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Document 61984CC0300

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 23 de Abril de 1986.
    A. J. M. van Roosmalen contra Bestuur van de Bedrijfsvereniging voor de Gezondheid, Geestelijke en Maatschappelijke Belangen.
    Pedido de decisão prejudicial: Raad van Beroep Utrecht - Países Baixos.
    Segurança social - Condição de estada ou de residência - Noção de trabalhador não assalariado.
    Processo 300/84.

    Colectânea de Jurisprudência 1986 -03097

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:171

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    MARCO DARMON

    apresentadas em 23 de Abril de 1986 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    Van Roosmalen, padre neerlandês do convento de Postel, na Bélgica, recorrente no processo principal, foi enviado para o Zaire corno missionário, em 1955. Em 1977, inscreveu-se num seguro voluntário, previsto no artigo 77° da lei neerlandesa que estabelece o regime geral de incapacidade de trabalho (Arbeidsongeschiktheidswet, doravante «AAW», Staatsblad 1975, p. 674) relativamente a pessoas que exerçam actividades num país em vias de desenvolvimento.

    Tendo contraído no Zaire, em 1981, uma doença que lhe causou invalidez, solicitou, em Outubro do mesmo ano, as prestações correspondentes previstas pela AAW. Atribuídas num primeiro momento, a contar de 12 de Janeiro de 1982, estas prestações fo-ram-lhe definitivamente retiradas por decisão de 8 de Dezembro do mesmo ano, com efeitos a partir de 1 de Dezembro, pelo organismo de segurança social competente, recorrido no processo principal.

    Este cancelamento baseava-se no disposto no artigo 10.° do decreto real, de 19 de Novembro de 1976, relativo à execução do artigo 77°, já citado (Staatsblad, p. 622), que estabelece nomeadamente, que

    «qualquer pessoa que seja considerada beneficiária só tem direito a receber prestações por incapacidade para o trabalho a partir do momento em que tenha permanecido nessa incapacidade durante cinquenta e duas semanas ininterruptas, no território nacional, e, findo este período, continue a existir a incapacidade para o trabalho».

    Ora, de acordo com o que resulta da resolução do Raad van Beroep de Utreque, sobre a qual vos deveis pronunciar, van Roosmalen, segundo a instituição recorrida, não preencheria essa condição, já que só se estabeleceu definitivamente em Postei a 2 de Julho de 1982, depois de aí ter passado temporadas regulares, desde Março de 1981.

    2. 

    O tribunal neerlandês interroga-se sobre a conformidade da condição de residência, já citada, com o direito comunitário.

    A sua primeira questão destina-se a saber se uma tal condição, na medida em que — depois da superveniencia do risco — obriga o beneficiário do seguro voluntário, chegado de um país em vias de desenvolvimento, a instalar-se nos Países Baixos e a aí habitar, de modo ininterrupto, durante cinquenta e duas semanas, sem poder estar ou estabelecer-se num outro Estado-membro, constitui um obstáculo à livre circulação das pessoas, tal como está consagrada tanto nos artigos 52.° e 53.° do Tratado como em outras normas do direito comunitário.

    Através das suas questões 2 a 4, o Tribunal neerlandês pretende, igualmente, ser esclarecido sobre a noção de «trabalhador não assalariado» para estabelecer se o requerente no processo principal, tendo em conta a natureza das suas actividades e o âmbito de aplicação pessoal da AAW, pode recorrer ao disposto no artigo 1.°, alínea a), pontos ii) ou iv) do Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F3 p. 53), com as alterações introduzidas pelo Regulamento n.° 1390/81 do Conselho, de 12 de Maio de 1981, que estende aos trabalhadores não assalariados e aos membros das suas famílias o Regulamento n.° 1408/71 (JO L 143, p. 1; EE 05 F3 p. 53)

    O tribunal neerlandês, tendo em conta que o artigo 77° da AAW, aplicável ao requerente, tem em consideração, para a concessão de prestações de invalidez, as actividades exercidas fora do território da CEE, questiona, através da sua quinta questão, se a AAW pode, a esse título, ser qualificada como «legislação», no sentido do artigo 2.° do Regulamento n.° 1408/71 e, em caso afirmativo, se um trabalhador — assalariado ou não assalariado —

    «que esteve, exclusivamente, submetido a esta legislação a título de actividades exercidas no exterior do território da Comunidade Económica Europeia pode exigir a protecção oferecida por (esse) regulamento...».

    Através da última questão, é perguntado, em substância, se a condição referente à obrigação de ter sido domiciliado nos Países Baixos durante o ano anterior à decisão sobre a concessão do direito às prestações resulta do disposto no n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 1390/81, já citado, que se refere, nomeadamente, à suspensão das cláusulas de residência, durante o período transitório seguinte à entrada em vigor deste regulamento, a 1 de Julho de 1982 (artigo 4.°).

    3. 

    Estas seis questões prejudiciais levantam o seguinte problema: para pôr em causa uma cláusula de residência que condiciona o direito às prestações por invalidez previstas pela legislação de um Estado-membro em matéria de incapacidade para o trabalho, um nacional comunitário pode prevalecer-se do disposto no Regulamento n.° 1408/71, nos termos em que foi tornado extensivo, a partir de 1 de Julho de 1982, aos trabalhadores não assalariados pelo Regulamento n.° 1390/81? Assim resumidas, as questões levantadas exigem uma precisão e determinam uma deligência.

    Como a Comissão, acreditamos que a resposta à primeira questão resultará necessariamente da resposta dada à última. O Regulamento n.° 1408/71 — com as alterações introduzidas pelo Regulamento n.° 1390/81 — foi adoptado para dar execução ao disposto nos artigos 51.° e 55.° do Tratado CEE, de tal modo que a oponibilidade da cláusula litigiosa se aprecia obrigatoriamente referenciada ao conjunto dessas disposições.

    Entretanto, uma tal aprecição está subordinada ao exame prévio da questão de saber se, tendo em conta as particularidades do caso em apreço, o interessado se pode valer do regulamento anteriormente citado. Se a legislação neerlandesa resulta, com efeito, da aplicação material do Regulamento n.° 1408/71, enquanto ramo da segurança social relativa às prestações por invalidez [alínea b) do n.° 1 do artigo 4.° e parte I do anexo VI, Países Baixos, ponto 4], resulta dos fundamentos da decisão de reenvio que o Tribunal nacional se questiona sobre se o interessado se encontra abrangido pelo campo de aplicação pessoal deste regulamento, tal como consta do n.° 1 do seu artigo 2.°, segundo o qual:

    «o presente regulamento aplica-se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-membros e que sejam nacionais de um dos Estados-membros...».

    Mais precisamente, o Tribunal de reenvio questiona-se, a respeito da actividade particular exercida pelo requerente, sobre a sua qualidade de trabalhador «não assalariado», na acepção da alínea a) do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71 (questões 2 a 4). Interroga-se, por outro lado, se se pode considerar o requerente submetido à legislação de um estado-membro, no sentido da norma citada e da alinea j) do artigo l.° do regulamento, uma vez que a AAW tem em consideração as actividades exercidas fora do território geográfico da Comunidade.

    E, pois, resolvidos estes dois problemas que convirá, conforme o caso, interrogar-se sobre a conformidade da cláusula de residência — contestada — com o direito comunitário.

    Quanto à noção de «trabalhador não assalariado»

    4. 

    Como referiu a Comissão, a AAW faz depender o direito às prestações do exercício pelo requerente, durante o ano precedente à superveniência do risco, «de uma actividade ou de uma profissão» pela qual teria auferido «rendimentos». Ora, de acordo com o direito fiscal neerlandês, a noção de rendimentos não está estritamente limitada aos que resultam da execução de um contrato de trabalho ou da exploração de uma empresa ou do exercício de uma profissão liberal ou, de uma forma mais geral, utilizando os termos utilizados pelo juiz de reenvio na terceira questão, aos que provêm

    «de um trabalho exercido no âmbito da vida económica e que visa a obtenção de uma certa vantagem financeira ou que permite gozar antecipada razoavelmente uma tal vantagem, de acordo com o senso comum».

    Esta definição tem por efeito, ao lado dos assalariados e dos «verdadeiros» independentes, alargar o benefício da AAW a uma categoria residual de «falsos» independentes, sobre quem o juiz de reenvio se pergunta se podem ser considerados, de acordo com o Regulamento n.° 1408/71, como «trabalhadores não assalariados».

    E neste contexto que se devem colocar as questões 2 a 4, relativas à noção de «trabalhador não assalariado». Antes de proceder a análise, como o fez a Comissão, do sentido e da economia das disposições pertinentes, a este respeito, do Regulamento n.° 1408/71, torna-se necessário recordar que este regulamento deve ser interpretado em função do espírito em que foi concebido e dos objectivos do Tratado a que corresponde (17/76, Brack, Recueil 1976, p. 1429, ponto 9).

    Neste sentido, o Tribunal tem entendido, em jurisprudência uniforme, que a regulamentação comunitária em matéria de segurança social

    «se inspira numa tendência geral do direito social dos Estados-membros para a extensão do benefício da segurança social a novas categorias de pessoas, em razão de riscos e vicissitudes idênticas» (17/76, já citado, ponto 20).

    Assim, como referia o advogado-geral Mayras nas suas conclusões apresentadas no processo 17/76, Brack (já citado, p. 1463), tendo em conta a própria finalidade do artigo 51.° CEE — «o estabelecimento de uma liberdade de circulação dos trabalhadores, tão completa quanto possível» (75/63, Unger, Recueil 1964, p. 347, citação p. 362) —, não se devem conceber os critérios socioprofissionais caracterizadores da categoria dos assalariados ou dos não assalariados «de forma restritiva». No mesmo sentido, o advogado-geral Gand afirmava, a propósito do Regulamento n.° 3 que precedeu a adopção do Regulamento n.° 1408/71:

    «O âmbito de aplicação do regulamento está enformado por um critério de segurança social e não de direito do trabalho...» (19/68, De Cicco, Recueil 1968, p. 689, citação p. 705).

    E por isso que, segundo a acepção comunitária estabelecida no próprio Tratado, a noção de trabalhador assalariado ou não assalariado deve abranger, para retomar a definição dada no acórdão doutrinal Unger, do Tribunal,

    «todos os que, enquanto tais, e seja a que título for, se encontrem cobertos pelos diferentes sistemas nacionais de segurança social» (75/63, já citado, p. 363).

    É, pois, a ligação a um regime de segurança social de um Estado-membro e não a qualificação, de acordo com o direito interno, da actividade exercida que «ancora» o nacional comunitário ao Regulamento n.° 1408/71.

    Ora, não é contestado, no caso em apreço, que o interessado tenha estado segurado a título da AAW, a qual, nós assinalámo-lo, fica abrangido pela campo de aplicação material do Regulamento n.° 1408/71.

    5. 

    Por consequência, a interpretação da noção de «trabalhador não assalariado» não reveste um carácter decisivo para a aplicação da garantia comunitária. Contudo, se essa noção, que o juiz de reenvio pede a este Tribunal para interpretar, devia, segundo ele, revestir uma qualquer utilidade para a solução do litígio que lhe foi submetido, há lugar a fazer as seguintes observações.

    O sentido a dar a esta expressão parece-nos dever ser concebido de forma lata, como o considera tanto a jurisprudência do Tribunal, acima recordada, como a própria análise das disposições do Regulamento n.° 1408/71. No caso vertente, tratando-se de uma pessoa,

    «... abrangida por um seguro voluntário, contra uma ou várias eventualidades correspondentes aos ramos a que se aplica o presente regulamento, no âmbito de um regime de segurança social de um Estado-membro organizado em benefício dos trabalhadores assalariados ou não assalariados ou de todos os residentes ou de certas categorias de residentes»,

    O artigo 1.°, alínea a), iv), do citado regulamento estabelece que

    «as expressões ‘trabalhador assalariado’ e ‘trabalhador não assalariado’ designam, representativamente, qualquer pessoa:

    ...

    (que) exercer uma actividade assalariada ou não assalariada...».

    Tratando-se de não assalariados, esta definição, que a Comissão qualificou de «tautológica», refere-se, de um modo geral, como o evidenciou, à categoria dos independentes. Deste modo, é-se levado, como o Tribunal de reenvio, os Países Baixos e a Comissão, a procurar critérios mais precisos em outras disposições da alínea a) do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71. A exigência de uma interpretação uniforme justifica esta diligência.

    Na verdade, só a alínea a), ii), do artigo 1.°, relativo ao seguro obrigatório, fornece critérios mais praticáveis. Com efeito, refere-se quer aos modos de gestão ou de financiamento do regime de segurança social aplicável, enquanto permitiriam identificar o requerente como trabalhador assalariado ou não assalariado, quer, «na falta de tais critérios... à definição dada pelo anexo I», através da qual o legislador comunitário, de acordo com o último considerando do Regulamento n.° 1390/81, considerou «necessário precisar... o que se deve entender pelas expressões ‘trabalhador assalariado’ e ‘trabalhador não assalariado’, para efeitos do Regulamento n.° 1408/71, quando o interessado está sujeito a um regime de segurança social aplicável a todos os residentes, a certas categorias de residentes ou ao conjunto da população activa de um Estado-membro...».

    No que respeita aos Países Baixos, foi deste modo esclarecido no ponto I deste anexo que:

    «considera-se trabalhador não assalariado, na acepção da alínea a), ii), do artigo 1.° do regulamento, qualquer pessoa que exercer uma actividade ou uma profissão sem estar sujeita a um contrato de trabalho».

    A este respeito, a análise comparativa, a que a Comissão procedeu, das diferentes versões linguísticas deste texto conduziu a uma interpretação lata. Esta definição engloba, assim não só as actividades profissionais (sentido literal da versão neerlandesa) mas, de uma forma mais geral, toda a actividade exercida fora de um contrato de trabalho, desde que retribuída. Com efeito, assalariados e não assalariados têm em comum o recebimento duma remuneração como contrapartida do trabalho feito. Por isso, nada se opõe a que se qualifiquem como «trabalhadores não assalariados» pessoas que, à revelia de qualquer contrato de trabalho, exerceram uma actividade, em contrapartida da qual auferiram rendimentos nos termos do direito fiscal neerlandês, diversos dos provenientes do exercício de uma profissão liberal ou da exploração independente de uma empresa.

    Quanto à noção de «legislação»

    6.

    O artigo 77° da AAW alarga o direito de inscrição aos que exerceram ou exercem «actividades num país que... pode ser considerado como um país em vias de desenvolvimento». As pessoas assim seguras com base numa legislação que toma em consideração as actividades exercidas em Estados que não fazem parte do território da Comunidade, tal como é definido no artigo 227.° do Tratado CEE, ficam abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71 tal como é definido pelo n.° 1 do artigo 2.° e na alínea j) do artigo 1.° desse mesmo regulamento, segundo o qual

    «o termo ‘legislação’ designa, em relação a cada Estado-membro, as leis, os regulamentos, as disposições estatutárias e quaisquer outras medidas de execução, existentes ou futuras, respeitantes aos ramos e regimes de segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 4.°»?

    A resposta a esta questão deve ser afirmativa. Com o advogado-geral Capotorti nós pensamos, com efeito, que

    «para definir o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1408/71, importa atribuir uma importância determinante, não ao critério do lugar onde a actividade profissional foi exercida, mas sim àquele que é estabelecido pela relação que une o trabalhador — seja qual for o lugar em que exerceu ou exerce a sua actividade profissional — ao órgão de segurança social de um Estado--membro».

    Como esclarece, ainda, o advogado-geral,

    «não de se trata de alargar o benefício (da regulamentação comunitária) a períodos de seguro completados no âmbito do regime de segurança social de um (país terceiro), mas somente de atribuir um carácter determinante ao facto de os períodos de seguro terem sido completados no âmbito de um regime de segurança social instituído por um Estado-membro» (87/76, Bozzone, Recueil 1977, p. 687, citação p. 706).

    Neste sentido, e confirmando a jurisprudência Bozzone, estabelecida de acordo com estas conclusões, o Tribunal decidiu, no acórdão 150/79, Bélgica (Recueil 1980, p. 2621), a propósito de uma lei belga

    «que colocava sob o controlo e garantia do Estado belga, os organismos de segurança social dos empregados do Congo Belga e do Ruanda-Urundi...» (150/79, ponto 2),

    que um tal regime,

    «estabelecido por uma lei belga, gerido, sob controlo do Estado belga, por um instituto público de direito belga e que não produz, regra geral, os seus efeitos actuais nas antigas colónias belgas mas, sobretudo, no territòrio metropolitano belga... é susceptível de afectar a circulação dos trabalhadores, no interior da Comunidade, cuja liberdade é assegurada, pelos artigos 48.° a 51.° do Tratado, pela regulamentação comunitária».

    Com base nisto o Tribunal concluiu que,

    «nestas circunstâncias, o simples facto de toda a prestação ter a sua origem nos períodos de seguro completados antes de 1 de Julho de 1960, fora do território comunitário, não podia levar à não aplicação da regulamentação comunitária sobre a segurança social» (150/79, ponto 7).

    Deve-se, por isso, considerar que a legislação neerlandesa sobre incapacidade para o trabalho, cujo artigo 77° alarga o seu benefício às pessoas que exerceram uma actividade num país em vias de desenvolvimento, constitui uma «legislação», no sentido que lhe é atribuído pelos artigos 1.°, alínea j), e 2.°, n.° 1, sendo o regime de segurança social assim estabelecido, por outro lado, gerido, sob controlo do Estado, por uma entidade neerlandesa.

    Este factor institucional de conexão constitui o critério determinante para aplicação do Regulamento n.° 1408/71, de tal forma que importa pouco que o segurado tenha exercido, exclusivamente ou não, as suas actividades num país terceiro. Nesta mesma perspectiva, os laços particulares que unem este país e o próprio Estado-membro, característica das relações que existem entre a Bélgica e as suas antigas colónias nos dois processos já referidos, não afectam esta conclusão. Na verdade, salientou o Tribunal a sua existência no acórdão Bozzone. No entanto, nem nessa decisão nem, sobretudo, no acórdão de incumprimento 150/79, a natureza particular dos laços que unem os dois Estados em causa impôs a qualificação da lei belga como «legislação», no sentido do Regulamento n.° 1408/71.

    Assim, entendemos que a disposição neerlandesa em causa deve ser qualificada de «legislação» no sentido do n.° 1 do artigo 2.° do Regulamento n.° 1408/71.

    Quanto à cláusula de residência

    7.

    Resta averiguar se a condição de residência em questão — ter estado «incapaz para o trabalho durante cinquenta e duas semanas ininterruptas, no território nacional» — é ou não compatível com o disposto no n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 1390/81, segundo o qual

    «toda a prestação que não foi liquidada ou foi suspensa, por motivos de nacionalidade ou da residência do interessado é, a pedido deste, liquidada ou restabelecida a partir da entrada em vigor do presente regulamento...»,

    ou seja, a 1 de Julho de 1982 (artigo 4.°).

    Esta disposição tem por finalidade permitir, a partir desta data, às pessoas abrangidas pelo campo de aplicação pessoal dos regulamentos comunitários em causa beneficiar das prestações sociais cuja liquidação lhes foi recusada ou, após ter sido efectuada, o pagamento foi suspenso «em virtude da nacionalidade ou da residência do interessado».

    A este respeito, o tribunal neerlandês questiona-se sobre se a condição de residência, anteriormente citada, à qual está subordinada a existência do próprio direito às prestações por invalidez, não produz efeitos, em virtude do n.° 4 do artigo 2.°, porque este último parece apenas referir a hipótese de ao assegurado não ser liquidada a pensão ou não lhe serem pagas as prestações correspondentes, na sequência da sua mudança de residência para um Estado-membro diferente daquele a que pertence a instituição devedora da prestação.

    Esta questão, como ressalta das observações dos Países Baixos e da Comissão, realça o problema do alcance do princípio da «supressão das cláusulas de residência» tal como é enunciado no n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 1408/71, de que o n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 1390/81 é aplicável num período transitório. Mais precisamente, trata-se de saber se esta disposição respeita a uma condição imposta para a aquisição do direito, ou simplesmente para a sua efectivação ou manutenção.

    A este respeito, o n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 1408/71, que retoma em substância as anteriores disposições do Regulamento n.° 3, prescreve que,

    «salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez... adquiridas ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-membros... não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora» (sublinhado nosso).

    O Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre o sentido a dar à expressão «adquiridas», que figura neste artigo. Esta norma, de acordo com o estabelecido pelo Tribunal no acórdão Smieja, tem por finalidade

    «favorecer a livre circulação dos trabalhadores, estabelecendo protecções para os interessados contra os prejuízos que poderiam resultar da transferência da sua residência dum Estado-membro para outro» (51/73, Recueil 1973, p. 1213, ponto 20).

    O Tribunal decidiu, consequentemente, no acórdão Caracciolo, que

    «ressalta deste princípio não só que o interessado conserva o direito a beneficiar das pensões, rendas e abonos adquiridos por força da legislação de um ou vários Estados-membros — mesmo depois de ter fixado residência num outro Estado-membro — mas, igualmente, que não se lhe pode negar a aquisição de um tal direito pela simples razão de não residir no território do Estado em que se encontra a instituição devedora» (92/81, Recueil 1982, p. 2213, ponto 14, sublinhado nosso).

    Esta solução é determinada pelo disposto pelo artigo 51.° do Tratado CEE que, como o Tribunal recordou na sua decisão recente Spruyt, tem por finalidade

    «contribuir para o estabelecimento de uma liberdade tão completa quanto possível da livre circulação dos trabalhadores migrantes, princípio que se inscreve nos fundamentos da Comunidade».

    O Tribunal acrescentou também que

    «a finalidade dos artigos 48.° a 51.° não seria concretizada se, na sequência do exercício do seu direito à livre circulação, os trabalhadores perdessem vantagens a nível de segurança social que lhes assegura a legislação de um Estado-membro» (284/84, Spruyt, acórdão de 28 de Fevereiro de 1986, pontos 18 e 19).

    Assim, a jurisprudência do Tribunal impõe, em princípio, a supressão de todas as cláusulas de residência que condicionam não somente a manutenção de prestações já adquiridas, mas igualmente a própria aquisição do direito a essas prestações.

    E neste quadro que é necessário situar o n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 1390/81. Ele permite, com efeito, aos trabalhadores não assalariados cujo direito teria sido adquirido antes de 1 de Julho de 1982, se satisfizessem a condição de residência, de a isso não verem opor-se o disposto no n.° 1 do artigo 2.°, nos termos do qual esse regulamento

    «não estebelece nenhum direito para o período anterior à data da sua entrada em vigor»,

    e de se prevalecer, a contar dessa data, do disposto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1408/71, tal como o Tribunal o interpretou.

    Há, entretanto, lugar a duas observações.

    Assim entendido, este princípio, como prevê expressamente o n.° 1 do artigo 10.°, pode ser objecto de certas adaptações. Nesse sentido, o anexo VI do Regulamento n.° 1408/71, relativo às «modalidades especiais de aplicação das legislações de determinados Estados--membros», estabelece, no que se refere à Alemanha (ponto C, n.° 1) que

    «o disposto no artigo 10.° do regulamento não prejudica as disposições nos termos das quais os acidentes (e as doenças profissionais) ocorridos fora do território da República Federal da Alemanha, bem como os períodos cumpridos fora deste território, não impliquem, ou apenas impliquem em determinadas condições, o pagamento de prestações quando os titulares residem fora do território da República Federal da Alemanha».

    Pelo contrário, tratando-se da «aplicação da legislação neerlandesa relativa ao seguro contra a incapacidade de trabalho», estabelecido no anexo VI, parte I, Países Baixos, n.° 4, nenhuma excepção deste tipo está prevista. Na ausência de tal excepção, é conveniente aplicar o princípio geral estabelecido no n.° 1 do artigo 10.°

    A solução por nós proposta não nos parece contrária à que foi sugerida pelo advogado-geral Sir Gordon Slynn nas suas conclusões no processo 302/84, Ten Holder (Colect. 1986, p. 1821), a propósito de uma condição de residência, do mesmo género, prevista por uma norma transitória da AAW. No caso vertente, a requerente encontrava-se já segurada aquando da sua filiação voluntária na AAW, a título obrigatório, na República Federal da Alemanha. Em tal hipótese, o seguro voluntário apenas reveste caracter subsidiário e encontra-se por isso excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1408/71, pelo seu artigo 13.°, que estabelece que

    «... as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado-membro...» (o sublinhado é nosso).

    8.

    À luz do conjunto destas considerações, propomos a este Tribunal que responda da forma que se segue às questões prejudiciais apresentados pelo Raad van Beroep de Utreque:

    «1)

    O Regulamento n.° 1408/71 é aplicável aos nacionais dos Estados-membros que beneficiem das prestações por invalidez previstas pela legislação neerlandesa sobre incapacidade para o trabalho.

    Deve-se entender, igualmente, por ‘trabalhador não assalariado’, de acordo com o disposto no artigo 1.°, alínea a), ii) e iv), e no anexo I, parte I, Países Baixos, do Regulamento n.° 1408/71, toda a pessoa que exerceu, sem estar sujeita a um contrato de trabalho, uma actividade ou uma profissão pela qual recebeu, nos termos da legislação neerlandesa, rendimentos diversos dos adquiridos por via da exploração independente de uma empresa ou do exercício de uma profissão liberal, de acordo com a mesma legislação.

    2)

    A legislação de um Estado-membro que, para a concessão de prestações sociais a pagar pelo organismo nacional competente, toma também em consideração as actividades que os beneficiários nela abrangidos, relevando para o efeito, exerceram no todo ou em parte, num país terceiro, deve ser qualificada como ‘legislação’ no sentido do Regulamento n.° 1408/71.

    3)

    O n.° 4 do artigo 2° do Regulamento n.° 1390/81 aplica-se à recusa, por parte da instituição devedora, de conceder uma prestação por invalidez, pelo motivo de o requerente não ter, previamente, residido no Estado-membro em causa durante cinquenta e duas semanas sem interrupção.»


    ( *1 ) Tradução do frances.

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