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Document 61985CC0045
Opinion of Mr Advocate General Darmon delivered on 20 November 1986. # Verband der Sachversicherer e.V. v Commission of the European Communities. # Competition - Recommendation concerning fire insurance premiums. # Case 45/85.
Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 20 de Novembro de 1986.
Verband der Sachversicherer e.V. contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Recomendação em matéria de prélios de seguro de incêndio.
Processo 45/85.
Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 20 de Novembro de 1986.
Verband der Sachversicherer e.V. contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Recomendação em matéria de prélios de seguro de incêndio.
Processo 45/85.
Colectânea de Jurisprudência 1987 -00405
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:436
Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 20 de Novembro de 1986. - VERBAND DER SACHVERSICHERER E. V. CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - RECOMENDACAO EM MATERIA DE PREMIOS DE SEGURO DE INCENDIO. - PROCESSO 45/85.
Colectânea da Jurisprudência 1987 página 00405
Edição especial sueca página 00009
Edição especial finlandesa página 00009
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Todo e qualquer contrato de seguro se baseia na promessa feita pelo segurador de garantir o segurado em caso de superveniência do sinistro a cuja cobertura procedeu através do pagamento antecipado de um prémio. Trata-se pois, para o segurado, de uma protecção antecipada contra um eventual prejuízo.
O objecto aleatório, próprio deste tipo de contrato, caracteriza a actividade das empresas de seguro. Tal especificidade reside, como demonstra o caso presente, na incerteza sobre a determinação do montante exacto do custo dos sinistros objecto de seguro. O segurador tem, a este respeito, de actuar em termos de previsão, em função da probabilidade de concretização do risco objecto de seguro e da extensão presumível do dano.
Compreende-se, nestas condições, a importância, mas também a dificuldade, sobretudo no caso de cobertura de sinistros mais importantes, de que se reveste o cálculo dos prémios que deverão permitir a criação de "reservas técnicas" cuja finalidade é a de facultar, na hipótese de concretização do risco, o pagamento integral dos compromissos assumidos pelas sociedades para com os segurados. É o que se chama princípio da proporcionalidade entre o prémio e o risco.
A finalidade deste tipo de contrato, bem como o papel socioeconómico desempenhado pelos seguros em relação à colectividade, impõe que se encontre constantemente garantida a execução de todo e qualquer contrato e que, consequentemente, todas as empresas de seguros sejam solventes. Estes dois princípios condutores conferem a natureza de ordem pública a qualquer regulamentação sobre esta matéria. E não podem deixar de reflectir-se nas normas comunitárias sobre concorrência aplicáveis a essas empresas, estando, aliás, na origem das disposições contidas nas directivas de coordenação adoptadas pelo Conselho, designadamente a Directiva 73/239, de 24 de Julho de 1973, "relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício" (JO L 228, p. 3; EE 06 F1 p. 143).
2. Tais características acentuam-se ainda quando, como no caso em análise, o seguro tem por objecto o risco industrial de incêndio e a eventual consequência de interrupção da exploração (adiante designado, este conjunto, "como seguro contra os riscos industriais de incêndio"). O exame do processo torna patentes essas características.
Este ramo de seguro frequentemente assume para o segurador um papel de atracção visto que, bastantes vezes, condiciona a escolha de uma companhia para a cobertura dos outros riscos. A especificidade deste tipo de seguro reside em diversos aspectos que explicam, designadamente, o facto de os respectivos contratos serem normalmente a curto prazo. Trata-se, com efeito, de garantir um sinistro importante, em que o carácter fortemente aleatório e o custo particularmente elevado da sua ocorrência obrigam o segurador a constituir reservas técnicas significativas que lhe permitam dispor de uma adequada margem de segurança. Cada contrato deve, além disso, ser individualizado em função dos dados próprios de cada empresa ou indústria a que respeita o seguro. Por fim, será objecto de ajustamentos sucessivos, em conexão com a rápida evolução dos riscos, ou seja, da sua frequência e da sua gravidade, em consequência das modificações tecnológicas.
É por isso que, neste domínio, o cálculo do valor dos prémios se encontra condicionado por factores suplementares de incerteza. Na realidade, um segurador isolado não está em condições, com base apenas na sua experiência, de calcular correctamente o prémio adequado. Terá pois de se encontrar um compromisso entre o jogo concorrencial e a imprescindível circulação dos elementos de previsão. Esta última informação será determinante para a política de gestão do risco prosseguida pelo segurador individual. Será ela que o conduzirá a recorrer, se for caso disso, a técnicas de repartição dos encargos do risco, designadamente quanto à cobertura dos sinistros importantes. Pelo recurso ao co-seguro, e sem que entre eles exista solidariedade, vários seguradores, cujo chefe de grupo - a empresa líder - fixa as condições de seguro e das tarifas, podem decidir cobrir por um só contrato um mesmo risco por um mesmo período, cobrando um prémio global. Como recorda o relatório para audiência, esse sistema é utilizado na República Federal da Alemanha em mais de metade dos contratos e de três quartos dos prémios. Mais generalizada ainda se encontra nesse país a prática do resseguro, pela qual o segurador directo se garante a si próprio transferindo para um ressegurador uma parte do risco que cobre.
3. Este é o contexto em que se insere o nosso processo. O ramo de seguro contra os riscos industriais de incêndio tem passado, na Alemanha, por períodos de desequilíbrio crónico, no decurso dos quais as receitas provenientes dos prémios não chegam para cobrir o montante das indemmnizações.
Assim, o período de 1973 a 1979 foi marcado por uma baixa do valor médio dos prémios, de 44%, no que respeita aos riscos industriais, e de cerca de 50%, quanto à interrupção de exploração. Os prémios cobrados a esse título não seriam, por si sós, suficientes para financiar o custo total do serviço de garantia aos segurados e os encargos de funcionamento das companhias.
Foi para obviar a este défice do ramo que a associação recorrente (Verband der Sachversicherer, adiante designada "VdS"), que reúne a totalidade dos seguradores de bens estabelecidos na República Federal da Alemanha, adoptou em 1980 uma "recomendação não obrigatória tendo por objectivo estabilizar e sanear" o ramo de seguro em questão. Essa recomendação, dirigida a todos os seus membros, preconiza um aumento dos prémios, escalonado entre 1 de Agosto de 1980 e 31 de Dezembro de 1982, em condições que se encontram particularizadas no relatório para audiência.
Por seu lado, os resseguradores alemães decidiram, dum modo geral, incluir em todos os contratos posteriores a 1 de Janeiro de 1981 uma "cláusula de cálculo dos prémios", nos termos da qual a falta de observação da referida recomendação seria equiparada a uma subtarifação, tendo por consequência reduzir proporcionalmente a garantia do ressegurador.
De acordo com as disposições do artigo 102.° da lei contra as restrições à concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschraenkungen, adiante designada "GWB"), que apenas proíbe, no sector de seguros, as medidas abusivas, aquela recomendação foi previamente notificada ao Instituto Federal de Controlo de Seguros e ao Instituto Federal de Controlo dos Acordos entre Empresas, sendo depois publicada no Boletim federal das comunicações oficiais. O Instituto de Controlo dos Acordos entre Empresas não levantou qualquer objecção quanto à sua conformidade com o artigo 102.° da GWB.
4. Por decisão de 5 de Dezembro de 1984, objecto do presente recurso de anulação, a Comissão considerou, diversamente, que a recomendação da VdS constituía uma infracção às disposições do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE, recusando a isenção pedida por aquela associação com base no n.° 3 do mesmo artigo.
O recurso interposto pela VdS, em apoio do qual interveio a Federação de seguros (Gesamtverband der Versicherungswirtschaft, adiante designada "interveniente"), destaca a contradição, atrás referida, entre as exigências genéricas decorrentes da livre concorrência e as específicas do sector dos seguros. A Comissão entende dever essa contradição encontrar solução no âmbito das normas comunitárias que regem a concorrência. A recorrente e a interveniente contestam dizendo, por um lado, não serem as regras sobre concorrência aplicáveis ao sector em causa, recusando, por outro, que, ainda que se admita a sua aplicabilidade, se possa qualificar a recomendação como um acordo, para os efeitos do n.° 1 do artigo 85.°, não admitindo, final e subsidiariamente, que a esse acordo, a considerar-se verificada a sua existência, possa ser recusado o benefício da isenção prevista no n.° 3.
I - Será o artigo 85.° CEE aplicável ao sector dos seguros?
5. Estando em causa o ramo de seguro de riscos industriais, a argumentação da recorrente e da interveniente funda-se no risco que pode representar para os segurados, os terceiros e a colectividade em geral, uma concorrência sem limites quanto aos prémios. Deixando de lado as consequências que daí retiram, não me parece, no essencial, contestável essa argumentação.
Já o dissemos, o montante desejável dos prémios é consequência de previsões quantificadas, sobre que incide um elevado coeficiente de incerteza. Logo, não pode deixar de ser considerada, em especial no ramo em causa, a hipótese de uma ruptura da necessária correspondência entre as receitas dos prémios e os custos dos sinistros.
Nenhum segurador se encontra ao abrigo de um erro de avaliação no cálculo dos prémios necessários. O presente caso revela que uma certa subavaliação pode também ser consequência de um propósito deliberado, existindo a tentação por parte do segurador de fixar os prémios a um nível atraente, de forma a conquistar, melhorar ou conservar uma posição concorrencial no mercado. Em tais casos, a empresa estaria a "jogar", de certa forma, não apenas com a improbabilidade dos sinistros, como também com a possibilidade de obter novas apólices e de tirar partido do rendimento das aplicações de capital. Esta situação ver-se-ia reforçada pela especificidade do ramo de riscos industriais, por cujo intermédio as empresas de seguros tentam criar e "tornar fiel" a sua clientela.
Existe, pois, o risco, e o caso presente é disso prova, de as empresas, guiando-se exclusivamente pelas regras da concorrência quanto aos prémios, manterem, com conhecimento de causa, uma situação de desequilíbrio no ramo em causa. Claro que a solvabilidade global de cada empresa se encontra sob controlo. É esse, precisamente, o objectivo da Directiva 73/239 e da legislação alemã que a executa e completa, designadamente quanto à segurança das aplicações de capital (artigo 54.° da Versicherungsaufsichtsgesetz, lei de controlo das empresas de seguros, adiante denominada "VAG").
Contudo, a superveniência, ainda que excepcional, de um risco importante, que não seja possível cobrir por reservas suficientes, imediatamente disponíveis, poderá pôr em causa o equilíbrio geral da empresa, conduzindo-a eventualmente à falência técnica. A este respeito, a autonomia entre os diferentes ramos surge como a melhor garantia de execução dos contratos de seguro. Parece, aliás, ser essa a ideia que está na base da citada directiva (sexto considerando, n.° 2 do artigo 7.° e artigo 14.°).
Por estas razões, a questão suscitada pelo presente processo incide, designadamente, sobre a determinação dos meios adequados para evitar a subavaliação do nível correcto dos prémios, que se adicionam aos meios de controlo já previstos na legislação nacional, de acordo com aquela directiva.
Em suma, ainda que seja admissível a premissa sobre que se fundam as duas associações, não nos é, porém, possível estar de acordo com elas quanto às consequências que daí retiram sobre a não aplicabilidade do artigo 85.° CEE, visto que a interpretação que, a este respeito, propõem das disposições da alínea c), do n.° 2 do artigo 87.° não encontra confirmação nem na letra nem na economia nem no espírito das normas constantes do Tratado em matéria de concorrência.
6. O artigo 87.° prevê que o Conselho, sob proposta da Comissão:
"1) ... adoptará todos os regulamentos e directivas adequadas, conducentes à aplicação dos princípios enunciados nos artigos 85.° e 86.°",
"2) ... designadamente:
c) definir, quando necessário, o âmbito de aplicação do disposto nos artigos 85.° e 86.°, relativamente aos diversos sectores económicos".
O sentido e alcance deste artigo devem ser apreciados em conexão com a sistemática geral do Tratado em matéria de concorrência.
É significativa a colocação do artigo 85.° no Tratado CEE. Insere-se na terceira parte, relativa à "política da Comunidade", integrando-se no seu título I, que contém "as regras comuns". Em ligação com o artigo 86.°, estabelece as regras de concorrência aplicáveis às empresas.
É sabido fundar-se a política comunitária sobre concorrência no princípio da proibição dos acordos entre empresas e da repressão dos abusos de posição dominante. O n.° 3 do artigo 85.° confere à Comissão, a quem se encontra confiada a tarefa de garantir o respeito pelas regras nesta matéria, a faculdade de flexibilizar a aplicação deste princípio nos casos em que, sem eliminar totalmente a concorrência, essa adequação se revele indispensável à consecução de determinados objectivos taxativamente enumerados.
O artigo 85.° corresponde assim a uma dupla intenção, por um lado,
" eliminar... os entraves à livre circulação de mercadorias no mercado comum e... reforçar e salvaguardar a unidade desse mercado",
e, por outro, facultar
" às autoridades comunitárias a prática de determinado tipo de actuação positiva, ainda que indirecta, visando promover um desenvolvimento harmonioso das actividades económicas no seio da Comunidade, nos termos do artigo 2.° do Tratado" (14/86, Wilhelm, Recueil 1969, p. 1, n.° 5).
Sendo certo que as regras comunitárias de concorrência desempenham um papel fundamental na concretização e desenvolvimento do mercado comum, é evidente que apenas por disposição expressa do Tratado CEE, necessariamente de interpretação restritiva, poderá ser feita excepção ao dispositivo essencial daquela forma concretizado.
O Tribunal considerou, no recente acórdão Asjes, de 30 de Abril de 1986, que,
"sempre que o Tratado entendeu subtrair determinadas actividades à aplicação das regras de concorrência, previu uma disposição expressa para esse efeito" , (processos apensos 209 a 213/84, Colect. 1986, p. 1415, n.° 40),
como é o caso do artigo 42.°, nos termos do qual aquelas regras apenas se aplicam às empresas agrícolas "na medida em que tal seja determinado pelo Conselho".
Não prevendo o Tratado nenhuma excepção expressa em matéria de seguros, as regras comunitárias sobre concorrência deverão, em princípio, ser aplicadas às empresas desse sector de actividade económica, nas condições constantes dos artigos 85.° e seguintes do Tratado. Essa é, aliás, a solução adoptada pelo Tribunal no acórdão Van Ameyde (90/76, Recueil 1977, p. 1091), que examina a compatibilidade, com os artigos 85.° e 86.°, da actividade dos serviços nacionais de seguro automóvel.
Necessário se torna, pois, suscitar a questão do alcance que deverá ser atribuído à alínea c), do n.° 2 do artigo 87.°, e, sobretudo, determinar se essa disposição se reveste do carácter prévio que lhe é atribuído pela recorrente e pela interveniente.
7. Dever-se-á entender, atendendo à economia do mecanismo de aplicação dos artigos 85.° e 86.°, que o artigo 88.° manteve para a actividade dos seguros, "até à data de entrada em vigor das disposições adoptadas em execução do artigo 87.°", o regime transitório por ele instaurado em conexão com as disposições do artigo 89.°
A entrada em vigor do Regulamento n.° 17/62 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° (JO 13 de 21.2.1962, p. 204; EE 08 F1 p. 22), encerrou a fase transitória, como se pode concluir, sem ambiguidade, do acórdão do Tribunal 13/61, Bosch (Recueil 1962, p. 89). É verdade que o aparecimento deste regulamento não impediu a manutenção do regime transitório em matéria de transportes. Não pode, contudo, tirar-se deste facto qualquer ilação quanto ao sector dos seguros. Com efeito, foi necessário um diploma expresso, o Regulamento n.° 141 do Conselho, de 26 de Novembro de 1962 (JO 1962, p. 2751; EE 07 F1 p. 57), adoptado com base no artigo 87.°, para anular os efeitos, quanto àquele tipo de actividade, do Regulamento n.° 17/62. O regime transitório instituído pelos artigos 88.° e 89.° CEE já só é aplicável aos transportes marítimos e aéreos, que não foram objecto de uma regulamentação definitiva sobre concorrência, como a que foi criada para os transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável pelo Regulamento do Conselho n.° 1017/68, de 19 de Julho de 1968 (JO L 175, p. 15; EE 08 F1 p. 106), igualmente adoptado nos termos do artigo 87.° (citado acórdão Asjes, n.° 51).
Não tendo sido adoptada nenhuma regulamentação deste tipo para os seguros, não existe qualquer verdadeira analogia entre o sector dos seguros e o dos transportes.
8. Poderemos então deduzir do conteúdo do artigo 87.° a existência de uma obrigação prévia de o Conselho legislar sempre que for necessário proceder à adaptação das regras da concorrência?
Esta disposição deve ser interpretada em conexão com os artigos 85.° e 86.°, cuja aplicação visa implementar, ao estipular que o Conselho "adopta" todas as medidas "adequadas" para esse efeito.
Apesar do carácter imperativo da delegação resultante do n.° 1 do artigo 87.°, deverá ser realçada, por um lado, a flexibilidade do prazo previsto, cujo termo apenas tem efeitos sobre as regras de voto, e, por outro, a margem de apreciação conferida ao órgão de decisão e ao órgão autor da proposta, que é a Comissão, quanto à utilidade das medidas a adoptar. O mesmo carácter aleatório se encontra presente na alínea c) do n.° 2 do artigo 87.° visto que o âmbito de aplicação dos artigos 85.° e 86.°, relativamente aos diversos sectores económicos, apenas terá de ser definido "quando necessário".
A necessidade de regulamentação especial da concorrência para um determinado sector inscreve-se, assim, na discricionária faculdade de apreciação das instituições. É da exclusiva competência da Comissão, a quem pertence propor, e do Conselho, que legisla, considerar se é útil adoptar, para este ou aquelesector económico, atendendo à sua especificidade, normas especiais de execução dos artigos 85.° e 86.°
Admitindo embora aceitarem as instituições, em princípio, a necessidade de uma regulamentação específica, adoptada com base no n.° 2 do artigo 87.°, nem por isso os artigos 85.° e 86.° deixariam de ter aplicação até à entrada em vigor das regras especiais de concorrência. A delegação prevista na alínea c), do n.° 2 do artigo 87.° não pode condicionar a aplicabilidade dos princípios constantes dos artigos 85.° e 86.°, aos quais o Tribunal sempre tem reconhecido efeito imediato e directo (citado acórdão 13/61, p. 103, conclusões do advogado-geral Lagrange, pp. 128 e 129). Na verdade, o artigo 85.° contém um mecanismo completo que integra, pelo funcionamento do seu n.° 3, as particularidades da cooperação em qualquer sector económico, de acordo com o objectivo do artigo 2.° do Tratado CEE.
Foi assim que o Tribunal fez consagrar, através de uma jurisprudência constante, o princípio segundo o qual a eficácia das normas do Tratado de efeito directo não pode depender do atraso das instituições ou Estados-membros na adopção das medidas da execução exclusivamente destinadas a facilitar, e não a condicionar, a sua aplicação (ver, por exemplo, 2/74, Reyners, Recueil, p. 631, n.os 26 e 27; 33/74, van Binsbergen, Recueil, p. 1299, n.° 26; 43/75, Defrenne, Recueil 1976, p. 457, n.os 32 e 34).
Não pode, também, admitir-se que a perspectiva da eventual harmonização das legislações nacionais em matéria de concorrência entre empresas de seguros adie a aplicação do princípio da proibição, salvo em caso de isenção, contido no artigo 85.°, por forma a colocar, desse modo, em causa a realização dos objectivos de unidade do mercado e de livre circulação das mercadorias visados pelo Tratado. Nesse sentido, o Tribunal entendeu que
"o princípio fundamental da unidade de mercado, e o seu corolário, a livre circulação de mercadorias, não pode - sejam quais forem as circunstâncias - ficar sujeito à condição prévia da harmonização das legislações nacionais, já que uma tal dependência esvaziaria esse princípio do seu conteúdo" (193/80, Comissão/Itália, Recueil 1981, p. 3019, n.° 17).
A meu ver, esta regra, enunciada a propósito das conexões entre os artigos 30.° e 100.° CEE, pode ser transposta para o caso presente.
9. No estádio actual do direito comunitário, o sector dos seguros rege-se, pois, pelas normas genéricas contidas nos artigos 85.° e 86.°, nos termos em que o Regulamento n.° 17 lhes dá execução. O argumento baseado em que a Comissão poderia pôr em causa, pela adopção de medidas pontuais com base no n.° 3 do artigo 85.°, a futura harmonização do regime de concorrência e das actividades de seguro resultante da legislação alemã, e portanto a opção de política económica que lhe está subjacente e a segurança jurídica que garante, não pode, ainda que se admita ter fundamento esse temor, ser aceite, por duas razões, inerentes à ordem jurídica comunitária.
A primeira refere-se ao respeito pelas competências do legislador comunitário. Na falta de disposição expressa do Tratado, só ele tem competência para estabelecer uma regulamentação derrogatória, no âmbito da delegação conferida pelo artigo 87.° O Tribunal estaria a substituir-se ao legislador se, dando razão ao referido argumento, eliminasse provisoriamente a aplicação das normas do artigo 85.° ao sector dos seguros.
A segunda resulta do primado do direito comunitário. Tal como o Tribunal pôs em relevo no seu acórdão Wilhelm, que define um princípio geral,
"o Tratado CEE instituiu uma ordem jurídica autónoma, integrada no sistema jurídico dos Estados-membros e obrigatória para os seus órgãos jurisdicionais"
de forma que
"seria contrário à natureza de um tal sistema admitir-se poderem os Estados-membros adoptar ou manter em vigor medidas susceptíveis de pôr em causa a eficácia prática do Tratado".
Na verdade,
"a força imperativa do Tratado e dos actos praticados em sua execução não pode variar de um Estado para o outro, em função de actos internos, caso contrário ver-se-ia dificultado o funcionamento do sistema comunitário e posta em perigo a concretização dos objectivos do Tratado".
Daí que,
"os conflitos entre a norma comunitária e as normas nacionais em matéria de acordos devem ser resolvidos através da aplicação do princípio do primado da norma comunitária" (14/68, já citado, n.° 6).
Em conclusão, nada permite afirmar serem fundados os receios da recorrente e da interveniente. Mais ainda, decisões pontuais, concedendo ou recusando o benefício da isenção contida no n.° 3 do artigo 85.°, podem ser reveladoras da necessidade, e contribuir para a elaboração, de uma regulamentação especial, cujas linhas gerais teriam permitido estabelecer.
Além disso, a adopção de uma regulamentação sectorial, regulamentando o princípio de proibição instituído pelo n.° 1 do artigo 85.°, pressupõe, por uma questão de coerência, o respeito pelo enquadramento estabelecido no n.° 3. O artigo 87.° apenas visa, relembre-se, "precisar, sendo caso disso, para os diversos sectores económicos, o âmbito de aplicação das disposições dos artigos 85.° e 86.°" (sublinhado nosso). Esta redacção pressupõe a unidade do sistema comunitário de concorrência. Com efeito, a alínea c), do n.° 2 do artigo 87.° permite que seja dada, no caso de a pura e simples aplicação do jogo da concorrência não conduzir ao resultado económico ideal, uma resposta específica do mesmo género da prevista, para casos especiais, no n.° 3 do artigo 85.° Logo, e salvo excepção, as eventuais regulamentações específicas sectoriais deverão, em princípio, obedecer aos mesmos condicionalismos e tender para os mesmos objectivos que são referidos nesta última disposição.
O primeiro argumento apresentado pela recorrente e pela interveniente deve, pois, ser rejeitado. Convirá, agora, analisar o segundo argumento, de que se não encontrariam reunidas, no caso presente, as condições estabelecidas pelo n.° 1 do artigo 85.°
II - Estarão reunidas as condições estabelecidas pelo n.° 1 do
artigo 85.°?
10. A proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° pressupõe, para ser aplicada, a reunião de três condições: cooperação entre empresas com o objectivo de restringir a concorrência, traduzindo-se numa perturbação das trocas comerciais entre os Estados-membros. A concretização destas condições deve ser examinada "em relação com o enquadramento de facto" em que se insere o acordo, a decisão de associação ou a prática concertada (5/69, Voelk, Recueil 1969, p. 295, n.° 7).
A análise do mercado a ter em consideração, para efeitos da aplicação ao caso concreto das disposições do n.° 1 do artigo 85.°, assume, dadas as suas características, o carácter de uma questão preliminar necessária.
A - O mercado a ter em consideração
11. Como se sabe, este mercado é o das operações de seguro dos riscos industriais de incêndio que ocorram no território de um Estado-membro. Trata-se de um mercado nacional.
Como a Comissão destacou, no seu Décimo Terceiro Relatório sobre a Política da Concorrência,
"os factores exógenos que definem as condições da actividade do sector são constituídos pelo quadro limitado das legislações e regulamentações nacionais adoptadas com o objectivo não apenas de garantir a solvabilidade das empresas, de evitar as falências e as apropriações abusivas de fundos, como também de controlar a natureza e as condições dos contratos" (Comissão das Comunidades Europeias, 1983, p. 245).
Na verdade, embora as directivas do Conselho 73/239 e 73/240, esta última de 24 de Julho de 1973 (JO L 228, p. 20; EE 06 F1 p. 158), especialmente aplicáveis a estes riscos, tenham, respectivamente, coordenado as regras de controlo nacional que condicionam o acesso e o exercício das actividades de seguros que não sejam de vida, e visado a supressão, quanto a essas actividades, das restrições à liberdade de estabelecimento, o certo é que as empresas de seguros continuam a ser regidas, em grande parte, pela lei interna.
Dois grupos de disposições da legislação alemã surgem, a este respeito, como particularmente significativos. Em primeiro lugar, o artigo 106.°, n.° 2) da VAG impõe aos seguradores estabelecidos noutro Estado-membro a obrigação prévia de criarem um estabelecimento secundário em território alemão quando pretendam executar operações de seguro directo com recurso a um intermediário. Esta exigência traduz-se, na prática, em impedir qualquer empresa de seguros estrangeira de oferecer directamente os seus serviços de seguro no mercado alemão, com pequenas excepções como a do seguro por correspondência. Tal comportamento é objecto, como se sabe, de uma acção por incumprimento actualmente pendente (processo 205/84, Comissão /República Federal da Alemanha). Na opinião do advogado-geral Sir Gordon Slynn, expresso nas suas conclusões apresentadas em 20 de Março de 1986, esta exigência não se coaduna com o princípio da livre prestação de serviços. Nós partilhamos dessa opinião.
Em segundo lugar, as empresas de seguros com actividade na Alemanha gozam de um regime de concorrência derrogatório. Com efeito, o artigo 102.° da GWB apenas proíbe as restrições abusivas da concorrência.
Pelos mesmos motivos, é no quadro nacional que se inscrevem as operações de co-seguro dos riscos localizados na República Federal da Alemanha. Com efeito, durante o período de aplicação da recomendação controvertida, idêntica condição de estabelecimento era imposta às empresas de seguros dos outros Estados-membros que pretendessem participar nessas operações. A derrogação relativa aos co-seguradores estrangeiros, cuja compatibilidade com os artigos 59.° e 60.° CEE é igualmente posta em causa no citado processo 205/84, por não abranger também a empresa líder, apenas foi instituída pela adopção da décima quarta lei de alteração da VAG, de 29 de Março de 1983, que transpôs para direito interno a Directiva 78/473 do Conselho, de 30 de Maio de 1978, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de co-seguro comunitário (JO L 151, p. 25; EE 06 F2 p. 28).
Finalmente, e quanto ao resseguro, convém referir ser este serviço praticado na Alemanha em regime livre, nos termos do princípio constante da alínea a) do artigo 3.° da Directiva do Conselho de 25 de Fevereiro de 1964 que tem por objectivo a supressão, neste domínio, das restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços (JO L 56 de 4.4.1964, p. 878; EE 06 F2 p. 38). Logo, os resseguradores estrangeiros podem prestar directamente os seus serviços a um cedente alemão.
A Comissão entende, contudo, existir também um mercado alemão nesta matéria, em consequência do controlo praticado pelas autoridades nacionais sobre os cedentes alemães, designadamente quanto à solidez financeira do ressegurador, e da forte posição detida neste mercado pelos resseguradores alemães. Não me parece que esta análise possa ser aceite. O controlo administrativo referido pela Comissão é consequência, designadamente, da primeira directiva de coordenação e abrange todo e qualquer ressegurador, seja qual for a sua nacionalidade. Esse controlo obriga qualquer segurador que pretenda estabelecer-se num Estado-membro a fazer constar do "programa de actividades", submetido, para aprovação, às autoridades nacionais de controlo, os "princípios orientadores em matéria de resseguro" ((alínea c) do n.° 1 do artigo 8.°, alínea c) do artigo 9.° e alínea c) do artigo 11.° da citada Directiva 73/239)). No que se refere à posição de força detida pelos resseguradores alemães neste mercado, além de ser discutível, tendo em vista a extensão da concorrência estrangeira nesta matéria, a Comissão não a considerou, em última análise, como um "factor decisivo" do juízo a estabelecer sobre a recomendação em causa. Sejam quais forem, a este respeito, os efeitos sobre os custos do serviço prestado provocados pelas disposições criticadas, certo é não poder afirmar-se existir um mercado nacional de resseguros.
Assim, o mercado a tomar em consideração é representado pelas operações de seguro directo e de co-seguro praticadas na Alemanha, quer por empresas de seguro nacionais quer pelos escritórios dos seguradores estrangeiros que agem como segurador directo, simples co-segurador ou empresa líder, e que são os destinatários da recomendação da VdS.
Com efeito, a Comissão referiu, sem ter sido contestada, que a VdS agrupa a maior parte das 126 empresas de seguros que cobrem os riscos industriais de incêndio, das quais dezassete têm sede social num outro Estado-membro. Esclareceu, ainda, actuarem estas últimas na Alemanha por intermédio de uma sucursal e, no essencial da sua actividade, sob a forma de co-seguro sob a direcção de uma empresa de seguros alemã. Afirmou, também, representar a respectiva parte de mercado uma percentagem inferior a 3% do montante anual bruto dos prémios. Acentuou, finalmente, pertencerem cerca de três quartos do montante anual dos prémios brutos relativos aos riscos industriais às dez maiores empresas de seguros alemãs e mais de metade às cinco principais de entre essas empresas.
Acrescentemos ser o mercado de seguros caracterizado, quanto à concorrência, por uma desequilibrada estrutura da oferta e da procura, sendo a primeira quase ilimitada em quantidade e valor, enquanto a segunda se revela bem mais estável. A concorrência através dos preços é, pois, aí particularmente viva.
É dentro do contexto económico e jurídico deste mercado em oligopólio que se suscitam as três seguintes questões:
- Configurará a recomendação do VdS uma decisão de associação de empresas? (B)
- Em caso de resposta afirmativa, terá ela por objecto ou efeito criar restrições à concorrência no seio do mercado comum? (C)
- Nesse caso, poderá ela afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros? (D)
B - Configurará a "recomendação não obrigatória" da VdS uma
decisão de associação de empresas?
12. O artigo 85.° visa abranger todo e qualquer concurso de vontades ou todo e qualquer tipo de conluio entre empresas destinado a produzir os efeitos que aquele pretende evitar, quer assuma a forma de um acordo ou de uma decisão de associação de empresas quer se traduza numa prática concertada.
Como esclareceu o advogado-geral Mayras,
"a decisão de associação de empresas distingue-se do puro e simples acordo pelo facto de, ao aderirem à associação, os agentes económicos, pessoas individuais ou colectivas, aceitarem os respectivos estatutos e disciplina, ficando vinculados pelas decisões adoptadas maioritariamente pelos órgãos deliberativos ou executivos da associação" (8/72, Cementhandelaren, Recueil, p. 977, conclusões, p. 999).
Dito de outra forma, se a força vinculativa de um acordo é consequência do mútuo consentimento entre as partes, a decisão da associação de empresas manifesta-se na aceitação traduzida pela adesão a uma associação, a que as empresas que dela são membros conferiram estatutariamente um poder decisório imperativo. Surge, pois, como decisivo para a concretização desta noção o facto de a cooperação entre as empresas ser o resultado de uma adesão à associação que as agrupa e defende os respectivos interesses, e de os estatutos da associação implicarem a aceitação das medidas adoptadas pela associação.
Somos conduzidos a produzir duas observações. Menos ainda do que a referência expressa ao seu carácter não imperativo, a própria denominação do acto não é, em si, decisiva. As diversas denominações são consequência de regras próprias de cada Estado-membro, mesmo até de cada associação. Não podem condicionar a aplicação uniforme, em todos os Estados-membros, das normas comunitárias de concorrência. Esta interpretação resulta igualmente da preocupação em garantir, independentemente das variações terminológicas, uma concorrência eficaz, de acordo com o próprio objectivo do artigo 85.°
Sabe-se, ademais, que, em aplicação do artigo 102.° da GWB, as recomendações das associações de empresas de seguros devem, quando visem restringir a concorrência, estar devidamente fundamentadas e ser previamente comunicadas ao Instituto Federal dos Acordos entre Empresas, antes da sua publicação no Boletim federal dos anúncios oficiais, por forma a permitir, durante um período de três meses, a formulação de críticas por parte das empresas em causa e dos utentes (relatório 1979-1980 do Instituto Federal dos Acordos, p. 106). Sabe-se, também, que esta derrogação autorizada pelo artigo 102.° apenas pode funcionar no caso de não ser abusiva a restrição à concorrência, isto é, nomeadamente, se não desencadear "um processo que conduza inevitavelmente os seguradores a adoptarem, de forma concertada, um comportamento uniforme (relatório do instituto federal, já citado).
Não seria compreensível que tais exigências se referissem a uma recomendação que não fosse revestida de força vinculativa.
Chegou o momento de passarmos à segunda observação. A existência de uma decisão tomada por uma associação de empresas, para os efeitos do n.° 1 do artigo 85.°, não pode depender do facto de os seus membros darem efectivo cumprimento às respectivas decisões. Com efeito, apenas deverá ser considerada a actuação efectiva das empresas nos casos em que a medida tomada pela associação não reveste, em si mesma, carácter decisório, quando os estatutos da associação, o processo de adopção da medida e o seu conteúdo deixam total liberdade às empresas em causa. Nesta última hipótese, o artigo 85.° apenas teria aplicação no caso de a medida adoptada pela associação poder servir de base a uma concertação conducente a tornar de facto obrigatório o que o não é juridicamente. Estaríamos, então, face a uma prática concertada.
Deve-se, pois, considerar como decisão tomada por uma associação de empresas, quer o acto por ela praticado, estatutariamente obrigatório para os seus membros, quer qualquer outro acto que produza esse mesmo efeito, confirmando, então, o comportamento adoptado pelas empresas, em conformidade com esse acto, o respectivo carácter decisório.
É, pois, antes de mais nos estatutos que é necessário averiguar se a medida em causa tem ou não carácter vinculativo. Perante o silêncio destas, haverá que determinar se a medida era, de facto, obrigatória.
13. Nos termos do n.° 3 do artigo 2.° dos seus estatutos, a VdS
"não dispõe de qualquer prerrogativa de ordem pública relativamente aos seus membros, não sendo competente para exercer qualquer controlo, seja ele qual for, sobre a respectiva actividade comercial".
Na verdade, tais poderes seriam supérfluos. As empresas aderentes à VdS são obrigadas a respeitar os respectivos estatutos que atribuem um poder real de decisão a vários dos seus órgãos. O artigo 5.° dos estatutos determina, com efeito, que os aderentes:
"1) ... são obrigados a prestar apoio à Verband no desempenho das suas tarefas;
2) ... deverão respeitar os estatutos da Verband",
e a alínea b), do n.° 5 do artigo 3.° sanciona com a pena de exclusão as "faltas graves ou repetidas de cumprimento dos estatutos..." ou "um comportamento manifestamente contrário aos interesses (do) grupo".
A análise dos estatutos da VdS suscita, ainda, as seguintes reflexões: a associação tem poderes para coordenar a actividade dos seus membros, designadamente em matéria de concorrência (n.os 6 e 7 do artigo 8.°). Em especial, foi atribuída competência estatutária ao comité especializado no ramo dos riscos industriais de incêndio, comité "seguro incêndio riscos industriais - perdas de exploração", para coordenar a política tarifária dos aderentes à associação em causa, visto que nele se integra uma comissão permanente de tarifas ((alínea a), do n.° 2 do artigo 10.°)). Os aderentes são representados neste comité por membros eleitos (n.° 3 do artigo 10.°). As "decisões" ou "recomendações" do comité são consideradas definitivas na medida em que não for solicitada, por um dos órgãos estatutariamente competentes para o efeito, a respectiva aprovação pela direcção (n.° 5 do artigo 10.°).
Estes elementos são suficientes para demonstrar poderem aquelas medidas ser imputadas e obrigarem as empresas de seguros em causa, membros da VdS, visto que representam necessariamente a expressão da respectiva vontade convergente, tal como se encontra representada no seio do comité, e são consequência da adesão aos estatutos da VdS, que implica a sujeição à coordenação a que o comité procede.
Dito por outras palavras, seja qual for a qualificação atribuída no seio na associação, tais medidas, devidamente adoptadas no âmbito dos estudos técnicos de que está encarregado o comité especializado, não possuem apenas um carácter preparatório puramente interno, mas antes, porém, um carácter definitivo e obrigatório: constituem, pois, decisões tomadas por uma associação de empresas.
Ora, foi precisamente esse o processo que conduziu à adopção da medida controvertida. Elaborada no seio do comité especializado, após consulta aos meios interessados, essa "recomendação não obrigatória" foi objecto de comunicação, na sua versão definitiva, "aos órgãos de direcção das empresas-membros que praticam o seguro de incêndio". A carta do director da associação, de 13 de Junho de 1980, que remete em anexo a recomendação, refere que, atendendo à concordância das autoridades nacionais de controlo, a recomendação poderá ser objecto de aplicação imediata. E a carta termina da seguinte forma: "formulamos, pela presente, a recomendação não obrigatória de ser imediatamente dada aplicação aos pontos I, IV e V do anexo".
A natureza imperativa da "recomendação" resulta, sem ambiguidade, das disposições relativas ao aumento das tarifas, cuja redacção não confere qualquer alternativa ao destinatário. Mas há mais. Integrada no respectivo contexto económico, não é possível conceber, dado o estado de crise atravessado pelo ramo do seguro de incêndio, não ter sido uma tal medida elaborada e adoptada na perspectiva da sua aplicação pela totalidade dos membros da VdS. Na verdade, para além da qualificação jurídica, importa ter em atenção os elementos económicos que determinam a natureza e o alcance da recomendação. Tratando-se de um mercado em oligopólio, a adopção de uma tal medida, nas condições referidas, assume obrigatoriamente o carácter de uma coacção económica, mesmo que se admita, de jure, ter ela a natureza de mero incentivo. A associação é representativa da vontade comum das principais empresas do ramo em causa. A adesão impõe o respeito pelos estatutos. Estes estabelecem que as medidas adoptadas pela associação serão tomadas por maioria. Finalmente, a associação tem, no mínimo, por objectivo coordenar a actividade comercial dos membros em matéria de concorrência e tarifas.
Retira-se, pois, tanto dos estatutos da associação como do processo de elaboração da recomendação, do seu conteúdo e do contexto em que foi adoptada, todo um conjunto de indícios concordantes que permitem a sua qualificação como decisão tomada por uma associação de empresas, para os efeitos do n.° 1 do artigo 85.° A recomendação representa a expressão estatutária da vontade comum das empresas do ramo em causa, às quais, por sua vez, se dirige na intenção de contribuir para o saneamento do sector.
Torna-se, pois, desnecessário examinar se a vinculação formal assim criada entre esses seguradores, por intermédio de uma medida unilateral do grupo por eles criado, se traduz, na prática, numa uniforme execução do estipulado na recomendação.
C - Terá a recomendação por objecto ou efeito criar restrições à
concorrência?
14. O n.° 1 do artigo 85.° conduz-nos a procurar verificar se a decisão adoptada pela VdS teve "por objecto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência". Esta condição reveste
"natureza não cumulativa, antes alternativa..., resultante da conjunção ou, "(o que) nos conduz, antes de mais, à necessidade de analisar o próprio objecto do acordo, tendo em atenção o contexto económico em que deverá ser aplicado" (56/65, Société technique minière, Recueil 1966, p. 359).
Dito de outra forma,
"é desnecessário ter em conta os efeitos concretos de um acordo quando é claro ser seu objecto restringir, impedir ou falsear o jogo da concorrência" (56 e 58/64, Consten, Recueil 1966, p. 496; ver também 123/83, BNIC, de 30 de Janeiro de 1985, Recueil 1985, p. 391, n.° 22).
Ora, ressalta tanto do respectivo conteúdo como do contexto económico e jurídico em que foi adoptada, ser objecto da "recomendação não obrigatória" da VdS restringir a concorrência entre as empresas de seguros no ramo dos riscos industriais de incêndio.
O exame do processo, designadamente dos relatórios de peritagem apresentados pela recorrente, bem como do relatório do Instituto Federal dos Acordos entre Empresas relativo a 1979-1980, revela ser objectivo da recomendação disciplinar a concorrência, através dos prémios, no sector em causa. Recorde-se que as obrigações constantes do artigo 102.° da GWB, a que a recomendação em causa deu execução, vinculam as empresas de seguros "quando pretendam adoptar medidas restritivas da concorrência" (relatório do Instituto Federal de Controlo dos Acordos entre Empresas, já citado, p. 106). A recomendação da VdS visava, precisamente, sanear a situação financeira das empresas, afectada pela insuficiência dos prémios face aos custos previsíveis dos sinistros.
Para esse efeito, a recomendação debruçou-se sobre a causa do desequilíbrio, a concorrência através de prémios cada vez mais baixos, decidindo o seu aumento
- significativo, visto que a percentagem de aumento normal, 10% nos dois primeiros anos, se elevaria a 20% em 1982,
- selectivo, já que esse aumento deveria ser, respectivamente, de 20 e 30% em caso de contrato particularmente desequilibrado (n.os 1 e 2 do ponto II da recomendação).
Convém referir tratar-se de aumentos mínimos, aplicáveis não apenas aos contratos cujo prazo terminasse, como também a todos os contratos plurianuais em relação aos quais um sinistro pudesse originar um défice de pagamento (ponto III).
A recomendação, cujo carácter imperativo salientámos, traduzia-se, retomando um dos exemplos fornecidos no n.° 1 do artigo 85.°, em
"a) fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou venda ou outras condições da transacção...",
com o objectivo de canalizar a concorrência para outros elementos que não os prémios, como, por exemplo, a qualidade do serviço prestado. Como a Comissão referiu, a amplitude da restrição, dessa forma visada, era consequência simultânea do âmbito de aplicação pessoal, territorial e material da medida, pois tinha efectivamente como destinatárias todas as empresas de seguros do ramo em causa e se aplicava a todos os contratos de seguro e co-seguro celebrados em território alemão, parcela substancial do mercado comum. Finalmente, a respectiva repercussão sobre a concorrência seria ainda reforçada pelo mecanismo da cláusula de "cálculo dos prémios", sempre que houvesse recurso a um ressegurador alemão.
Sem que, pois, seja necessário investigar se a recomendação, de que fazia parte esta cláusula, obteve realmente o resultado previsto, basta constatar, à luz do conjunto das considerações expendidas, ter sido esse efeito visado pela associação, enquanto expressão de uma necessidade aceite pelos seus membros, a que foi dada forma nos termos estatuários. A recomendação teve, assim, por verdadeiro objecto a restrição da concorrência, através dos prémios, num mercado, o dos seguros, já caracterizado, como notámos, pelo excesso da oferta sobre a procura.
Convirá, portanto, determinar se a recomendação afecta ou não as trocas comerciais entre os Estados-membros.
D - Afectará a recomendação as trocas comerciais entre os Estados- -membros?
15. A jurisprudência do Tribunal clarifica o significado e alcance a atribuir a esta condição.
Trata-se de um critério que delimita as correspondentes esferas de aplicação das normas comunitárias e nacionais em matéria de concorrência (citado 56/65). Os acordos que caem na alçada do artigo 85.° são aqueles que se revelem "incompatíveis com o mercado comum". Deve considerar-se preenchida esta condição sempre que haja risco de conflito entre o acordo em causa e os objectivos económicos prosseguidos pela Comunidade.
A este respeito, o Tribunal especificou no acórdão Hugin que
"se integra no âmbito do direito comunitário todo e qualquer acordo ou prática susceptível de pôr em causa a liberdade de comércio entre Estados-membros, no sentido de prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados-membros, designadamente através da protecção dos mercados nacionais ou da modificação da estrutura da concorrência no mercado comum" (22/78, Recueil 1979, p. 1869, n.° 17).
Para tal, é necessário, mas também suficiente, que o acordo possibilite que
"com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto,... se verifique com um grau de probabilidade suficiente que (o acordo) pode ter uma influência directa ou indirecta, real ou potencial, sobre as correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros".
Para o que terá de se verificar se o acordo
"é de molde, nomeadamente, a fechar o mercado de certos produtos entre Estados-membros, tornando assim mais difícil a interpenetração económica pretendida pelo Tratado" (citado 56/65, p. 359) (sublinhados nossos).
As linhas de orientação traçadas pela jurisprudência do Tribunal conduzem-nos a considerar que a recomendação preenche a terceira condição estipulada pelo n.° 1 do artigo 85.°
16. Relembremos o essencial dos fundamentos invocados pelas duas associações no sentido de demonstrarem não ter a recomendação qualquer eficácia extraterritorial, em especial quanto à situação concorrencial das sociedades de seguros de outros Estados-membros cujas sucursais sejam membros da VdS.
Sustentam, em primeiro lugar, não existir, em matéria de seguro contra os riscos industriais de incêndio, qualquer "comércio entre Estados-membros", visto que os seguradores estrangeiros se não encontram em condições de fornecer os seus serviços de seguro directamente em território alemão.
Contestam, em segundo lugar, o sentido dos diversos indícios invocados pela Comissão para afirmar o "carácter estrangeiro" das sucursais, únicas visadas pela sua decisão, por forma a definir, em contraste com as filiais, a sua dependência jurídica e económica em relação às sociedades-mãe. A este respeito, alegam serem estes dois tipos de estabelecimentos secundários idênticos de facto e de direito.
17. Convirá afastar preliminarmente qualquer ambiguidade quanto ao alcance da condição prévia, aliás criticada, imposta pelo n.° 2, do artigo 106.° da VAG. Na verdade, ela não exclui de forma alguma a existência de trocas comerciais entre Estados-membros relativas ao serviço de seguros.
Em sintonia com a Comissão, consideramos que a argumentação formulada a este respeito pelas recorrente e pela interveniente procede de uma visão redutora da própria noção de trocas comerciais, dessa forma exclusivamente circunscrita à hipótese de serviço directamente prestado, por intermédio do seu estabelecimento principal, pela companhia de seguros de um outro Estado-membro.
Não nos iludamos. A condição de prévio estabelecimento não é mais do que a aparência jurídica de uma concorrência que nem por isso deixa de ser estrangeira. Assim, a obrigatoriedade de criação de estabelecimentos secundários pelas companhias de seguros de outros Estados-membros, por forma a oferecerem no mercado alemão um serviço mais competitivo, surge, em última análise, como a expressão da própria existência de um comércio intracomunitário, cujas modalidades são por essa forma reguladas.
Quanto à analogia existente entre filiais e sucursais, não se lhe pode atribuir o efeito pretendido pela recorrente e pela interveniente. Ambas estas formas mais não são do que a roupagem jurídica, gerada pela obrigação de estabelecimento, da participação na concorrência das sociedades de seguros estrangeiras. Atendendo ao encargo que esse estabelecimento implica, a dependência económica da filial e da sucursal será de tal ordem que, muito provavelmente, a sua independência jurídica surgirá como artificial do ponto de vista da concorrência.
A análise do alcance do n.° 2, do artigo 106.° da VAG leva-nos pois a considerar, por um lado, a criação por um segurador estrangeiro de um estabelecimento secundário na Alemanha como a expressão de uma troca comercial entre Estados-membros em matéria de seguros, e, por outro, a relativizar a forma desse estabelecimento ao acentuar, para a filial, o seu estatuto de provável dependência face à sociedade estrangeira. Quanto às sucursais, não se trata de mera probabilidade, mas de absoluta certeza.
18. Indo mais longe. Mesmo na ausência de uma tal disposição, nem por isso a recomendação teria deixado de afectar, e aí reside o essencial, a concorrência intracomunitária. Se a legislação alemã, de facto, aproximou os estatutos jurídicos das sucursais e das filiais, não os confundiu porém.
Sem conferirem às sucursais personalidade jurídica própria, as obrigações impostas pela legislação alemã, conformes neste ponto com a Directiva 73/239, visam situar a garantia no local de ocorrência do risco. Na verdade, as obrigações administrativas, contabilísticas, financeiras e processuais que essa legislação impõe às sucursais, visam, no essencial, obrigar as empresas de outros Estados-membros, quando fundem sucursais, a centrar no mercado alemão a actividade a ele relativa, por forma a evitar que, em caso de necessidade, os segurados tenham de se dirigir à própria sociedade estrangeira para cobrar os seus créditos. Longe de significarem a autonomia das sucursais, estas exigências revelam, pelo contrário, não serem elas mais do que, como a Comissão referiu, um prolongamento da sociedade estrangeira.
Dessa forma, o principal mandatário age por conta da sociedade estrangeira, que fica vinculada pelos direitos e obrigações resultantes dos contratos de seguro por ele celebrados. Esta dependência jurídica de princípio concretiza-se, em especial, quando a sociedade fornece, designadamente às sucursais, instruções sobre a política comercial a adoptar para o mercado alemão. Quanto a este último ponto, a circular interpretativa R 1/62 do Instituto Federal de Controlo dos Seguros, de 22 de Fevereiro de 1962, esclarece que
"o principal mandatário é responsável pela política comercial e de investimentos no seu conjunto..., ainda que pareça poder admitir-se o recurso, nesta matéria, a directivas internas emanadas da direcção-geral".
Na mesma ordem de ideias, não foi contestado poderem tanto os ganhos como as perdas da sucursal ser transferidos para a sociedade. Quanto à reputação desta, não pode deixar de se repercutir sobre a sucursal.
Somos, pois, levados a considerar a actividade das sucursais alemãs das sociedades de seguros estrangeiras como expressão de trocas comerciais entre Estados-membros.
19. A partir daqui, deixa de ser possível pôr em dúvida que a recomendação tenha influenciado directa ou indirectamente, real ou potencialmente, as trocas comerciais descritas.
Com efeito, uma tal medida obrigava as sucursais a negociar os contratos de seguro ou de co-seguro em função dos aumentos de prémios estipulados, repercutindo-se, dessa forma, sobre a posição concorrencial dos referidos seguradores estrangeiros com capacidade para oferecer um serviço mais competitivo. A este respeito, a localização do risco na Alemanha não exclui a existência da possibilidade de um fluxo intracomunitário, uma vez que o devedor real da garantia, em termos económicos, pode estar estabelecido num outro Estado-membro. A imposição a este último de um aumento de prémios, por intermédio de uma recomendação que obriga a sua sucursal, seria, assim, contrária às regras estabelecidas pelo n.° 1 do artigo 85.° O facto, referido pela Comissão, de, em matéria de co-seguro, ser normalmente um segurador alemão a assumir a posição de líder, vem confirmar a incidência da recomendação sobre as trocas comerciais, uma vez que os aumentos nela estabelecidos são, por seu intermédio, impostos aos seguradores estrangeiros. A isto acresce, enfim, o risco de esta tendência ser consolidada pelo mecanismo da "cláusula de cálculo dos prémios", atendendo às habituais relações comerciais provavelmente estabelecidas entre esses líderes e os resseguradores alemães.
Como a Comissão referiu, a dimensão da eventual perturbação das trocas comerciais assim delimitada será proporcional ao volume de trocas comerciais entre a República Federal da Alemanha e os outros Estados-membros. Ora, a recomendação abrangia a totalidade dos contratos celebrados pelas sucursais de seguradores estrangeiros do ramo em causa, o que correspondia, de facto, à quase totalidade do volume actual dessas trocas. É esta proporção que confere um carácter significativo à perturbação das trocas comerciais.
Em última instância, conclui-se que, no estádio actual do direito alemão, a recomendação da VdS, conjuntamente com a condição prévia de estabelecimento, teve
"pela (sua) própria natureza, como efeito o de consolidar os entraves de carácter nacional, dificultando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado..." (42/84, Remia, de 11 de Julho de 1985, Recueil 1985, p. 2545, n.° 22).
Contudo, ainda que não existisse esta disposição legislativa, a perturbação das trocas comerciais não deixaria, por isso, de ser igualmente efectiva. O Tribunal acentuou, com efeito, que
"mesmo em caso de ausência de criação de entraves entre os mercados, acordos quanto a preços entre empresas estabelecidas num Estado-membro e abrangendo apenas o mercado desse Estado, afectam as trocas comerciais entre Estados-membros, para os efeitos do artigo 85.° do Tratado, desde que respeitem, embora só parcialmente, a um produto originário de outro Estado-membro,ainda que os participantes pudessem ter obtido o produto de uma sociedade pertencente ao seu grupo" (processos 240 a 242, 261, 262, 268 e 269/82, SSI, de 10 de Dezembro de 1985, Recueil, p. 3831, n.os 48 e 49; sublinhados nossos).
Esta análise vale igualmente para uma recomendação como a do presente caso, aplicável não a produtos mas a serviços prestados por empresas (22/79, Greenwich Film Production, Recueil, p. 3275, n.° 11).
A recomendação da VdS constitui, portanto, uma decisão de associação de empresas, que afecta o comércio entre Estados-membros e tem por objecto restringir a concorrência, violando assim as disposições do n.° 1 do artigo 85.°
Resta examinar se podia ser abrangida por uma isenção, nos termos do n.° 3 desse artigo.
III - Encontrar-se-ão preenchidas as condições da isenção previstas no n.° 3 do artigo 85.°?
20. Relembremos que, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 17/62, a questão de uma eventual isenção, com base no n.° 3 do artigo 85.°, apenas pode ser suscitada relativamente ao período posterior à notificação da recomendação, ou seja, 23 de Setembro de 1982.
O n.° 3 do artigo 85.° subordina a não aplicação da proibição constante do n.° 1 à reunião cumulativa de quatro condições. Tem de se reconhecer à Comissão, para sua aplicação, um amplo poder de apreciação. O controlo jurisdicional deverá limitar-se ao "exame da materialidade dos factos e das qualificações jurídicas em que a Comissão se funda" (56 e 58/64, Consten, já citado, p. 501). Trata-se, pois, no caso presente, de verificar se a Comissão não ultrapassou manifestamente a margem de apreciação que lhe cabe, ao decidir que a recomendação da VdS não preenche as condições de isenção.
21. Atendendo à especificidade deste sector dos seguros, o controlo dos factores de incerteza que afectam os sinistros, logo das quantias que um segurador terá de despender para lhes fazer face quando ocorrerem, pressupõe obrigatoriamente o conhecimento de estatísticas significativas, suficientemente vastas para facultarem o estabelecimento de valores médios.
Esta necessidade, em si mesma, não é uma consequência da simples lógica da livre concorrência, cujo efeito limite seria o desaparecimento das empresas não rentáveis, designadamente por má gerência. Sem que se possa excluir tal eventualidade, importa tentar evitá-la, dentro do respeito pelo princípio da concorrência. Impõe-o o interesse das vítimas dos danos garantidos pelo seguro e, de forma mais ampla, o interesse da colectividade, chamada a intervir em caso de falência do segurador. A execução da garantia contratual possibilita, só por si, que o custo social de um sinistro não seja transferido para a colectividade. Deve, pois, ser encontrado um equilíbrio entre as exigências do mecanismo normal da concorrência e as do interesse público, que impõe ser um contrato de seguro sempre respeitado.
A este respeito, os mecanismos nacionais de controlo, parcialmente coordenados pela primeira directiva do Conselho, de 24 de Julho de 1973, visam garantir a solvência das empresas de seguros. Para esse fim, esta directiva estipula a obrigação de os seguradores disporem:
- de reservas técnicas "suficientes", constituídas por activos equivalentes aos compromissos assumidos (artigo 15.°),
- de uma "margem de solvência" complementar, para fazer face aos "riscos de exploração" (nono considerando e artigo 16.°),
- de um "fundo de garantia mínimo", em consequência da gravidade do risco inerente aos ramos explorados (décimo considerando e artigo 17.°).
Aquela directiva obriga, pois, à constituição, sob controlo dos Estados-membros, de reservas de garantia. Mas nem assim consegue suprimir a incerteza quanto às bases de cálculo dos prémios, em função dos quais são avaliadas as reservas técnicas. Por estas razões, o rigor e a credibilidade daqueles cálculos revelam-se de suma importância nesta matéria.
22. O conjunto destes dados não pode, contudo, servir de argumento para justificar, com base no n.° 3 do artigo 85.°, qualquer medida de saneamento adoptada pelas empresas com o objectivo de disciplinar a concorrência no seio de determinado ramo.
É certo que não se pode duvidar de que a recomendação da VdS tinha por objectivo sanear, por motivos de interesse público, um ramo de seguros em que deixara de existir, em termos globais, a necessária equivalência entre o custo dos sinistros e os prémios cobrados. Não nos parece, porém, que o meio utilizado para o atingir - aumento pré-fixado e linear dos prémios de seguro - possa encontrar justificação no fim prosseguido.
Os aumentos estabelecidos aplicar-se-iam aos prémios efectivamente acordados nos contratos de seguro que caducassem durante o período de aplicação da recomendação. Como qualquer preço, um prémio de seguro pode ser esquematicamente decomposto em três partes: as receitas destinadas a garantir a cobertura do bem seguro, os custos de exploração e o lucro do segurador. Só às primeiras se refere a intenção de saneamento. Ora, as percentagens de aumento estipuladas na recomendação incidem sobre o montante bruto do prémio, quer dizer, indistintamente sobre as suas três componentes. A este respeito, o quadro dos custos médios de exploração para o ano de 1980, fornecido pela VdS a pedido da Comissão, revela claramente a existência de diferenças significativas entre as empresas, que chegam a atingir mais de 100%.
Desta forma, aplicados aos prémios brutos, os aumentos estabelecidos não podem ser justificados pela garantia exclusiva de realização do objectivo de saneamento. Com efeito, as empresas com baixos custos de exploração poderiam encontrar aí uma fonte de lucros suplementares. As empresas, cuja situação financeira se encontrasse onerada por pesados encargos, poderiam perder um incentivo ao saneamento do seu funcionamento. Tanto num como noutro caso, na medida em que uma parte dos rendimentos resultantes dos aumentos não é automaticamente afectada às reservas técnicas que permitem fazer face aos sinistros, a recomendação não traz qualquer vantagem objectiva para aqueles a quem deveria aproveitar, ou seja, os seguradores e os terceiros.
Sendo genérico e indiferenciado, o aumento dos prémios brutos não pode ser considerado como tendo por único objectivo a melhoria do serviço de seguro. Julgamos, pelo contrário, de acordo com a Comissão, que, para evitar uma subavaliação da parte dos prémios necessária para cobrir, a qualquer momento, os custos resultantes dos sinistros objecto de seguro, bastaria ter agido sobre os prémios líquidos, ou seja, depois de deduzidos os custos de exploração e os lucros. A este respeito, a Comissão esclareceu na sua decisão, e confirmou na audiência, poder admitir que uma associação de empresas de seguros prescreva aos seus membros, com base num cálculo objectivo da percentagem e da evolução provável dos riscos, bem como das necessidades de cobertura, "a aplicação de tarifas de prémios líquidos ou de valores mínimos para essas tarifas".
A solução deveria, pois, ter sido procurada na elaboração de tarifas líquidas de referência. Essa solução teria limitado a regulamentação da concorrência ao estritamente essencial. Na verdade, se a desejável melhoria do serviço de seguro do ramo de seguro incêndio passa por uma certa regulamentação, não se pode considerar que o processo utilizado no caso presente represente "significativas vantagens objectivas, capazes de compensar os inconvenientes dela resultantes no plano da concorrência" (citados 56 e 58/64, p. 502).
O benefício constante das disposições do n.° 3 do artigo 85.° não poderá, pois, ser concedido à VdS relativamente à recomendação controvertida, que estabeleceu um aumento fixo e escalonado dos prémios de seguro no ramo em causa.
23. Concluímos, pois, pela rejeição do recurso, incumbindo à recorrente o pagamento das despesas do processo, com excepção, todavia, das despesas da interveniente, que ficam a cargo desta.
(*) Tradução do francês.