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Document 61985CJ0424

Acórdão do Tribunal de 17 de Junho de 1987.
Coöperatieve Melkproducentenbedrijven Noord-Nederland BA ("Frico") e outros contra Voedselvoorzienings In- en Verkoopbureau.
Pedidos de decisão prejudicial: College van Beroep voor het Bedrijfsleven - Países Baixos.
Validade de um regime de diferenciação das taxas de juro no âmbito da ajuda à armazenagem privada de manteiga.
Processos apensos 424/85 e 425/85.

Colectânea de Jurisprudência 1987 -02755

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:296

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado nos processos apensos 424 e 425/85 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

A — A regulamentação comunitária aplicável

O n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento (CEE) n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146), prevê que, em determinadas condições, podem ser concedidas ajudas à armazenagem privada de manteiga produzida na Comunidade.

Nos termos do n.° 6 do artigo 6.° do mesmo regulamento, foi aprovado o Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho, de 15 de Julho de 1968, que estabelece as regras gerais que regem as medidas de intervenção no mercado da manteiga e da nata JO L 169, p. 1; EE 03 F2 p. 190). A execução das medidas de ajuda é assegurada pelo organismo de intervenção do Estado-membro no território do qual se encontra o entreposto frigorífico onde a manteiga será armazenada. Para poder beneficiar da ajuda, é necessário ter celebrado com o organismo de intervenção um contrato de armazenagem que indique, nomeadamente, a quantidade, o prazo de armazenagem e o montante da ajuda.

O artigo 10.° dispõe que:

«1)

o montante de ajuda à armazenagem privada é fixado para a Comunidade tendo em conta os encargos de armazenagem e a evolução previsível dos preços da manteiga fresca e da manteiga armazenada. O montante de ajuda poderá ser aumentado caso se verifique, na altura da retirada de armazém, que o mercado sofreu uma evolução desfavorável, não previsível;

2)

para os contratos futuros, o montante de ajuda poderá ser modificado se a situação do mercado o exigir.»

O Regulamento (CEE) n.° 685/69 da Comissão, de 14 de Abril de 1969, veio especificar as modalidades de aplicação das intervenções no mercado da manteiga e da nata de leite (JO L 90, p. 12; EE 03 F3 p. 83).

Tendo em conta mais especialmente o montante de ajuda, o n.° 3 do artigo 24.° desse regulamento, na sua versão resultante do Regulamento (CEE) n.° 714/83, de 29 de Março de 1983 (JO L 83, p. 27; EE 03 F27 p. 109), previa, antes da intervenção do regulamento em causa, de 25 de Junho de 1984, que:

«3)

a ajuda referida no n.° 1 é estabelecida por tonelada de manteiga ou de equivalente de manteiga da seguinte maneira:

a)

26 ECU para os encargos fixos;

b)

0,45 ECU por dia de armazenagem contratual para os encargos de armazenagem em frigorífico;

c)

um montante por dia de armazenagem contratual calculado em função do preço de compra da manteiga, expresso em moeda nacional, aplicado pelo organismo de intervenção do Estado-membro considerado no dia do início da armazenagem contratual e em função duma taxa de juro de 11 % ao ano.»

O Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, cuja validade é contestada, altera essas disposições do seguinte modo:

a ajuda para as despesas fixas de 26 aumentou para 28 ECU;

a fim de tomar em consideração uma baixa das taxas de juro mais praticadas nos Estados-membros e de não criar um incentivo suplementar à armazenagem, a taxa de juro de 11 % voltou a 10,5 %;

além disso, «considerando que é conveniente ter em conta o facto de que em certos Estados-membros as taxas reais são nitidamente inferiores às taxas praticadas no resto da Comunidade; que é conveniente fixar consequentemente taxas sensivelmente mais baixas, para a participação comunitária na armazenagem nesses Estados-membros para evitar, por um lado, um enriquecimento desnecessário dos operadores e, por outro, evitar os deslocamentos artificiais e especulativos dos produtos provenientes de regiões em que seria possível um escoamento para o mercado, em Estados--membros com as mais baixas taxas de juro», a Comissão derrogou uma taxa geral de juro de 10,5 % em relação a três Estados-membros, estipulando no n.° 3, alínea b), do artigo 1.odo regulamento em causa: «Todavia, para a manteiga armazenada na República Federal da Alemanha e nos Países Baixos, a taxa de juro é fixada em 7 % ao ano e para a manteiga armazenada no Reino Unido em 9,5 % ao ano».

O artigo 2.° do mesmo regulamento especifica que é aplicável à manteiga entrada em armazém a partir da entrada em vigor do regulamento, ou seja, 25 de Junho de 1984.

B — Os factos

As sociedades demandantes no processo principal exploram empresas que se dedicam ao fabrico, comercialização, importação e exportação de manteiga. No âmbito dessas actividades, procedem à armazenagem de manteiga em entrepostos frigoríficos privados.

Relativamente ao processo 424/85, a sociedade Noord Nederland BA, a seguir designada «Frico», celebrou, em Julho de 1984, com o Voedselvoorzienings In- en Verkoopbureau, a seguir designado «VIB» (organismo de intervenção neerlandês encarregado de assegurar a execução da regulamentação comunitária em matéria de armazenagem de manteiga nos Países Baixos), um contrato de armazenagem privada de cerca de 520 toneladas de manteiga.

Relativamente ao processo 425/85, em 8 e 11 de Maio de 1984, a sociedade An Bord Bainne Ltd celebrou, com a sociedade Wijffels BV, acordos referentes à venda de manteiga, que seria armazenada em Outubro de 1984 em entrepostos privados nos Países Baixos. Para esse efeito foram celebrados contratos entre An Board Bainne e o VIB. Fora convencionado entre as duas sociedades que os montantes a pagar pelo VIB nessa ocasião reverteriam a favor da sociedade Wijffels. Antes da Comissão ter tornado pública a proposta do Regulamento (CEE) n.° 1746/84, Wijffels celebrou contratos de venda de manteiga a preços fixos com terceiros compradores. Esses contratos dizem respeito a cerca de 7000 toneladas de manteiga que deveriam ser armazenadas pela An Board Bainne, nos termos da regulamentação relativa à armazenagem privada nos Países Baixos. Dessa quantidade total de manteiga, cerca de 2000 toneladas não estavam ainda armazenadas nos entrepostos privados aquando da entrada em vigor do regulamento em causa. Em Julho de 1984, as sociedades armazenaram manteiga nos termos dos seus contratos.

Por força das disposições acima referidas, as sociedades demandantes no processo principal solicitaram ao VIB o pagamento de um adiantamento sobre a ajuda à qual tinham direito para armazenagem privada de manteiga.

Por decisões de 14 e 28 de Setembro de 1984, o VIB concedeu-lhes efectivamente esses adiantamentos sobre a ajuda mas tomando em consideração a taxa de juro de 7 % prevista pelo Regulamento (CEE) n.° 1746/84, supracitado. Nos dois processos, as sociedades em questão submeteram essas decisões ao College van Beroep, contestando a validade dessa taxa de juros de 7 %, muito inferior à taxa de 10,5 % fixada para a armazenagem na maior parte dos outros Estados-membros.

Alegaram perante o órgão jurisdicional que esse regulamento era contrário ao direito comunitário, designadamente à regulamentacão de base e a vários princípios gerais do direito.

C — Foi nessas condições que o College van Beroep, por dois despachos de 13 de Dezembro de 1985, decidiu suspender a instância para solicitar ao Tribunal que se pronunciasse, a título prejudicial, quanto às seguintes questões prejudiciais redigidas em termos quase idênticos:

«O Regulamento (CEE) n.° 685/69 da Comissão, de 14 de Abril de 1969, alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de junho de 1984, enferma de invalidade na medida em que, na sequência da alteração supracitada, o n.° 3 do seu artigo 24.°, última alínea, prevê que para a manteiga armazenada na República Federal da Alemanha e nos Países Baixos a taxa de juros anual é fixada em 7 % ao ano e para a manteiga armazenada no Reino Unido em 9,5 % ao ano, e isto especialmente pelas seguintes razões:

a)

violação do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho e/ou,

b)

violação do n.° 3 do artigo 40.° do Tratado CEE e/ou,

c)

(apenas no processo 424/85), violação do artigo 30.° do Tratado CEE e/ou,

d)

[no processo 424/85 e c) no processo 425/85], violação dos princípios da unidade de mercado e da uniformidade dos preços que estão na base da organização comum de mercado no sector dos produtos lácteos e/ou,

e)

[no processo 424/85 e d) no processo 425/85], insuficiência ou carência de fundamento dos argumentos e/ou,

f)

[no processo 424/85 e e) no processo 425/85], violação dos princípios da segurança jurídica e/ou,

g)

[no processo 424/85 e f) no processo 425/85] violação, por outro lado, de uma ou várias disposições do Tratado ou de um ou vários dos princípios que estão na base do Tratado?»

Os despachos de reenvio foram registados na Secretaria do Tribunal em 18 de Dezembro de 1985 e o Tribunal decidiu a apensação dos dois processos por despacho de 15 de Janeiro de 1986.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foram apresentadas observações escritas em nome da sociedade Frico, representada por H. J. Bronkhorst, advogado no foro de Haia, mandatário ad litem, em nome das sociedades An Board Bainne Ltd e J. Wijffels BV, representadas por H. J. Bronkhorst, advogado do foro de Haia, mandatário ad litem e em nome da Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. C. Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no gabinete de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico.

Atendendo ao relatório do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. Todavia, convidou as demandantes no processo principal e a Comissão a responderem a várias perguntas antes da audiência.

II — Resumo das observações escritas apresentadas perante o Tribunal

1.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em questão com a regulamentação de base [questão a) J e com os princípios da unidade de mercado e da uniformidade dos preços [questões d) do 424/85 e c) do 425/85]

a)

As sociedades demandantes no processo principal, depois de terem tecido várias considerações preliminares sobre a relação entre a intervenção pública e a armazenagem privada, o volume de armazenagem privada e a relação entre a taxa de juros e o volume desta armazenagem, lembram que os princípios da unidade de mercado e da uniformidade dos preços constituem os próprios fundamentos das organizações comuns de mercado. O terceiro considerando do Regulamento de base (CEE) n.° 804/68, o artigo 6.° do mesmo regulamento, que fala de um preço de intervenção uniforme em relação à manteiga, o nono considerando do Regulamento n.° 985/68, que insiste na uniformidade do sistema de ajudas, e o primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68, que dispõe que «o montante de ajuda à armazenagem privada é fixado para a Comunidade tendo em conta os encargos de armazenagem e a evolução previsível dos preços da manteiga fresca e da manteiga armazenada», consubstanciam o caso em apreço.

Além disso, põem a tônica no n.° 3, terceiro parágrafo, do artigo 40.° do Tratado, nos termos do qual uma política comum de preços deve assentar em critérios comuns e em métodos de cálculo uniformes. Resultaria dessas disposições que deve ser fixado para todos os Estados-membros um único montante de ajuda e que a taxa de juros aplicada para a Comunidade, nessa ocasião, deve ser fixada tendo em consideração as despesas de armazenagem, entre as quais figuram os encargos financeitos médios previsíveis.

Assim, uma diferenciação das taxas de juros por Estado-membro como a instituída pelo regulamento em causa seria contrária ao conjunto das disposições referidas.

b)

A Comissão sustenta a tese totalmente oposta. Resultaria da leitura do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 918/68, em conjugação com os seus nono e décimo considerandos que, se está previsto que o montante da ajuda é fixado pela Comunidade, isso não significa que esse montante deve ser necessariamente o mesmo em toda a Comunidade, mas que deve ser fixado para toda a Comunidade de acordo com o método de cálculo uniforme fixado por essa disposição, a qual se baseia em dois critérios: os encargos de armazenagem e a evolução de mercado. Os encargos de armazenagem incluem, entre outros, os encargos financeiros referentes à armazenagem de manteiga calculados por dia de armazenagem contratual. Esses encargos financeiros são calculados com base no preço de compra da manteiga aplicado pelo organismo de intervenção competente no dia do início da armazenagem contratual e em função de uma determinada taxa de juro.

Como estaria referido com precisão nos considerandos do regulamento em questão, é a redução generalizada das taxas de juro nos Estados-membros, bem como a tomada em consideração do facto de as taxas reais de juro em certos Estados-membros serem nitidamente inferiores às praticadas no resto da Comunidade, que levaram a Comissão a aprovar a regulamentação em causa a fim de, por um lado, evitar um enriquecimento sem causa dos operadores e, por outro, transferências artificiais e especulativas dos produtos. Efectivamente, a ajuda à armazenagem privada deve dar uma solução alternativa à armazenagem pública pelos organismos de intervenção mas não deve resultar na armazenagem, com a ajuda da Comunidade, de manteiga que poderia ser escoada no mercado, nem provocar um incitamento à armazenagem, tendo em consideração a situação do mercado.

É a razão pela qual o n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho prevê expressamente a possibilidade de alterar e, portanto, reduzir o montante de ajuda, quanto aos contratos futuros, se a situação do mercado o exigir.

Aliás, o Tribunal, no seu acórdão de 23 de Fevereiro de 1978 (processo 92/77, Recueil, p. 497), a propósito da possibilidade de alterar o montante de ajuda à armazenagem privada, teria decidido que o objectivo da ajuda assim instituída a favor da armazenagem privada não seria alcançado se uma alteração do preço de compra se traduzisse, em relação ao operador económico que proceda à retirada de armazém, numa desvantagem ou, inversamente, num lucro injustificado, no caso vertente, uma sobrecompen-sação dos encargos financeiros.

Aliás, a Comissão empenha-se em provar, mediante uma série de mapas estatísticos, que as diferenças entre as taxas de juros reais entre os Estados-membros tinham conduzido, antes do aparecimento do regulamento em causa, a importantes transferências de manteiga armazenada, para beneficiarem da bonificação de juros, especialmente favorável em certos Estados-membros. Foi assim que, em 1983, os dois terços da manteiga que eram objecto de armazenagem privada com uma ajuda da Comunidade se encontravam nos Países Baixos e na República Federal da Alemanha, quando estes dois países apenas asseguravam cerca de 40 % da produção da manteiga comunitária. Sob este aspecto, a diferenciação das taxas de juros instituída em 1984 teria contribuído efectivamente para uma melhor repartição dos contratos de armazenagem privada de manteiga, mais de acordo com a quota--parte de cada Estado-membro na produção, no consumo e na exportação de manteiga na Comunidade.

Assim, a redução das bonificações de juro nos três Estados-membros onde as taxas de juros eram mais baixas não prejudicaria a unidade do mercado, contribuindo, pelo contrário, para um melhor equilíbrio na situação concorrencial das empresas abrangidas nos diferentes Estados-membros. Portanto, permitiria realizar maior igualdade de tratamento entre essas empresas já que os encargos financeiros a seu cargo seriam doravante comparáveis. Nessas condições, a regulamentação não seria de modo algum incompatível com o n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68, mas, pelo contrário, de acordo com a obrigação de fixar o montante da ajuda, tendo em conta, designadamente, os encargos financeiros, como o impõe essa disposição.

2.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em causa com o princípio da igualdade de tratamento enunciado no segundo parágrafo do n. ° 3 do artigo 40. ° do Tratado

a)

As sociedades demandantes, referindo-se com frequência à jurisprudência do Tribunal, consideram que há, no caso vertente, diferença de tratamento sem justificação objectiva. E alegado que a Comissão teria partido, sem razão, da hipótese de os encargos financeiros referentes à armazenagem privada da manteiga serem suportados pelos Estados-membros. Foi igualmente sem razão que a Comissão teria daí concluído que convinha fixar, para a participação comunitária na armazenagem nesses Estados-membros, taxas sensivelmente mais baixas, a fim de evitar um enriquecimento sem causa dos operadores e transferências artificiais e especulativas dos produtos. Foi após um raciocínio errado que a Comissão considerou que uma diferença positiva entre a bonificação de juros paga pela Comunidade da armazenagem privada constituiria, na sua globalidade, um benefício para o negociante.

A este respeito as demandantes afirmam que nunca se apurou, até ao momento da adopção do regulamento em causa, que se tivesse procedido a semelhantes transacções, especulativas ou que existisse esse risco. Aliás, não existiria qualquer relação quantitativa entre a percentagem mais ou menos baixa da taxa de juro num determinado Estado--membro e as quantidades de manteiga aí armazenadas já que numerosos factores, diversos da percentagem das taxas de juro, são determinantes para a escolha do país de armazenagem. As demandantes sustentam que não existe qualquer diferença de situação entre os produtores de manteiga nos diferentes Estados-membros, uma vez que o operador económico é livre não apenas de escolher o Estado-membro em que pretende armazenar a manteiga, mas igualmente a moeda na qual pretende financiar a operação de armazenagem e a respectiva taxa de juro. Portanto, seria permitido, quer de facto quer de direito, armazenar a manteiga num Estado-membro em que a taxa de juros é relativamente elevada, financiando ao mesmo tempo essa armazenagem na moeda de um outro Estado-membro cuja taxa de juros é relativamente baixa. Para minimizar os seus custos, o operador económico teria a possibilidade e o direito de celebrar um contrato de armazenagem num Estado--membro onde as condições lhe parecessem mais vantajosas. Tendo a Comissão perdido de vista essa realidade económica e jurídica, os fundamentos do regulamento em causa seriam inadequados.

De qualquer modo, mesmo supondo que a manteiga produzida num determinado Estado-membro seja armazenada nesse Estado, em regime de armazenagem privada, e financiada na moeda desse mesmo Estado, não poderia também tratar-se de uma distorção de concorrência entre Estados-membros com taxas de juro altas ou baixas. Efectivamente, nos Estados-membros com taxas de juro elevadas, o preço do mercado é menor e essa vantagem concorrencial é neutralizada, no caso de armazenagem privada, por uma bonificação de juros uniforme. E a razão pela qual seria permitido considerar que, longe de criar uma vantagem injustificada, uma bonificação de juros apenas suprime, na realidade, uma desvantagem em relação à armazenagem de manteiga financiada nos países com taxas de juros baixas. (As demandantes apresentaram, a este respeito, um exemplo numérico que compara os custos de armazenagem nos Países Baixos e em França.) Consequentemente, a regulamentação comunitária criticada provocaria uma desigualdade em prejuízo dos detentores de existências em armazém nos Países Baixos e na República Federal da Alemanha, sendo estes penalizados quando financiam a armazenagem na moeda desses Estados-membros.

Por último, a diferenciação das taxas de juro para o financiamento da armazenagem privada da manteiga provocaria uma discriminação entre os produtores de manteiga, por um lado, e os produtores de outros produtos agrícolas, por outro, uma vez que essa diferenciação na ajuda à armazenagem privada não foi adoptada em qualquer outro sector da política agrícola comum, nem em outros ramos da organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos.

b)

Pelo contrário, a Comissão sustenta, ao referir-se ao acórdão do Tribunal de 13 de Dezembro de 1984 (Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209), que as empresas que celebrem um contrato de armazenagem privada de manteiga num Estado-membro em que o financiamento dessa armazenagem se efectue a uma taxa relativamente baixa se encontravam numa situação objectivamente diferente e mais favorável do que aquela em que se encontravam as empresas que operam nos Estados-membros onde a taxa de juros é mais elevada. Portanto, não seria discriminatório tomar em consideração essas diferenças no cálculo dos encargos financeiros a conceder a essas empresas. No seu raciocínio, a Comissão não pensa que a tese das demandantes no processo principal, segundo a qual os operadores seriam livres de financiar como quisessem a sua armazenagem de manteiga, num determinado Estado-mem-bro, na moeda do Estado-membro que lhes parecesse mais favorável em relação à taxa de juros e à evolução previsível dos cursos, seja suficientemente realista para pôr em causa a diferenciação da bonificação de juros instituída pela medida em discussão. De qualquer modo, essa tese não poderia modificar o facto de que, no caso vertente, em que a manteiga armazenada nos Países Baixos é verosimilmente financiada em moeda neerlandesa, deve atender-se, para o cálculo dos encargos financeiros, à taxa de juro mais baixa aplicável nos Países Baixos.

3.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em causa com o prejuízo da livre circulação das mercadorias consagrado no artigo 30. ° do Tratado e com o princípio da unidade de mercado [questão c) no processo 424/85 e questão f) no processo 425/85]

a)

As demandantes no processo principal, retomando largamente a argumentação exposta acima, ponto 1, alínea a), e referindo-se ao acórdão Ramel do Tribunal, de 20 de Abril de 1978 (processos apensos 80 e 81/77, Recueil, p. 927), consideram que há violação do princípio da unidade de mercado devido ao facto de a medida criticada derrogar uma das premissas necessárias à realização desse princípio, ou seja, a aplicação de um sistema de preços uniformes. Ora, tendo o empresário a liberdade de escolher o Estado-membro no qual deseja colocar a manteiga em armazenagem privada, uma diferenciação dos montantes da ajuda seria susceptível de influenciar a sua escolha e provocar, deste modo, trocas comerciais artificiais, constitutivas de distorções no mercado comunitário. Por consequência, uma regulamentação comunitária que dê aos produtores de um Estado-membro a possibilidade de comercializarem os seus produtos a preços mais vantajosos do que os praticados pelos produtores de um outro Estado-membro deve ser considerada medida de efeito equivalente, proibida pelo artigo 30.° do Tratado CEE, porque impede as importações nesse outro Estado-membro. O regulamento criticado introduziria, assim, uma desigualdade entre operadores económicos, que a bonificação de juros uniforme, anteriormente em vigor, tinha precisamente por objectivo corrigir.

b)

A Comissão considera, pelo contrário, que o regulamento em questão é perfeitamente compatível com o artigo 30.° do Tratado, uma vez que a redução diferenciada da bonificação dos juros estaria de acordo com a regra de organização comum de mercado, segundo a qual a fixação do montante da ajuda deve tomar em consideração os encargos de armazenagem, entre os quais figuram, nomeadamente, os encargos financeiros. Essa medida seria, na realidade, necessária para preservar a unidade do mercado a evitar que aí seja provocada uma distorção de concorrência pela concessão de uma ajuda comunitária que favoreça indevidamente as empresas que operem em determinados Estados-membros. A diferenciação da bonificação de juros teria impedido, aliás, a perturbação das correntes de trocas que tinha sido provocada pela antiga bonificação previamente estabelecida em quantia fixa e uniforme, a qual tinha levado a armazenagem privada de manteiga nos Países Baixos a níveis anormalmente elevados.

4.

Quanto às questões relativas à compatibilidade da regulamentação em questão com a obrigação de fundamentação estipulada pelo artigo 190.° do Tratado CEE [questão e) no processo 424/85 e questão d) no processo 425/85]

a)

As demandantes no processo principal sustentam que a fundamentação do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 contém quatro inexactidões:

estaria baseada na ideia de que os próprios Estados-membros financiariam a armazenagem privada, ao passo que, pelo contrário, são os proprietários da manteiga, possuidores de existências, que suportam os encargos de armazenagem;

seria também erradamente que a Comissão teria partido do princípio de que uma bonificação de juros uniforme estimula a armazenagem em determinados Estados-membros, sendo certo que o regime de armazenagem privada é um instrumento de intervenção paralelo à intervenção pública e não é susceptível de provocar uma diminuição da produção de manteiga;

a Comissão enganar-se-ia ainda ao afirmar que a existência de taxas de juro divergentes beneficiaria os operadores, quando as margens comerciais se pulverizam em proveito dos consumidores, devido à forte concorrência que se exerce no mercado da manteiga;

por último, seria sem razão que os considerandos do regulamento criticado assentam na hipótese de que a armazenagem privada tem lugar no Estado-mem-bro de produção e que o financiamento da armazenagem se efectua sempre na moeda nacional do Estado-membro onde é efectuada a armazenagem.

b)

A Comissão refere-se às suas observações precedentes e ao próprio texto dos considerandos do regulamento para considerar que a fundamentação do regulamento em causa é suficiente e exacta.

5.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em questão com o princípio da segurança jurídica [questão f) no processo 424/85 e questão e) no processo 425/85]

a)

As demandantes consideram que o princípio da segurança jurídica foi duplamente ignorado pelo regulamento em causa:

alguns meses antes da emissão desse regulamento, fora especificado, por ocasião de uma resposta a uma questão escrita de um parlamentar (ver JO 1983, C 335, p. 6), «que a Comissão não projecta introduzir uma diferenciação das ajudas em função das taxas de juros existentes em cada Estado-membro»;

além disso, a Comissão teria negligenciado adoptar as medidas transitórias adequadas aos contratos de compra e venda já celebrados antes da entrada em vigor do Regulamento (CEE) n.° 1746/84. Efectivamente, mesmo um operador prudente e avisado não podia prever que a bonificação de juros seria diferenciada, sobretudo tão acentuadamente em relação aos Países Baixos. Os operadores que tivessem o hábito de celebrar os contratos de compra e venda de manteiga no decurso dos meses de Abril e de Maio teriam sido «apanhados de surpresa» por essa alteração inesperada da legislação.

Assim, as demandantes no processo principal sustentam, que no momento em que celebraram os seus contratos, não podiam prever a introdução de um regime de juros diferenciados e que, por consequência, sofreram um prejuízo considerável. Essa prática da Comissão seria contrária, na ausência de qualquer interesse público peremptório, aos princípios extraídos pelo Tribunal no seu acórdão de 14 de Maio de 1975 (CNTA, 74/74, Recueil, p. 533, 550).

b)

A Comissão reconhece que, na sua resposta de Outubro de 1983 a uma questão escrita de um parlamentar, afirmou que não previa a introdução de uma medida do tipo da finalmente aprovada. Alega todavia que essa resposta, nos termos em que estava redigida, a autorizava a chegar, dez meses mais tarde, a uma apreciação diferente da situação de facto, tendo em consideração, nomeadamente, a transferência, para Esta-dos-membros corn taxas de juros baixas, de importantes quantidades de existências privadas de manteiga que deveriam normalmente obter escoamento no mercado.

Além disso, a Comissão alega que, de qualquer modo, essa resposta não é susceptível de afectar o direito, diga-se mesmo a obrigação, que lhe incumbe de alterar o montante de ajuda à armazenagem privada de manteiga quando se verifique que esse montante já não está de acordo com os métodos de cálculo fixados. Essa alteração pode consistir quer na redução geral da bonificação de juros previamente estabelecida em quantia fixa quer numa diferenciação dessa bonificação de juros, como no caso em apreço. Aliás, o n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho conferiria expressamente competência à Comissão para proceder a essas alterações no montante das ajudas, tomando em consideração, nomeadamente, os encargos de armazenagem, ao dispor que: «2. Para os contratos futuros, o montante de ajuda poderá ser modificado se a situação do mercado o exigir». Esta expressão «para os contratos futuros» é relativa aos contratos de armazenagem a celebrar com o organismo de intervenção competente. Ela bastaria para afastar a acusação de um pretenso desconhecimento do princípio da segurança jurídica que visa mais especialmente a omissão de adoptar medidas transitórias.

Quanto à necessidade de prever medidas transitórias, a Comissão contesta-a, salientando que a afirmação das demandantes no processo principal, segundo a qual essas medidas transitórias eram necessárias, assenta, na realidade, exclusivamente na esperança que tinham de que a Comissão não procederia a uma diferenciação da bonificação de juros. Ora, dado que, por um lado, uma redução da bonificação de juros, ainda que não diferenciada, é susceptível de prejudicar as empresas que celebraram contratos definitivos de compra e venda e que, por outro lado, a Comissão não se pronunciou sobre uma eventual redução não diferenciada da bonificação de juros, as demandantes no processo principal não poderiam utilmente invocar, a este respeito, o princípio da segurança jurídica. Aliás, o n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 confirmaria claramente que não existe qualquer direito a uma medida transitória, qualquer que ela seja, no caso de redução do montante de ajuda, em relação aos contratos de armazenagem a celebrar com o organismo de intervenção.

6.

Quanto à compatibilidade do regulamento em questão com o princípio da livre circulação dos capitais enunciado no artigo 67. ° do Tratado CEE (última parte das questões prejudiciais)

a)

As sociedades demandantes tio processo principal lembram a existência do princípio fundamental da livre circulação de capitais entre Estados-membros, regulada pela primeira directiva do Conselho, de 11 de Maio de 1960 (JO 1969, p. 921; EE 10 FI p. 6). Efectuando-se geralmente o financiamento da armazenagem mediante um empréstimo a curto prazo, tratar-se-ia de uma transacção que entra no âmbito desse princípio.

Ora, na situação actual da liberalização do mercado dos capitais, por um lado, os mutuantes têm o direito de conceder créditos numa moeda diferente da sua moeda nacional (em especial numa moeda com uma taxa de juros mais baixa) e, por outro, o beneficiário de um empréstimo pode solicitar um empréstimo a curto prazo junto da instituição financeira de um Estado-membro diferente daquele onde está estabelecido.

Daqui resulta que os operadores de todos os Estados-membros têm acesso ao crédito nos outros Estados-membros e que esse crédito pode ser-lhes concedido na moeda do Estado-membro da sua escolha, à taxa de juros em vigor para a moeda em questão. Esta análise confirmaria a tese exposta pelas demandantes no processo principal no n.° 2, alínea a).

Assim, o Regulamento (CEE) n.° 1746/84 seria incompatível com o n.° 1 do artigo 67.° do Tratado, visto que, ao instituir uma diferenciação da bonificação de juros em função do Estado-membro, a Comissão não teve em atenção a realidade económica que acaba de ser descrita. Ora, por analogia com o que foi decidido em relação ao princípio da livre circulação das mercadorias, seria conveniente admitir que as instituições comunitárias são obrigadas a respeitar o princípio da livre circulação dos capitais, ainda que este se destine, em primeiro lugar, aos Estados-membros.

b)

A Comissão limitou-se a declarar, no que respeita à última questão prejudicial, que os dois despachos de reenvio não demonstram factos ou circunstâncias que possam afectar a validade do regulamento em questão, por incompatibilidade com qualquer das outras disposições do Tratado ou com um ou vários princípios que estejam na base do referido Tratado.

III — Respostas às perguntas feitas pelo Tribunal

A — Perguntas à Comissão

Pergunta n.° 1: quanto à compatibilidade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 com o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos

a)

A Comissão foi convidada a dar a sua opinião acerca da tese exposta pelas demandantes no processo principal nas suas observações (p. 17 a 23, n.os 39 a 47).

Resposta

Preliminarmente, a Comissão salienta que a versão neerlandesa dos considerandos do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 contém um erro: no âmbito da armazenagem privada da manteiga, os encargos financeiros são suportados pelo operador em causa e não pela autoridade nacional.

Lembra que o montante de ajuda deve ser calculado de acordo com um método uniforme que não tem de ser por isso necessariamente idêntico em toda a Comunidade. Efectivamente, os encargos de armazenagem podem variar tanto de um Estado--membro para outro como no interior do próprio Estado-membro.

O regulamento impugnado tinha duas finalidades essenciais: evitar, por um lado, o enriquecimento sem causa dos operadores à custa das finanças comunitárias e, por outro, evitar uma perturbação do bom funcionamento da organização de mercado, falseado pelo incitamento à armazenagem de manteiga que poderia ser escoada normalmente no mercado. A tese das demandantes tenderia a pôr em causa esses objectivos. Efectivamente, aquando do reembolso dos encargos financeiros, a Comissão tem o direito de se basear na taxa de juros mais favorável em vigor no Estado-membro interessado para o tipo de transacção em questão. Ora, é indubitável que uma taxa de juros previamente estabelecida em quantia fixa aplicada no cálculo dos encargos financeiros pode conduzir a que a manteiga seja armazenada nos Estados-membros que aplicam as taxas de juros mais baixas. A Comissão apresentou em apoio da sua tese três mapas com os números mais recentes a esse respeito. A alegação das demandantes de que a bonificação de juros demasiado elevada não poderia conduzir a um aumento da armazenagem da manteiga nos Estados-membros considerados ficaria por isso sem fundamento, sobretudo na medida em que elas próprias reconhecem que é possível e lícito ao empresário que pretenda armazenar manteiga no âmbito da armazenagem privada celebrar um contrato num Estado--membro onde as condições lhe pareçam mais favoráveis.

Além disso, o risco essencial que a tese das demandantes faria correr ao bom funcionamento da organização de mercado seria incitar à armazenagem privada de manteiga, com a ajuda da Comunidade, enquanto essa manteiga poderia ser escoada normalmente no mercado. Efectivamente, tal operação poderia demonstrar-se mais vantajosa do que uma comercialização imediata.

Quanto à argumentação das demandantes sobre as distorções da concorrência, estaria em total contradição com a tese respeitante à livre escolha da moeda. Assim, no caso de armazenagem da manteiga nos Países Baixos, em moeda neerlandesa, acresceria à ajuda à armazenagem privada, além do reembolso dos encargos financeiros reais, um suplemento não concedido aos produtores de manteiga que operam com moeda com uma taxa de juros mais elevada. Esse suplemento constituiria, pois, uma ajuda susceptível de falsear a concorrência. Seria portanto absurdo pretender que nessa hipótese não haveria diferença de situação entre os operadores económicos considerados e que, por consequência, a diferenciação da bonificação de juros constituiria uma violação do princípio da igualdade. Na realidade, as demandantes alegam que os operadores num Estado-membro com taxa de juros mais elevada estão, quanto ao preço de mercado da manteiga, em condições diferentes das dos seus concorrentes e que essa desvantagem deve ser compensada com a sobrecompensação dos encargos financeiros. Esta argumentação não teria em conta a finalidade essencial do regime de ajuda à armazenagem privada, à qual reconheceria uma função auxiliar estranha a essa finalidade.

b)

A Comissão é convidada a comentar o exemplo numérico apresentado no anexo 3 das observações das demandantes no processo principal.

Resposta da Comissão

É verdade que os Estados-membros que praticam uma taxa de juros baixa sobre o crédito a curto prazo têm um preço de mercado relativamente superior ao do dos Estados-membros com taxa de juros elevada. Com efeito, se os organismos de intervenção compram efectivamente ao mesmo preço da inteivenção, só pagam depois de um determinado prazo, entre 120 e 140 dias na época dos factos que são o objecto do litígio no processo principal. O preço líquido que o vendedor recebe representa, pois, a diferença entre o preço bruto praticado pelo organismo de intervenção e os encargos financeiros relativos ao prazo de pagamento, eles próprios calculados com base nos juros aplicáveis em relação ao crédito a curto prazo no Estado-membro considerado. O preço de mercado, sustentado graças à compra efectuada pelo organismo de intervenção, situar-se-á num nível próximo desse preço líquido. Este procedimento seria aliás erradamente analisado pelas demandantes. Ora, segundo os próprios termos do Regulamento (CEE) n.° 985/68, o montante de ajuda à armazenagem privada é fixado tendo em consideração os encargos de armazenagem e a evolução previsível dos preços da manteiga e deve permitir ao empresário escoar a manteiga no mercado depois do termo do prazo do período contratual da armazenagem. É a razão pela qual qualquer alteração do preço de compra da manteiga pelo organismo de intervenção ocasiona uma adaptação correspondente do montante de ajuda. Esse objectivo da ajuda só é atingido se a bonificação de juros não ultrapassar a taxa de juro real, neste caso 7,5 %. No exemplo numérico citado pelas demandantes, se a bonificação de juros fosse fixada em 10,5 %, o empresário em causa beneficiaria de uma subvenção suplementar de cerca de 15 HFL de que não tem necessidade para recolocar o seu produto no mercado neerlandês. Certamente essa subvenção poder-lhe-ia ser útil se quisesse eventualmente vender a sua manteiga em França; porém, enquanto puder obter um preço superior no mercado neerlandês, tal transacção não parece nada atraente.

Pergunta n.° 2: quanto à compatibilidade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 com o princípio da segurança jurídica

A Comissão foi convidada a responder às seguintes perguntas.

a)

Por que prevê o artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 a sua aplicação à manteiga armazenada a partir da sua entrada em vigor, e não aos contratos de armazenagem celebrados depois daquela entrada em vigor?

Resposta da Comissão

Segundo a regulamentação comunitária em vigor, o contrato de armazenagem com o organismo de intervenção só é celebrado depois de a manteiga estar armazenada e deve sê-lo no prazo máximo de 30 dias a contar da data do registo do pedido de ajuda apresentado pelo operador económico que deseje armazenar. A jurisdição em causa permite, assim, ao empresário interessado, celebrar ou não um contrato de armazenagem nas novas condições.

b)

No caso concreto, em que data exacta foram celebrados os contratos de armazenagem?

Resposta da Comissão

De acordo com os anexos às observações apresentadas pelas demandantes, os contratos em causa foram celebrados entre 7 e 21 de Agosto de 1984 e o mês de armazenagem contratual era o de Julho de 1984.

Pergunta n.° 3: quanto à compatibilidade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 com o princípio da livre circulação dos capitais

A Comissão foi convidada a dar a sua opinião acerca da tese exposta, pelas demandantes, rio processo principal, nas suas observações (p. 30 a 34, n.os 71 a 76).

Resposta

A liberalização dos movimentos de capitais, que a directiva citada pelas demandantes se propõe realizar, não abrange as transacções que se efectuem no interior de um Estado--membro. Por consequência, o essencial das transacções relativas à manteiga susceptíveis de beneficiarem de ajuda à armazenagem privada não entram no âmbito de aplicação da liberalização dos movimentos de capitais prevista pelo direito comunitário. A alegação das demandantes é, portanto, inexacta no plano jurídico e é-o, além disso, no de facto; mesmo que o operador económico considerado possa beneficiar da livre circulação dos capitais, não está automaticamente em condições de aproveitar a taxa de juros mais favorável da moeda de um outro Estado-membro nas mesmas condições que os operadores desse último Estado. Com efeito, a vantagem de uma taxa de juros inferior é compensada pelo inconveniente que representa o risco ligado ao câmbio. No caso do crédito a curto prazo, essa vantagem da taxa de juros e os encargos de cobertura do risco do câmbio tendem a equilibrar-se. De qualquer modo, o Regulamento (CEE) n.° 1746/84 não proíbe aos operadores financiarem as suas transacções como o entenderem, mas cinge-se a limitar o reembolso dos encargos financeiros para assegurar uma sã gestão das finanças comunitárias.

Pergunta n.° 4

Solicita-se à Comissão que exponha as razões pelas quais considera justificada, no presente processo, uma variação das taxas de juro, tomando em consideração a noção de taxa de juro real dos Estado-membros em que os operadores económicos exercem as suas actividades, ao passo que a sua atitude parece diferente quando se trate, noutros domínios, de prever uma mesma variação das taxas de juros (por exemplo, no que diz respeito às multas aplicadas pela Comissão em matéria de concorrência e de contencioso ligado à produção siderúrgica.

Resposta

A ajuda à armazenagem privada de manteiga é uma medida de intervenção que desempenha um papel específico e importante no funcionamento da organização de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos. Uma fixação prévia em determinada quantia dos encargos de armazenagem seria susceptível de comprometer o funcionamento harmonioso dessa medida de intervenção, nomeadamente no que respeita ao reembolso dos encargos financeiros. Tal não é o caso das multas que são aplicadas nos processo de concorrência ou no sector do aço, uma vez que não têm uma função de regulação do mercado. Nesse caso, a escolha da taxa de juros a aplicar no caso de pagamento adiado ou atrasado corresponde essencialmente à necessidade de encontrar o melhor meio de garantir a igualdade de tratamento dos interessados, a eficácia da sanção e a protecção das finanças comunitárias. Recentemente, a Comissão acaba de decidir utilizar o ECU para o pagamento das multas e das dívidas por força dos Tratados CEE e CECA, bem como para o cálculo dos juros.

B — Perguntas às sociedades demandantes no processo principal

«A Comissão empenhou-se em demonstrar, com uma série de mapas precisos, que as diferenças entre as taxas de juros reais entre os Estados-membros tinham conduzido, antes da adopção do Regulamento (CEE) n.° 1746/84, a importantes movimentos especulativos de manteiga armazenada, para os três Estados-membros em que as taxas de juros eram mais baixas (observações da Comissão, p. 8 a 12, n.os 2.6 a 2.8). As demandantes no processo principal parecem ter sustentado o contrário nas suas observações (p. 18 e 19, n.os 40 e 41). É-lhes solicitado que exponham ao Tribunal os dados específicos sobre os quais se baseiam para apoiar essa afirmação.»

Resposta

As demandantes no processo principal contestam formalmente que, ao decidirem armazenar manteiga nos Países Baixos, tenham pretendido especular. Com efeito, a única incerteza com a qual estão confrontadas, quando efectuam a sua escolha, diz respeito ao preço de mercado em vigor no momento em que a manteiga for retirada de armazém. Além disso, a escolha do Estado--membro de armazenagem não é determinada unicamente pelos encargos a suportar e pelas ajudas à armazenagem a receber, mas igualmente por outros critérios, tais como a qualidade das instalações de armazenagem.

Estabelecer uma relação entre a produção e a quantidade de manteiga armazenada por Estado-membro parece injusta por duas razões: por um lado, a manteiga colocada sob o regime de armazenagem num Estado--membro não deve necessariamente ser vista como tendo sido produzida nesse Estado--membro; por outro lado, ao considerar que há, em princípio, uma relação entre as quantidades produzidas e as armazenadas num mesmo Estado-membro, a Comissão ignoraria o facto de que o bom funcionamento do mercado comum visa atingir uma utilização óptima dos factores de produção, sem que as fronteiras entre os países possam desempenhar ainda uma função. O sector da manteiga, em que os encargos de transporte são relativamente baixos, prestar-se-ia especialmente à exploração dessas possibilidades. Deste modo, o Regulamento (CEE) n.° 1746/84 teria tido por objectivo impedir a livre concorrência.

Quanto às consequências que a Comissão tira da aplicação da medida comunitária em causa, não teriam fundamento: é com certeza evidente que a diminuição da taxa de juro para a armazenagem privada num Estado-membro torna aí a armazenagem menos atractiva. Isso não demonstraria, por si, que existem práticas especulativas.

IV — Fase oral do processo

As demandantes no processo principal, representadas por H. J. Bronkhorst, advogado do foro de 's-Gravenhage e a Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. C. Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente, foram ouvidas nas suas observações na audiência de 25 de Fevereiro de 1987.

O advogado-geral apresentou as suas conclusões na audiência de 26 de Março de 1987.

Y. Galmot

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

17 de Junho de 1987 ( *1 )

Nos processos apensos 424 é 425/85,

que têm por objecto dois pedidos dirigidos ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven, que visam obter, no litígio pendente naquele órgão jurisdicional entre

Coöperatieve Melkproducentenbedrijven Noord-Nederland BA («Frico»)

e

An Bord Bainne Ltd e J. Wijffels BV

e

Voedselvoorzienings In- en Verkoopbureau,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de Junho de 1984 (JO L 164, p. 32; EE 03 F31 p. 80), que altera o Regulamento (CEE) n.° 685/69, relativo às modalidades de aplicação das intervenções no mercado da manteiga e da nata de leite, que institui um regime de diferenciação da bonificação de juros concedida em determinados Estados-membros, no âmbito da ajuda à armazenagem privada da manteiga,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, Y. Galmot, T. F. O'Higgins e F. Schockweiler, presidentes de secção, G. Bosco, O. Due, U. Everling, K. Bahlmann, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,

advogado-geral : J. Mischo

secretário: P. Heim

vistas as observações apresentadas por:

Coöperatieve Melkproducentenbedrijven Noord-Nederland BA («Frico») e An Board Bainne Ltd e J. Wijffels BV, por H. J. Bronkhorst, advogado do foro de 's-Gravenhage,

Comissão das Comunidades Europeias, por R. C. Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 25 de Fevereiro de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Março de 1987,

profere o presente

Acórdão

1

Por dois despachos de 13 de Dezembro de 1985, que deram entrada no Tribunal em 18 de Dezembro de 1985, o College van Beroep voor het Bedrijfsleven solicitou ao Tribunal que se pronunciasse, a título prejudicial, sobre a validade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de Junho de 1984 (JO L 164, p. 32), que alterou o n.° 3 do artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 685/69, de 14 de Abril de 1969, relativo às modalidades de aplicação das intervenções no mercado da manteiga e da nata de leite, que diferenciou a taxa de reembolso dos encargos financeiros, concedida a título de ajuda à armazenagem privada de manteiga.

2

As questões prejudiciais foram suscitadas no âmbito de acções intentadas perante o órgão jurisdicional neerlandês pela sociedade Noord-Nederland BA, por um lado, e pelas sociedades An Bord Bainne Ltd e J. Wijffels BV, por outro. Essas sociedades, que se dedicam nomeadamente ao fabrico, comércio, importação ou exportação de manteiga, tinham celebrado contratos de armazenagem de manteiga com o Voedselvoorzienings In- en Verkoopbureau (a seguir designado por «VIB»), organismo de intervenção neerlandês encarregado de assegurar a execução da regulamentação comunitária em matèria de armazenagem de manteiga nos Países Baixos. Nos termos da regulamentação comunitària aplicável, as referidas sociedades solicitaram ao VIB o pagamento de um adiantamento da ajuda a que tinham direito. Por decisões de 14 e 28 de Setembro de 1984, o VIB concedeu-lhes esses adiantamentos mas tomando em consideração, para o seu cálculo, a taxa de juros de 7 % prevista pelo Regulamento (CEE) n.° 1746/84, acima referido. As sociedades em causa submeteram essas decisões ao College van Beroep voor het Bedrijfsleven, alegando que esse regulamento era contràrio ao direito comunitário.

3

Foi nessas condições que, por dois despachos de 13 de Dezembro de 1985, o órgão jurisdicional nacional decidiu sobrestar na decisão para solicitar ao Tribunal que se pronunciasse sobre as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos quase idênticos :

«O Regulamento (CEE) n.° 685/69 da Comissão, de 14 de Abril de 1969, alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de Junho de 1984, não é válido, na medida em que, na sequência da alteração acima referida, o n.° 3, último parágrafo, do seu artigo 24.° prevê que, para a manteiga armazenada na República Federal da Alemanha e nos Países Baixos, a taxa de juros anual é fixada em 7 % ao ano e, para a manteiga armazenada no Reino Unido, em 9,5 % ao ano, e tal facto especialmente pelas seguintes razões:

a)

violação do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho e/ou

b)

violação do n.° 3 do artigo 40.° do Tratado CEE e/ou,

c)

(apenas no processo 424/85), violação do artigo 30.° do Tratado e/ou

d)

violação dos princípios da unidade de mercado e da uniformidade dos preços que estão na base da organização comum de mercado no sector dos produtos lácteos e/ou

e)

insuficiência ou ausência de fundamentação dos argumentos e/ou

f)

violação dos princípios da segurança jurídica e/ou

g)

violação, por outro lado, de uma ou várias disposições do Tratado ou de um ou vários princípios que estão na base do Tratado?»

4

No que diz respeito à regulamentação comunitária aplicável na matéria, bem como às observações apresentadas pelas demandantes no processo principal e pela Comissão, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão reproduzidos a seguir na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

Sobre as questões relativas à compatibilidade do regulamento impugnado com o n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 e com a regra da uniformidade dos preços da manteiga e da unidade do mercado desse produto

5

Na opinião das demandantes as processo principal, o n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho, de 15 de Julho de 1968 (JO L 169, p. 1; EE 03 F2 p. 190) tal como a regra da uniformidade dos preços da manteiga e da unidade do mercado impõem que o montante da ajuda à armazenagem privada seja idêntico em todos os Estados-membros da Comunidade.

6

Convém salientar em primeiro lugar que, nos termos do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68, atrás referido, «o montante de ajuda à armazenagem privada é fixado para a Comunidade tendo em conta os encargos de armazenagem e a evolução previsível dos preços da manteiga fresca e da manteiga armazenada». Estas disposições devem ser interpretadas tanto em função dos considerandos desse regulamento como dos objectivos prosseguidos pelo sistema de ajuda à armazenagem privada de manteiga.

7

A este respeito há que observar que o nono considerando do Regulamento (CEE) n.° 985/68 se contenta em insistir na necessária uniformidade do sistema da armazenagem privada da manteiga na Comunidade e na exigência de um modo de cálculo uniforme do montante das ajudas em função dos encargos de armazenagem e da evolução do mercado. Em contrapartida, nem o texto do n.° 1 do artigo 10.°, atrás citado, nem este considerando exigem que esse modo de cálculo uniforme conduza à fixação de um montante de ajuda à armazenagem privada único para toda a Comunidade.

8

Além disso, segundo os considerandos do Regulamento (CEE) n.° 985/68, atrás referido, «a armazenagem privada deve contribuir para a realização do equilíbrio do mercado» e as disposições comunitárias devem permitir «assegurar uma armazenagem tão racional quanto possível». Ora, estes objectivos só podem ser atingidos se o montante da ajuda à armazenagem privada for ajustado às necessidades reais dos armazenistas, de modo que estes últimos não tenham qualquer desvantagem ou benefício injustificado.

9

Em segundo lugar, é conveniente observar que a diferenciação do montante da ajuda à armazenagem privada da manteiga não põe em causa o carácter único do preço de intervenção que continua a servir de base de cálculo das despesas de armazenagem. Não tem também efeitos sobre o montante do preço indicativo único, bem como sobre a possibilidade de atingir o objectivo que representa. A unidade do mercado da manteiga que resulta dessa unicidade dos preços está, assim, ela própria, preservada.

10

Assim, há que declarar que o regulamento impugnado não ignora nem o n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho, nem a regra de uniformidade dos preços e da unidade do mercado da manteiga.

Sobre as questões relativas à compatibilidade do regulamento impugnado com o princípio de igualdade de tratamento enunciado no n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 40.° do Tratado

11

Nos termos de jurisprudência constante do Tribunal, a proibição de discriminação enunciada no n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 40.° do Tratado, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade, não se opõe a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente quando tal tratamento seja objectivamente justificado.

12

Se bem que a diferenciação efectuada pelo regulamento impugnado se funda num elemento objectivo, ou seja, as taxas de juros efectivamente praticadas nos mercados financeiros dos Estados-membros, as demandantes no processo principal alegam que este elemento não é determinante e que as medidas criticadas criam, na realidade, uma diferença de tratamento injustificada entre os operadores em causa;

13

Chamam a atenção para o facto de que, em primeiro lugar, cada operador é livre de escolher a moeda em que financiará a operação de armazenagem e tem deste modo a possibilidade de beneficiar da vantagem ligada a taxas de juros baixas, qualquer que seja o Estado-membro em que efectue a armazenagem.

14

Este argumento não pode ser acolhido. Se é verdade que os operadores que armazenam manteiga nos países em que a taxa de juros é elevada, têm a possibilidade de financiar essas operações com empréstimos contraídos em divisas de Estados-membros em que a taxa de juros seja baixa, essa vantagem é compensada pelo risco, a que essa prática os sujeitaria, de uma alteração, em seu detrimento, da taxa de câmbio das divisas em causa.

15

Em segundo lugar, as sociedades demandantes no processo principal sustentam que, devido ao prazo de pagamento praticado pelo organismo nacional de intervenção, o preço de mercado da manteiga tende a fixar-se, em cada Estado-membro, num nível tanto mais baixo quanto mais elevada for a taxa de juros existente. A uniformidade da taxa de rembolso dos encargos financeiros permitiria deste modo remediar a desvantagem concorrencial suportada pelos operadores que armazenam a manteiga nos Estados-membros em que a taxa de juros é a mais baixa, e onde, por conseguinte, o preço do mercado é mais elevado.

16

Este segundo argumento não pode igualmente ser aceite. A ajuda à armazenagem privada de manteiga apenas tem por objectivo compensar, na medida possível, as despesas habitualmente suportadas pelos operadores económicos para realizarem esta operação e não permitir a alguns deles melhorarem a sua competitividade em relação aos seus concorrentes que operam noutros Estados-membros.

17

Por último, as sociedades demandantes no processo principal consideram que a diferenciação das taxas de juros tomadas em conta para o financiamento da armazenagem privada de manteiga criaria uma discriminação entre os produtores de manteiga, por um lado, e os produtores de outros produtos agrícolas para os quais essa diferenciação não está determinada, por outro.

18

Este último argumento deve igualmente ser afastado. Cada organização comum de mercado tem características próprias e, na organização do mercado da manteiga, a armazenagem deste produto desempenha um papel especial e exige medidas que não são comparáveis com nenhuma das que se aplicam a outros produtos agrícolas. Ora, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal, o facto de tratar diferentemente situações diferentes não constitui uma discriminação contrária ao princípio da igualdade.

19

Assim, há que declarar que o regulamento impugnado não ignora o princípio da igualdade de tratamento enunciado no n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 40.° do Tratado.

Quanto à questão relativa à compatibilidade do regulamento impugnado com o artigo 30.° do Tratado

20

Na opinião das sociedades demandantes no processo principal, a uniformidade da taxa de reembolso dos encargos financeiros permitia, anteriormente, compensar a desvantagem concorrencial suportada pelos operadores dos Estados-membros em que as taxas de juros são mais baixas e os preços de mercado mais elevados. Ao suprimir esta compensação, a diferenciação das taxas de reembolso dos encargos financeiros provocaria trocas comerciais artificiais e, ao tornar mais difíceis as exportações de manteiga para determinados Estados-membros, constituiria uma medida de efeito equivalente proibida pelo artigo 30.° do Tratado.

21

Como foi recordado mais acima, a ajuda à armazenagem privada tem por finalidade exclusiva compensar, na medida do possível, as despesas normalmente suportadas pelos operadores económicos para realizarem esta operação. A diversificação das taxas de reembolso dos custos financeiros em função das taxas de juro efectivamente suportadas permite atingir melhor este objectivo e não provoca trocas comerciais artificiais. Não pode, assim, constituir uma medida de efeito equivalente proibida pelo artigo 30.° do Tratado.

22

Assim, há que declarar que o regulamento impugnado não ignora o artigo 30.° do Tratado.

Quanto às questões relativas à fundamentação do regulamento impugnado

23

Para demonstrar que o regulamento impugnado foi adoptado em violação do artigo 190.° do Tratado, as demandantes no processo principal alegam que a sua fundamentação contém quatro inexactidões.

24

Em primeiro lugar, alegam que o segundo considerando do Regulamento (CEE) n.° 1746/84, atrás citado, mencionaria sem razão que os encargos financeiros da armazenagem são suportados «por» cada Estado-membro, ao passo que, na realidade, esses encargos são suportados pelos operadores económicos em causa.

25

No entanto, convém notar que aquele erro apontado com razão afecta apenas a versão neerlandesa do regulamento e é imputável a uma tradução inexacta. Não exerceu, portanto, qualquer influência sobre o conteúdo do referido regulamento e não é, por consequência, susceptível de afectar a sua validade.

26

As demandantes no processo principal contestam, em segundo lugar, a exactidão da afirmação contida no segundo considerando do regulamento em questão, segundo a qual uma avaliação uniforme dos encargos financeiros suportados pelos armazenadores constituiria, em determinados Estados-membros, um incentivo suplementar ao armazenamento.

27

Se é verdade que a decisão de colocar certas quantidades de manteiga sob o regime da armazenagem privada depende de uma série de considerações económicas e locais, não deixa de ser verdade que, nos Estados-membros em que as taxas de juros reais eram sensivelmente inferiores à taxa de juro uniforme anteriormente tomada em consideração pelas autoridades comunitárias para calcularem o custo financeiro da armazenagem, oferecia-se, assim, um incentivo suplementar do armazenamento aos operadores abrangidos.

28

Em terceiro lugar, contrariamente ao que sustentam as demandantes no processo principal, a Comissão não cometeu qualquer erro ao manifestar, no terceiro considerando do regulamento em causa, a sua preocupação em evitar um «enriquecimento desnecessário dos operadores». Com efeito, a avaliação dos encargos financeiros da armazenagem, com base numa taxa de juro uniforme, tinha como efeito conceder uma sobrecompensação dos encargos financeiros aos operadores que se dedicam à armazenagem num país em que a taxa de juros real for inferior a essa taxa uniforme. Pouco interessa, para apreciar a exactidão do raciocínio seguido pela Comissão, saber se essa sobrecompensação era utilizada pelo operador para aumentar os seus lucros ou para melhorar a sua posição concorrencial através de uma redução dos seus preços de venda.

29

Por último, as demandantes no processo principal criticam a fundamentação do regulamento em causa por negligenciar o facto de as empresas que operam nos Estados-membros em que a taxa é elevada conservarem a possibilidade de financiar os seus encargos de armazenagem na moeda de Estados-membros em que a taxa de juros for baixa.

30

Como foi recordado mais acima, a vantagem que representa essa prática para os operadores abrangidos, é compensada pelo risco de uma alteração das taxas de câmbio em seu desfavor. Esta possibilidade pôde, pois, justamente, não ser tida em conta pela Comissão para fixar o regime de reembolso dos encargos de armazenagem.

31

Em resumo, parece que a fundamentação do regulamento em questão não está viciada por qualquer erro material.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em causa com o princípio da segurança jurídica

32

Na opinião das demandantes no processo principal, o princípio da segurança jurídica teria sido duplamente ignorado: por um lado, numa resposta dada em 31 de Janeiro de 1984 à pergunta por escrito de um deputado parlamentar, a Comissão tinha referido que «não projectava introduzir uma diferenciação das ajudas em função das taxas de juro existentes em cada Estado-membro; por outro lado, deveriam ser previstas disposições transitórias para os contratos de compra e venda de manteiga celebrados antes da entrada em vigor do regulamento.

33

Quanto ao primeiro ponto, convém salientar que o n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 985/68 do Conselho, atrás referido, permite à Comissão alterar o montante de ajuda à armazenagem privada da manteiga «se a situação do mercado o exigir». A verificação de que se constituíam importantes armazenagens privadas de manteiga nos Estados-membros com taxas de juros baixas autorizava a Comissão a efectuar sobre a situação de facto uma apreciação diferente daquela que tinha sido a sua alguns meses antes. Por força de jurisprudência constante (ver designadamente os acórdãos de 15 de Julho de 1982, Edeka Zentrale AG/República Federal da Alemanha, processo 245/81, Recueil, p. 2745, e de 28 de Outubro de 1982, Fa. Werner Faust/Comissão, processo 52/81, Recueil, p. 3745), não se justifica que os operadores económicos tenham a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias. Uma redução da taxa de juros uniforme tomada em consideração para o reembolso ds encargos financeiros de armazenagem constituía, portanto, uma hipótese que os comerciantes avisados e prudentes deviam ter em conta, especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercados, cujo objecto engloba uma constante adaptação em função das variações da situação económica.

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Quanto ao segundo ponto, há que observar que, por força do seu artigo 2.°, o regulamento em causa foi aplicado apenas à manteiga armazenada a partir da sua entrada em vigor. Este texto não tem, portanto, qualquer efeito retroactivo. Se as sociedades demandantes no processo principal alegam que celebraram certos contratos de compra e venda de manteiga antes da publicação do regulamento impugnado em função da taxa única de juros tomada em consideração anteriormente, devem, como acaba de ser exposto, responsabilizar-se elas próprias por não terem previsto a possibilidade de uma redução dessa taxa.

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Convém declarar que o regulamento em questão não ignora o princípio da segurança jurídica.

Quanto às questões relativas à compatibilidade do regulamento em questão com outras disposições do Tratado

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A este respeito, as demandantes no processo principal limitam-se a sustentar que o regulamento impugnado prejudicaria o direito dos operadores económicos contraírem empréstimos na moeda da sua escolha e ignoraria deste modo o princípio da livre circulação dos capitais previsto no n.° 1 do artigo 67.° do Tratado.

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Basta observar, quanto a este aspecto, que a diferenciação das taxas de juros tomadas em consideração para o reembolso dos encargos financeiros referentes à armazenagem privada da manteiga não pode, de modo algum, restringir a possibilidade de os operadores escolherem a moeda na qual desejam financiar a armazenagem.

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Deste modo, há que declarar que o regulamento em causa não é contráilo ao princípio da livre circulação dos capitais nem ao n.° 1 do artigo 67.° do Tratado.

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Em resumo, parece que a apreciação das questões suscitadas pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven não revelou elementos susceptíveis de pôr em causa a validade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de Junho de 1984, que alterou o n.° 3 do artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 685/69, de 14 de Abril de 1969.

Quanto às despesas

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As despesas em que incorreu a Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Tendo o processo, em relação às partes no processo principal, o carácter de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram apresentadas pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven por despacho de 13 de Dezembro de 1985, declara:

 

O exame das questões formuladas pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven não revelou elementos susceptíveis de pôr em causa a validade do Regulamento (CEE) n.° 1746/84 da Comissão, de 21 de Junho de 1984 (JO L 164, p. 32), que alterou o n.° 3 do artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 685/69, de 14 de Abril de 1969.

 

Mackenzie Stuart

Galmot

O'Higgins

Schockweiler

Bosco

Due

Everling

Bahlmann

Joliet

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 17 de Junho de 1987.

O secretário

P. Heim

O presidente

A. J. Mackenzie Stuart


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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