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Document 61985CJ0053

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 24 de Junho de 1986.
    AKZO Chemie BV e AKZO Chemie UK Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Decisão de comunicar documentos a um terceiro queixoso - Anulação.
    Processo 53/85.

    Colectânea de Jurisprudência 1986 -01965

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:256

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Quinta Secção)

    24 de Junho de 1986 ( *1 )

    No processo 53/85,

    AKZO Chemie BV, com sede social em Amersfoort,

    AKZO Chemie UK Ltd, com sede social em Walton-on-Thames, Surrey,

    ambas patrocinadas pelos advogados Ivo Van Bael e Jean-François Bellis, do foro de Bruxelas, que escolheram como domicílio o escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 15, Côte d'Eich, BP 425, Luxemburgo,

    recorrentes,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico A. McClellan, assistido por F. Gronâman, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, que escolheu como domicílio o de G. Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, edifício Jean Monnet, Kirchberg, Luxemburgo,

    recorrida,

    apoiada por

    Engineering & Chemical Supplies (Epsom & Gloucester) Ltd, com sede social em Upper Mills Estate, Stonehouse, Gloucestershire, patrocinada por Cristopher Bellamy e Stephen Morris, Barristers, e por Anthony Rose, Solicitor, do escritório de advogados Charles Russel & Co., Londres, que escolheu como domicílio o do advogado Lambert H. Dupong, escritório Dupong & Konsbruck, BP 472, 14 A, rue des Bains, Luxemburgo,

    parte interveniente,

    que tem como objecto a anulação da decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 14 de Dezembro de 1984, relativa à comunicação a um terceiro de documentos cujo carácter confidencial tenha sido invocado,

    O TRIBUNAL (Quinta Secção),

    constituído pelos Srs. U. Everling, presidente de secção, R. Joliét, O. Due, Y. Galmot e C. Kakouris, juízes,

    advogado-geral : C. O. Lenz

    secretário: D. Louterman, administradora

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 22 de Janeiro de 1986,

    profere o presente

    ACÓRDÃO

    (A parte relativa aos factos não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal em 22 de Fevereiro de 1985, a AKZO Chemie BV e a AKZO Chemie UK Ltd, com sede social, respectivamente, em Amersfoort (Países Baixos) e Walton-on-Thames (Reino Unido), interpuseram um recurso ao abrigo do artigo 173.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, com vista à anulação da decisão da Comissão de 18 de Dezembro de 1984 de comunicar a um terceiro queixoso documentos que se revestiriam de carácter confidencial.

    2

    A AKZO Chemie BV e a AKZO Chemie UK Ltd pertencem ao grupo AKZO, que é, dentro da Comunidade, o mais importante fornecedor de peróxido de benzol, produto químico simultaneamente utilizado no fabrico de plásticos e no branqueamento de farinhas. Este produto é igualmente fabricado por uma pequena empresa, a Engineering and Chemical Supplies (a seguir designada «ECS»), com sede em Stonehouse (Reino Unido).

    3

    A AKZO teria ameaçado a ECS de a eliminar do mercado de aditivos para a farinha, através de uma política selectiva de preços anormalmente baixos, se a ECS alargasse as suas actividades ao mercado dos peróxidos orgânicos para a indústria de plásticos, e teria posto em prática essa ameaça. Em 15 de Junho de 1982, a ECS apresentou uma queixa junto da Comissão por violação do artigo 86.° do Tratado CEE. Na sequência desta queixa, os funcionários da Comissão efectuaram, em Dezembro de 1982, uma inspecção aos escritórios da AKZO Chemie BV e da AKZO Chemie UK Ltd, em cumprimento do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17. Nessa ocasião, os funcionarios obtiveram diversos documentos pertencentes à AKZO.

    4

    Em 10 de Outubro de 1983, a ECS intentou junto da High Court of Justice uma acção de indemnização por perdas e danos contra a AKZO devido às práticas acima descritas. A High Court, todavia, decidiu suspender a instância, esperando a decisão da Comissão.

    5

    Em 3 de Setembro de 1984, a Comissão dirigiu uma comunicação de infracções à AKZO, na qual lhe imputava uma violação do artigo 86.° do Tratado por ter ameaçado a ECS de vender o peróxido de benzol utilizado no branqueamento de farinhas à clientela da ECS a preços anormalmente baixos e discriminatórios e por ter posto em prática essa ameaça. Esta comunicação de infracções era acompanhada de 127 anexos.

    6

    Uma cópia da comunicação de infracções da lista dos anexos referidos foi enviada à ECS. A carta que a acompanhava esclarecia que a ECS podia pedir que lhe fosse facultado o acesso a esses anexos se o considerasse necessário para apresentar as suas observações. A Comissão acrescentava que, em caso de comunicação, a ECS apenas poderia fazer uso dos anexos para os fins do processo.

    7

    A AKZO pronunciou-se sobre as acusações formuladas pela Comissão em memorandos de 22 de Outubro e de 16 de Novembro de 1984. A Comissão comunicou estes memorandos à ECS, sem disso dar conhecimento à AKZO.

    8

    Por carta de 19 de Setembro de 1984, a ECS requereu que lhe fosse facultado o acesso aos anexos com vista a poder exercer plenamente o direito de ser ouvida durante o processo administrativo previsto no artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

    9

    Por carta de 29 de Novembro de 1984, a Comissão informou a AK20 do pedido da ECS. Sublinhou que não divulgaria os documentos abrangidos pelo segredo comercial, com excepção daqueles que constituíssem prova da violação do artigo 86.° do Tratado praticada no caso em apreço. Na carta concedia-se um prazo de dez dias à AKZO para se pronunciar sobre o pedido da ECS. Dessa carta resultava igualmente, de forma indirecta, que a ECS tivera acesso aos memorandos da AKZO.

    10

    Por carta de 7 de Dezembro de 1984, a AKZO deu a conhecer à Comissão a sua reacção. Sublinhou em primeiro lugar que seria prematuro, no estado em que se encontrava o processo, falar em prova directa de uma violação do artigo 86.° do Tratado. Manifestou igualmente a sua admiração pelo facto de a Comissão ter comunicado os seus memorandos à ECS. Finalmente, ofereceu-se para elaborar resumos dos anexos ou, em qualquer caso, de apenas comunicar esses anexos ocultando algumas passagens confidenciais, e forneceu uma lista dos documentos que, em qualquer circunstância, deveriam ser considerados confidenciais.

    11

    Em 14 de Dezembro de 1984, a Comissão transmitiu à ECS alguns anexos à comunicação das infracções, apenas tendo informado disso a AKZO por carta de 18 de Dezembro. Nessa carta sublinhava que era de sua competência decidir sobre o carácter confidencial dos documentos. Afirmava que tinha tomado em consideração a lista organizada pela AKZO, exceptuando alguns casos, para os quais dava uma curta explicação.

    12

    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal em 22 de Fevereiro de 1985, a AKZO interpôs um recurso de anulação da decisão da Comissão de transmitir alguns documentos confidenciais à ECS. No recurso pede-se igualmente que o Tribunal ordene à Comissão que exija à ECS a restituição dos documentos transmitidos.

    13

    Por resolução de 10 de Julho de 1985, o Tribunal autorizou a intervenção da ECS em apoio das conclusões da Comissão.

    Quanto à admissibilidade do recurso

    14

    A Comissão e a parte interveniente alegam que o recurso é inadmissível. Por um lado, a comunicação dos documentos à ECS constituiria um simples acto material que em nada modificaria a situação jurídica da recorrente e que, portanto, apenas justificaria uma acção de indemnização com base no artigo 215.° do Tratado. Por outro lado, o acto em questão ter-se-ia destinado a permitir à Comissão uma melhor instrução do processo e não se teria, assim, revestido do caracter de acto preparatório.

    15

    A recorrente, pelo contrário, considera que o recurso é admissível. O acto impugnado teria efeitos jurídicos, na medida em que implica uma recusa de conceder aos documentos comunicados o tratamento confidencial garantido pelo Tratado e pelo Regulamento n.° 17. Além disso, afectaria os seus interesses, ao dar à ECS a possibilidade de fazer uso desses documentos para efeitos do processo perante o tribunal britânico. Finalmente, poria termo a um processo especial e teria caracter definitivo, o que o tornaria passível de recurso de anulação.

    16

    Convém averiguar se, como foi exigido pelo Tribunal no acórdão de 11 de Novembro de 1981 (International Business Machines Corporation/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639), o acto impugnado constitui uma medida que produz efeitos jurídicos e é de molde a modificar de forma nítida a situação jurídica do recorrente e a afectar, dessa forma, os seus interesses.

    17

    A este propósito, a comunicação dos documentos ao terceiro queixoso é, na verdade, em si, um acto material. Todavia, esse acto é apenas a execução de uma decisão anterior através da qual a Comissão decidiu duas questões, como o prova a leitura da carta de 18 de Dezembro de 1984. Por outro lado, decidiu que a comunicação era necessária à instrução do processo e ao pleno exercício do direito do queixoso a ser ouvido e, por outro, que os documentos em questão não pertencem ao número dos que beneficiam da garantia de tratamento confidencial assegurada pelo direito comunitário.

    18

    Esta decisão produziu efeitos jurídicos relativamente à recorrente na medida em que lhe recusou o benefício de uma protecção prevista pelo direito comunitário.

    19

    Há que determinar se esta decisão alterou de maneira sensível a situação jurídica da recorrente ou se constituiu uma simples medida preparatória contra cuja ilegalidade o recurso da decisão final do processo asseguraria uma protecção suficiente.

    20

    Não há dúvida de que a transmissão dos documentos se destinava a facilitar a instrução do processo. Todavia, o acto impugnado, como resulta do que antecede, é a decisão da Comissão de não considerar os documentos em questão abrangidos pelo tratamento confidencial garantido pelo direito comunitário, podendo, portanto, ser comunicados. Este acto reveste-se de carácter definitivo e é independente de qualquer decisão acerca da existência de uma violação do artigo 86.° do Tratado. A possibilidade de que dispõe a empresa de interpor recurso contra uma decisão final que declare que as regras de concorrência foram infringidas não é de molde a conceder-lhe uma protecção adequada dos seus direitos nesta matéria. Por um lado, o processo administrativo pode não conduzir a uma decisão que declare a existência de uma infracção. Por outro, o recurso contra esta decisão, caso seja interposto, não concede, de qualquer forma, à empresa um meio de prevenção contra os efeitos irreversíveis que seriam provocados por uma comunicação irregular de alguns dos seus documentos.

    21

    O interesse da sociedade em contestar a decisão impugnada não pode ser negado como fundamento de que, no caso em discussão, essa decisão já tinha sido executada no momento da interposição do recurso. Com efeito, a anulação de tal decisão pode, por si própria, ter consequências jurídicas, particularmente no sentido de evitar a repetição desse tipo de práticas por parte da Comissão e de tornar ilegal a utilização pela ECS dos documentos irregularmente comunicados.

    22

    De tudo quanto antecede, resulta que as conclusões do recurso de anulação da decisão impugnada são admissíveis.

    23

    Pelo contrário, as conclusões que apontam para que o Tribunal ordene à Comissão que exija à ECS a restituição dos documentos comunicados devem ser consideradas inadmissíveis, uma vez que o Tribunal não tem competência para dar ordens nesse sentido no âmbito de um controlo da legalidade baseado no artigo 173.° do Tratado. Nos termos do artigo 176.° do Tratado, cabe à instituição de que emana o acto anulado tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal.

    Quanto ao mérito do recurso

    24

    A recorrente apresenta três argumentos em apoio do seu recurso. Em primeiro lugar, ao comunicar à ECS documentos, que eram todos, em algum aspecto, confidenciais, a Comissão teria violado a sua obrigação de não divulgar informações abrangidas pelo segredo profissional ou pelo segredo comercial. Em segundo lugar, ao comunicar à ECS documentos de que esta podia fazer uso no processo perante o tribunal britânico, a Comissão teria ignorado o artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, que prevê que as informações obtidas pela Comissão no uso dos seus poderes de instrução só podem ser utilizadas para os fins para que tenham sido pedidas. Finalmente, a Comissão teria violado o artigo 185.° do Tratado, na medida em que, ao executar a sua decisão antes de a comunicar à recorrente, teria privado esta da possibilidade de, ao mesmo tempo que interpôs o recurso, apresentar um pedido de suspensão da execução.

    25

    A Comissão, com cuja argumentação a interveniente concorda no essencial, considera em primeiro lugar que os documentos que permitem determinar a existência de uma infracção ao artigo 86.° do Tratado — como aconteceria com os que, no caso sub judice, foram comunicados — não têm qualquer carácter confidencial. Sublinha em seguida que a ECS apenas teve acesso aos documentos sob reserva expressa de não os utilizar para outros fins além dos do processo perante a Comissão. Finalmente, nega qualquer violação do artigo 185.° do Tratado, uma vez que não tomou qualquer decisão passível de recurso de anulação.

    26

    Convém, antes de tudo, recordar que o artigo 214.° do Tratado impõe aos funcionários e agentes das instituições a obrigação de não divulgar as informações que se encontrem em seu poder e que estejam abrangidas pelo segredo profissional. O artigo 20.° do Regulamento n.° 17, que executa aquela norma no âmbito das regras aplicáveis às empresas, dispõe especialmente no seu n.° 2 que, «sem prejuízo do disposto nos artigos 19.° e 21.°, a Comissão e as autoridades competentes dos Estados-membros, bem como os seus funcionários e outros agentes, são obrigados a não divulgar as informações obtidas nos termos do presente regulamento e que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional».

    27

    As disposições dos artigos 19.° e 20.°, cuja aplicação é, assim, reservada, são as que regem, respectivamente, as obrigações da Comissão em matéria de audições e de publicação de decisões. Daí resulta que a obrigação de segredo profissional enunciada no artigo 20.°, n.° 2, é atenuada relativamente aos terceiros a que o artigo 19.°, n.° 2, concede o direito a serem ouvidos, isto é, sobretudo relativamente ao terceiro queixoso. A Comissão pode comunicar a este algumas informações abrangidas pelo segredo profissional, desde que tal comunicação seja necessária para a boa marcha da instrução.

    28

    Todavia, esta faculdade não é válida para todo o tipo de documentos que, pela sua natureza, sejam abrangidos pelo segredo profissional. O artigo 19.°, n.° 3, que prevê a publicação de comunicações antes da concessão de certidões negativas ou de isenções, e o artigo 21.°, que prevê a publicação de certas decisões, impõem ambos à Comissão a obrigação de tomar em consideração o legítimo interesse das empresas na não divulgação dos seus segredos comerciais. Assim, é garantida uma protecção especial do segredo comercial. Estas disposições, mesmo referindo-se a situações particulares, devem ser entendidas como a expressão de um princípio geral que se aplica no decurso do processo administrativo. Daqui resulta que não podem, em nenhum caso, ser comunicados ao terceiro queixoso documentos que contenham segredos comerciais. Qualquer outra solução conduziria ao resultado inadmissível de uma empresa poder ser incitada a apresentar queixa junto da Comissão com o único objectivo de ter acesso aos segredos comerciais dos concorrentes.

    29

    E indiscutível que é à Comissão que cabe apreciar se um determinado documento contém ou não segredos comerciais. Depois de ter dado à empresa a possibilidade de apresentar a sua opinião, cabe à Comissão tomar, a este propósito, uma decisão devidamente fundamentada que deve ser dada a conhecer à empresa. Considerando o prejuízo extremamente grave que poderia resultar da comunicação irregular de documentos a um concorrente, a Comissão, antes de executar a sua decisão, deve dar à empresa a possibilidade de recorrer ao Tribunal com vista a controlar as apreciações feitas e impedir que se proceda à comunicação.

    30

    No caso em apreço, a Comissão deu à empresa a oportunidade de manifestar a sua posição e tomou uma decisão devidamente fundamentada acerca do caracter confidencial dos documentos em causa e da possibilidade de os comunicar. Em contrapartida, simultaneamente e por acto que não se pode dissociar da decisão, a Comissão decidiu entregar os documentos ao terceiro queixoso, antes mesmo de dar a conhecer as suas conclusões à empresa interessada. Colocou esta, assim, na impossibilidadede utilizar as vias de recurso que são concedidas pelas disposições conjugadas dos artigos 173.° e 185.° do Tratado para impedir a execução de uma decisão impugnada.

    31

    Nestas circunstâncias, a decisão que a Comissão notificou à recorrente por carta de 18 de Dezembro de 1984 deve ser anulada, sem que seja necessário verificar se os documentos comunicados continham, efectivamente, segredos comerciais.

    Quanto às despesas

    32

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus argumentos, deve ser condenada nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL (Quinta Secção)

    decide:

     

    1)

    É anulada a decisão que a Comissão notificou à recorrente por carta de 18 de Dezembro de 1984.

     

    2)

    Na parte restante, o recurso é indeferido.

     

    3)

    A Comissão é condenada nas despesas.

     

    Everling

    Joliét

    Due

    Galmot

    Kakouris

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 24 de Junho de 1986.

    O secretário

    P. Heim

    O presidente da Quinta Secção

    U. Everling


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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