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Document 61986CC0109

Conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn apresentadas em 10 de Junho de 1987.
Ioannis Theodorakis Viomichania Elaiou AE contra Estado Grego.
Pedido de decisão prejudicial: Efeteio Athinon - Grécia.
Perda da caução relativa ao certificado de exportação - Força maior.
Processo 109/86.

Colectânea de Jurisprudência 1987 -04319

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:270

61986C0109

Conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn apresentadas em 10 de Junho de 1987. - IOANNIS THEODORAKIS BIOMICHANIA ELAIOU AE CONTRA ESTADO GREGO. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO EFETEIO DE ATENAS. - PERDA DA CAUCAO RELATIVA AO CERTIFICADO DE EXPORTACAO - FORCA MAIOR. - PROCESSO 109/86.

Colectânea da Jurisprudência 1987 página 04319


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

O Tribunal é chamado a pronunciar-se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação de Atenas. É a primeira vez que um tribunal grego dirige ao Tribunal um pedido deste tipo.

Mediante um contrato celebrado em 22 de Abril de 1982, a sociedade grega Ioannis Theodorakis Biomichania Elaiou AE, que designarei por Theodorakis, acordou vender à sociedade Agros, empresa do Estado polaco, cem toneladas de óleo de bagaço de azeitona refinado da colheita de 1981/1982 a um preço fob ou fot, em alternativa. Estava previsto que a entrega fosse feita até 31 de Agosto de 1982, à partida da Grécia.

O pagamento devia efectuar-se contra a entrega de determinados documentos, entre os quais uma declaração de que as mercadorias tinham sido expedidas em conformidade com as instruções de C. Hartwig, de Gdansk. O contrato continha uma cláusula de arbitragem, segundo a qual todos os litígios dele emergentes seriam dirimidos pelo tribunal arbitral da Câmara de Comércio polaca.

Nos termos do Regulamento (CEE) n.° 3183/80 da Comissão, de 3 de Dezembro de 1980, que estabelece modalidades comuns de aplicação do regime de certificados de importação, de exportação e de fixação antecipada para os produtos agrícolas (JO 1980, L 338, p. 1; EE 03 F20 p. 5), para esta operação era necessário um certificado de exportação. Este foi de facto concedido pelo Ministério da Agricultura grego, mediante entrega no ministério de uma garantia de 310 000 DR prestada pelo Banco Nacional da Grécia em 23 de Abril de 1982.

Embora os documentos contratuais apresentados ao Tribunal não o revelem, parece ter sido acordado entre as partes que um representante da compradora viria à Grécia receber as mercadorias ou, pelo menos, dar instruções relativamente à entrega. No entanto, a chegada do representante começou por ser adiada e, finalmente, acabou por não se verificar, apesar de terem sido enviados pela Theodorakis, por telegrama e telex, vários pedidos de instruções.

A Theodorakis afirma ter solicitado e obtido, em 30 ou 31 de Agosto, uma prorrogação do certificado de exportação até 31 de Dezembro de 1982. A cópia do certificado apresentada ao Tribunal pela Comissão não dá conta de tal prorrogação e as autoridades gregas negam que tenha havido qualquer prorrogação para além de 31 de Agosto de 1982.

Finalmente, em 9 de Dezembro de 1982, a Agros enviou um telex em que declarava não poder receber toda a mercadoria em Dezembro, após o que a Theodorakis considerou finda a relação contratual.

Em 19 de Fevereiro de 1983, a Theodorakis solicitou ao ministério o cancelamento da garantia prestada. Por despacho de 13 de Abril de 1983, o Ministério declarou perdida a caução, no montante de 297 400 DR, acrescida de 3 569 DR de impostos, perfazendo um total de 300 969 DR.

Por carta de 5 de Setembro de 1983, o ministério ordenou que o Banco Nacional pagasse o referido montante, por falta de cumprimento das obrigações que incumbiam à Theodorakis, o que foi feito em 19 de Setembro de 1983.

Em 1 de Dezembro de 1983, a Theodorakis intentou uma acção perante os tribunais gregos, pedindo a condenação do Estado a pagar-lhe o montante de 300 969 DR, alegando que a decisão pela qual as autoridades gregas decretaram a perda da caução era ilegal. Baseava-se, a título subsidiário, em alguns aspectos do direito grego, como a inexistência de dívida principal e o enriquecimento sem causa do Estado, no caso de não ser reembolsada por este.

O tribunal de primeira instância indeferiu o pedido, considerando improcedentes os seus dois primeiros fundamentos dado que, nos termos das disposições aplicáveis do Regulamento (CEE) n.° 3183/80, o certificado de exportação concedido pelas autoridades gregas apenas poderia ser anulado em caso de força maior, que não foi invocado pela Theodorakis no seu pedido. O tribunal rejeitou igualmente a alegação de enriquecimento sem causa, uma vez que a caução tinha sido declarada perdida por motivos juridicamente atendíveis, nos termos do regulamento CEE.

A Theodorakis recorreu então para o Tribunal da Relação, alegando que as disposições aplicáveis tinham sido erradamente interpretadas e aplicadas. Declarou que as circunstâncias referidas na petição inicial, isto é, o facto de a compradora polaca não ter levantado o óleo na Grécia, constituíam um caso de força maior. O Tribunal da Relação considerou que a questão essencial que se punha no caso em apreço era a de saber se os factos constituíam um caso de força maior, na acepção das disposições aplicáveis do regulamento, designadamente dos seus artigos 36.° e 37.°

Em consequência, por despacho recebido em 7 de Maio de 1986, submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, a seguinte questão prejudicial:

"As circunstâncias de facto invocadas na petição apresentada em 1 de Dezembro de 1983 constituem um caso de força maior, na acepção do Regulamento (CEE) n.° 3183/80 da Comissão, de 3 de Dezembro de 1980, e designadamente dos artigos 36.° e 37.° deste regulamento, com vista à anulação do certificado de exportação em causa, emitido pela Direcção do Comércio Externo do Ministério da Agricultura grego, e ao reembolso do montante da caução prestada pela recorrente?".

A questão essencial contida no pedido prejudicial consiste em saber se, quando se refere à força maior, o regulamento abrange a hipótese de o comprador não receber as mercadorias ou não dar instruções a esse respeito.

Nas observações que apresentou ao Tribunal, a Theodorakis conclui pedindo que o Tribunal declare que a não realização da exportação não é da sua responsabilidade, constituindo assim um caso de força maior.

A Comissão, em observações baseadas na decisão do Tribunal no processo 284/82, Busseni/Comissão (Recueil 1984, p. 557), alega que o incumprimento de um contrato por o comprador não ter levantado as mercadorias não pode ser considerado um caso de força maior. Essa situação é perfeitamente previsível no quadro das transacções comerciais e constitui um risco comercial normal.

O Tribunal entendeu que a noção de força maior podia ter um conteúdo diverso em diferentes áreas do direito e em vários domínios de aplicação, de modo que o significado exacto da noção deve ser determinado em função do quadro legal em que esta se destina a produzir os seus efeitos (processo 158/73, Kampffmeyer/Einfuhr- und Vorratsstelle Getreide, Recueil 1974, p. 101). O Tribunal entendeu aí que a noção de caso de força maior não se restringia à impossibilidade absoluta.

No processo Busseni, referido pela Comissão, o Tribunal afirmou que a noção de força maior diz essencialmente respeito, exceptuados alguns casos especiais em domínios particulares, a circunstâncias excepcionais que tornam impossível a realização do facto em causa e:

"Mesmo que não pressuponha uma impossibilidade absoluta, exige contudo que se trate de dificuldades anormais, independentes da vontade da pessoa e aparentemente inevitáveis, mesmo tomando todas as devidas precauções" (tradução provisória).

Mais recentemente, na sequência do processo 42/79, Milch- Fett- und Eierkontor GmbH/Bundesanstalt fuer Landwirtschaftliche Marktordnung (Recueil 1979, p. 3703), o Tribunal declarou, em processos respeitantes a um regulamento agrícola relativo à manteiga, que a "força maior deve ser entendida como uma impossibilidade absoluta devida a circunstâncias anormais, estranhas ao comprador da manteiga e cujas consequências apenas poderiam ser evitadas mediante sacrifícios excessivos, apesar de terem sido observados todos os cuidados necessários" (processo 125/83, Office belge de l' economie et de l' agriculture/Nicolas Corman et fils SA, acórdão de 1 de Outubro de 1985, Recueil, p. 3093, e processo 20/84, De Jong Verenigde NV/Voedselvoorzienings In- en Verkoopbureau, acórdão de 3 de Julho de 1985, Recueil, p. 2061) (tradução provisória).

Parece-me que a essência da força maior no domínio contratual se traduz na superveniência de um facto imprevisível que impede a execução do contrato, facto esse que escapa totalmente ao controlo das partes, as quais não podem, ou não podem razoavelmente, evitar as suas consequências.

No âmbito do Regulamento (CEE) n.° 3183/80, o que interessa demonstrar é que não se pôde efectuar a importação ou a exportação durante o período de validade do certificado. Considero que, nos casos de importação ou exportação com base num contrato, se deve aplicar um critério análogo àquele que é utilizado no direito das obrigações. Noutros termos, deve existir um desses factos imprevisíveis, que escapam ao controlo das partes na importação ou na exportação e cujos efeitos estas não podem, ou não podem razoavelmente, evitar, e que impede a importação ou a exportação.

Num caso como o presente, pode dizer-se que o vendedor não cometeu qualquer falta. Por outro lado, o facto de um comprador não vir receber as mercadorias nem dar instruções sobre a sua entrega não constitui, em si, um facto como aquele que descrevi e, em meu entender, não é abrangido pelo conceito de força maior para efeitos do regulamento.

Contrariamente ao argumento invocado pela recorrente, não basta a um vendedor, que não está em mora, provar que a não realização da exportação resulta do incumprimento do contrato pelo comprador. Parece-me que, como refere a Comissão, tal incumprimento não constitui um facto imprevisível para efeitos de força maior, mas apenas um risco comercial normal que, quando se concretiza, pode fundamentar uma acção do vendedor contra o comprador, com vista à indemnização dos prejuízos ou a outra forma de ressarcimento.

Se, em determinado caso, o comprador provar que o facto de não dar instruções sobre a entrega, ou de não receber as mercadorias, se deveu a um diferente caso de força maior, já a questão pode ser outra. Mas não me parece ser o que acontece no caso em apreço. Tanto a decisão de reenvio como os outros documentos se limitam a afirmar que não era a vendedora quem estava em mora, mas sim a compradora. Penso que isto não é suficiente.

Parece duvidoso que os actos processuais previstos pelos artigos 36.° e 37.° do regulamento tenham sido realizados, dado que aparentemente a Theodorakis não pediu às autoridades competentes, nos termos do n.° 4 do artigo 36.°, uma decisão sobre a ocorrência de força maior. Também não parece que a questão tenha sido suscitada na petição inicial apresentada na primeira instância. São, no entanto, questões da competência do tribunal nacional, não cabendo ao Tribunal pronunciar-se sobre elas.

Em consequência, penso que deve responder-se à questão submetida pelo Tribunal da Relação de Atenas no sentido de que o facto de um comprador não levantar as mercadorias ou não dar instruções sobre a sua entrega, nos termos de um contrato de exportação sujeito ao Regulamento n.° 3183/80, não é susceptível de constituir, por si só, um caso de força maior, na acepção do referido regulamento.

As despesas em que incorreu a Comissão não são reembolsáveis e cabe ao tribunal nacional pronunciar-se sobre as despesas das partes no processo principal.

(*) Tradução do inglês.

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