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Document 61985CJ0075

Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 2 de Outubro de 1986.
V. R. Contra a Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionário - Despedimento de um funcionário estagiário.
Processo 75/85.

Colectânea de Jurisprudência 1986 -02775

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:347

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo 75/85 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

1.

O recorrente, V. R., licenciado em física pela Universidade de Roma e especializado em estatística pelo Polytechnicum de Lausanne, foi aprovado nos concursos COM//A/143 e COM/A/313, organizados com vista a recrutar para a Comissão administradores economistas e da área da estatística. Em 1982, a Comissão publicou o aviso de vaga COM/305/82, correspondente a um lugar do grau A 7/6 na Direcção-Geral «Assuntos Económicos e Financeiros», Direcção «Estruturas Económicas e Intervenções Comunitárias», Serviço Especializado «Empréstimos Comunitários: Desenvolvimento dos Instrumentos Financeiros».

O aviso de vaga descrevia da seguinte forma a função a preencher:

«Realização, com base em directivas gerais, de tarefas de concepção e de estudo em matéria de análise económica, designadamente no que respeita:

à prospecção dos domínios de actividade, no que respeita aos instrumentos financeiros de contracção/concessão de empréstimos da Comunidade, mais particularmente abrangidos pelo NIC.»

No que se refere às qualificações requeridas, o aviso de vaga especificava:

«1)

Formação de nível universitário homologado por um diploma ou experiência profissional de nível equivalente;

2)

conhecimentos teóricos de análise económica global;

3)

conhecimentos dos problemas da economia de empresa;

4)

conhecimentos no domínio da técnica bancária;

5)

alguma experiência adequada à função.»

Por decisão de 2 de Agosto de 1983, a Comissão nomeou R., com efeitos a partir de 15 de Julho de 1983, funcionário estagiário do grau A 6, do serviço especializado atrás indicado (II — B-4). Contudo, desde a véspera, isto é, desde 1 de Agosto de 1983, tinha decidido transferir o lugar em questão e o seu futuro titular, igualmente com efeitos a partir de 15 de Julho de 1983, deste serviço para a Divisão «Projecções a Médio Prazo» (II — C-4), da Direcção «Análises e Políticas Macroeconómicas», Direcção-Geral «Assuntos Económicos e Financeiros».

O trabalho desenvolvido pelo recorrente durante o período de estágio de nove meses, prescrito pelo artigo 34.° do estatuto dos funcionários, foi objecto de um relatório de fim de estágio, datado de 21 de Março de 1984.

No que se refere à capacidade do recorrente para cumprir as tarefas correspondentes às suas funções, julgada insuficiente no seu conjunto, este relatório reconhece, é certo, uma boa capacidade de compreensão, de adaptação, de avaliação e de iniciativa, bem como um bom sentido de organização e uma boa noção das responsabilidades. Regista, contudo, uma insuficiência no que toca aos conhecimentos necessários para o exercício das funções. Por outro lado, quanto ao rendimento, o relatório exprime um parecer favorável quanto à rapidez na execução do trabalho, mas considera insuficiente a qualidade deste.

Nas observações explicativas do relatório, especifica-se, nomeadamente, que R. «possui, sem qualquer dúvida, elevadas qualificações em estatísticas matemáticas e em técnica de análise de dados», mas que «os seus conhecimentos de macroeconomia, todavia, são mais limitados e a sua capacidade para redigir relatórios revelam-se insuficientes».

Com base nas apreciações precedentes, o relatório de fim de estágio recomendava o despedimento do recorrente no final do período de estágio.

Por comunicação de 18 de Abril de 1984, a administração fez saber ao recorrente que, à luz do seu relatório de fim de estágio, não podia tomar outra atitude que não fosse despedi-lo. Todavia, tendo em conta as observações formuladas pelo recorrente, bem como certos aspectos postos em relevo pelo seu superior hierárquico, estava disposta a conceder-lhe uma oportunidade suplementar para provar a sua capacidade profissional, confiando-lhe uma «análise comparada de natureza estatística», a realizar no decurso de um período de três meses que ia até 15 de Julho de 1984. O recorrente, pelo seu lado, apôs o seu acordo na referida comunicação.

Por carta de 25 de Abril de 1984, a administração comunicou ao recorrente a descrição do estudo a realizar, intitulado «Controlo dos dados de estudo do comércio externo», cujo objectivo era definido como segue:

«A partir dos bancos de dados VISA (OSCE) e Volimex (DG II):

efectuar uma análise descritiva dos dados em valor expressos em NACE-CLIO (23 ramos), com repartição geográfica (intra, extra, mundo);

comparar estes dois conjuntos de dados;

analisar os ajustamentos feitos no âmbito da BDS;

tentar explicar as divergências;

fazer propostas de aperfeiçoamento.

Poderão também ser apresentadas propostas quanto à utilização destes dados em aplicações ulteriores (BDS do Serviço de Estatística, índices de preços da DG II).»

Em 10 de Julho de 1984, os «orientadores» do estudo apresentaram o seu relatório sobre o trabalho efectuado. Registaram, por um lado, que:

«R. possui os conhecimentos teóricos necessários para efectuar este tipo de estudos; utilizou e compreendeu as informações que lhe foram fornecidas;

tentou propor soluções para o problema colocado.»

Contudo, este relatório assinalava, por outro lado,

«uma falta de espírito de síntese que se traduz na dificuldade em distinguir o essencial do acessório e em localizar os aspectos mais relevantes. Em especial, conclusões importantes perdem-se muitas vezes no conjunto do texto e grandes desenvolvimentos tratam de pontos relativamente menores; uma falta de perspectiva que o impede de reconhecer, por detrás das estatísticas, o significado económico dos fenómenos observados;

um emprego excessivo de uma linguagem científica pouco compreensível, mesmo para os utilizadores geralmente destinatários deste tipo de relatórios. Em especial, o relatório de síntese... não permitiria a um leitor estranho ao problema apreender o seu alcance e dela extrair orientações de acção.»

Por decisão de 19 de Julho de 1984, a autoridade investida do poder de nomeação despediu o recorrente, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 1984, considerando a este respeito, nomeadamente:

«... Face ao relatório de fim de estágio, que as apreciações relativas à aptidão e ao rendimento do interessado revelam que é “insuficiente” nos pontos:

A — Aptidão para desempenhar as suas funções;

B.1 — Qualidade do trabalho;

... Que estas apreciações são corroboradas pelas apreciações emitidas quanto ao estudo confiado a V. R. no decurso do período complementar;

... Que estas apreciações demonstram que V. R. não faz prova de qualidades profissionais suficientes para ser titularizado no grau correspondente ao seu lugar».

Em 8 de Agosto de 1984, o recorrente formulou, com base no n.° 2 do artigo 90.° do estatuto dos funcionários, uma reclamação contra a decisão de despedimento, realçando, especialmente, a existência de erros manifestos na apreciação do seu trabalho.

Por decisão de 13 de Dezembro de 1984, a Comissão rejeitou esta reclamação, por falta de fundamento.

2.

Por requerimento de 20 de Março de 1985, registado na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1985, o recorrente interpôs o presente recurso.

O Tribunal (Terceira Secção), com base no relatório do juiz relator, ouvido o advo-gado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem medidas de instrução prévia.

II — Pedidos das partes

O recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

anular as decisões pelas quais a Comissão pôs termo à relação de trabalho de R. a contar de 31 de Agosto de 1984, e, em especial, a Decisão n.° 5235, de 13 de Dezembro de 1984, pela qual a Comissão rejeitou a reclamação apresentada por R. contra este despedimento, bem como todos os actos preparatórios das decisões referidas;

a título subsidiário, condenar a Comissão a modificar, num sentido não difamatório, a fundamentação das decisões recorridas;

em qualquer caso, condenar a Comissão no pagamento de uma quantia ao recorrente, a título de indemnização pelos danos materiais e morais a ele causados pelas decisões recorridas, no montante que o Tribunal tiver por conveniente;

em qualquer caso, condenar a recorrida nas despesas.

A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

indeferir integralmente o recurso;

decidir quanto às despesas de acordo com as disposições legais em vigor.

III — Fundamentos e argumentos das partes

1. Quanto à alegada violação de formalidades essenciais

a)

O recorrente alega, em primeiro lugar, uma violação das formalidades essenciais e, em especial, uma contradição na fundamentação e um vício resultante de erro manifesto. Analisa, a este respeito, as apreciações contidas nos relatórios de 21 de Março de 1984 e de 10 de Julho de 1984, que constituem a base da decisão de despedimento.

No que se refere ao relatório de fim de estágio, de 21 de Março de 1984, acusa a Comissão, por um lado, de ter omitido a indicação dos conhecimentos necessários para o exercício das funções que não possuiria em medida suficiente; por outro lado, entende que a Comissão não pode valer-se de uma pretensa insuficiência de capacidade para redigir relatórios escritos, já que indicou de que maneira desejava que esses relatórios fossem redigidos.

No que se refere ao relatório de 10 de Julho de 1984, o recorrente considera que não há razão para que nele lhe seja censurada uma falta de espírito de síntese, já que a tarefa que lhe foi confiada consistia em efectuar «uma análise comparada» e não uma «síntese» do problema posto. De resto, resulta de um parecer do professor R. Coppi, da Universidade de Roma, junto com o requerimento inicial, que o recorrente conseguiu elaborar «uma chave de leitura» que «simplificava a análise de uma forma drástica, libertando um número muito limitado dos factores cuja interacção recíproca constitui a origem essencial das divergências em questão entre os dois sistemas estatísticos».

A observação relativa ao emprego de linguagem científica seria, também, errónea e contraditória. À parte o facto de a administração chamar defeito a uma qualidade, haveria que considerar a complexidade do problema posto. De qualquer forma, a linguagem utilizada não apresenta nenhum tecnicismo especial, como resulta do parecer do professor La Bruna, da Universidade de Roma, igualmente junto com o requerimento inicial.

Em apoio das considerações precedentes, o recorrente solicita que o Tribunal ordene, por sua vez, uma peritagem sobre «a qualidade científica do ensaio efectuado».

b)

A Comissão começa por observar que, ao contrário do concurso de admissão, que visa possibilitar uma selecção dos candidatos segundo critérios genéricos e com caracter de previsão, o estágio tem por função permitir à administração fazer um julgamento mais concreto sobre as aptidões do candidato para uma função determinada. A apreciação global que a administração deve fazer sobre o funcionário estagiário, por um lado, depende de um poder discricionário alargado e, por outro, não pode ser o resultado de um simples cálculo matemático das diferentes apreciações positivas ou negativas. Por consequência, mesmo uma única apreciação negativa pode implicar que o interesse do serviço obste à titularização, já que o estagiário não estaria perfeitamente apto a desempenhar as funções específicas que lhe são atribuídas.

No caso em apreço, resultaria do relatório de fim de estágio que o recorrente, efectivamente, tem elevadas qualificações em matemática aplicada às estatísticas e em técnicas de análise de dados, mas que lhe falta capacidade para o desempenho das atribuições exigidas pelas suas funções, carecendo designadamente de conhecimentos necessários no domínio dos estudos de política econômica. Por outro lado, este relatório dá conta de uma insuficiência da qualidade do trabalho e de incapacidade para se integrar de maneira satisfatória no quadro das actividades essenciais da direcção.

Quanto ao relatório de 10 de Julho de 1984, a Comissão contesta a existência de uma divergência entre as apreciações nele contidas e o que a administração pedira ao recorrente para fazer. A finalidade do trabalho a realizar não consistia apenas na análise dos dados, mas também em «explicar as divergências» e «fazer propostas de aperfeiçoamento». Tendo em conta os objectivos do serviço em causa, seria inconcebível efectuar análises sem conduzir a conclusões concretas.

Segundo a Comissão, a incapacidade do recorrente para se exprimir de forma adequada (utilização excessiva de uma linguagem científica) demonstra igualmente a sua inaptidão para trabalhar numa administração, trabalho que implicaria a necessidade de uma forma de expressão particular.

No que toca à requerida peritagem sobre a qualidade científica do estudo do recorrente, a Comissão contesta a sua pertinência, dado que o problema não se coloca apenas em termos de qualidade científica, mas também de eficácia de um certo tipo de trabalho no âmbito de uma administração pública. Por outro lado, tal peritagem constituiria uma ingerência no poder de apreciação da instituição.

2. Quanto à alegada violação do estatuto e do princípio da não discriminação

a)

O recorrente alega, em seguida, uma violação dos artigos 4.° e 34.° do estatuto dos funcionários e do princípio da não discriminação.

Entende que a sua afectação à divisão II — C-4 («Projecções a Médio Prazo»), em vez do serviço especializado II — B-4 («Empréstimos Comunitários: Desenvolvimento dos Instrumentos Financeiros»), para o qual fora publicado o aviso de vaga COM//305/82, se deu com violação do segundo parágrafo do artigo 4.° do estatuto, nos termos do qual «toda e qualquer vaga... é levada ao conhecimento do pessoal... logo que a autoridade investida do poder de nomeação tiver decidido preencher tal lugar». Dado que o recorrente foi afectado, desde o início, à divisão II — C-4, a decisão de nomeação de 2 de Agosto de 1983, que o afectou ao serviço especializado II — B-4, teria tido um conteúdo puramente fictício.

Segundo o recorrente, o processo seguido pela administração viola igualmente o princípio geral da não discriminação, já que o funcionário estagiário transferido teria de efectuar o seu período de estágio num lugar diferente daquele a que se refere o aviso de vaga e, por conseguinte, eventualmente menos conforme com as suas capacidades. Esta medida colocá-lo-ia numa situação de inferioridade relativamente aos funcionários estagiários não transferidos.

O recorrente sustenta, por outro lado, que a prorrogação do seu período de estágio é contrária ao primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 34.° do estatuto, segundo o qual o «estágio tem uma duração de nove meses para os funcionários da categoria A». Tratando-se de uma norma imperativa, esta disposição não pode ser objecto de derrogação. A parte isto, o princípio da não discriminação exige que todos os funcionários do mesmo grau tenham um período de estágio de duração idêntica.

Esta conclusão é corroborada pelo segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 34.°, que estabelece: «Quando, no decurso do seu estágio, o funcionário estiver impedido de exercer as suas funções na sequência de doença ou acidente... a entidade competente para proceder a nomeações pode prolongar o estágio por um período equivalente». Uma norma excepcional, como esta, não teria sentido se a administração, em qualquer caso, dispusesse do poder discricionário de prolongar o período de estágio. Por outro lado, resulta desta disposição que o período de estágio só pode ser prolongado para fazer coincidir a sua duração com a do serviço efectivo cumprido e que, para decidir despedir ou titularizar o funcionário estagiário, a administração deve basear-se exclusivamente na apreciação do serviço cumprido durante este período.

O facto de o recorrente ter aceitado submeter-se a um período complementar de estágio não pode levar a uma conclusão diferente, já que o acordo não teria sido dado livremente, mas determinado sobretudo pela relação de sujeição em que o interessado se encontrava, relativamente a uma administração que já tinha mostrado estar inclinada a despedi-lo.

b)

A Comissão observa, relativamente à colocação do recorrente na divisão II — C-4, que o artigo 4.° do estatuto se refere apenas à publicação interna dos avisos de lugares vagos e não respeita aos candidatos externos inscritos na lista de aprovados. A administração tem o poder legítimo de redistribuir os lugares disponíveis entre os diversos serviços, em função do interesse do serviço. De resto, o recorrente teve conhecimento da sua colocação mediante conversas e contactos com os responsáveis da Comissão.

A Comissão acrescenta que, mesmo admitindo a existência de um interesse em agir do recorrente, este devia ter atacado o acto de nomeação e não pedido a anulação do despedimento.

Enfim, a Comissão realça que o recorrente, de qualquer modo, não satisfez as condições requeridas pelo aviso de vaga, o qual exigia conhecimentos de análise económica global e dos problemas da economia de empresa, bem como conhecimentos no domínio da técnica bancária.

No que toca à acusação baseada no prolongamento do período de estágio, a Comissão observa que nada impede a administração, por razões de equidade, de exceder os direitos previstos pelo estatuto, adoptando uma atitude mais favorável relativamente ao funcionário. No caso em apreço, a Comissão concedeu um favor ao recorrente, oferecendo-lhe uma possibilidade suplementar de provar as suas capacidades profissionais, oferta que este último, de resto, aceitou por escrito e com toda a liberdade.

O artigo 34.°, n.° 1, segundo parágrafo, do estatuto milita precisamente em favor da tese da Comissão. Esta norma visa evitar que um funcionário estagiário, vítima de uma doença ou de um acidente, só disponha, para fazer prova das suas capacidades profissionais, de um período efectivo inferior aos nove meses previstos; mas não obsta a um prolongamento do estágio, decidido com a intenção de permitir uma apreciação mais aprofundada no interesse do funcionário, que de outro modo seria despedido com base no relatório de estágio.

3. Quanto ao pedido de indemnização por perdas e danos

a)

O recorrente, fundamentando o seu pedido de indemnização por perdas e danos, alega que o prejuízo que lhe foi causado pela decisão de despedimento resulta de dois factos.

Por um lado, as apreciações feitas pela administração sobre o seu trabalho são difamatórias e, por isso, susceptíveis de causar prejuízo à sua reputação profissional. Por outro lado, o atraso na definição da sua situação profissional, devido ao prolongamento do estágio, deixou-o numa injusta situação de incerteza, impedindo-o de encontrar outra actividade profissional.

O recorrente acrescenta que, em qualquer hipótese, mesmo uma decisão válida pode implicar a responsabilidade da administração, se tiver sido adoptada em termos pessoalizados ou vexatórios.

b)

A Comissão responde que, de um ponto de vista geral, a reparação do prejuízo está condicionada à demonstração, pelo recorrente, da existência de um acto ilícito e do prejuízo sofrido, bem como do nexo de causalidade entre aquele acto e o prejuízo. No caso em apreço, nenhum destes elementos estava provado.

No que se refere às apreciações relativas ao recorrente, a Comissão esclarece que nunca negou as suas qualidades enquanto estatístico e investigador, mas que se tinha limitado a verificar que não eram adequadas às exigências do serviço de uma administração pública. Por outro lado, todas as decisões de despedimento contêm necessariamente apreciações negativas sobre as capacidades profissionais dos interessados e poderiam causar-lhes dificuldades de orientação. Finalmente, a Comissão garante o caracter estritamente confidencial da decisão de despedimento e do relatório de fim de estágio.

No que se refere, por outro lado, à pretensa situação injusta de insegurança, criada pelo prolongamento do estágio, a Comissão sublinha que o recorrente aceitou voluntariamente esse prolongamento e que, portanto, se existe prejuízo, deve-se à sua própria atitude.

U. Everling

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Terceira Secção)

2 de Outubro de 1986 ( *1 )

No processo 75/85,

V. R., ex-funcionário estagiário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Roma, via Salaria 237 A, patrocinado pelos advogados Guido Napoletano e Giulio Ippolito, do foro de Roma, com domicílio escolhido no escritório da advogada Blanche Moutrier, 16, avenue de la Porte-Neuve, no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Guido Berardis, membro do seu Serviço Jurídico, com domicílio escolhido no gabinete de Georges Kremlis, membro do mesmo serviço, edifício Jean Monnet, Kirchberg, Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto a anulação de uma decisão de despedimento, bem como a concessão de uma indemnização por perdas e danos,

O TRIBUNAL (Terceira Secção),

constituído pelos Srs. U. Everling, presidente de secção, Y. Galmot e J. C. Mortinho de Almeida, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: H. A. Rühl, administrador principal

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 13 de Março de 1986,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 29 de Maio de 1986,

profere o presente

ACÓRDÃO

1

Mediante requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1985, V. R., ex-funcionário estagiário da Comissão das Comunidades Europeias, interpôs um recurso que visa essencialmente, por um lado, a anulação da decisão da Comissão de 19 de Julho de 1984, pela qual esta o despediu no final do período de estágio, bem como da decisão proferida sobre a reclamação e de todos os actos preparatórios, e, por outro lado, a concessão de uma indemnização por prejuízos materiais e morais.

2

O recorrente, titular de uma licenciatura em física e especializado em estatística, foi aprovado no concurso geral COM/A/313, organizado pela Comissão com vista à constituição de uma reserva de administradores dos graus A 7 e A 6. O aviso de concurso especificava que as funções a desempenhar consistiam na «realização, com base em directivas gerais, de tarefas de concepção, de estudo ou de controlo que interessam à actividade das Comunidades no domínio económico». O recorrente tinha escolhido no seu formulário de candidatura, entre as várias opções possíveis, as opções «econometria e estatística» e «macroeconomia, incluindo política monetária e fiscal».

3

Pelo aviso de vaga COM/305/82, a Comissão declarou vago um lugar de administrador do grau A 7/6, no Serviço Especializado «Empréstimos Comunitários: Desenvolvimento dos Instrumentos Financeiros». Em 2 de Agosto de 1983, V. R. foi nomeado, com efeitos a contar de 15 de Julho de 1983, funcionário estagiário do grau A 6 desse serviço. Todavia, dado que a administração decidira, em 1 de Agosto de 1983, transferir o lugar em causa, com efeitos também a partir de 15 de Julho de 1983, para a Divisão «Projecções a Médio Prazo», o recorrente começou efectivamente o seu estágio nesta divisão.

4

Em 21 de Março de 1984, o seu superior hierárquico competente apresentou o relatório de estágio, previsto no artigo 34.°, n.° 2, do estatuto dos funcionários, no qual indicava, em síntese, que V. R. não possuía a aptidão necessária para a execução das tarefas correspondentes às suas funções. Esta apreciação era explicitada no sentido de que V. R. «possui, sem qualquer dúvida, elevadas qualificações em estatísticas matemáticas e em técnica de análise de dados», mas «os seus conhecimentos de macroeconomia são mais limitados e a sua capacidade para redigir relatórios revela-se insuficiente». O relatório prosseguia, mencionando que «as capacidades de V. R. não lhe permitiriam inserir-se de maneira satisfatória no quadro das actividades essenciais da direcção-geral, a saber, estudos de política económica e respectivos relatórios escritos». O superior hierárquico recomendou, por isso, o despedimento do recorrente no final do período de estágio.

5

Em consequência disso, o director-geral do pessoal e da administração fez saber ao recorrente, por nota datada de 18 de Abril de 1984, que, tendo em conta o relatório final do estágio, deveria decidir-se pelo seu despedimento, mas que a administração, todavia, estava disposta a dar-lhe uma oportunidade suplementar de provar as suas capacidades profissionais, confiando-lhe, sob o controlo de dois orientadores, «uma análise comparada de natureza estatística», a realizar durante um período suplementar de três meses. Tendo o recorrente dado o seu acordo a esta proposta, a descrição do estudo pedido foi-lhe comunicada por carta da administração de 25 de Abril seguinte.

6

Em 10 de Julho de 1984, os referidos orientadores apresentaram os seus comentários sobre o estudo efectuado. Reconheceram, por um lado, que V. R. possuía os conhecimentos teóricos necessários para efectuar este tipo de estudo e que tinha tentado propor soluções para o problema colocado. Mas, por outro lado, assinalaram que o estudo demonstrava uma «falta de espírito de síntese que se traduz na dificuldade em distinguir o essencial do acessório», assim como «uma falta de perspectiva que o impede de reconhecer, por detrás das estatísticas, o significado econômico dos fenómenos observados» e, também, «um emprego excessivo de uma linguagem científica pouco compreensível». Tendo em conta estes elementos, os orientadores concluíram que o estudo «não permite tirar as conclusões operacionais que um utilizador poderia esperar».

7

Por decisão de 19 de Julho de 1984, a AIPN despediu o recorrente, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 1984, após ter tomado em consideração, tanto as apreciações feitas sobre a sua aptidão e rendimento no relatório de fim de estágio, como as emitidas sobre o seu estudo no fim do período suplementar de estágio. Destas apreciações resulta que V. R. «não demonstrou qualidades profissionais suficientes para ser titularizado no grau correspondente ao seu lugar».

8

Após ter apresentado uma reclamação, ao abrigo do artigo 90.°, n.° ,2, do estatuto, indeferida por decisão da Comissão de 13 de Dezembro de 1984, V. R. interpôs o presente recurso.

Quanto ao pedido de anulação da decisão de despedimento

9

No que diz respeito ao pedido de anulação da decisão de despedimento, bem como dos actos preparatórios e confirmativos dessa decisão, os fundamentos aduzidos pelo recorrente abrangem substancialmente, para efeitos de análise, três tipos de acusações, a saber: irregularidades relativas à fundamentação dos actos impugnados, violação do artigo 4.° do estatuto e do princípio da não discriminação e, ainda, violação do artigo 34.° do estatuto.

10

Em primeiro lugar, o recorrente alega que a fundamentação dos actos atacados é contraditória e está viciada por erro manifesto. Sustenta que o relatório de fim de estágio, de 21 de Março de 1984, omitiu a especificação dos conhecimentos de que o recorrente seria insuficientemente dotado. Quanto à fundamentação do relatório de 10 de Julho de 1984, pelo seu lado, seria contraditória na parte em que censura ao recorrente uma falta de espírito de síntese, uma vez que a tarefa que lhe fora confiada consistia em realizar uma análise e não uma síntese do problema posto. Este último relatório salienta ainda, erradamente, um emprego excessivo de linguagem científica na redacção do estudo pedido. Em apoio destas afirmações, o recorrente apresentou duas avaliações do seu estudo, elaboradas por professores universitários. Pede ainda que o Tribunal ordene, se for caso disso, uma peritgem sobre a qualidade científica deste estudo.

11

A Comissão começa por observar que a administração deve fazer uma apreciação global da aptidão do funcionário estagiário para desempenhar uma determinada função. Contesta, em seguida, a existência de uma contradição entre as apreciações contidas no relatório de 10 de Julho de 1984 e aquilo que a administração teria encarregado o recorrente de efectuar, uma vez que seria inconcebível, tendo em conta as tarefas do serviço, fazer uma análise sem chegar a conclusões concretas. Por fim, a Comissão afirma que a inaptidão do recorrente para trabalhar numa administração é confirmada pela sua incapacidade para se exprimir de modo apropriado. Precisa, neste aspecto, que se trata de apreciar, não somente a qualidade científica do trabalho efectuado, mas também a sua eficácia no quadro de urna administração pública.

12

Há que lembrar, em primeiro lugar, que, nos termos do segundo parágrafo do artigo 25.° do estatuto, «qualquer decisão que afecte interesses do funcionário deve ser fundamentada». Segundo jurisprudencia constante, a exigencia de fundamentação visa permitir ao Tribunal o controlo da legalidade do acto e fornecer ao interessado as indicações necessárias para saber se este é ou não fundado. Tratando-se, mais especificamente, de uma decisão de não titularização de um funcionário estagiário, a fundamentação deve revelar as considerações essenciais que levaram a instituição a concluir que as qualidades e o comportamento do estagiário não justificavam a sua titularização.

13

No caso concreto, os considerandos da decisão de 19 de Julho de 1984, em conjugação com as apreciações feitas sobre as qualidades profissionais do recorrente nos relatórios da administração datados de 21 de Março e de 10 de Julho de 1984, a que se referem aqueles considerandos, revelam que a Comissão se fundamentou num conjunto de elementos relativos, quer à aptidão do interessado para desempenhar convenientemente as suas funções, quer à qualidade do seu trabalho. A sua análise revela que as insuficiências apontadas dizem respeito, por um lado, aos conhecimentos do interessado e, por outro lado, à sua aptidão para redigir relatórios. Os actos impugnados indicam, portanto, com clareza e precisão suficientes, as razões pelas quais a Comissão julgou que a titularização do recorrente não era do interesse do serviço.

14

Contrariamente ao que afirma o recorrente, esta fundamentação não evidencia qualquer contradição ou erro de facto manifesto. Efectivamente, os dois relatórios, de 21 de Março e 10 de Julho de 1984, concordam no que diz respeito ao reconhecimento das altas qualificações do interessado no domínio das estatísticas, mas também atestam conhecimentos macroeconómicos limitados e, sobretudo, uma qualidade insuficiente dos trabalhos apresentados por escrito. Não pode, neste contexto, invocar-se o facto de o relatório de 10 de Julho de 1984 realçar uma falta de espírito de síntese, quando o estudo pedido consistia numa análise, uma vez que a análise e a síntese constituem os dois métodos complementares que permitem a solução do problema posto pelo estudo pedido, ou seja, o de extrair, de dados estatísticos, conclusões no plano económico.

15

O julgamento do mérito dos funcionários depende exclusivamente do poder de apreciação da administração. Não pode, por isso, ser invalidado por pareceres de peritos destinados a demonstrar a qualidade científica do estudo em causa. Por conseguinte, o Tribunal não deve tomar em consideração os pareceres apresentados, para esse efeito, pelo recorrente, nem ordenar qualquer peritagem sobre o mesmo estudo.

16

Dado que o recorrente não demonstrou que a fundamentação dos actos atacados era contraditória ou que padecia de erro manifesto, este argumento deve ser desatendido.

17

Em segundo lugar, o recorrente alega que a sua afectação à Divisão «Projecções a Médio Prazo» violou o segundo parágrafo do artigo 4.° do estatuto, pois o lugar em causa não teria sido objecto do aviso de vaga prescrito por esta disposição. Com efeito, o aviso de vaga COM/305/82 destinava-se a um posto de administrador do Serviço Especializado «Empréstimos Comunitários: Desenvolvimento dos Instrumentos Financeiros». O recorrente deveria, portanto, ter sido nomeado para este serviço. V. R. sustenta, além disso, que a modificação da sua colocação viola o princípio da não discriminação, uma vez que, devido a esse facto, teria efectuado o seu estágio num lugar menos compatível com as suas capacidades.

18

A este respeito, convém notar, como sublinhou a Comissão, que o artigo 4.° do estatuto se refere à publicação interna dos avisos de lugares vagos. Esta disposição deve ser lida em conjugação com o artigo 29.°, n.° 1, do estatuto, que determina a ordem pela qual a instituição deve considerar as diversas possibilidades de provimento dos lugares vagos, dando para esse efeito ao pessoal das Comunidades a prioridade sobre os candidatos externos. Dado que a mencionada disposição do estatuto tem por objectivo assegurar a protecção dos interesses do pessoal da instituição, resulta que os candidatos externos, como o recorrente, não podem prevalecer-se da sua eventual violação.

19

Do mesmo modo, a acusação dirigida à Comissão, de ter atribuído ao recorrente um lugar não conforme com as suas capacidades, em violação do princípio da igualdade, não pode proceder, uma vez que não está provado que as funções que o recorrente foi chamado a exercer não correspondiam à descrição das funções contida no aviso de concurso COM/A/313, pelo qual fora recrutado. É certo, efectivamente, que tanto o campo de actividade da divisão à qual o interessado estava afecto («Projecções a Médio Prazo»), como, mais concretamente, o tema do estudo estatístico a realizar durante o período suplementar de estágio, estavam abrangidos, pelo menos, por uma das opções oferecidas pelo aviso de concurso em causa e escolhidas pelo recorrente no seu acto de candidatura, concretamente a opção «economia e estatística».

20

Por conseguinte, o fundamento baseado na violação do segundo parágrafo do artigo 4.° do estatuto e do princípio da não discriminação deve igualmente ser desatendido.

21

Em terceiro lugar, o recorrente alega uma violação do artigo 34.°, n.° 1, do estatuto, que fixa em nove meses o período do estágio para os funcionários da categoria A. Este período estatutário não poderia ser objecto de qualquer prolongamento, mesmo efectuado com o acordo do interessado, a não ser numa das hipóteses taxativamente enumeradas nesta disposição, o que não acontece no caso concreto.

22

A Comissão replica que o prolongamento do estágio foi decidido no interesse e com o acordo do recorrente que, de outro modo, deveria ter sido despedido no fim do período de nove meses, com base no relatório de 21 de Março de 1984. O estatuto não impede que a administração adopte, por razões de equidade, uma atitude mais favorável para com os funcionários.

23

Convém lembrar a este respeito, tal como decorre das considerações precedentes, que as insuficiências de competência e de rendimento do recorrente, postas em evidência no relatório de fim de estágio de 21 de Março de 1984, eram tais que justificavam a não titularização do interessado no final do período estatutário de estágio. A decisão, tomada com o seu consentimento, de prolongar o estágio, em derrogação do artigo 34.°, n.° 1, do estatuto, foi em seu favor, a fim de lhe dar uma possibilidade suplementar de provar as suas capacidades profissionais, que não demonstrara de maneira satisfatória durante o período estatutário.

24

Nestas condições, o recorrente não pode prevalecer-se de uma eventual irregularidade consistente na tomada da decisão em causa, desde logo porque esta lhe conferiu uma vantagem que ele, livremente, aceitou. O argumento fundado na violação do artigo 34.°, n.° 1, do estatuto, deve ser também desatendido.

25

Por estas razões, deve negar-se provimento ao primeiro pedido do recurso.

Quanto ao pedido de modificação da fundamentação da decisão de despedimento

26

Não tendo obtido provimento o pedido principal, cujo objecto era a anulação dos actos impugnados, cabe examinar o pedido subsidiário, de que a fundamentação destes actos seja modificada num sentido não difamatório. Com este pedido o recorrente procura, em substância, que se proíba a Comissão de afirmar que lhe faltavam as qualidades profissionais requeridas para poder ser titularizado.

27

Sobre isto, há que observar que toda a decisão de não titularização de um funcionário, no final do estágio, comporta necessariamente apreciações que salientam a falta das qualidades exigidas para o exercício das funções em causa. Não pode proibir-se a instituição de fazer tais apreciações na fundamentação de uma decisão deste tipo.

28

Portanto, há que desatender igualmente este pedido.

Quanto ao pedido de indemnização por perdas e danos

29

No que diz respeito ao pedido de concessão de uma indemnização por prejuízos morais e materiais, o recorrente afirma, por um lado, que as apreciações feitas pela administração sobre as suas qualidades profissionais são susceptíveis de causar prejuízo à sua reputação e, por outro lado, que o atraso na definição da sua situação profissional, resultante do prolongamento do estágio, o deixou numa situação de incerteza, impedindo-o de encontrar outro emprego.

30

Quanto a isto, basta lembrar que o recorrente não conseguiu demonstrar que os actos da Comissão eventualmente susceptíveis de lhe causar prejuízo — nomeadamente, a decisão de 18 de Abril de 1984, que prolongou o período de estágio, e a decisão de despedimento de 19 de Julho de 1984 — enfermassem de uma ilegalidade de que o recorrente se pudesse prevalecer.

31

Consequentemente, este pedido deve igualmente ser desatendido.

Quanto às despesas

32

Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada no pagamento das despesas do processo, se assim tiver sido requerido. Todavia, nos termos do artigo 70.° do Regulamento Processual, ficam a cargo das instituições as despesas em que estas incorram, nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Terceira Secção)

decide:

 

1)

O recurso é indeferido.

 

2)

Cada parte suportará as suas próprias despesas.

 

Everling

Galmot

Moitinho de Almeida

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 2 de Outubro de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente da Terceira Secção

U. Everling


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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