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Document 61985CJ0310

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 24 de Fevereiro de 1987.
    Deufil GmbH & Co. KG contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios de Estado - Fibras e fios sintéticos.
    Processo 310/85.

    Colectânea de Jurisprudência 1987 -00901

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1987:96

    61985J0310

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA (SEXTA SECCAO) DE 24 DE FEVEREIRO DE 1987. - DEUFIL GMBH UND CO. KG CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - AUXILIOS DE ESTADO - FIBRAS E FIOS SINTETICOS. - PROCESSO 310/85.

    Colectânea da Jurisprudência 1987 página 00901


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    Auxílios concedidos pelo Estado - Disposições do Tratado - Campo de aplicação - Regulamentação nacional prosseguindo objectivos gerais em matéria de política de conjuntura - Tomada em consideração apenas dos efeitos produzidos exclusivamente por esta regulamentação

    (Tratado CEE, artigos 92.° e 103.°)

    Auxílios concedidos pelos Estados - Proibição - Derrogações - Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum - Poder de apreciação da Comissão - Referência ao contexto comunitário.

    (Tratado CEE, artigo 92.°, n.° 3)

    Auxílios concedidos pelos Estados - Projectos de auxílios - Concretização anterior à decisão final da Comissão - Imposição às autoridades nacionais que exijam a restituição de um auxílio incompatível com o mercado comum - Violação, relativamente aos beneficiários, do princípio de protecção da confiança legítima - Inexistência

    (Tratado CEE, artigo 93.°, n.os 2 e 3)

    Sumário


    O artigo 92.° do Tratado tem como objectivo evitar que as trocas entre os Estados-membros sejam perturbadas pelas vantagens concedidas pelas autoridades públicas que, sob formas diversas, falseiem ou ameacem falsear a concorrência, ao favorecer certas empresas ou determinadas produções. Esta disposição não distingue as intervenções em causa de acordo com os seus motivos ou objectivos, antes as define em função dos seus efeitos, pelo que os objectivos gerais prosseguidos por uma regulamentação nacional, tais como objectivos de política de conjuntura, na acepção do artigo 103.° do Tratado, não bastam para afastar essa regulamentação do campo de aplicação do artigo 92.°

    O artigo 92.°, n.° 3, do Tratado confere à Comissão um poder discricionário, cujo exercício implica apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. Ao considerar que a concessão de um auxílio a um investimento que aumenta as capacidades de produção num sector já largamente excedentário é contrária ao interesse comum e que tal auxílio não é susceptível de favorecer o desenvolvimento económico da região em causa, a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação.

    Quando, em violação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, um Estado-membro concede um auxílio projectado antes de ultimado o procedimento desenvolvido pela Comissão, a decisão final da Comissão que declara verificada a incompatibilidade do auxílio concedido com o mercado comum pode incluir a imposição às autoridades nacionais de que exijam a restituição daquele, sem que o beneficiário, uma vez que não podia equivocar-se quanto ao alcance das normas comunitárias, possa alegar violação da confiança legítima face à referida decisão.

    Partes


    No processo 310/85,

    Deufil GmbH & Co. KG,sociedade em comandita de direito alemão, com sede social em Bergkamen-Ruenthe, representada pela sociedade comanditada Deufil GmbH, com a mesma sede social, esta representada por KG. Beisken, advogado no foro de Dusseldorf, tendo escolhido domicílio, no Luxemburgo, no de E. Vogt, director da Compagnie Financière de Crédit et de Gestion, 40, boulevard Joseph-II,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias,representada pelo seu conselheiro jurídico, N. Koch, na qualidade de agente, tendo escolhido domicílio no Luxemburgo, no de G. Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão 85/741 da Comissão, de 10 de Julho de 1985, relativa a um auxílio concedido pelo Governo alemão a um produtor de fio de poliamida e de polipropileno, instalado em Bergkamen (JO L 278, p. 26),

    O TRIBUNAL,Sexta Secção,

    constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, T. F. O' Higgins, T. Koopmans, O. Due e K. Bahlmann, juízes,

    advogado-geral: Sr. M. Darmon

    secretário: D. Louterman, admnistradora

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 24 de Setembro de 1986,

    tendo ouvido as conclusões do advogado-geral, apresentadas na audiência de 10 de Dezembro de 1986,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal, em 14 de Outubro de 1985, a sociedade Deufil GmbH & Co. KG, com sede social em Bergkamen-Ruenthe (República Federal da Alemanha), interpôs, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, um recurso que tem por objecto a anulação da Decisão 85/471 da Comissão, de 10 de Julho de 1985 (JO L 278, p. 26), que considerou que o auxílio, no montante de 2 945 000 DM, concedido à recorrente em 1983, por aplicação da lei alemã relativa aos subsídios ao investimento e do programa conjunto do Governo Federal e dos Laender no âmbito dos auxílios regionais, é ilegal, uma vez que a Comissão não foi previamente notificada, e incompatível com o mercado comum, nos termos do artigo 92.° do Tratado CEE e deve ser restituído pela beneficiária.

    É pacífico que a quantia em questão foi concedida pelas autoridades alemãs com base num pedido apresentado pela sociedade Deufil para obtenção de um subsídio ao investimento, por ocasião da substituição de uma instalação que permitia a produção anual de 3 000 toneladas de fio de poliamida, por uma nova, com a produção anual de 5 000 toneladas de fio de poliamida ou de polipropileno. Nos termos deste pedido, previa-se, graças a novas tecnologias de produção, a substituição parcial dos fios de poliamida por fios de polipropileno.

    Resulta, entretanto, das informações fornecidas pela recorrente, em resposta a questões colocadas pelo Tribunal, que a capacidade da nova instalação é de 6 000 toneladas e que a reconversão prevista não se encontrava ainda efectuada em 1985, uma vez que a produção deste ano foi de 4 191 toneladas de fios de poliamida e de 1 546 toneladas de fios de polipropileno.

    Resulta, por outro lado, do processo:

    - que, ao contrário dos fios de poliamida, os fios de polipropileno, produto relativamente recente, só a partir de 1985 foram incluídos no "código dos auxílios", ou seja as regras indicativas notificadas aos Estados-membros pela Comissão e referentes aos auxílios no sector das fibras e fios sintéticos apenas a partir de 1985;

    - que o mercado comunitário de fios de poliamida e de polipropileno é partilhado por um grande número de empresas de pequena ou média dimensão, de modo que a recorrente, apesar de deter apenas 2 a 3% da produção comunitária, se coloca entre os maiores produtores e

    - que a taxa de utilização das capacidades de produção na Comunidade, em 1983, era de 72% quanto aos fios de poliamida e de 64% quanto aos de polipropileno.

    Para fundamentar o seu pedido de anulação, a recorrente apoia-se, essencialmente, nos três argumentos seguintes:

    - violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, considerando que a soma em litígio não constitui um auxílio na acepção desta disposição e que não afecta a concorrência e as trocas entre os Estados-membros;

    - violação do artigo 92.°, n.° 3, considerando que a referida quantia preenche as condições de excepção previstas nas alíneas a) e c) desta disposição e

    - ofensa à confiança legítima da recorrente, na medida em que a Comissão determinou à República Federal da Alemanha que ordenasse a restituição daquela importância.

    Para uma mais ampla exposição dos factos do processo, da política da Comissão relativa aos auxílios no sector dos textêis e da argumentação das partes, remete-se para o relatório para a audiência. Estes elementos do processo apenas serão reproduzidos na medida necessária à argumentação do Tribunal.

    Quanto à aplicação do artigo 92.°, n.° 1

    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a soma em litígio foi concedida em conformidade com as normas nacionais que estabelecem medidas de política conjuntural, nos termos do artigo 103.° do Tratado, contribuindo para o desenvolvimento económico geral e para a melhoria das estruturas. Tais medidas não constituiriam auxílios abrangidos pelo artigo 92.°, n.° 1.

    Este argumento deve ser afastado. Tal como o Tribunalsublinhou no seu acórdão de 2 de Julho de 1974 (Itália/Comissão, 173/73, Recueil, p. 709), o artigo 92.° tem como objectivo evitar que as trocas entre Estados-membros sejam afectadas pelas vantagens concedidas pelas autoridades públicas que, sob formas diversas, falseiem ou ameaçam falsear a concorrência ao favorecer certas empresas ou certos produtos. Esta norma não distingue, por conseguinte, em função dos motivos ou dos objectivos das intervenções em causa, antes as define consoante os seus efeitos. No caso em apreço, o montante concedido diminuíu os custos de investimento a cargo da recorrente, assim favorecendo-a em relação aos outros produtores deste sector. Os objectivos gerais prosseguidos pelas regulamentações nacionais que forneceram a base legal para esta outorga não poderiam bastar para a isentar da aplicação do artigo 92.°

    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que, mesmo admitindo tratar-se de um auxílio, este não pode ter falseado a concorrência nem afectar as trocas entre Estados-membros. A este respeito, a recorrente salienta que a maior parte da sua produção de fios de poliamida é vendida no exterior da Comunidade. A parte restante desta produção seria fornecida, nomeadamente, a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo e que, simultaneamente, teriam reduzido a sua própria produção, de modo que a quantidade destes produtos introduzida no mercado livre da Comunidade representaria apenas uma parte negligenciável daquele. Por outro lado, o mercado de fios de poliamida e de polipropileno seria caracterizado por uma constante melhoria das taxas de utilização e dos preços.

    Nos considerandos da decisão impugnada, a Comissão fundamentou a aplicação do artigo 92.°, n.° 1, nomeadamente, na existência de uma forte concorrência entre os produtores comunitários de poliamida e polipropileno e de trocas comerciais consideráveis destes produtos. Se a taxa de utilização, quanto aos fios de poliamida, melhorou após a concessão do auxílio em causa, esta evolução dever-se-ia essencialmente ao desmantelamento das capacidades de produção comunitárias, uma vez que o nível de produção se manteve constante. Igualmente quanto aos fios de polipropileno a taxa de utilização teria melhorado mas, segundo a Comissão, a capacidade de produção existente permanecerá, relativamente aos dois produtos, perfeitamente desproporcionada, em relação à procura, durante muitos anos e muitos produtores comunitários continuam a perder dinheiro por causa do baixo nível dos preços, que não ultrapassa o atingido em 1974.

    No que concerne à situação da recorrente em particular, a Comissão afirma, sempre nos considerandos da decisão em litígio, que a sua capacidade de produção representa, respectivamente, 3,2 e 5,6% da capacidade total de produção de poliamida e de polipropileno na Comunidade e que aquela exporta, para outros Estados-membros, 30% da sua produção de poliamida e 70% da de polipropileno.

    Estas afirmações, que a recorrente não está em condições de refutar, justificam plenamente a conclusão, extraída pela Comissão na sua decisão, segundo a qual o auxílio em causa é susceptível de afectar as trocas e de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência entre Estados-membros.

    No que respeita, de resto, à pretendida redução da produção de outras empresas pertencentes ao mesmo grupo da recorrente, bastará recordar que esta afirmação, que apenas foi produzida no decurso da audiência perante o Tribunal, não se apoiou em quaisquer provas. Segundo as estatísticas apresentadas pela Comissão, as outras empresas deste grupo detiveram sempre, em 1984, 9,2% do mercado dos fios de poliamida.

    Deve, portanto, ser desatendido o primeiro fundamento da recorrente.

    Quanto à não-aplicação do artigo 92.°, n.° 3

    A recorrente sustenta que o auxílio em litígio contribui para favorecer o desenvolvimento económico da zona de Bergkamen, região em que o nível de vida seria anormalmente baixo e que sofreria de grave subemprego. Uma vez que o investimento teria por objectivo restringir e, afinal, suprimir a produção de fios de poliamida, em favor da de fios de polipropileno, cujo fabrico não se encontrava, nessa altura, sujeito ao código dos auxílios, tratar-se-ia de uma restruturação conforme com o interesse comum. O auxílio preencheria, portanto, as condições de isenção previstas no artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) e c).

    Nos considerandos da sua decisão, a Comissão sublinhou que as máquinas instaladas graças ao auxílio apresentam vantagens económicas importantes relativamente às unidades de fabrico tradicionais. Estas máquinas estariam no mercado havia vários anos, se bem que o investimento em causa não fosse mais do que uma modernização normal destinada a manter a competividade devendo, por conseguinte, ser financiada pelos recursos próprios da empresa. Tendo em conta os excessos de capacidade de produção, tanto no que refere aos fios de polipropileno como aos de poliamida, qualquer baixa artificial dos custos de investimento de um fabricante destes produtos enfraqueceria a situação concorrencial dos outros produtores e teria como resultado, se provocasse um aumento da capacidade de produção, reduzir a utilização desta e fazer baixar os preços. O auxílio em questão afectaria, pois, necessariamente, as trocas comerciais de modo contrário ao interesse comum de acordo com o disposto no artigo 92.°, n.° 2, alínea c).

    No que se refere mais particularmente à alínea a) desta disposição, a Comissão refuta que o nível de vida na região de Bergkamen seja anormalmente baixo e que sofra de um grave subemprego. Dada a situação em que se encontra e encontrará ainda num futuro previsível o sector dos fios de poliamida e polipropileno, o auxílio em questão não teria, de modo algum, trazido à região aumento estável dos rendimentos nem redução do desemprego e não seria, portanto, susceptível de favorecer o desenvolvimento económico daquela região como exige a alínea a).

    Tal como o Tribunal afirmou no seu acórdão de 17 de Setembro de 1980 (Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, p. 2671), o artigo 92.°, n.° 3, confere à Comissão um poder discricionário cujoexercício implica apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. Ao considerar que a outorga de um auxílio ao investimento que aumenta as capacidades de produção num sector já largamente excedentário é contrária ao interesse comum e que tal auxílio não é susceptível de favorecer o desenvolvimento económico da região em causa, a Comissão não excedeu, de modo algum, os limites do seu poder de apreciação.

    O segundo argumento deve, por consequência, ser desatendido.

    Quanto à protecção da confiança legítima

    A título subsidiário, a recorrente alega que a imposição, feita pela Comissão à República Federal da Alemanha, de exigir a restituição do auxílio é incompatível com o princípio da protecção da confiança legítima. A recorrente teria percebido este auxílio com base em decisões definitivas e em indicações exactas e tê-lo-ia utilizado na reconversão da sua produção num produto não sujeito ao código dos auxílios.

    No fundo, este argumento coloca a questão de saber se a não-inclusão dos fios de polipropileno no código dos auxílios pode, eventualmente, fundamentar, em empresas que procederam a reconversão para fabricar este produto, uma confiança legítima que pudesse opor-se a uma imposição, feita pela Comissão às autoridades nacionais, da exigência da restituição de um auxílio concedido com aquela finalidade.

    Porém, não é este o caso. O código dos auxílios constitui um conjunto de princípios indicativos que definem as grandes linhas de actuação que a Comissão entende dever seguir e solicita aos Estados-membros que respeitem no domínio dos auxílios ao sector das fibras e fios sintéticos. Não derrogou as disposições dos artigos 92.° e 93.° do Tratado nem o podia fazer.

    De resto, resulta do processo que a situação do mercado não justificava tratamento dos fios de polipropileno diferente do concedido aos fios de poliamida e que a única razão que motivou a não-inclusão destes no código dos auxílios até 1985 foi a novidade deste produto.

    Uma vez que a quantia em litígio constitui, indubitavelmente, um auxílio, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, a intenção de o conceder deveria ter sido notificada, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, e o auxílio não deveria ter sido pago antes de terminada a apreciação a efectuar pela Comissão. Nos termos do artigo 93.°, n.° 2, a Comissão decide se o Estado envolvido deve suprimir ou modificar o auxílio quando constate que este não é compatível com o mercado comum. Sempre que, contrariamente às disposições do n.° 3, a subvenção projectada já tiver sido paga, esta decisão pode tomar a forma de imposição às autoridades nacionais de que exijam a sua restituição.

    Segue-se que a não-inclusão dos fios de polipropileno no código dos auxílios não pode ter fundamentado, na recorrente, uma confiança legítima susceptível de impedir a Comissão de, na decisão em quedeclare a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum, impor às autoridades alemãs que exijam a sua restituição.

    Deve, pois, ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2 do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida, deve ser condenada nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL(Sexta Secção)

    decide:

    1) É negado provimento ao recurso.

    2) A recorrente é condenada nas despesas, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias.

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