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Document 61985CJ0348

    Acórdão do Tribunal de 15 de Dezembro de 1987.
    Reino da Dinamarca contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Pesca em águas marítimas - Fixação de quotas em caso de não actuação do Conselho - Financiamento FEOGA.
    Processo 348/85.

    Colectânea de Jurisprudência 1987 -05225

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:552

    61985J0348

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 15 DE DEZEMBRO DE 1987. - REINO DA DINAMARCA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - PESCA EM AGUAS MARITIMAS - FIXACAO DE QUOTAS EM CASO DE NAO ACTUACAO DO CONSELHO - FINANCIAMENTO FEOGA. - PROCESSO 348/85.

    Colectânea da Jurisprudência 1987 página 05225


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Estados-membros - Obrigações - Iniciativa da Comissão tendo por objecto fazer face a necessidades urgentes - Deveres de acção e de abstenção

    (Tratado CEE, artigo 5.°)

    2. Pesca - Conservação dos recursos do mar - Não actuação do Conselho - Adopção de medidas provisórias de conservação - Condições - Cooperação entre os Estados-membros e a Comissão - Propostas de quotas adoptadas unilateralmente pela Comissão - Violação das quotas - Medidas de intervenção e restituições à exportação - Financiamento pelo FEOGA - Recusa - Ilegalidade

    (Regulamento n.° 729/70 do Conselho, artigos 2.° e 3.°)

    3. Direito comunitário - Princípios - Segurança jurídica - Regulamentação susceptível de implicar consequências financeiras

    Sumário


    1. O artigo 5.° do Tratado CEE impõe aos Estados-membros deveres particulares de acção e abstenção numa situação em que a Comissão, para responder a necessidades urgentes de conservação dos recursos haliêuticos, submeteu ao Conselho propostas que, ainda que não tenham sido por ele adoptadas, constituem o ponto de partida de uma acção comunitária concertada.

    2. Numa situação em que o Conselho não estabeleceu as medidas de conservação necessárias para preservar os recursos haliêuticos, tais medidas, que correspondem a necessidades urgentes podem, afim de manter a Comunidade em posição de fazer face às suas responsabilidades, resultar de um processo de cooperação entre os Estados-membros e a Comissão. Na ausência de tal cooperação, as propostas unilateralmente adoptadas pela Comissão, relativas às quotas de pesca a atribuir a um Estado-membro, não podem ser consideradas regras comunitárias na acepção dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 729/70 do Conselho, relativo ao financiamento da política agrícola comum, cujo desrespeito possa legitimar a recusa da Comissão em imputar ao FEOGA as despesas efectuadas, por esse Estado-membro a título de medidas de intervenção e de concessão de restituições à exportação e que se referem a capturas realizadas em violação das ditas quotas.

    3. A legislação comunitária deve ser certa e a sua aplicação previsível para os destinatários. Este imperativo de segurança jurídica impõe-se com especial vigor quando se trata de uma regulamentação susceptível de envolver consequências financeiras, a fim de permitir aos interessados que conheçam com exactidão o alcance das obrigações que a mesma lhes impõe.

    Partes


    No processo 348/85,

    Reino da Dinamarca, representado por Laurids Mikaelsen, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, tendo escolhido domicílio na sua embaixada no Luxemburgo.

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Peter Karpenstein e por Jens Christoffersen, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto um pedido de anulação parcial, no que respeita aos produtos da pesca, da Decisão 85/451 da Comissão, de 28 de Agosto de 1985, relativa ao apuramento das contas apresentadas pelo Reino da Dinamarca a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção Garantia, para o exercício financeiro de 1981 (JO L 267, p. 10),

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. G. Bosco, presidente de secção, f. f. de presidente, J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet e F. Schockweiler, juízes,

    advogado-geral: J. L. da Cruz Vilaça

    secretário: B. Pastor, administradora

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 5 de Maio de 1987,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Setembro de 1987,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Novembro de 1985, o Reino da Dinamarca interpôs, ao abrigo do primeiro paragrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, um recurso que tem por objecto a anulação da Decisão 85/451 da Comissão, de 28 de Agosto de 1985, relativa ao apuramento das contas apresentadas pelo Reino da Dinamarca a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (adiante designado por "FEOGA"), Secção Garantia, para o exercício financeiro 1981 (JO L 267, p. 10), na medida em que esta decisão não admitiu para efeitos de financiamento comunitário operações de intervenção para a retirada do mercado de certas espécies de peixes num montante de 5 411 429 DKR e restituições à exportação de peixes das espécies sarda e cavala para países terceiros no montante de 2 153 527,71 DKR.

    2 O Governo dinamarquês articula os seus fundamentos da seguinte forma:

    - uma proposta da Comissão não constitui direito comunitário aplicável nem um conjunto de regras comunitárias na acepção do Regulamento n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220) ;

    - não há qualquer relação entre as regras relativas às quotas e a aplicação correcta da organização comum dos mercados agrícolas na acepção do Regulamento n.° 729/70;

    - sob pena de violação do artigo 5.° do Regulamento n.° 729/70, a Comissão não pode aplicar em 1985, uma concepção jurídica nova no apuramento das contas de 1981;

    - o cálculo efectuado não é exacto na medida em que a Comissão não teve em conta quantidades retiradas ou exportadas antes do esgotamento das alegadas quotas.

    3 Para uma mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida necessária à fundamentação da decisão do Tribunal.

    4 No seu primeiro fundamento, o Governo dinamarquês sustenta, no essencial, que as quotas de pesca nas quais a Comissão se baseia para recusar o financiamento comunitário das restituições e intervenções em causa, não são juridicamente vinculativos dado que a competência para adoptar medidas comunitárias no domínio da conservação dos recursos do mar cabe ao Conselho e que nenhum processo de cooperação teria sido estabelecido, em conformidade com as exigências da jurisprudência do Tribunal para remediar, em 1981, à ausência de acção do Conselho.

    5 A Comissão replica que, na situação particular do ano de 1981 e face à jurisprudência do Tribunal, era justificada a sua posição de pedir aos Estados-membros que se conformassem com as propostas que tinha submetido ao Conselho para 1981 e relativas no que respeita a certas unidades populacionais de peixes, à fixação das capturas totais permitidas e à sua repartição entre os Estados-membros.

    6 Para avaliar o primeiro fundamento, é necessário examinar se existiam, em 1981, regras comunitárias em matéria de conservação dos recursos do mar que limitassem as capturas.

    7 A situação em 1981 é caracterizada pelo facto de o Conselho que, por força do artigo n.° 102 do acto de adesão de 1972, detinha, a partir de 1 de Janeiro de 1979, a competência exclusiva para adoptar, no quadro da política comum de pescas sob proposta da Comissão, as medidas destinadas à conservação dos recursos não ter adoptado tais medidas.

    8 A Decisão 80/993 do Conselho, de 28 de Outubro de 1980, baseada nos tratados relativa às actividades de pesca exercida nas águas submetidas à soberania ou jurisdição dos Estados-membros, e tomada a título provisório enquanto se aguardava a adopção de medidas comunitárias definitivas (JO L 298, p. 38), tinha estabelecido medidas provisórias aplicáveis até 20 de Dezembro de 1980. Estas medidas previam que os Estados-membros exercessem as respectivas actividades piscatórias de forma a que fossem respeitados os totais admissíveis de capturas ("TAC") e a parte dos TAC atribuída a países terceiros no âmbito dos acordos e convénios com eles concluídos, tal como estão estabelecidas no Regulamento do Conselho n.° 754/80, de 26 de Março de 1980, relativo, para certos stocks de peixes existentes na zona de pesca da Comunidade, à fixação para 1980 do total das capturas permitidas e da parte disponível para a Comunidade, e das respectivas modalidades de captura (JO L 84, p. 36), bem como nas propostas da Comissão de 12 de Dezembro e de 24 de Outubro de 1980.

    9 Aquando da sessão de 15 a 17 de Dezembro de 1980, o Conselho tinha adoptado uma declaração, inscrita na acta, esclarecendo que os Estados-membros exerceriam as suas actividades de pesca de forma a que as capturas efectuadas pelos seus navios no decurso do período de vigência das medidas provisórias tivessem em conta os TAC sugeridos, para 1981, pela Comissão ao Conselho nas suas propostas de 18 de Novembro e de 16 de Dezembro de 1980.

    10 Em 1981, a Comissão modificou sucessivamente as suas propostas de TAC e, finalmente, apresentou ao Conselho, em 24 de Julho de 1981, uma proposta de regulamento relativa, para certas unidades populacionais de peixes existentes na zona de pesca da Comunidade, à fixação para 1981 do total das capturas permitidas e da parte disponível para a Comunidade, e uma proposta de Regulamento estabelecendo a repartição entre os Estados-membros da totalidade das possibilidades de capturas, disponíveis para a Comunidade em 1981, das unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes existentes na zona de pesca da Comunidade.

    11 Numa declaração ao Conselho de 27 de Julho de 1981 (JO C 224, p. 1), a Comissão expôs a situação resultante da ausência de acordo sobre as suas propostas que fixavam, para 1981, os TAC e as quotas. A Comissão recordou, invocando a jurisprudência do Tribunal, em particular o acórdão de 5 de Maio de 1981 (Comissão/Reino Unido, 804/79, Recueil, p. 1045), que lhe cabem certos direitos e obrigações por força do artigo 155.° do Tratado. Tendo em vista o interesse público prioritário e a título de medida de precaução enquanto se aguardava uma decisão final do Conselho, a Comissão apelou a todos os Estados-membros para que, em conformidade com os seus direitos e obrigações, exercessem as suas actividades de pesca de forma a assegurar o respeito pelas suas propostas. A Comissão declarou igualmente que estava decidida a utilizar todos os meios ao seu alcance para assegurar o respeito pelos Estados-membros das suas propostas que considerava, na situação em causa, como juridicamente vinculativas para eles.

    12 Resulta da acta da reunião do Conselho de 27 de Julho de 1981 que a declaração da Comissão foi contestada pelo serviço jurídico do Conselho e pelos representantes de diferentes Estados-membros e que, em conclusão, o Conselho decidiu discutir os TAC e as quotas propostas para 1981, na sua reunião seguinte.

    13 Por carta de 28 de Julho de 1981, a Comissão recordou a sua declaração aos Estados-membros, acrescentando que se julgava na obrigação não apenas de aprovar ou desaprovar, em função das suas propostas, medidas nacionais que lhe pudessem ser submetidas, mas também de pedir a todos os Estados-membros que adoptassem medidas que respeitassem essas propostas; que, enquanto se aguardava a próxima reunião do Conselho, entendia dar o seu acordo às capturas cujo montante não excedesse 3/4 do montante das quotas por si propostas. A Comissão convidou todos os Estados-membros a indicarem, o mais tardar até 24 de Agosto de 1981, as medidas que se propunham tomar para assegurar o respeito desta regra geral durante o período de vigência das medidas provisórias.

    14 No decurso do ano de 1981, o Governo dinamarquês notificou a Comissão das disposições que limitavam a pesca de diversas espécies em zonas determinadas. A Comissão aprovou algumas dessas medidas e, relativamente a outras, invocou as suas propostas ao Conselho.

    15 O Tribunal já teve ocasião de recordar as disposições de direito comunitário, aplicáveis na matéria, em diversos acórdãos anteriores, o último dos quais foi o acórdão de 5 de Maio de 1981 (já citado). A situação do caso sub judice distingue-se no entanto da situação descrita nesse acórdão pelo facto do Conselho não ter adoptado uma decisão a título provisório para 1981 e de não haver qualquer declaração da sua parte, registada na acta da sessão de 15 a 17 de Dezembro de 1980, no sentido de que os Estados-membros deveriam exercer as respectivas actividades piscatórias de forma a que as capturas tivessem em conta os TAC sugeridos, para 1981, pela Comissão ao Conselho nas suas propostas de 18 de Novembro e 16 de Dezembro de 1980.

    16 Apreciando uma situação caracterizada pela inacção do Conselho, o Tribunal declarou no seu citado acórdão de 5 de Maio de 1981 que, segundo o artigo 5.° do Tratado, os Estados-membros têm obrigação de facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão, devendo abster-se de todas as medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do Tratado; que esta disposição impõe aos Estados-membros deveres particulares de acção e de abstenção numa situação em que a Comissão, para responder a necessidades urgentes de conservação, submeteu ao conselho propostas, que, embora não tenham sido por este adoptadas, constituem o ponto de partida para uma acção comunitária concertada. O Tribunal declarou também que, tratando-se de um domínio reservado à competência da Comunidade, no qual os Estados-membros só podem agir, enquanto tal, como representantes do interesse comum, um Estado-membro, na ausência de uma acção apropriada do Conselho, pode apenas adoptar medidas provisórias de conservação, eventualmente exigidas pela situação concreta, no âmbito de uma colaboração com a Comissão; que os Estados-membros tinham o dever de não instituir medidas de conservação nacionais que colidissem com as objecções, reservas ou condições que a Comissão pudesse formular.

    17 O Tribunal admitiu assim que, numa situação em que o Conselho não adoptou as medidas de conservação necessárias para preservar os recursos haliêuticos podem essas medidas, cujo objectivo é manter a Comunidade em situação de fazer face às suas responsabilidades, e que satisfazem necessidades urgentes, resultar de um processo de cooperação entre os Estados-membros e a Comissão.

    18 Tal processo não foi estabelecido em 1981 entre o Reino da Dinamarca e a Comissão, no que respeita aos peixes das espécies em causa, não tendo o Reino da Dinamarca respondido ao convite da Comissão para que adoptasse as medidas necessárias para assegurar o respeito das suas propostas. Nestas condições, sem que seja necessário apreciar as consequências jurídicas dessa ausência de cooperação por parte de um Estado-membro, é forçoso constatar que as propostas unilateralmente adoptadas pela Comissão, relativas às quotas de pesca a atribuir ao Reino da Dinamarca não podem ser consideradas como regras comunitárias.

    19 Por outro lado, como o Tribunal já decidiu por diversas vezes, a legislação comunitária deve ser certa e a sua aplicação previsível para os destinatários. Este imperativo de segurança jurídica impõe-se com especial vigor quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar consequências financeiras, afim de permitir aos interessados que conheçam com exactidão o alcance das obrigações que a mesma lhes impõe.

    20 Resulta do exposto que em 1981 não existiam, no caso sub judice regras de direito comunitário na acepção dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 729/70 cujo desrespeito pudesse legitimar a recusa da Comissão em financiar, através do FEOGA, as restituições à exportação e as intervenções que constituem objecto do recurso.

    21 Em consequência, e dado que a autenticidade das despesas efectuadas pelo Governo dinamarquês não é contestada, deve anular-se a Decisão de 85/451 da Comissão, de 28 de Agosto de 1985, nos termos do pedido, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos e argumentos do recorrente.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    22 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida há que condená-la nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    decide:

    1) A Decisão 85/451 da Comissão, de 20 de Agosto de 1985, relativa ao apuramento das contas apresentadas pelo Reino da Dinamarca a título de despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção Garantia, para o exercício financeiro de 1981, é anulada na medida em que essa decisão não aceitou, para efeitos de financiamento comunitário operações de intervenção realizadas para a retirada do mercado de certas espécies de peixes num montante de 5 411 429 DKR e restituições à exportação de peixes das espécies sarda e cavala para países terceiros num montante de 2 153 527,71 DKR.

    2) A Comissão é condenada nas despesas.

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