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Document 61984CC0041

    CONCLUSOES DO ADVOGADO-GERAL MANCINI APRESENTADAS EM 21 DE MAIO DE 1985.
    PIETRO PINNA CONTRA CAISSE D'ALLOCATIONS FAMILIALES DE LA SAVOIE.
    PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELA COUR DE CASSATION DA REPUBLICA FRANCESA.
    SEGURANCA SOCIAL - ABONOS DE FAMILIA - ARTIGO 73., N. 2, DO REGULAMENTO N. 1408/71.
    PROCESSO 41/84.

    Colectânea de Jurisprudência 1986 -00001

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1985:215

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    G. FEDERICO MANCINI

    apresentadas em 21 de Maio de 1985 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    No quadro de um litígio entre Pietro Pinna e a Caisse d'allocations familiales de la Savoie, a Cour de cassation francesa pede ao Tribunal que interprete o artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento do Conselho de 14 de Junho de 1971, n.o 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE, 1985, 05, fase. 01, p. 98). Esta norma estabelece que «o trabalhador sujeito à legislação francesa tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de um Estado-membro que não seja a França, aos abonos de família previstos na legislação do Estado em cujo território residem os referidos membros da família; esse trabalhador deve preencher as condições relativas ao emprego das quais a legislação francesa faz depender o direito às prestações». Em particular, o juiz do reenvio quer saber se esta disposição ainda é válida e ainda está em vigor e como deve entender-se o conceito de residência que aí é referido.

    2. 

    O Sr. Pietro Pinna, cidadão italiano, trabalha e reside corn a sua família em França e aí usufrui das prestações familiares locais. No Outono de 1977, a sua mulher e os seus dois filhos deslocaram-se a Itália. O filho mais velho voltou para França em 31 de Dezembro desse ano, enquanto a filha e a mulher voltaram em 31 de Março seguinte. Por causa desta estadia em Itália, a Caisse d'allocations familiales de la Savoie recusou-se a pagar a Pinna as prestações devidas respeitantes ao filho desde 1 de Outubro até 31 de Dezembro de 1977 e as respeitantes à filha desde 1 de Outubro até 31 de Março de 1978. Na sua opinião, de facto, o citado artigo 73.o, n.o 2, impunha que as prestações familiares fossem pagas pela instituição de previdência italiana (Istituto nazionale della previdenza sociale), no lugar de residencia dos dois filhos em Itália (L'Aquila).

    Após ter inutilmente contestado tal decisão perante a Comission des recours gracieux, Pinna recorreu à Comission de première instance du contentieux de la sécurité sociale de Chambéry; mas, por decisão de 6 de Janeiro de 1981, também esta autoridade recusou o recurso do trabalhador italiano, observando que a sua situação estava expressamente contemplada no artigo 73.o, número 2, e que a Caisse se limitara a aplicar o citado preceito. O entendimento da Comissão foi confirmado pela Cour d'appel de Chambéry, por acórdão de 15 de Maio de 1981. Pinna recorreu então para a Cour de cassation, avançando os seguintes argumentos:

    a)

    segundo a legislação francesa vigente, os seus dois filhos devem considerar-se residentes em França. De facto, segundo o artigo L 511.o do Code de la sécurité sociale, qualquer pessoa, francesa ou estrangeira, que resida em França e tenha a cargo um ou mais filhos residentes neste país, recebe pelos filhos a cargo as prestações familiares previstas no artigo L 510.o Além disso, segundo os artigos 2.o e 6.o do Decreto de 10 de Dezembro de 1946, n.o 46-2880 (modificados, respectivamente, pelo Decreto de 17 de Março de 1978, n.o 78-378, e pelo Decreto de 29 de Junho de 1965, n.o 65-524), considera-se residente em França o filho que, embora conservando vínculos familiares no território metropolitano de residência, efectue fora dele uma ou mais estadias, cuja duração ao todo não ultrapasse o máximo de três meses por ano civil;

    b)

    o artigo 73.o, número 2, do Regulamento 1408/71, contém uma derrogação totalmente excepcional do princípio enunciado no n.o 1 do artigo 73.o De facto, no sentido desta norma, «o trabalhador sujeito à legislação de um Estado-membro..., tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado..., às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado». O caracter anómalo da disposição controvertida é confirmado pelo artigo 98.o (agora 99.o) do Regulamento 1408/71, segundo o qual, antes de 1 de Janeiro de 1973 e sob proposta da Comissão, o Conselho deveria reexaminar o problema das prestações relativas aos membros da família que não residam no território do Estado competente, tendo em vista alcançar uma solução uniforme para todos os Estados-membros. Ora, não tendo o Conselho actuado até à referida data, o artigo 73.o, n.o 2, deve considerar-se caducado; a primeira parte do n.o 1 do mesmo artigo vale, portanto, para todos os trabalhadores sujeitos às leis de um Estado-membro da Comunidade, incluindo os trabalhadores a quem se aplica a legislação francesa;

    c)

    o artigo 73.o, número 2, estabelece em prejuízo dos trabalhadores não franceses, mas sujeitos à legislação francesa, uma dupla discriminação: por um lado, relativamente aos trabalhadores franceses e, por outro, relativamente aos trabalhadores sujeitos à ordem jurídica de um outro Estado-membro. Viola, portanto, o princípio de igualdade estabelecido nos artigos 7.o, 48.o e 51.o do Tratado CEE;

    d)

    o artigo 73.o não se aplica à situação particular dos familiares de Pinna, visto que os seus dois filhos residem em França e não foram provados elementos susceptíveis de desmentir este facto.

    A Cour de cassation entendeu que para a solução do litígio era necessária uma decisão do Tribunal sobre a validade e sobre a interpretação de uma norma do Regulamento 1408/71. Assim, pela decisão n.o 218 de 11 de Janeiro de 1984, suspendeu o processo e, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pediu ao Tribunal que determinasse: a) se o artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento 1408/71 é válido e continua em vigor; b) que significado se deve atribuir ao termo «residência»contido na referida disposição.

    3. 

    Para compreender bem o alcance das duas questões é necessário examinar mais aprofundadamente o regime a que elas se referem. O Regulamento do Conselho de 25 de Setembro de 1958, n.o 3, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes (JO 1958, 30, p. 561) dispunha, no artigo 40.o que «um trabalhador subordinado ou equiparado, empregado no território de um Estado-membro e que tenha... filhos que residam ou sejam educados no território de um outro Estado-membro, tem direito, relativamente a esses filhos, aos abonos familiares de acordo com as disposições legislativas do primeiro Estado, até à concorrência do montante dos abonos atribuídos pela legislação do segundo Estado». Treze anos mais tarde, contudo, o Regulamento 1408/71 reformou esta norma, suprimindo a limitação dos abonos ao limite previsto no país de residência dos familiares e estendendo o direito do trabalhador a todo o leque das prestações familiares. De facto, como já disse, o seu artigo 73.o, n.o 1, estabelece que «o trabalhador sujeito à legislação de um Estado-membro que não seja a França tem direito, em relação aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro, às prestações familiares previstas na legislação do primeiro Estado, como se residissem no território deste Estado».

    Um regime bastante melhor, portanto; e, contudo, coxo, porque o Conselho não conseguiu a unanimidade para determinar a sua extensão a toda a área comunitária. Está aqui a razão da reserva a favor da França que figura no texto e, simultaneamente, do n.o 2 seguinte, no qual se prevê que aos familiares do trabalhador empregado no território francês, mas residentes noutro Estado, sejam pagos unicamente os abonos que sejam previstos, e apenas na medida prevista, pelas leis do país de residência. Nos termos do artigo 75.o, n.o 2, as prestações são pagas pela entidade de previdência do lugar em que residem os familiares e esta é depois integralmente reembolsada pela entidade relativamente à qual o trabalhador apresenta o direito à prestação. No sistema do regulamento, portanto, o devedor é ainda e sempre a França: esta, porém, paga os abonos à taxa dos países de residência e, ao contrario de todos os outros Estados-membros, não exporta o conjunto das prestações.

    Aliás, os próprios Estados-membros consideraram que este mecanismo dualista devia ser ultrapassado e, no artigo 98.o (agora 99.o) do diploma em exame, estabeleceram que, dentro de dois anos, o Conselho deveria providenciar no sentido da sua modificação. Com efeito, a Comissão fez a sua parte: uma primeira proposta foi apresentada em 10 de Abril de 1975 (JO C 96, p. 4) e uma segunda, que tinha em conta as modificações sugeridas pelo Comité Económico e Social (24 de Setembro de 1975, JO C 286, p. 19) e pelo Parlamento Europeu (14 de Outubro de 1975, JO C 257, p. 10), foi transmitida ao Conselho em 15 de Janeiro de 1976. Aí se recomenda a recondução da atribuição das prestações familiares a um sistema único e, para esse fim, a adopção como critério geral de coordenação a lei do Estado de emprego. Nestes termos, a proposta permaneceu na ordem do dia de diversas sessões do Conselho e foi finalmente examinada no quadro dos Conselhos informais de Setembro e de Novembro de 1983. Mais uma vez, contudo, não foi possível obter a aprovação unânime exigida no artigo 51.o do Tratado.

    4. 

    Seguindo a ordem pela qual é formulado o pedido prejudicial, abordarei, antes de mais, a questão relativa à validade do artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento 1408/71 em relação ao princípio da igualdade estabelecido nos artigos 7.o, 48.o e 51.o do Tratado. Por uma resposta positiva (a norma é válida) pronunciaram-se o Conselho, a Comissão e a Caísse d'allocations familiales de la Savoie. Pelo contrario, os governos italiano e helénico e o recorrente no processo principal sustentaram que a norma institui, em prejuízo dos trabalhadores comunitários em França, uma discriminação contrária ao Tratado e, portanto, não é considerada válida.

    Como já disse, ao analisar os fundamentos do recurso interposto por Pinna para a Cour de cassation, tal discriminação seria dupla: em relação aos trabalhadores sujeitos à legislação de um Estado que não a França e em relação aos trabalhadores de nacionalidade francesa empregados no seu país. Naturalmente, os intervenientes que tomaram partido pela validade da norma contestam esta tese; mas todos eles com argumentos diferentes para os dois planos em que, segundo os seus contraditores, se concretiza a disparidade de tratamento. Analisemos portanto tais argumentos, começando com a discriminação que existiria entre o trabalhador comunitário empregado em França e o seu homólogo a trabalhar num dos outros Estados-membros.

    Segundo a Comissão, o Governo francês e a Caisse, a referida discriminação não é objecto da proibição estabelecida pelo artigo 7.o Com efeito, ela decorre das diferenças que permanecem entre os sistemas nacionais de segurança social; e tais diferenças são inevitáveis porquanto, como o Tribunal sempre tem afirmado, o artigo 51.o do Tratado e o Regulamento 1408/71 limitam-se a coordenar as legislações dos dez Estados e não visam de forma nenhuma harmonizá-las (ver, entre outros, os acórdãos de 6 de Março de 1979, processo 100/78, Rossi, Recueil 1979, p. 831, e de 12 de Junho de 1980, processo 733/79, Laterza, Recueil 1980, p. 1915). Acrescenta-se por parte da Comissão e da Caisse que aquelas diferenças também não ocorreriam com menos frequência, se à norma controvertida se substituísse um regime baseado na lex loci laboris. Com efeito, também o trabalhador ao qual se aplica o artigo 73.o, n.o 1, vê diminuir as suas prestações, quando se transfere de um Estado em que o seu montante é elevado para um outro que lhe paga uma quantia menor.

    O Conselho vai mais além. Afirma que as discriminações em análise não são inevitáveis, mas inconsistentes, em virtude da insusceptibilidade de comparação das situações em que se encontram o trabalhador não francês empregado em França e o trabalhador empregado noutro país. O cidadão comunitário que decidiu trabalhar num Estado diferente do seu é, de facto, obrigado a aceitar as consequências que derivam do exercício da sua liberdade de circulação. Ou seja, é a ele que cabe informar-se sobre as vantagens e inconvenientes que a escolha que vai fazer lhe trará sobretudo no campo fiscal, da previdência e escolar; se não o faz — ou se, tendo-se informado opta por um país cujo sistema lhe é menos favorável —, não poderá depois considerar-se vítima de uma discriminação, ou até sustentar que o regime que lhe é aplicável desencoraja a mobilidade dos trabalhadores.

    Mas — reforça ainda o Conselho e, com ele, o Governo francês e a Caisse — admitamos que a escolha da lei do Estado de residência para a identificação do tipo e do montante dos benefícios atribuídos aos familiares não residentes do trabalhador comunitário empregado em França conduz a disparidades de tratamento reais e evitáveis relativamente a outros sistemas. Nem por isso elas seriam ilegítimas. Aquela opção, de facto, está no âmbito do poder discricionário do Conselho de concretização do artigo 51.o do Tratado com «modalidades objectivamente justificadas-», poder que foi reconhecido ao legislador comunitário pelo acórdão de 13 de Julho de 1976, processo 19/76, Triches, Recueil 1976, p. 1243, ao declarar válido o artigo 42.o do Regulamento CEE n.o 3/58, que aplica a lei do Estado de residência ao pagamento dos abonos familiares respeitantes aos titulares de pensões ou rendimentos atribuídos por várias legislações nacionais.

    Finalmente, no entendimento da Caisse, a tese formulada por Pinna, segundo a qual o artigo 73.o, n.o 2, contradiz o artigo 51.o, é infundada. Com efeito, longe de impor a exportação das prestações de segurança social, a norma controvertida impõe apenas que se assegure o seu pagamento, sem ter em consideração a residência dos dependentes.

    Passemos à segunda discriminação de que se queixou Pinna: a que o artigo 73.o, n.o 2, criaria entre o trabalhador não francês empregado em França cujos filhos residam no estrangeiro e o trabalhador nacional ou migrante que tenha filhos residentes no território francês. O Governo de Paris, a Caisse e a Comissão insistem na tese da sua inevitabilidade; ou seja, mesmo nesta hipótese, as eventuais disparidades releváveis no tratamento dos vários indivíduos derivam das diferenças que ainda existem entre as legislações nacionais. Assim, se o primeiro trabalhador recebe um benefício de montante inferior relativamente àquele que receberia em França, não deve imputar tal desvantagem à norma sub judice, mas precisamente à diferente medida em que a lei francesa e a lei do Estado de residência fixam os abonos. De qualquer modo, as referidas disparidades não são contrárias ao artigo 51.o do Tratado. Este seria violado sempre que a disparidade das prestações se ligasse à circulação dos trabalhadores; mas aqui ela depende da mobilidade dos seus familiares, a qual não é tutelada pelo direito comunitário.

    Mais uma vez, o Conselho é mais rígido, pois, na sua opinião, a discriminação não existe. O regulamento, pelo contrário, favoreceria o migrante, porque, seja como for, lhe atribui as prestações do país de residência; enquanto que a lei nacional as subtrai ao cidadão francês cujos filhos permaneçam no estrangeiro por mais de três meses em cada ano civil. Quanto aos trabalhadores estrangeiros empregados em França com filhos residentes noutros Estados e àqueles cujos filhos residem em território francês, pode-se repetir que as suas situações não são comparáveis, em virtude das diferentes exigências de habitação, educação e sustento a que têm que fazer face. E mesmo que o fossem, ainda assim a discriminação que daí resultasse não estaria em oposição ao Tratado e, em particular, ao artigo 48.o, número 2. A esta norma interessa que o regime adoptado pelo legislador comunitário não discrimine em razão da nacionalidade; e não é este o caso do regime controvertido, que evidentemente não se funda sobre a nacionalidade do trabalhador, mas sobre a residencia dos seus familiares.

    5. 

    Antes de examinarmos os argumentos assim resumidos, é oportuno pôr em destaque que os principios segundo os quais o artigo 73.o, n.o 2, deve ser analisado são os que disciplinam a livre circulação dos trabalhadores e a segurança social. No quinto considerando do Regulamento 1408/71 lê-se, com efeito, que o objectivo primário do regime é «contribuir para a melhoria do... nível de vida e das condições de emprego, garantindo... a todos os nacionais dos Esta-dos-membros uma igualdade de tratamento perante as diferentes legislações nacionais e... garantindo que os trabalhadores e as pessoas que deles dependam beneficiem das prestações de segurança social qualquer que seja o local de emprego ou de residência».

    Em consequência, sob a epígrafe «igualdade de tratamento», o artigo 3.o, n.o 1, estabelece que as pessoas residentes no território de um Estado-membro às quais se aplique o regulamento «estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-membro... nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento». Como se afirma no acórdão de 28 de Junho de 1978, processo 1/78, Kenny, Recueil 1978, p. 1489, pretendeu-se assim, paralelamente ao artigo 48.o do Tratado e a especificidades do seu artigo 7.o, assegurar «a igualdade em matéria de previdência social, sem distinções de nacionalidade, abolindo toda e qualquer discriminação a esse respeito, resultante das leis dos Estados-membros». Neste trecho parece-me particularmente relevante o uso da expressão «toda e qualquer». Tendo natureza geral e condicionando o funcionamento do sistema comunitário, o princípio da igualdade é, com efeito, entendido em sentido amplo: proíbe, portanto, também as disparidades dissimuladas, ou seja, criadas pela adopção de critérios diferentes do da nacionalidade (acórdãos de 16 de Fevereiro de 1978, processo 61/77, Comissão/Irlanda, Recueil 1978, p. 417; de 12 de Fevereiro de 1974, processo 152/73, Sotgiu, Recueil 1974, p. 153; de 3 de Fevereiro de 1982, processos apensos 62 e 63/81, Seco, Recueil 1982, p. 223).

    Estreitamente ligados ao princípio de igualdade em matéria de segurança social estão a identificação da lei aplicável ao regime de previdência do trabalhador e a identificação do Estado cujas entidades são obrigadas a pagar as prestações. A este respeito, a regra geral é estabelecida pelo artigo 13.o do regulamento: as pessoas a quem este se aplica estão sujeitas à legislação de um único Estado, a estabelecer, em princípio, na base do locus laboris. O critério — note-se — tem uma aplicação pontual no jà referido artigo 73.o, n.o 1. Corresponde, de qualquer modo, ao seguido em matéria de lei reguladora da relação de trabalho e, no plano da previdência, justifica-se pelo carácter territorial do respectivo regime. É, de facto, lógico que a gestão das contribuições da segurança social e das prestações respectivas seja confiada aos organismos de previdência do Estado de emprego.

    Mas, como disse, o regulamento em causa tem sido interpretado também à luz dos princípios aplicáveis à matéria da segurança social (artigo 51.o) e, mais genericamente, «do espírito e dos objectivos do Tratado» (acórdão de 29 de Setembro de 1976, processo 17/76, Brack, Recueil 1976, p. 1429, n.o 19).

    Ora, neste plano, o Tribunal várias vezes declarou que o fim dos artigos 48.o a 51.o... seria frustrado se, ... para poder usufruir da liberdade de circulação..., (o trabalhador) devesse resignar-se a perder... direitos já adquiridos num dos países-membros, sem receber em troca prestações pelo menos equivalentes» (acórdãos de 15 de Julho de 1964, processo 100/63, Van der Veen, Recueil 1964, p. 1091; de 9 de Junho de 1964, processo 92/63, Nonnenmacher, Recueil 1964, p. 553; de 10 de Dezembro de 1969, processo 34/69, Caisse d'assurance vieillesse des travailleurs salariés de Paris, Recueil 1969, p. 597; de 21 de Outubro de 1975, processo 24/75, Petroni, Recueil 1975, p. 1149; de 3 de Fevereiro de 1977, processo 62/76, Strehl, Recueil 1977, p. 211).

    Não creio que o Tribunal pudesse ter-se exprimido mais claramente. O conceito, todavia, foi ulteriormente afinado e precisado, num primeiro momento pelo acórdão de 13 de Julho de 1976 (processo 19/76, Triches): «as medidas emanadas... para a aplicação do artigo 51.o — afirma-se — não devem... privar os trabalhadores migrantes dos direitos adquiridos unicamente em virtude da lei do Estado no qual desenvolveram a sua actividade»; e, depois, numa série de decisões relativas às disposições anticumulação, nas quais o Regulamento 1408/71 utiliza o critério do Estado de residência para o pagamento de prestações familiares garantidas simultaneamente pela lei desse Estado e pela lei do Estado de emprego (acórdãos de 6 de Março de 1979, processo 100/78, Rossi, cit.; de 12 de Junho de 1980, processo 733/79, Laterza, cit.; de 9 de Julho de 1980, processo 807/79, Gravina, Recueil 1980, p. 2205; de 19 de Fevereiro de 1981, processo 104/80, Beeck, Recueil 1981, p. 503; de 24 de Novembro de 1983, processo 320/82, D'Amano, Recueil 1983, p. 3811).

    Esta jurisprudência reafirma que o legislador comunitário não pode privar os trabalhadores de um direito obtido apenas com base na ordem jurídica do Estado em que estiveram empregados. Daqui decorre que, quando as prestações familiares são garantidas por várias ordens jurídicas, a norma regulamentar que prevê o pagamento das prestações do país de residência não tenha o efeito de suprimir o direito ao benefício mais favorável obtido no país de emprego; ao seu titular deve, assim, pagar-se, se não o benefício inteiro, pelo menos a soma que o torna superior ao do país de residência. Dito de outra forma, com o fim de evitar cumulações injustificadas, o regulamento pode suspender as prestações em um dos dois países, mas não quanto à parte que excede o montante a que o trabalhador tem direito no outro Estado.

    6. 

    Sob a égide dos princípios indicados e das interpretações que deles tem dado o Tribunal, parece-me poder excluir a consistência das teses que sustentam a validade da disposição controvertida. Eis os motivos que me induzem a esta conclusão.

    A —

    Começo, como jà fiz sub n.o 4, com a disparidade de tratamento entre o trabalhador empregado em França e aquele que trabalha num dos outros Estados.

    Aos argumentos aduzidos sobre este ponto pelos vários intervenientes tem de se reconhecer o mérito de terem feito emergir, em todo o seu alcance, o conflito subjacente à escolha entre o critério do país de emprego e o critério do país de residência no pagamento das prestações da previdência e, designadamente, dos benefícios por encargos de família. Como é sabido, sobre tal alternativa interrogou-se durante muito tempo o Conselho, primeiro ao adoptar o Regulamento 3/58, depois, no momento em que o reformou, com o Regulamento 1408/71, e, finalmente, na sequência da proposta de unificação que a Comissão lhe apresentou em 1976 (supra, n.o 3). Voltar a percorrer esses debates seria interessante mas não é oportuno. Bastará, portanto, recordar que o legislador de 1971 adoptou em princípio o critério do país de emprego e o outro, utilizou-o apenas nos casos em que, pela natureza da prestação ou pelo modo de a determinar, ele parecia mais prático. Trata-se, com efeito: a) das prestações in natura do seguro de doença dos países diversos do país devedor, as quais se equivalem em todo o espaço comunitário e não são, de qualquer forma, materialmente «exportáveis»; b) das prestações familiares pagas aos titulares de pensões ou de rendimentos a cargo de vários Estados, em virtude das dificuldades que se encontrariam ao fazer-se a divisão pro rata também das prestações familiares; c) de algumas prestações a favor dos trabalhadores fronteiriços.

    Partindo desta premissa, recuso-me com veemência a admitir que a discriminação cuja expressão analisei seja, como afirma o Conselho, inexistente. Desta tese — e em particular dos argumentos trazidos em seu apoio — direi apenas que ela está em clara ou, melhor, brutal contradição com o princípio segundo o qual o trabalhador migrante deve ser tratado segundo regras comunitárias uniformes onde quer que decida estabelecer-se. Outras e mais agudas observações críticas seriam talvez oportunas; mas — considero — seriam inadequadas à função do advogado-geral.

    Mais digna é a opinião segundo a qual a disparidade em causa é devida unicamente às diferenças que se registam nas legislações dos dez Estados. Mais digna, mas também de recusar. Tais diferenças podem, de facto, criar discriminações; a disposição controvertida cria-as inevitavelmente. Analisemos o seu modo de operar. A disposição faz depender o pagamento dos abonos de um concurso de leis: a lei francesa regula a titularidade do direito, mas é através do reenvio para a lei do Estado de residência que se define a natureza e o montante do benefício. O reenvio serve portanto para determinar à prestação e, como aconteceu no caso que deu origem ao presente processo, o seu efeito é reduzir a consistência do direito adquirido com base na lei francesa. E é este o ponto: o que gera a disparidade não é a eventual diferença entre as duas leis, mas o modo pelo qual o artigo 73.o, n.o 2, as coordena. E é esta coordenação que suprime a prestação concedida unicamente pela lei do Estado de emprego para criar artificialmente uma outra, regulada segundo a lei do Estado de residência dos familiares.

    Ora bem, é admissível uma tal supressão? Eu creio que não, e a convencer-me estão os acórdãos deste Tribunal: Rossi, Laterza, Gravina, Beeck e D'Amano. E certo que naqueles casos se tratava de prestações concorrentes, recebidas com base em várias legislações nacionais, enquanto no nosso caso a prestação é única, embora regulada por um concurso de leis. E óbvio, aliás, que uma diferença deste gênero não pode ser levada ao ponto de impedir que o princípio admitido por estė Tribunal (o trabalhador não deve ser prejudicado em virtude do lugar em que residem os seus familiares) se aplique também à situação em causa. De resto — observam o Governo helénico, o Governo italiano e o recorrente no processo principal — se ele não se aplicasse a esta situação, encontrar-nos-íamos perante uma evidente violação do artigo 51.o do Tratado CEE, que — recordo à Comissão e à Caísse — menciona outrossim as pessoas dependentes dos trabalhadores migrantes e impõe o pagamento (portanto a exportação) das prestações, seja qual for o Estado-membro em que residam os seus beneficiários.

    Nem se diga que também o critério do Estado de emprego pode ser discriminatório se o migrante se transferir de um país em que as prestações são consideráveis para um outro que lhas atribua numa medida mais limitada. A este argumento podem opor-se duas objecções. No caso do artigo 73.o, n.o 1, que precisamente faz apelo ao locus laboris, a situação é diversa, porque a redução do beneficio depende da transferência do trabalhador e não, como no n.o 2, da residência dos seus familiares. Por outro lado, calcular as vantagens e as desvantagens, comparando em ambos os casos as «prestações», é incorrecto; o cálculo é feito tendo presente que o trabalhador empregado em França, a que se aplique o n.o 2, recebe apenas os «abonos de família», enquanto que nos outros nove Estados o n.o 1 impõe o pagamento da totalidade das «prestações familiares».

    B —

    Passemos à discriminação entre o trabalhador comunitário empregado em França e o seu colega de nacionalidade francesa. Aos argumentos da Comissão, da Caisse e do Governo de Paris, que não se distinguem daqueles agora mesmo criticados, é supérfluo responder. Duas notas, pelo contrário, serão dirigidas à tese do Conselho.

    Em primeiro lugar, nem sempre é exacto que a norma controvertida favoreça o trabalhador comunitário. De facto, o direito francês admite que a permanência no estrangeiro se prolongue por mais de três meses, se a saúde ou os estudos do familiar o exigirem (ver artigo 6.o do decreto de 10 de Dezembro de 1946, com a alteração do decreto de 17 de Abril de 1972, o decreto de 14 de Maio de 1968 e, quanto à jurisprudência, da Cassation (secção social) de 27 de Janeiro de 1972 e de 22 de Março de 1973, in Droit Social 1972, p. 530, e 1973, p. 537). O que é falso, pois, é que a discriminação não exista. A discriminação existe, mas é dissimulada, porque, como põe em destaque o Governo italiano, o parâmetro «residência» actua diversamente conforme a nacionalidade do trabalhador. Por outras palavras, o núcleo familiar de quem trabalha no país de origem está, em regra, unido; a família do migrante está, em regra, desmembrada. A residência de alguns familiares em países diferentes do país de emprego é, em suma, um efeito normal da deslocação do trabalhador no território da Comunidade.

    C —

    Finalmente, vejamos a discriminação entre os trabalhadores não franceses empregados em França, conforme os filhos vivam com eles ou residam no estrangeiro. Já vimos que, para o Conselho, ela não é incompatível com o artigo 48.o, n.o 2, do Tratado. Na minha opinião, é. Proibindo qualquer discriminação em matéria de emprego, esta norma pretende, na verdade, referir-se ao complexo de condições que constituem o status do trabalhador subordinado e, por isso, também à sua situação de previdência. Ora, se isto é verdade, não se compreende por que razão, havendo paridade de contribuições pagas às entidades de segurança social e/ou de impostos pagos ao fisco do mesmo país, alguns trabalhadores comunitários deveriam, por causa da residência dos seus familiares, ser tratados de maneira menos favorável; ou até mesmo ser equiparados, como pôs em relevo Pinna, aos cidadãos extracomunitários para os quais um acordo bilateral não preveja um regime mais vantajoso.

    7. 

    Sobre o sentido do artigo 73.o, n.o 2, de desfavorecimento dos trabalhadores comunitários empregados em França cujos familiares residam num outro país, não é, portanto, possível alimentar dúvidas. Falta então apurar se a escolha operada pelo legislador está no âmbito das «modalidades objectivamente justificadas», segundo as quais, de acordo com o acórdão Triches, ele pode aplicar o artigo 51.o do Tratado. Afirmo, desde já, que, na minha opinião, a resposta deve ser negativa.

    Que justificações são invocadas no nosso caso? A única a que o legislador explicitamente se refere consta do 12.o considerando do regulamento: a elaboração de normas comuns a todos os Estados — pode ler-se — não é oportuna quando se trate de prestações «destinadas a incentivar o crescimento demográfico». O argumento parece-me ter alguma plausibilidade; mas, como observa a própria Comissão, o acórdão deste Tribunal de 12 de Julho de 1979 tirou-lhe o tapete debaixo dos pés, estabelecendo que o Regulamento 1408/71 «não faz distinção entre os regimes de segurança social... conforme... prossigam ou não fins de política demográfica» (no processo 237/78, CRAM/Toia, Recueil 1979, p. 2645, n.o 15).

    Vêm depois — e são todas menos plausíveis — as justificações aduzidas pelos intervenientes nas fases escrita e oral. Completamente inconsistente, à luz dos acórdãos Rossi e Laterza, é, por exemplo, aquela que faz apelo à natureza e ao carácter territorial das prestações; nem muito mais sólido é o argumento segundo o qual o regime dualistico em exame tutela os interesses financeiros do Estado do emprego. Na verdade, por um lado, aquele regime não liberta o dito Estado do encargo do benefício, visto que deve reembolsá-lo ao país de residência; por outro, as finanças da República Francesa não parecem ameaçadas, ao ponto de exigirem uma disciplina derrogatória ou, pelo menos, a sua vigência indeterminada. Pode acontecer que a medida das prestações francesas fosse particularmente elevada em 1971; como prova a tabela fornecida pela Comissão, não o é mais, nos dias de hoje.

    Mais ainda. Foi dito que o mecanismo do artigo 73.o, n.o 2, favorece a mobilidade dos trabalhadores porque, sendo a prestação determinada pelo Estado de residência, lhes oferece uma maior liberdade de escolha. Duvido, como, de resto, faz a Comissão, que uma tal vantagem seja suficiente para justificar um tratamento diferenciado, por si incompatível com o direito comunitário; mas duvido sobretudo que o critério do país de residência seja o único a incentivar a mobilidade. Com igual, se não maior, fundamento se poderia sustentar que o critério do país de emprego estimula o trabalhador a deslocar-se para procurar, seja qual for o lugar em que residam os familiares, as prestações que lhe sejam mais favoráveis.

    Inaceitável é também o último argumento: afirma-se que o critério do país de residência é mais justo porque permite adequar o nível das prestações ao custo do sustento dos familiares nos vários Estados, assegurando assim a igualdade dos familiares que residem no mesmo Estado. Na realidade, como muito bem disse o Governo italiano, nenhum dos dez países afere directa e especificamente as prestações pelos custos que são impostos pelo sustento da família. Entre aquelas e estes existe, isto sim, uma correspondência tendencial; mas esta correspondência é apenas um efeito secundário dos princípios de solidariedade em que se inspira toda a disciplina das relações de trabalho e de segurança social. As prestações familiares, em particular, são um elemento integrante do salário-base; a efectiva condição económico-social do trabalhador depende, portanto, do concurso de ambas as «rubricas».

    Ora, suponhamos que determinado Estado compensa o baixo nível dos salários ou (como aconteceu em Itália) a adopção de medidas limitativas da escala móvel com um forte aumento dos benefícios familiares; numa situação deste género, o critério do país de residência funcionaria de uma forma que seria tudo, menos justa. Pelo contrário, ocasionaria efeitos injustos e irracionais, privando da medida compensatória o trabalhador cujos familiares residissem num país no qual a salários mais baixos correspondem benefícios menos elevados. E o mesmo aconteceria nos Estados que concedem prestações familiares consideráveis, mas não prevêem deduções de imposto por encargos de família. Aplicando o critério do país de residência, o trabalhador correria o risco de pagar integralmente os impostos e, ao mesmo tempo, receber benefícios mais exíguos.

    Em definitivo, o artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento 1408/71 é: a) discriminatório relativamente aos trabalhadores comunitários sujeitos ao ordenamento francês cujos familiares residam noutros Estados-membros; b) contrário, por isso mesmo, às regras do Tratado; c) desprovido de qualquer justificação objectiva. Não deve, portanto, ser considerado válido. Aconselho a adopção desta solução, atenuando-lhe, naturalmente, os efeitos com as correcções que, tendo em vista a segurança jurídica, foram determinadas numa série de decisões e, por último, no acórdão de 27 de Fevereiro de 1985 (processo 112/83, Société des produits de maïs SA).

    8. 

    Falta examinar os outros dois problemas — a vigência actual da disposição controvertida e o significado do conceito de residência que ela emprega — sobre os quais vos interroga o juiz do reenvio. Em boa verdade, eles estão resolvidos pela conclusão que acabo de apontar; mas o advogado-geral deve fazer uma análise completa e eu não pretendo subtrair-me a este dever.

    Sobre o primeiro ponto, Pinna afirmou que a norma deixou de vigorar, pelo decurso do prazo estabelecido no artigo 98.o do Regulamento 1408/71, permitindo assim a aplicação da lex loci laboris (artigo 73.o, n.o 1) em toda a área comunitária. Confirmam esta interpretação os acórdãos de 8 de Abril de 1976, processo 43/75, Defrenne, Recueil 1976, p. 455, e de 29 de Março de 1979, processo 231/78, Comissão/Reino Unido, Recueil 1979, p. 1447. Análogo, mas mais elaborado, é o argumento aduzido pelo Governo italiano. O artigo 98.o — sustentou o seu representante — não prevê a adopção pura e simples de uma nova disciplina; exige, pelo contrário, que o «reexame» do regime vigente, a iniciar antes de 1 de Janeiro de 1973, «ultrapasse» o dualismo em que ele se baseia. Na sua lògica, portanto, o dia 1 de Janeiro de 1973 não tem o valor de um termo final quanto à duração do reexame, mas sim quanto à vigência da norma a reexaminar. O Governo helénico, por seu lado, chega à mesma conclusão, observando que tal norma tem um carácter não só derrogatório, mas também, e sobretudo, transitório.

    Contra a tese da caducidade alinham, pelo contrário, o Conselho, a Comissão, o Governo francês e a Caisse. Na sua opinião, a cláusula de reexame em discussão não é uma novidade. Ela figura em outros actos comunitários e, tal como nestes, não implica nenhum limite temporal para a vigência da norma que é seu objecto. A norma continua, portanto, a ser aplicável até ser modificada ou revogada; e isto também porque (a nota é do Conselho) a sua caducidade daria lugar a um vazio jurídico, não tendo o artigo 98.o pré-estabelecido se o reexame deve dar origem à aplicação generalizada da lex loci laboris ou do critèrio do Estado de residência. Inconclusivos são, por outro lado, os acordãos invocados por Pinna. O acórdão Defrenne, de facto, refere-se a uma obrigação de resultado, para cujo cumprimento o artigo 119.o do Tratado prevê um prazo imperativo; e na decisão do processo 231/78 tratava-se de identificar o alcance de uma disposição transitória do acto de adesão da Grã-Bretanha à Comunidade.

    Acrescente-se — conclui a Comissão — que o legislador, se quisesse apor um prazo à disposição, teria utilizado a fórmula a que, para o mesmo problema, recorreu no acto de adesão da Grécia. Estabelece, com efeito, o artigo 48.o deste acto que «até 31 de Dezembro de 1983, o disposto nos nos 1 e 3 do artigo 73.o... não é aplicável aos trabalhadores gregos que exerçam uma actividade laboral num Estado-membro, com excepção da Grécia, cujos familiares residam na Grécia. O disposto no n.o 2 do artigo 73.o... é aplicável, por analogia, a estes trabalhadores».

    Sou de opinião que ao artigo 98.o (agora 99.o) não pode ser reconhecida força suficiente para fazer caducar automaticamente o n.o 2 do artigo 73.o no dia 1 de Janeiro de 1973. Depõe nesse sentido a letra da disposição, que as teses dos governos italiano e helénico, conquanto engenhosas, ignoram ou distorcem; nem pode subestimar-se o facto de que, aos olhos do legislador (ou seja, concretamente, dos dez Estados), o artigo 73.o, n.o 2, continuava a ser considerado vigente nas ocasiões em que o Conselho o discutiu e durante a celebração do tratado com a Grécia. Nesta óptica, é necessário admiti-lo, o último argumento da Comissão tem um peso nada negligenciável.

    Mas, atenção: tudo isto não equivale a dizer que o artigo 98.o (99.o) tenha um valor meramente optativo ou que tenha um conteúdo neutro. Não é verdade, de facto, que seja assimilável às muitas cláusulas de reexame de que há vestígio na legislação comunitária: estas visam tão só assegurar uma evolução «fisiológica» do sistema, prevendo adaptações ou aperfeiçoamentos técnicos; aquela está formulada de modo a levar os seus autores a ter consciência de ter dado vida a um sistema coxo e de que devem, quanto antes, endireitá-lo. Em segundo lugar, duvido fortemente que a solução a que o reexame teria conduzido em 1971 fosse, como afirma o Conselho, uma questão em aberto. Duvido que o fosse, porque me parece inconcebível que o legislador pudesse pensar estender a toda a Comunidade um critério segundo o qual, como é o caso do do Estado de residencia, o conteúdo dos direitos adquiridos com base nas ordens jurídicas nacionais acaba por ser mais ou menos incisivamente reduzido. De qualquer modo, a reforma que o artigo 98.o preconiza, mesmo admitindo que estivesse então em aberto, deixou de o estar em 13 de Julho de 1976: ou seja, a partir da data do primeiro acórdão (Triches) em que o Tribunal esclareceu que aquela redução é incompatível com o direito comunitário.

    9. 

    Algumas palavras, para terminar, sobre o conceito de residência. No sentido de que, para a sua determinação, se deve recorrer à lei do Estado competente, pronunciaram-se o Governo francês e a Caísse. Segundo a opinião de todos os outros intervenientes (com excepção do Conselho, que sobre o ponto não tomou posição), aquele conceito — empregue, entre outros, pelo artigo 51.o do Tratado, a que o Regulamento 1408/71 pretende dar aplicação — tem carácter comunitário.

    Sou desta última opinião. O regulamento, de facto, não se limita a referir a noção de residência mas, no artigo 1.o, alínea h), define-a, afirmando que significa a «residência habitual» [enquanto — ver alínea i) — a estada, em sentido próprio, é «temporária»]. Acrescente-se que tal definição corresponde àquela que o Tribunal deu do mesmo termo numa série de decisões relativas à segurança social dos trabalhadores migrantes. Residência — afirmou o Tribunal — é o «centro habitual ou permanente dos interesses de um indivíduo»; reside num certo lugar quem tem com ele ligações profissionais ou afectivas e a duração da permanência que aí se verifique conta apenas na medida em que permite fazer luz sobre essas ligações. (Ver o acórdão de 12 de Julho de 1973, processo 13/73, Angenieux/Hakenberg, Recueil 1973, p. 935, e de 17 de Fevereiro de 1977, processo 76/76, Di Paolo/Office national de l'emploi, Recueil 1977, p. 315).

    A residência, noutros termos, não se fundamenta simplesmente sobre um dado material, como a fixação de uma morada; mais importante é a vontade de dar a esta última um caracter estável. Donde decorre que se pode residir num sítio mesmo que aí se passem poucos meses; e, vice-versa, uma estada prolongada pode não se traduzir em residência, como acontece quando o interessado a prolongue por razões de estudo, de trabalho, de tratamento ou de distracção, mas não pretenda conferir-lhe estabilidade. Dito isto, caberá ao juiz nacional avaliar, em relação ao caso concreto que lhe é submetido, se a estadia que os familiares do trabalhador migrante tenham efectuado num outro país tem aspectos que permitam presumir a intenção de transferir para aí o centro dos seus interesses e, por isso, de alterar a sua residência.

    10. 

    Por todas as considerações até aqui expendidas, concluo sugerindo ao Tribunal que responda como se segue às questões formuladas pela Cour de cassation da República Francesa, por decisão de 11 de Janeiro de 1984, n.o 218, no processo entre Pietro Pinna e a Caisse d'allocations familiales de la Savoie:

    O artigo 73.o, n.o 2, do Regulamento do Conselho n.o 1408/71 é incompatível com os artigos 48.o a 51.o do Tratado CEE, porque viola o princípio da igualdade de tratamento em matéria de trabalho e segurança social.

    Tendo em atenção esta resposta, proponho ao Tribunal que não se pronuncie sobre as restantes questões.


    ( *1 ) Tradução do italiano.

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