.° ou para os efeitos do regulamento. A sua intenção ao aceitar o lugar é irrelevante, como o é o facto de ter desde o início pretendido exercê-lo por um período limitado, antes de iniciar o seu curso universitário.

O Reino Unido, a Alemanha e a Dinamarca mais uma vez estão em total desacordo com esta conclusão. O regulamento tem por objectivo facilitar a obtenção de trabalho por trabalhadores migrantes no Estado de acolhimento e facilitar a respectiva integração. Considerar que um emprego ocupado por um período limitado, ainda que visto como um meio de ganhar algum dinheiro extra ou como uma experiência útil para o curso a realizar, antes da entrada na Universidade ou durante as férias, fundamenta o direito a subsídios de manutenção para os estudantes, eventualmente durante um largo período, é, diz-se, fazer uma interpretação totalmente injustificada face ao objecto e aos fins do Regulamento n.° 1612/68.

É evidente que, para os fins do artigo 48.°, o termo "trabalhador" deve ser interpretado em termos amplos (vide processo 53/81, Levin/Staatssecretaris van Justitie, Recueil 1982, p. 1035, 1050). É igualmente claro que o trabalho desempenhado durante este período para a Ferranti possuía as características de um contrato de trabalho referidas no acórdão Lawrie-Blum. Para este efeito, um trabalhador pode sê-lo a tempo parcial ou receber menos que o salário mínimo de subsistência estabelecido pelas autoridades nacionais. Por outro lado, no acórdão Levin concluiu-se que o emprego tem de ser efectivo e genuíno, "com exclusão das actividades de importância tão reduzida que possam ser consideradas puramente marginais ou acessórias", e que as regras sobre a liberdade de circulação dos trabalhadores "garantem a liberdade de circulação das pessoas que realizam, ou pretendem realizar, uma actividade económica".

Um "trabalhador", para os efeitos do artigo 48.°, tem o direito de aceitar uma oferta de emprego que lhe é feita e de se deslocar para outro Estado-membro para tal efeito. O Tribunal considerou que tal pessoa tem também o direito de procurar um emprego (processo 316/85, Centre Public/Lebon, acórdão de 18 de Junho de 1987, Colect., p. 2811). Uma pessoa que procura um emprego não goza dos direitos contidos no n.° 2 do artigo 7.° do regulamento e não me parece decorrer daqui que, mesmo que uma pessoa goze dos direitos contidos no artigo 48.° do Tratado, beneficie necessariamente de todos os direitos conferidos pelo artigo 7.° do regulamento.

Em minha opinião, para efeitos do pedido de um subsídio ao abrigo do artigo 7.°, o trabalhador tem de demonstrar que o faz genuinamente na sua qualidade de trabalhador e tem de estar num Estado-membro nessa qualidade e com o objectivo de aí trabalhar.

Uma pessoa que tem a firme intenção de, em qualquer circunstância, se deslocar para um Estado-membro na qualidade de estudante e que tem um lugar à sua disposição numa escola a partir de determinada data e por um período certo, mas que, com o objectivo de ganhar experiência, trabalha durante um curto período, não está, na minha opinião, habilitada para exigir, nos termos dos n.os.2 e 3 do artigo 7.°, um subsídio na qualidade de trabalhador. Esse trabalho é de certa forma uma preparação para os estudos e, embora as intenções de quem realiza um trabalho efectivo na condição de trabalhador tenham sido consideradas irrelevantes, as decisões do Tribunal não impedem, em minha opinião, um exame das razões pelas quais essa pessoa está num Estado-membro e trabalha a título temporário, nem da qualidade efectiva em que requer o subsídio. Parece-me que uma pessoa que realiza os estágios referidos na questão prejudicial vai para a universidade na posição de estudante num curso normal; não é, de forma alguma, alguém que exerce o direito do trabalhador a efectuar uma formação profissional como forma de aumentar a sua mobilidade ou de se valorizar. Não é nessa condição que vai para a universidade.

Quando se prove que alguém se mudou para outro país na qualidade efectiva de trabalhador, começou a trabalhar e posteriormente decide iniciar a sua formação profissional na mesma qualidade, essa pessoa tem o direito de invocar o artigo 7.°, n.os 2 e 3, no que respeita a subsídios para estudos. Em tal caso, parece-me que não é aceitável estabelecer um limite de tempo de trabalho (processos 249/83, Hoeckx/Openbaar Centrum voor Maatschappelijk Welzijn, Recueil 1985, p. 973, e 122/84, Scrivner/Centre Public d' Aide Sociale de Chastre, Recueil 1985, p. 1027). Mas, se se colocar a questão de saber se essa pessoa é um trabalhador, parece-me ser admissível ter em consideração o período de tempo durante o qual afirma ter trabalhado. Esse período tem de ser compatível com tal pretensão e parece-me que um ano, ainda que não seja um padrão absoluto, constitui uma solução razoável.

Não creio que a decisão do Tribunal no processo 157/84, Frascogna/Caisse de Dépôts et Consignations (acórdão de 6 de Junho de 1985), impeça que seja imposto um período mínimo para efeitos de decidir se alguém está num Estado-membro genuinamente como trabalhador. Este processo tinha por objecto um subsídio para uma pessoa idosa residente num Estado-membro. Essa pessoa satisfazia as exigências relativas à idade e a decisão do Tribunal foi no sentido de que uma exigência adicional relativa à residência era ilegal. Por analogia, uma vez estabelecido que alguém é trabalhador para os efeitos do artigo 7.° do regulamento, a exigência de um período mínimo como critério de qualificação não é aceitável. Diferente é a questão de se ter em consideração um período de trabalho para decidir o problema essencial de determinar se alguém é um trabalhador para os efeitos do artigo 7.°, n.os 2 e 3, do regulamento, relativamente a subsídios para estudantes.

Neste caso era admissível ter em consideração o aspecto de o demandante ter trabalhado apenas durante oito semanas como estagiário, para efeitos de decidir se tinha ou não direitos como trabalhador ao abrigo do artigo 7.°, n.os 2 e 3, do regulamento.

Quarta questão

"No caso de deixar um emprego para iniciar - e efectivamente iniciar - estudos com o objectivo de obter um diploma em electrotecnia a fim de se tornar engenheiro e exercer essa profissão, um trabalhador tem direito, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, a receber um subsídio de estudos pago, nos termos do direito nacional, a estudantes, e destinado a cobrir as suas propinas e/ou pagar as suas despesas de manutenção?"

Atendendo à resposta que proponho para a pergunta anterior, a quarta questão não suscita uma análise detalhada. No entanto, pelas razões dadas nas minhas conclusões no processo Lair, considero que alguém que é trabalhador para os efeitos do artigo 7.°, n.os 2 e 3, tem direito a receber o subsídio de manutenção e a ser ou não isento de propinas nas mesmas condições que os nacionais, ao abrigo do n.° 2 no que respeita à formação não profissional, e ao abrigo do n.° 3 no que respeita às escolas profissionais e aos centros de readaptação ou de reconversão.

Quinta questão

"O filho do nacional de um determinado Estado-membro que reside no território de outro Estado-membro (' Estado de acolhimento' ) pode invocar o artigo 12.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 quando um dos seus progenitores, que já não trabalha nem reside no Estado de acolhimento, residiu pela última vez ou exerceu pela última vez uma actividade assalariada no Estado de acolhimento antes do nascimento do filho e quando o facto de o filho residir no território do Estado de acolhimento não está relacionado com o facto de o progenitor ter trabalhado nesse mesmo Estado?"

Se o artigo 12.° for interpretado literalmente, o demandante afirma que, em qualquer caso, está abrangido por ele. A sua mãe, por via da qual pode invocar o artigo 12.°, possui nacionalidade francesa, trabalhou no Reino Unido e ele reside neste país. Além disso, afirma que haveria uma grande restrição à mobilidade dos trabalhadores se, tendo o progenitor e o filho vivido durante quinze anos num Estado-membro e depois mudado para outro Estado, o filho não pudesse regressar com o objectivo de estudar ou se um filho nascido posteriormente não pudesse fazê-lo e ter direito aos benefícios atribuídos pelo artigo 12.° O Reino Unido replica que a mãe deixou o país em 1966, antes da adesão deste, não podendo o seu filho beneficiar de direitos conferidos pelo direito comunitário, que decorrem do facto de ter trabalhado e residido no Reino Unido antes dessa data. Mais, se o objectivo do artigo 12.° é facilitar a integração da família do trabalhador no Estado de acolhimento em que está ou esteve empregado, não pode admitir-se que os filhos cuja residência não tem ligação com o emprego dos pais num Estado-membro possam beneficiar de tais direitos.

Em minha opinião, o artigo 12.° deve ser interpretado no sentido de que salvaguarda os direitos do filho que viveu com o seu progenitor, ou progenitores, num Estado-membro, enquanto estes aí trabalhavam. O facto de os pais se mudarem não priva o filho dos seus direitos. Por outro lado, parece-me que um filho nascido após os pais terem deixado de residir ou de trabalhar num Estado-membro não é protegido por esta disposição. Nunca fez parte da família enquanto esta viveu nesse Estado, nem esteve integrado nesse Estado como parte da família de um trabalhador. O seu regresso e estadia com o objectivo de estudar não é na qualidade de filho de um trabalhador, nem como alguém que era menor durante o período em que os seus pais aí trabalharam, período esse já terminado.

Em qualquer caso, não me parece curial que o filho de um cidadão de outro Estado-membro que deixou o Reino Unido antes de este ter aderido ao Tratado goze de tais direitos.

Assim, em minha opinião, deve responder-se às questões apresentadas nos seguintes termos:

"1) a) A expressão 'formação profissional' abrange um curso de engenharia electrotécnica realizado a tempo inteiro numa universidade, que conduz à obtenção de um diploma que permite ao respectivo titular cumprir as exigências de índole académica para ser membro associado da organização profissional dos engenheiros electrotécnicos, que por sua vez lhe permite, após ter adquirido experiência prática suplementar, inscrever-se como engenheiro, ou, em alternativa, quando tal curso o habilita com os conhecimentos e a experiência necessários para o exercício de tal profissão ou actividade;

b) a formação descrita constitui uma forma de ensino numa escola profissional, para os efeitos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho.

2) O artigo 7.° do Tratado CEE, com a interpretação que lhe foi dada no processo 293/83, Gravier/Ville de Liège, proíbe a discriminação com base na nacionalidade entre os nacionais do Estado-membro onde, ou a partir do qual, a formação profissional se realiza e os nacionais de outros Estados-membros, no que respeita ao pagamento das propinas ao formando, ou a outrem em seu nome, mas não no que respeita a subsídios de manutenção.

3) e 4) O termo "trabalhador", para efeitos da atribuição de subsídios de estudo abrangidos pelo artigo 7.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1612/68, não abrange alguém que passa a residir num Estado-membro e trabalha durante os oito meses que antecedem o início, em data já fixada, de um curso universitário no qual já tinha sido admitido antes de se deslocar para esse Estado, a fim de obter experiência na área do seu curso universitário e quando a entidade patronal só lhe deu tal trabalho na condição de ter sido admitido na universidade. Uma pessoa nestas condições não está habilitada a obter um subsídio ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, seja para as propinas, seja a título de auxílio para subsistência.

5) O filho de um nacional de um Estado-membro não tem direito a beneficiar do artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 relativamente a um subsídio de estudos, quando o seu progenitor deixou de trabalhar e residir no Estado-membro de acolhimento antes do nascimento do filho; também não possui tal direito quando o progenitor trabalhou no Estado de acolhimento mas mudou de residência antes da adesão desse Estado à Comunidade Económica Europeia."

Cabe ao tribunal nacional pronunciar-se sobre as despesas das partes na causa principal. As despesas da Comissão e dos governos que apresentaram observações não são reembolsáveis.

(*) Tradução do inglês.

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