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Document 61985CC0072

    Conclusões do advogado-geral Mancini apresentadas em 3 de Dezembro de 1985.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino dos Países Baixos.
    Incumprimento por parte do Estado - Transferência do direito a pensão dos funcionários para as Comunidades.
    Processo 72/85.

    Colectânea de Jurisprudência 1986 -01219

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1985:482

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    G. FEDERICO MANCINI

    apresentadas em 3 de Dezembro de 1985 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    Nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE, a Comissão das Comunidades Europeias formula um pedido no sentido de que seja declarado que o Reino dos Países Baixos não adoptou as medidas necessárias para assegurar a aplicação do n.o 2 do artigo 11.o do anexo VIII do estatuto dos funcionários e faltou, por isso, às obrigações que lhe incumbem por força das disposições do Tratado e do Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.o 259/68 do Conselho, de 29 de Fevereiro de 1968, que fixa esse estatuto (JO 1968, L 56, p. 1; EE 01, fase. Ol, p. 129). A mencionada disposição permite aos funcionários das Comunidades que, antes da entrada ao serviço, tenham exercido uma actividade laboral numa administração nacional ou internacional ou numa empresa, fazer a transferência, mediante pagamento à Comunidade, do equivalente actuarial dos direitos à pensão de aposentação que tenham adquirido na dependência da anterior entidade empregadora, ou o montante fixo de resgate que lhe for devido pela caixa de pensões da entidade empregadora à data de cessação de funções.

    2. 

    Por volta dos fins de 1977, a Comissão verificou que a Bélgica e os Países Baixos não tinham ainda adoptado medidas adequadas para permitir a transferência dos direitos em questão a favor dos funcionários que o requeressem. Decidiu, por isso, proceder contra os dois Estados. No que respeita à Bélgica, a acção, instaurada no Verão de 1979, terminou com o acórdão de 20 de Outubro de 1981 (processo 137/80, Recueil 1981, p. 2393), que declarou o incumprimento por parte do Estado requerido. No caso dos Países Baixos, o processo pré-contencioso, suspenso enquanto se aguardava aquele acórdão, foi retomado em 12 de Outubro de 1983, por intermédio de uma carta que convidava o Governo neerlandês a apresentar, à luz dos princípios afirmados pelo Tribunal, observações escritas sobre a sua permanente recusa em cumprir as obrigações previstas pelo estatuto dos funcionários. Em 21 de Novembro seguinte, o Governo informou a Comissão que a execução do n.o 2 do artigo 11.o implicava uma alteração do regime nacional sobre as pensões civis, que a modificação só era praticável através de uma lei em sentido formal e que a emanação desta última, aliás já em estado de projecto, exigiria cerca de dois anos.

    Não satisfeita com tal resposta e considerando, sobretudo, como inaceitável o prazo mencionado, a Comissão formulou, em 14 de Agosto de 1984, o parecer fundamentado prescrito, com o qual convidou os Países Baixos a adoptar dentro de dois meses as mencionadas medidas. Em 12 de Outubro, reconhecendo a existência das suas obrigações em relação às Comunidades, o Governo neerlandês respondeu mais uma vez que não podia aplicar imediatamente o princípio sancionado no acórdão de 20 de Outubro de 1981, em virtude do longo e moroso processo necessário para a elaboração de uma lei. Em 8 de Março de 1985, a Comissão recorreu ao Tribunal.

    3. 

    A interpretação da disposição comunitária que está na origem da controvérsia, bem como a natureza e o alcance das obrigações que ela impõe aos Estados-membros, está claramente ilustrada no acórdão de 1981. Considero, por isso, desnecessário voltar a este tema. Em todo o caso, é útil observar que a presente acção não põe em dúvida a possibilidade que os particulares têm de invocar directamente o n.o 2 do artigo 11.o, mas tem por objecto o comportamento adoptado pelo Estado-membro relativamente à sua execução. A Comissão recorda, efectivamente, que a norma tem natureza regulamentar (como se sabe, o estatuto dos funcionários foi adoptado pelo Conselho sob a forma de regulamento) e exige, a nível nacional, a adopção de medidas que ponham em prática os respectivos preceitos: por força do artigo 5.o do Tratado CEE, os Estados-membros estão, por isso, obrigados a levá-los à prática da forma mais conveniente. Por outro lado, é pacífico que o Estado não pode invocar dificuldades de ordem interna para justificar o incumprimento das suas obrigações comunitárias e/ou a inobservância dos respectivos termos.

    O Governo requerido não contesta estas afirmações, mas declara-se impotente para regular uma matéria abrangida por reserva de lei. Teria assegurado, de qualquer forma, o cumprimento das obrigações resultantes do n.o 2 do artigo 11.o, ao convidar o Algemeen Burgerlijk Pensioenfonds (ABP) a instruir, de acordo com os criterios previstos no referido projecto de lei, os pedidos de transferencia dos direitos à pensão apresentados por cidadãos neerlandeses ao serviço da Comunidade. «A direcção do organismo — esclarece-se — aceitou actuar em tal sentido e iniciou já o exame de alguns pedidos que tinham sido indeferidos anteriormente.»

    4. 

    São estes, e apenas estes, os termos do litígio. Não pretendo, de facto, saber se, no nosso caso, os Países Baixos têm, na verdade, como sempre declarou o seu Governo, de adoptar uma lei em sentido formal. Limito-me a recordar o acórdão de 1981, no qual o Tribunal afirmou que para o cumprimento da obrigação decorrente do n.o 2 do artigo 11.o«O Estado ... é obrigado a escolher e a tornar operantes os meios concretos que permitam o exercício da faculdade atribuída aos funcionários de transferência dos direitos adquiridos no âmbito nacional para o regime de pensões comunitário.» A falta de um «sistema de transferência traduzir-se-ia, efectivamente, na privação do funcionário da Comunidade da própria faculdade de escolha que lhe é atribuída pelo estatuto» (sublinhados meus).

    O problema de fundo consiste, portanto, no seguinte: os funcionários neerlandeses da Comunidade dispõem dos «meios concretos» referidos na decisão do Tribunal? O Governo requerido entende poder responder afirmativamente a esta questão da forma que acabei de referir. Mas — saliento — as instruções que o requerido deu ao ABP estão longe de constituir um sistema capaz de assegurar a transferência efectiva dos direitos à pensão em favor da Caixa Comunitária; pelo contrário — parece-me — representam um simples apelo aos deveres normais de qualquer administração pública, que é, obviamente, obrigada a examinar os pedidos apresentados por cidadãos com base num seu direito específico.

    Por outras palavras, as referidas instruções não obrigam a entidade destinatária a efectivar concretamente a transferência dos direitos, nem lhe fornecem critérios vinculativos de acordo com os quais ela deva proceder. Na verdade, o próprio Governo neerlandês reconheceu na audiência não poder dar instruções tão incisivas à direcção do ABP; e isto explica, com toda a evidência, por que razão até hoje não houve nenhuma transferência para efeitos do n.o 2 do artigo 11.o

    Em definitivo, pedia-se aos Países Baixos que adoptassem um sistema que tornasse operante a faculdade conferida pela norma estatutária aqui em causa; não o fizeram e é quanto basta para concluir que faltaram às suas obrigações comunitárias.

    5. 

    Por estas razões, proponho ao Tribunal que considere procedente a acção proposta em 8 de Março de 1985 pela Comissão das Comunidades Europeias contra o Reino dos Países Baixos e que declare que este Estado, ao omitir adoptar as disposições necessárias à execução do n.o 2 do artigo 11.o do anexo VIII do estatuto dos funcionários, faltou às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

    O requerido deve, por isso, ser condenado no pagamento das despesas do processo, nos termos do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual.


    ( *1 ) Tradução do italiano.

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