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Document 61983CJ0270

Acórdão do Tribunal de 28 de Janeiro de 1986.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
Liberdade de estabelecimento das sociedades de seguros - Imposto sobre as sociedades e crédito fiscal.
Processo 270/83.

Colectânea de Jurisprudência 1986 -00273

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1986:37

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

28 de Janeiro de 1986 ( *1 )

No processo 270/83,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Georges Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Gérard Druesne, professor na Universidade de Nancy-II, decano da Faculdade de Direito e de Ciências Económicas de Nancy, tendo escolhido como domicílio no Luxemburgo o escritório de Georges Kremlis, membro do Serviço Jurídico, bâtiment Jean Monnet, Kirchberg,

requerente

contra

República Francesa, representada por François Renouard, na qualidade de agente, e por Alain Sortais, na qualidade de agente substituto, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na embaixada de França,

requerida

que visa obter a declaração de que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, e especialmente do artigo 52.o, ao não conceder o benefício do crédito fiscal às sucursais e agências em França das sociedades de seguros estabelecidas em outro Estado-membro,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, U. Everling, K. Bahlmann e R. Joliét, presidentes de secção, T. Koopmans, O. Due, Y. Galmot, C. Kakouris e T. F. O'Higgins, juízes,

advogado-geral: G. F. Mancini

secretário: D. Louterman, administradora

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 16 de Outubro de 1985,

profere o presente

ACÓRDÃO

Dos factos

Os elementos de facto, a tramitação do processo, os pedidos e as alegações das partes, apresentados no decurso da fase escrita do processo podem ser resumidos do seguinte modo:

I — Exposição dos factos

1. As disposições francesas em matéria de crédito fiscal

O artigo 205.o do Code genéral des impôts francês prevê, para as sociedades e outras pessoas colectivas designadas no artigo 206.o, um imposto sobre o total dos lucros ou rendimentos realizados pelas sociedades e pessoas colectivas tributáveis. Este imposto é denominado imposto sobre as sociedades. A sua taxa é de 50 %. Constitui, para as sociedades e pessoas colectivas sobre as quais incide, o equivalente do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, previsto no artigo 1.o do Code géneral des impôts.

As sociedades, em princípio, estão sujeitas ao imposto sobre sociedades, independentemente do lugar em que esteja situada a sua sede social ou o centro das suas actividades. O artigo 209.o do Code general des impôts dispõe que, para este efeito, são unicamente tomados em consideração os lucros realizados nas empresas que operam em França, bem como aqueles cuja tributação é atribuída à França por uma convenção internacional relativa à dupla tributação.

A fim de limitar a tributação cumulativa dos dividendos distribuídos pelas sociedades, que são tributados uma primeira vez, através do imposto sobre as sociedades no que diz respeito àquelas que distribuem dividendos e, em seguida, uma segunda vez, ao nível dos beneficiários, quer através do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, quer através do imposto sobre sociedades, o artigo 158.o A do Code général des impôts previu um crédito de imposto chamado «crédito fiscal», em benefício daqueles que recebem dividendos. Este artigo está assim redigido:

«As pessoas que recebem dividendos distribuídos por sociedades francesas dispõem a este título de um rendimento composto:

pelas somas que recebem da sociedade;

por um crédito fiscal, representado por um crédito sobre a Fazenda Pública.

Este crédito de imposto é igual à metade das somas efectivamente pagas, desembolsadas pela sociedade.

Pode ser utilizado somente no caso de o rendimento estar incluído na matéria colectável do imposto sobre o rendimento devido pelo beneficiário.

É recebido quando do pagamento deste imposto.

...»

O artigo 158.o B do Code général des impôts limita o benefício do crédito fiscal às «pessoas que têm o seu domicilio efectivo ou a sua sede social em França».

O artigo 242.o C do Code général des impôts dispõe:

«O benefício do crédito fiscal pode ser concedido às pessoas domiciliadas no território dos Estados que celebraram com a França convenções no sentido de evitar a dupla tributação. As modalidades e as condições de aplicação são determinadas para cada país através de um acordo diplomático.»

Resulta dessas normas que, salvo disposição em contrário de uma convenção sobre a dupla tributação, se as sociedades e pessoas colectivas com sede em França, incluindo as filiais constituídas em França por sociedades estrangeiras, beneficiam do sistema do crédito fiscal, tal benefício é recusado às agências e sucursais das sociedades estabelecidas em França que possuam sede social no estrangeiro. Como estipula uma circular administrativa de 30 de Julho de 1976, os dividendos distribuídos pelas sociedades francesas às sociedades estrangeiras que tenham um estabelecimento em França não podem beneficiar do crédito fiscal, mesmo que, por outro lado, estes dividendos figurem nos resultados deste estabelecimento, sujeitos a tributação em França.

A Loi des finances para 1978 (77-1467, de 30 de Dezembro de 1977) prevê, no seu artigo 15.o, que as sociedades de seguros, de resseguros e de capitalização podem deduzir do imposto sobre as sociedades de que são devedoras a totalidade do crédito de imposto que, de acordo com o artigo 158.o A do Code général des impôts, é aplicado aos dividendos por elas recebidos.

2. A face pré-contenciosa

Por carta datada de 29 de Julho de 1981, a Comissão informou o Governo francês, em conformidade com o artigo 169.o do Tratado CEE, que, na sua opinião, o facto de aplicar às agências e sucursais em França das sociedades de seguros estabelecidas em outro Estado-membro um regime diferente, em matéria de crédito fiscal, do aplicado às sociedades de seguros francesas constituía uma discriminação contrária ao disposto no artigo 52.o do Tratado CEE.

Na sua resposta de 30 de Dezembro de 1981, o Governo francês esclareceu que se tratava apenas de um aspecto específico do problema mais geral da utilização do crédito fiscal pelas pessoas singulares e colectivas que residem fora de França e que exercem uma actividade neste país. Alegou que esta regulamentação se justificava pelo facto de a situação fiscal de uma sociedade francesa, em diferentes domínios, não ser idêntica à de um estabelecimento permanente (agência ou sucursal), pertencente a uma sociedade estrangeira, que não seria dotado de personalidade jurídica. Os problemas fiscais daí resultantes não poderiam ser resolvidos unilateralmente com base no artigo 52.o do Tratado CEE, mas apenas no quadro de uma aproximação das legislações fiscais em matéria de impostos directos, ou, a nível bilateral, no quadro de convenções fiscais. Qualquer outra solução criaria um risco de evasão fiscal.

Em 4 de Maio de 1983, a Comissão emitiu um parecer fundamentado, nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE, declarando que, ao não conceder às sucursais e agências, em França, das sociedades de seguros estrangeiras estabelecidas em outro Estadomembro o beneficio do crédito fiscal, nas mesmas condições das sociedades francesas, o Governo francês não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, especialmente do seu artigo 52.o A regulamentação francesa em questão forçaria as sociedades estrangeiras a criar em França sociedades filiais, ou seja, sociedades de direito francês, e desfavoreceria as sucursais e agências sem personalidade jurídica própria, esvaziando do seu conteúdo o artigo 52.o do Tratado. Os trabalhos de harmonização encetados não poderiam dispensar os Estados-membros da obrigação de aplicarem, desde logo, o seu próprio sistema fiscal de forma não discriminatória.

Por ofício de 6 de Julho de 1983, o Governo francês respondeu que não era possível modificar unilateralmente o regime fiscal das sucursais instaladas em França pelas sociedades de seguros estrangeiras. Para chegar a uma igualdade fiscal absoluta entre as filiais e as sucursais de sociedades de seguros estrangeiras, seria necessário alterar todo um conjunto de disposições, algumas das quais favorecem as sucursais em relação às filiais. Além disso, uma medida que se limitasse às sociedades de seguros seria discriminatória, pois o problema diria respeito às sucursais de todas as sociedades estrangeiras. Aliás, uma sociedade estrangeira teria sempre a possibilidade de criar em França uma sociedade filial, a fim de poder beneficiar do crédito fiscal.

II — Tramitação do processo e pedidos

1.

Através de um requerimento, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 12 de Dezembro de 1983, a Comissão propôs uma acção contra a Republica Francesa, nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar que a República Francesa, ao não conceder às sucursais e agências em França das sociedades de seguros estrangeiras estabelecidas em outro Estado-membro da Comunidade o benefício do crédito fiscal, nas mesmas condições das sociedades francesas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, especialmente do seu artigo 52.o;

condenar a República Francesa nas despesas do processo.

2.

A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

indeferir o pedido da Comissão;

condenar a requerente nas despesas do processo.

3.

A fase escrita do processo decorreu normalmente.

O Tribunal, ouvido o advogado-geral, decidiu dar início à fase oral do processo, sem proceder a medidas prévias de instrução. As partes, entretanto, foram convidadas a responder por escrito a determinadas questões, antes da audiência.

III — Fundamentos e argumentos das partes, expostos no decurso da fase escrita do processo

1. Quanto ao caracter discriminatório do regime francês do crédito fiscal

a)

A Comissão argumenta que o regime francês em causa contraria o disposto no segundo parágrafo do artigo 52.o do Tratado CEE, por ser discriminatório em relação às sociedades constituídas segundo o direito de outro Estado-membro.

Este regime trataria de modo diferente as sociedades de seguros francesas, incluindo as filiais francesas de sociedades estrangeiras, por um lado, e as agências e sucursais francesas das sociedades de seguros com sede social em outro Estado-membro, por outro, apesar de não existir nenhuma diferença entre o exercício em França da actividade de seguros por uma sociedade francesa e o exercício da mesma actividade pela sucursal de uma sociedade estrangeira. O regime em causa colocaria numa situação menos favorável as agências e sucursais, às quais é recusado o benefício do crédito fiscal. A este respeito, a Comissão argumenta a partir de um exemplo, traduzido nos seguintes números: para um mesmo dividendo distribuído de 100 FF, uma sociedade com sede em França pagaria 25 FF a título de imposto sobre as sociedades, ou seja [(100 + 50) x 50 %] — 50, ao passo que a agência ou a sucursal de uma sociedade que tenha a sua sede em outro Estado-membro pagaria 50 FF a título de imposto, isto é, 100 x 50%.

A diferença essencial entre a filial francesa de uma sociedade estrangeira e uma agência ou sucursal consistiria no facto de a filial não ser outra coisa que uma sociedade de direito francês, enquanto a agência e a sucursal permanecem parte integrante da sociedade de direito estrangeiro. A discriminação criticada resultaria, portanto, do facto de, para uma mesma actividade, uma sociedade de direito francês e uma sociedade constituída segundo o direito de outro Estado-membro estarem sujeitas a regimes fiscais diferentes. Ora, o critério da sede social equivaleria efectivamente a fazer uma distinção segundo um critério equiparável ao da nacionalidade para uma pessoa singular, pois a sede de uma sociedade serviria para determinar a sua sujeição a uma determinada legislação. De resto, o facto de tomar em consideração o domicílio de uma pessoa constituiria uma discriminação dissimulada.

Desta desigualdade de tratamento resultaria uma dupla desvantagem para as sociedades estrangeiras que exercem as suas actividades em França por intermédio de uma sucursal ou agência. Por um lado, o regime em causa poderia fazer com que as sociedades estrangeiras fossem obrigadas a praticar tarifas mais elevadas que as suas concorrentes francesas e, deste modo, falsear a concorrência, infringindo o disposto na alínea f) do artigo 3.o do Tratado. Por outro lado, restringiria a liberdade de escolha das agências e sucursais das sociedades de seguros estrangeiras na composição das suas carteiras de títulos e para os seus investimentos mobiliários, pois a primeira Directiva 73/239 do Conselho, de 24 de Julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo que não o de vida e ao seu exercício (JO 1973, L 228, p. 3; EE 06, fasc. 01, p. 143) e a primeira Directiva 79/267 do Conselho, de 5 de Março de 1979, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo de vida e ao seu exercício (JO 1979, L 63, p. 1; EE 06, fasc. 02, p. 62), bem como a legislação francesa adoptada para dar cumprimento a estas directivas, ao imporem a constituição de reservas técnicas «de activos equivalentes, congruentes e localizados em cada país de exploração», o que pressuporia a «representação dos compromissos exigíveis numa moeda por activos liberados ou realizáveis nessa mesma moeda», impediriam as sucursais das sociedades de seguros estrangeiras de possuir participações estrangeiras, de modo que seriam praticamente obrigadas a constituir as suas carteiras com obrigações francesas, que não beneficiam do crédito fiscal.

A discriminação de que são vítimas as sociedades que estão subordinadas ao direito de um outro Estado-membro apareceria de forma ainda mais nítida pelo facto de o direito fiscal francês, no artigo 209.o do Code general des impôts, recorrer, para possibilitar a tributação, a um critério diferente do utilizado para evitar a isenção. Com efeito, do ponto de vista da tributação, às sucursais das sociedades subordinadas ao direito de um outro Estado-membro seria aplicado o mesmo regime que às sociedades francesas, sendo idênticas em ambos os casos a determinação da matéria colectável e da taxa, ao mesmo tempo que a isenção lhes seria recusada. De acordo com o princípio da territorialidade do imposto, uma sociedade francesa ou a sucursal em França de uma sociedade estrangeira somente seriam tributadas quanto aos rendimentos resultantes das suas actividades em França e a actividade da sucursal estrangeira de uma sociedade francesa não estaria sujeita a imposto em França.

A escolha da forma de estabelecimento secundário — filial, agência ou sucursal — não seria de maneira alguma indiferente. Por um lado, a criação de uma filial seria mais onerosa, por causa das despesas inerentes à constituição de uma nova sociedade. Por outro, a criação de uma nova sociedade poderia de certo modo ocultar a antiguidade e a reputação de uma sociedade de seguros com sede em outro Estado-membro.

Seria também totalmente inaceitável querer subordinar a extensão do crédito fiscal às agências e sucursais das sociedades de seguros estabelecidas em outro Estado-membro ao reconhecimento do mesmo benefício às sociedades francesas, no quadro de convenções fiscais bilaterais. No seu acórdão de 25 de Outubro de 1979 (Comissão/Itália, 159/78, Recueil 1979, p. 3247), o Tribunal observou que não se pode fazer depender as obrigações resultantes do disposto no artigo 52.o da condição de reciprocidade. Aliás, ainda que alguns Estados-membros tivessem ainda hoje a mesma atitude que a França no que respeita ao benefício do crédito fiscal, uma decisão do Tribunal nesta matéria impor-se-ia a todos os Estados-membros, que, deste modo, deveriam suprimir igualmente esta restrição, sendo deste modo satisfeita a exigência de reciprocidade. Esta mesma exigência seria, além disso, redundante para a Comunidade, pois, à excepção da Grécia, onde os dividendos podem ser deduzidos pela empresa que os distribui, bem como do Luxemburgo e dos Países Baixos, que aplicam o sistema clássico de tributação, em todos os outros Estados-membros, ou o benefício do crédito fiscal já é extensivo às sucursais das sociedades estrangeiras (Alemanha, Dinamarca, Itália), ou os dividendos recebidos não estão sujeitos a imposto (Bélgica, Irlanda, Reino Unido). Por outro lado, as convenções relativas à dupla tributação celebradas após a entrada em vigor do Tratado CEE não poderiam ter efeitos incompatíveis com as disposições deste, e o primado do direito comunitário sobre o direito interno opor-se-ia à possibilidade de invocar, neste caso concreto, contra uma norma de direito comunitário, uma disposição incluída na hierarquia das normas do direito francês, como seria o caso, de acordo com o artigo 55.o da Constituição francesa, das convenções internacionais.

b)

O Governo francês sustenta que a fiscalidade directa, no estado actual do direito, é da competência dos Estados-membros que, sem prejuízo das disposições do Tratado, podem organizá-la como entenderem e concertar-se por meio de convenções internacionais, se necessário. Haveria que situar a não atribuição do crédito fiscal às agências e sucursais das sociedades que não tenham sede em França no conjunto formado pelas disposições do Code général des impôts e das convenções relativas à dupla tributação.

Não estaria em causa o princípio de não discriminação, uma vez que a situação do estabelecimento permanente difere da de uma entidade com personalidade jurídica própria, apresentando cada uma destas formas vantagens e desvantagens para as sociedades que pretendam exercer as suas actividades em França. Em conformidade com os princípios consagrados do direito internacional e com a prática da maior parte dos Estados-membros, essas diferenças teriam levado a França a aplicar o regime fiscal dos não residentes aos estabelecimentos permanentes. A distinção entre residentes e não residentes seria praticada pela maioria dos Estados e, em todos estes Estados, seria considerada necessária e não discriminatória.

O Governo francês assinala a importância do critério da residência para as pessoas singulares e da sede para as pessoas colectivas no sistema francês da fiscalidade directa. Para as sociedades, o critério da residencia estaria baseado, no direito francês, como na maior parte dos outros sistemas fiscais, no lugar da sede ou da direcção efectiva da entidade jurídica. Quer se trate de pessoas singulares ou colectivas, a distinção entre residentes e não residentes não estaria baseada na nacionalidade. A própria Comissão admitiria a possibilidade'desta distinção para as pessoas singulares. Já que o direito internacional não reconhece personalidade jurídica ao estabelecimento permanente, este só poderia estar sujeito ao regime da sociedade de que emana e que seria o da sede. Assim, dado que os territórios franceses ultramarinos possuem um sistema fiscal próprio, uma sociedade cuja sede estivesse situada nessa parte do território francês não beneficiaria do crédito fiscal, enquanto uma filial com sede social em França estaria sujeita à fiscalidade dos residentes, muito embora estivesse ligada a interesses estrangeiros ou domiciliados nos territórios ultramarinos.

O critério do direito fiscal internacional baseado na sede teria sido retomado igualmente pelo modelo de convenção relativa à dupla tributação adoptado pela OCDE. As convenções que se propõem evitar a dupla tributação, celebradas pela França com diversos países, entre os quais todos os Estados-membros, não obstante as particularidades resultantes das características dos diferentes sistemas nacionais de tributação em causa, estabeleceriam todas uma distinção entre residentes e não residentes e classificariam as sucursais e agências das sociedades com sede no estrangeiro entre os estabelecimentos permanentes, sujeitos a disposições específicas. Estas convenções basear-se-iam igualmente no princípio de não discriminação.

O regime fiscal aplicado aos estabelecimentos permanentes em matéria de crédito fiscal seria certamente diferente, mas não seria discriminatório, porquanto esta diferença corresponde a situações objectivamente diversas. Esta diferença assenta num critério de residência e não de nacionalidade. A ausência de personalidade jurídica própria do estabelecimento permanente permitir-lhe-ia operar em condições mais vantajosas que as filiais, graças à possibilidade de que dispõe de utilizar os capitais e certos elementos de exploração da sociedade não residente e de beneficiar da reputação desta sociedade e das suas garantias de solvabilidade.

Embora o regime aplicado aos estabelecimentos permanentes não comporte a atribuição do crédito fiscal, seria mais favorável, em contrapartida, que o das filiais sob outros aspectos. Os estabelecimentos permanentes não estariam sujeitos às imposições que oneram as vicissitudes por que passa uma sociedade de direito francês, incluindo a filial, em caso de constituição, aumento de capital, transformação, etc. Por aplicação das convenções celebradas com os demais Estados-membros, os lucros realizados em França pelo estabelecimento permanente não estariam sujeitos ao imposto que onera a sociedade não residente no país onde tem a sua sede. Finalmente, no quadro das convenções relativas à dupla tributação, e em conformidade com a doutrina elaborada pela OCDE, a França teria renunciado a aplicar uma retenção na fonte em relação aos lucros distribuídos no estrangeiro.

A solução preconizada pela Comissão colocaria também o problema do desconto antecipado, contrapartida do crédito fiscal: de facto, o crédito fiscal apenas seria concedido no caso de o imposto sobre as sociedades que está na sua origem ter sido pago à taxa de 50 %, ao passo que no caso contrário, por exemplo, da tributação das mais-valias à taxa de 15 %, a sociedade que distribui dividendos deve pagar um complemento de imposto, o chamado desconto antecipado.

As desvantagens que, segundo a Comissão, teria o regime fiscal dos estabelecimentos permanentes não se verificariam na realidade. Os princípios de representação dos compromissos técnicos e de congruência impostos pela Directiva 73/239 do Conselho, de 24 de Julho de 1973 e pelo Code français des assurances não exigiriam, de forma alguma, a detenção de acções na carteira de uma seguradora, mas limitar-se-iam a prever para as mesmas uma percentagem máxima autorizada, a par das obrigações. Além disso, uma sucursal poderia possuir, além das obrigações, acções estrangeiras cotadas em França. De qualquer modo, a limitação do volume de acções que uma sociedade pode possuir e o menor rendimento deste tipo de investimento reduziriam o impacto financeiro — admitindo que existisse — da não atribuição do crédito fiscal aos estabelecimentos permanentes. O interesse essencial de um investimento em acções residiria na possibilidade de realizar eventuais mais-valias em capital, de que disporiam as sucursais, tanto quanto as sociedades com sede em França. Aliás, algumas sociedades de seguros que praticam as menos elevadas tarifas no mercado francês possuiriam unicamente obrigações. A experiência mostraria, por outro lado, que as sociedades de seguros que operam sob a forma de sucursais ou agências não praticariam tarifas mais elevadas, o que não seria surpreendente, pois a competitividade e o nível das tarifas dependeriam muito mais do nível das despesas gerais, do tipo de distribuição e da política de subscrição que do benefício do crédito fiscal sobre uma parte, de qualquer forma limitada, dos activos detidos em carteira.

A solução preconizada pela Comissão faria com que a França fosse levada a perturbar, unilateralmente, o equilíbrio estabelecido pelas convenções relativas à dupla tributação com os outros Estados-membros. Não se poderia prescindir da existência das convenções relativas à dupla tributação para apreciar o caracter discriminatório ou não do sistema francês. Estas convenções estariam baseadas no princípio de não discriminação e teriam por finalidade excluir a principal causa de discriminação, ou seja, a dupla tributação. Uma acção unilateral não seria apta a realizar estes objectivos; pelo contrário, o quadro bilateral dessas convenções permitiria encontrar soluções equilibradas.

c)

A Comissão objecta, a respeito das vantagens que, de acordo com o Governo francês, teria o regime dos estabelecimentos permanentes, que não se deveria estabelecer um paralelo, como faz o Governo francês, entre o pagamento do imposto sobre as sociedades, que é anual, com o dos direitos de registo, que, se uma sociedade não sofre transformações, são devidos uma única vez na vida de uma sociedade, aquando da sua constituição.

No que diz respeito às tarifas praticadas, a Comissão admite que as sucursais das sociedades de seguros estrangeiras não praticam tarifas mais elevadas que as suas concorrentes francesas. Isto, no entanto, significaria simplesmente que somente as sociedades estrangeiras com muito bons resultados exercem uma actividade em França por intermédio de uma sucursal, apesar de um regime fiscal desfavorável. Se a norma da congruência dos activos não obriga a possuir apenas acções francesas, teria por efeito, todavia, que, por causa da recusa da concessão do crédito fiscal, a sucursal de uma sociedade estrangeira disporia de possibilidades mais reduzidas para compor a sua carteira de títulos que uma sociedade com sede em França.

2. Quanto à existência de uma restrição indirecta ao estabelecimento secundário

a)

A Comissão alega, em segundo lugar, que este regime fiscal constitui uma restrição indirecta ao estabelecimento a título secundário, na acepção do disposto no primeiro parágrafo do artigo 52.o do Tratado CEE, e à escolha por parte das sociedades dos outros Estados-membros da agência ou sucursal como forma de exercício da sua actividade em França.

Uma sociedade que beneficie, nos termos do artigo 58.o do Tratado CEE, do direito de estabelecimento no território de um outro Estado-membro poderia fazê-lo, de acordo com o artigo 52.o, sob a forma de agência, sucursal ou filial. Além disso, a diferença do regime fiscal forçaria as agências e sucursais das sociedades estrangeiras a definir os princípios da sua gestão financeira em condições diferentes daquelas que se aplicam às sociedades com sede em França. Em especial, a norma da congruência e as possibilidades mais reduzidas para compor a carteira de uma sucursal daí resultantes poderiam constituir uma incitação à escolha da forma da sociedade filial, de preferência à da sucursal, para evitar a desvantagem da recusa da concessão do crédito fiscal.

O direito fundamental de estabelecimento, conferido directamente pelo Tratado, e susceptível de ser invocado pelos nacionais dos Estados-membros perante os órgãos jurisdicionais nacionais, tornaria as disposições fiscais inaplicáveis às sociedades de seguros com sede em um outro Estado-membro e que tenham aberto em França uma agência ou sucursal. É verdade que o Conselho ainda não adoptou a proposta de directiva da Comissão, de 1 de Agosto de 1985, sobre a harmonização dos sistemas de impostos sobre as sociedades e dos regimes de retenção na fonte sobre os dividendos (JO C 253, de 5.11.1975, p. 2). Mas a falta de conclusão dos trabalhos de harmonização não poderia dispensar os Estados-membros da obrigação de aplicarem o seu próprio sistema fiscal de modo não discriminatório. A este respeito, poder-se-ia aplicar, sem dificuldade, a argumentação do Tribunal em matéria de livre circulação de mercadorias (ver acórdão de 9 de Dezembro de 1981, Comissão/Itália, 193/80, Recueil, p. 3019) à liberdade de circulação de pessoas. O artigo 52.o deveria produzir todos os seus efeitos, independentemente da aproximação dos sistemas fiscais.

b)

O Governo francês considera que uma restrição indirecta à criação de uma sucursal ou agência poderia resultar apenas da existência de uma discriminação real, que tornasse o exercício da actividade de seguro, sob a forma de estabelecimento secundário, desfavorável em relação ao seu exercício sob a forma de sociedade filial. Ora, não existiria nenhuma desvantagem. Em contrapartida, a modificação do regime proposto pela Comissão desfavoreceria as filiais, que são as únicas que devem suportar as despesas jurídicas de constituição e os encargos de transmissão, bem como os inconvenientes derivados da sua condição de sociedades filiais.

O Governo francês faz notar ainda que não foi feito qualquer apelo às sociedades estrangeiras para que escolham a forma de sociedade filial de preferência à de um estabelecimento permanente, dado que a questão do crédito fiscal somente se põe para as acções francesas; além disso, as carteiras das seguradoras podem conter acções estrangeiras cotadas em França e, enfim, o rendimento médio muito inferior das acções permite concluir que a recusa do crédito fiscal não constitui um elemento determinante para a escolha das sucursais.

3. Quanto a outros argumentos que poderiam justificar a recusa do crédito fiscal

a)

De acordo com o Governo francês, aceitar a tese da Comissão implicaria estabelecer uma discriminação entre sectores de actividades, em benefício do sector dos seguros.

Além disso, o facto de se conceder o crédito fiscal ao estabelecimento permanente criaria riscos de evasão fiscal. Com efeito, nas convenções relativas à dupla tributação em que a França é parte, o crédito fiscal nunca pode ser concedido às sociedades estrangeiras que detêm uma participação importante no capital da sociedade francesa que distribui dividendos. A atribuição do crédito fiscal ao estabelecimento permanente poderia, assim, incitar as sociedades estrangeiras a inscreverem no activo de um estabelecimento permanente em França as acções que possuam de sociedades francesas, com o único objectivo de beneficiarem de um tratamento fiscal mais favorável. As vantagens, para a sociedade, de uma ligação das acções francesas que possua em carteira a um estabelecimento permanente em França, e, por conseguinte, os riscos de evasão fiscal, estariam demonstrados por uma comparação entre as somas efectivas recebidas, conforme os títulos estejam inscritos no activo da sociedade estrangeira, ou no do estabelecimento permanente.

b)

No que respeita ao argumento baseado na criação de uma discriminação entre sectores de actividades, a Comissão observa que o Tratado CEE proíbe apenas as discriminações entre os nacionais de um Estado-membro e os de outro Estado-membro, e não as discriminações referentes ao sector de actividade. Mas, antes de tudo, o benefício do crédito fiscal deveria ser reconhecido no futuro para todas as sucursais e agências em França das sociedades estabelecidas em outro Estado-membro, qualquer que seja a sua actividade, devendo-se a limitação do presente recurso ao sector dos seguros ao facto de que foi sobre este domínio que foi chamada a sua atenção, ao mesmo tempo que a solução que será dada pelo Tribunal neste processo terá um alcance geral.

A Comissão contesta a existência de um risco de evasão fiscal. A sociedade estrangeira que possui, ela mesma, acções de sociedades francesas somente estaria sujeita em França a uma tributação limitada e seria principalmente tributada no seu próprio país; de acordo com as convenções quanto à dupla tributação, poderia beneficiar de vantagens como o crédito fiscal. Pelo contrário, os dividendos recebidos por um estabelecimento permanente em França estariam sujeitos à plena tributação em França — e, em geral, isentos no seu próprio país — e o crédito fiscal ser-lhe-ia recusado. O caso da agência ou sucursal de uma sociedade estrangeira detentora de acções seria, pois, o único em que há uma desvantagem muito nítida.

O facto de inscrever acções no activo da sucursal em França de uma sociedade estrangeira não ocasionaria nenhuma diminuição do montante do imposto cobrado em França. Se as acções continuassem detidas pela sociedade estrangeira na sua sede, aplicar-se-ia à distribuição uma retenção na fonte à taxa — de acordo com as convenções sobre a dupla tributação — de 15 %, ou seja, uma retenção de 15 para um dividendo de 100; a França concederia, porém, o benefício do crédito fiscal à sociedade estrangeira em determinadas condições, previstas por algumas convenções sobre a dupla tributação. Pelo contrário, se as acções estivessem inscritas no activo da sucursal, sobre a distribuição do mesmo dividendo incidiria o imposto sobre as sociedades, à taxa de 50 %, com a aplicação do crédito fiscal, ou seja, em França, uma tributação de 25. A importância do imposto cobrado em França seria, portanto, mais elevada quando a sucursal fosse detentora das acções. Da mesma forma, para o caso da detenção de uma participação importante no capital de uma sociedade francesa por uma sociedade estrangeira, caso em que o crédito fiscal nunca será concedido, o risco de evasão fiscal seria inexistente.

c)

O Governo francês, em resposta ao argumento da Comissão, segundo o qual o crédito fiscal deveria ser concedido a todas as sucursais e agências das sociedades estrangeiras em França, independentemente da sua actividade, nota que uma solução como esta ultrapassaria o objecto do recurso. Implicaria, além disso, pôr em causa, em relação a uma grande parte do seu âmbito de aplicação, o princípio da distinção entre residentes e não residentes e, consequentemente, uma parte importante dos sistemas fiscais nacionais e das convenções relativas à dupla tributação. Sem proceder a um prévio exame global dos diferentes aspectos dos sistemas fiscais complexos dos Estados-membros, aplicáveis aos residentes e aos não residentes, não se poderia pretender, como faz a Comissão, ao isolar a questão do crédito fiscal, que a França seria o único Estado-membro que trata de maneira diversa os residentes e os estabelecimentos permanentes dos não residentes.

No que diz respeito ao risco de evasão fiscal, o Governo francês entende que, se se quiser incluir na comparação da tributação nos diferentes casos o imposto sobre as sociedades devido pelos beneficiários de dividendos, como faz a Comissão nos seus cálculos, dever-se-á fazer o mesmo para todas as hipóteses e ter em conta o imposto sobre as sociedades cobrado no estrangeiro para estabelecer a carga fiscal global. Para este efeito, o Governo francês apresenta um quadro que, no seu entender, confirma que, se o estabelecimento permanente de uma sociedade estrangeira fosse tratado como uma sociedade residente, como preconiza a Comissão, as sociedades estrangeiras teriam interesse em deter acções francesas unicamente por intermédio de um estabelecimento permanente em França. Embora em determinados casos uma transferência de acções como essa pudesse ser vantajosa para o erário francês, não deixaria de persistir o risco de evasão no plano internacional, especialmente entre os Estados-membros, o que as convenções relativas à dupla tributação se proporiam justamente evitar. A análise da Comissão também não estaria correcta para os casos de participações importantes, em que uma comparação da tributação total, apreciada no plano internacional, demonstraria igualmente um risco de evasão fiscal.

IV — Respostas às questões formuladas pelo Tribunal

1. Quanto ao objecto do processo

O Governo francês confirma que, no direito fiscal francês, não existe nenhuma diferença de tratamento entre as sociedades de seguros e as outras sociedades no que respeita ao crédito fiscal, depois da supressão da limitação da imputação do crédito fiscal a um quarto do seu montante para as sociedades de seguros residentes, através do artigo 15.o da Loi des finances para 1973.

A Comissão observa que, se limitou o objecto do seu processo unicamente ao domínio das sociedades de seguros, sobre o qual lhe tinham sido dirigidas queixas e no qual, em contraste com o que ocorre em outros sectores, o direito de estabelecimento a título secundário se exerce largamente por meio de sucursais, considera, no entanto, sem com isso sugerir ao Tribunal que se pronuncie sobre uma situação diferente daquela que deu origem ao processo, que cada Estado-membro deverá tirar as consequências de um acórdão que venha a condenar o sistema francês.

2. Quanto às convenções relativas à dupla tributação entre a França e os outros Estados-membros

O Governo francês lembra que a França celebrou convenções relativas à dupla tributação com todos os Estados-membros. De acordo com as indicações fornecidas por ele a este respeito, salvo quando uma sociedade estrangeira detém uma participação substancial de uma sociedade francesa, caso em que não há transferência do crédito fiscal à sociedade estrangeira, uma sociedade estrangeira beneficia do crédito fiscal para os dividendos das acções francesas contidas no activo do seu estabelecimento principal, no caso de a sua sede estar situada na República Federal da Alemanha, no Luxemburgo, nos Países Baixos ou no Reino Unido, ao passo que as convenções com os outros Estados-membros não prevêem a transferência do crédito fiscal à sociedade estrangeira. Em nenhuma convenção estaria previsto o benefício do crédito fiscal para o estabelecimento permanente em França de uma sociedade com sede em outro Estado-membro. Presentemente, haveria negociações em curso com a Dinamarca e a Itália, que poderiam reflectir-se na tributação dos benefícios distribuídos. Outros Estados-membros, até aqui, não teriam manifestado interesse no sentido de que os seus residentes beneficiem do crédito fiscal para as acções francesas que possuam. Os motivos pelos quais algumas convenções não prevêem a transferência do crédito fiscal seriam múltiplos e dever-se-iam sobretudo às características dos regimes fiscais em questão, à necessidade de concessões de natureza diferente para obter um acordo equilibrado e a certas considerações de natureza extrafiscal, como o motivo de não incentivar os investimentos no estrangeiro.

A Comissão esclarece que a concessão do crédito fiscal para os dividendos recebidos pelo estabelecimento permanente de uma sociedade com sede em um outro Estado-membro não é regida pelas convenções relativas à dupla tributação, mas depende exclusivamente da legislação nacional. A França seria o único Estado-membro com um sistema de dedução em que os dividendos distribuídos ao estabelecimento permanente de uma sociedade não residente estão sujeitos a imposto, sem que, em contrapartida, seja concedido o benefício do crédito fiscal correspondente. Em todos os outros países da Comunidade, a incidência do imposto nacional sobre os dividendos seria acompanhada pela atribuição do crédito fiscal.

Na hipótese de os dividendos serem recebidos directamente pela sociedade, seriam tributados no Estado-membro em que esta é domiciliada, deduzindo-se a retenção na fonte, a que estão sujeitos os dividendos em França, no imposto devido no Estado de domicílio, a fim de evitar uma dupla tributação. As convenções celebradas pela França com a República Federal da Alemanha, o Luxemburgo, Países Baixos e o Reino Unido preveriam expressamente a concessão do crédito fiscal francês, não obstante os dividendos recebidos em França só estarem sujeitos a imposto no Estado de residência, com a consequência de uma redução do imposto a pagar nesse Estado.

3. Quanto ao cálculo da carga fiscal que onera os dividendos

O Governo francês explica o quadro comparativo, pelo qual pretende demonstrar a existência de um risco de evasão fiscal, expondo as consequências da tese defendida pela Comissão, da equiparação do estabelecimento permanente a uma sociedade domiciliada em França. Ele compara a situação de uma sociedade estrangeira que inscreva as suas acções francesas no activo do seu estabelecimento principal no estrangeiro com a da sociedade estrangeira que inscreva essas mesmas acções no activo de um estabelecimento secundário em França, o qual seria, por hipótese, equiparado a uma sociedade francesa, em matéria de crédito fiscal. Em uma tal comparação, sobre um lucro realizado de 200 e um dividendo distribuído de 100, ao qual se acrescenta o crédito fiscal de 50, a carga fiscal elevar-se-ia a 125, no caso de detenção directa dos títulos, ao passo que chegaria apenas a 87,5, com a interposição de um estabelecimento permanente em França, se este fosse equiparado a uma sociedade residente. Esta comparação demonstraria, pois, a existência de uma distorção, que seria uma causa de evasão fiscal.

A Comissão entende que o quadro no qual se baseia esta comparação é incompreensível ou não pertinente e contesta os números ali apresentados. Os dados em que assenta esta comparação seriam puramente fictícios, visto que o sistema francês recusa a concessão do crédito fiscal ao estabelecimento permanente. Pelo contrário, seria preciso tomar em consideração a diferença que existe actualmente entre a situação de uma sociedade com sede em França, por um lado, e, por outro, a situação de uma sociedade estrangeira detentora de acções, seja directamente pela sociedade, seja por meio do seu estabelecimento permanente. Esta comparação revelaria que, se a carga fiscal é a mesma, quer a detentora das acções seja uma sociedade com sede em França, quer uma sociedade com sede em um outro Estado-membro, ligado à França por uma convenção que preveja a concessão do crédito fiscal, ela seria mais pesada no caso de o detentor ser o estabelecimento permanente em França de uma sociedade não residente. A discriminação existente neste último caso deixaria de existir, se houvesse a atribuição do. crédito fiscal.

4. Quanto às legislações dos Estados-membros nesta matéria

A Comissão esclarece que, quanto à incidência de imposto sobre os lucros e dividendos distribuídos, devem distinguir-se quatro situações na Comunidade, a saber:

o sistema em vigor no Luxemburgo e nos Países Baixos, que prevê uma dupla tributação, sem atenuação, em que os lucros são tributados relativamente à sociedade que os realizou e, em seguida, uma outra vez, por conta do accionista que recebe os dividendos distribuídos;

o sistema em vigor na Grécia, em que a dupla tributação é evitada diminuindo do lucro tributável o montante dos dividendos que a sociedade distribuiu;

o sistema em vigor na República Federal da Alemanha e na Itália, em que a dupla tributação é evitada através da dedução integral do imposto sobre as sociedades no imposto devido pelo beneficiário dos dividendos;

os sistemas em vigor nos outros Estados-membros, que prevêem uma dedução parcial do imposto sobre as sociedades no imposto devido pelo beneficiário dos dividendos, concedendo-se um «crédito fiscal», «crédito de imposto» ou «tax credit», a uma taxa que varia conforme os Estados.

A fim de obter o crédito fiscal, o beneficiário deve geralmente ser residente no Estado-membro em causa e estar sujeito a imposto sobre os dividendos recebidos. Todavia, as sociedades não residentes, mas com um estabelecimento permanente no território do referido Estado, beneficiariam do crédito fiscal a título de dividendos recebidos por este estabelecimento em todos os Estados-membros com sistema de crédito, excepto em França, onde os dividendos recebidos pelo estabelecimento permanente estão sujeitos a imposto, sem que haja a concessão de crédito fiscal.

O critério utilizado, de uma maneira geral, para a determinação da residência das pessoas colectivas, no direito dos Estados-membros, seria o da sede social. A residência serviria para determinar a base tributável do contribuinte. Assim, no que se refere às sociedades, uma sociedade residente em determinado Estado-membro, mas exercendo a sua actividade no estrangeiro por intermédio de um estabelecimento permanente, poderia ser sujeita a imposto relativamente a este estabelecimento no país de residência, eventualmente com dedução do imposto pago no país do exercício da actividade, para evitar a dupla tributação. Em França, todavia, uma sociedade residente, graças ao princípio da territorialidade, apenas estaria sujeita a imposto sobre os lucros realizados em França, e não sobre os dos seus estabelecimentos permanentes no estrangeiro, de modo que a sua situação fiscal, do ponto de vista da base tributável, não difere da do estabelecimento permanente de uma sociedade não residente.

V — Audiência

Na audiência de 19 de Junho de 1985, a Comissão, representada pelo Sr. Druesne, e o Governo francês, representado pelo Sr. Guillaume, foram ouvidos nas suas alegações orais e responderam às questões formuladas pelo Tribunal.

O advogado-geral apresentou as suas conclusões na audiência de 16 de Outubro de 1985.

Fundamentos da decisão

1

Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 12 de Dezembro de 1983, a Comissão das Comunidades Europeias propôs uma acção, nos termos do artigo 169.o do Tratado CEE, com a finalidade de obter a declaração de que, ao não conceder às sucursais e agências em França das sociedades de seguros estabelecidas em um outro Estado-membro o benefício do crédito fiscal, nas mesmas condições das sociedades francesas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE, especialmente do seu artigo 52.o

Quanto à legislação nacional em causa

2

O regime fiscal em França prevê um imposto de 50 % sobre o total dos lucros realizados pelas sociedades e pessoas colectivas tributáveis, denominado imposto sobre as sociedades e equivalente ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. As sociedades, em princípio, estão sujeitas a este imposto, independentemente do lugar em que esteja situada a sua sede social. No entanto, em conformidade com o artigo 209.o do Code général des impôts, apenas são tomados em consideração, para este efeito, os lucros realizados nas empresas exploradas em França, bem como aqueles cuja tributação é atribuída à França por uma convenção relativa à dupla tributação.

3

A fim de atenuar a tributação cumulativa dos lucros distribuídos pelas sociedades, resultantes do facto de sobre estes lucros incidir, primeiramente, o imposto sobre as sociedades, em relação à sociedade que distribui os dividendos e, em seguida, o imposto sobre o rendimento ou sobre as sociedades, em relação ao beneficiário dos dividendos, o artigo 158.o A do Code général des impôts prevê um crédito de imposto chamado «avoir fiscal» (crédito fiscal), que é atribuído aos beneficiários de dividendos distribuídos pelas sociedades francesas, que se eleva a metade das quantias efectivamente pagas pelas mesmas. Este crédito fiscal é recebido em pagamento do imposto devido pelo beneficiário. Constitui, por sua vez, um rendimento e somente pode ser utilizado na medida em que se inclui na base do imposto sobre o rendimento devido pelo beneficiário.

4

O artigo 158.o B do Code general des impôts dispõe, no seu segundo parágrafo, que o benefício do crédito fiscal «só é concedido às pessoas que tenham o seu domicílio efectivo ou a sua sede social em França». Além disso, de acordo com o artigo 242.o C do Code general des impôts, este benefício pode ser atribuído às pessoas domiciliadas no território dos Estados que tenham celebrado com a França convenções destinadas a evitar a dupla tributação.

5

De acordo com as informações fornecidas pelas partes ao Tribunal, as convenções celebradas entre a França e quatro Estados-membros, isto é, a República Federal da Alemanha, o Luxemburgo, os Países Baixos e o Reino Unido, prevêem que uma sociedade com sede nestes Estados-membros e que detenha acções de sociedades francesas no activo do seu estabelecimento principal pode beneficiar do crédito fiscal. Em contrapartida, este benefício não é previsto, em nenhum caso, para as acções detidas no activo de estabelecimentos permanentes, sucursais ou agências, das sociedades que não tenham a sua sede em França.

6

Resulta das disposições acima referidas, como é confirmado pelo artigo 15.o da Loi de finances para 1978 (77-1467, de 30 de Dezembro de 1977, JORF 1977, p. 6316), que as sociedades de seguros que tenham a sua sede em França, incluindo as sociedades filiais constituídas em França pelas sociedades de seguros estrangeiras, beneficiam do crédito fiscal para as acções de sociedades francesas que possuam em carteira. Este mesmo benefício, pelo contrário, é recusado aos estabelecimentos permanentes, sob a forma de sucursais ou agências, instalados em França por sociedades de seguros com sede em outro Estado-membro.

Quanto ao objecto do litígio

7

Através da presente acção por incumprimento, a Comissão pretende estabelecer que este regime do crédito fiscal apresenta um carácter discriminatório em relação às sucursais e agências das sociedades de seguros com sede em outro Estado-membro e constitui uma restrição indirecta à liberdade de criar um estabelecimento secundário. A Comissão acrescenta que, se restringiu a sua acção ao sector dos seguros, por lhe terem sido apresentadas queixas unicamente neste sector, caberá, no entanto, a todos os Estados-membros, e nomeadamente à França, tirar todas as consequências que se impuserem, mesmo para outros sectores, de um acórdão do Tribunal.

8

O Governo francês opôs-se a que o objecto do presente processo fosse alargado pela Comissão, de modo a abranger todas as sociedades, independentemente do seu sector de actividade.

9

Convém observar a este respeito que, ainda que as disposições nacionais em causa produzam efeitos particularmente sensíveis em um sector como o dos seguros, em que as sucursais das sociedades de seguros estrangeiras são obrigadas a constituir reservas técnicas de activos localizados no país de exploração, não é menos verdade que este regime se aplica a outros sectores. Pode lamentar-se, por isso, que, ao limitar-se às sociedades de seguros, a presente acção situe o problema em termos que cobrem apenas uma parte do âmbito de aplicação das disposições legislativas francesas em questão. Esta observação não afecta, contudo, a admissibilidade do recurso.

10

Tendo em conta determinadas imprecisões, que surgiram no decurso do processo quanto à determinação do objecto do presente processo, cabe ainda notar que o processo diz respeito à desigualdade de tratamento em relação ao benefício do crédito fiscal entre as sociedades de seguros com sede em França, incluindo as filiais constituídas em França por sociedades estrangeiras, por um lado, e, por outro, as sucursais e agências instaladas em França por sociedades de seguros cuja sede está situada em um outro Estado-membro. A acção, portanto, não se refere de um modo geral a qualquer diferença de tratamento entre as sociedades enquanto entidades jurídicas independentes, por um lado, e, por outro, as sucursais e agências desprovidas de personalidade jurídica. Finalmente, observe-se, em especial, que a acção não diz respeito às diferenças eventuais de tributação entre as sucursais e agências, por um lado e, por outro, as filiais de sociedades que tenham a sua sede em outro Estado-membro, no caso de estas sucursais e agências ou filiais transferirem para as suas casas-mães os lucros realizados nas empresas exploradas por elas em França.

Quanto à aplicação do artigo 52.o do Tratado CEE

11

A Comissão avança dois fundamentos para demonstrar que o regime do crédito fiscal em causa é contrário ao disposto no segundo paràgrafo do artigo 52.o do Tratado CEE. Em primeiro lugar, este regime constituiria, relativamente às sucursais e agências em França das sociedades de seguros com sede em outros Estados-membros, uma discriminação em relação às sociedades com sede em França. O regime fiscal impediria estas sucursais e agências de deterem acções francesas em carteira e desfavorecê-las-ia, assim, no exercício das suas actividades em França. A discriminação parece tanto mais nítida, quanto, para efeitos de determinação dos rendimentos tributáveis, o direito fiscal francês aplicaria o mesmo regime às sociedades francesas e aos estabelecimentos permanentes das sociedades estrangeiras. Em segundo lugar, este regime fiscal desfavorável das sucursais e agências das sociedades de seguros estrangeiras limitaria indirectamente a liberdade de que devem dispor as sociedades de seguros situadas em outros Estados-membros de se estabelecerem em França, seja sob a forma de sociedade filial, seja sob a forma de sucursal ou agência. Incentivaria a opção pela forma de sociedade filial, para evitar a desvantagem resultante de uma recusa do benefício do crédito fiscal.

12

De acordo com o Governo francês, este tratamento diferente não constitui uma discriminação e não é, pois, contrário à obrigação de um Estado-membro, resultante do disposto no segundo parágrafo do artigo 52.o, de aplicar às sociedades que possuam a sua sede em outros Estados-membros as condições definidas na sua legislação para os seus próprios nacionais. Para este efeito, o Governo francês utiliza duas séries de argumentos com a finalidade de demonstrar, em suma, que, por um lado, se justifica uma diferença de tratamento, no caso vertente, por se tratar de situações objectivamente diferentes, e, por outro lado, que esta diferença de tratamento se deve às peculiaridades dos regimes fiscais, que variam conforme os Estados-membros, bem como às convenções relativas à dupla tributação.

13

Convém reconhecer, primeiramente, que o artigo 52.o do Tratado CEE é uma das disposições fundamentais da Comunidade e é directamente aplicável nos Estados-membros, depois de terminado o período transitório. Em conformidade com esta disposição, a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de um outro Estado-membro inclui o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas nas condições definidas pela legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais. A supressão das restrições à liberdade de estabelecimento compreende as restrições à criação de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-membro estabelecidos no território de um outro Estado-membro.

14

Deste modo, o artigo 52.o destina-se a assegurar o benefício do tratamento nacional a qualquer nacional de um Estado-membro que se estabeleça, ainda que apenas a título secundário, em outro Estado-membro para aí exercer uma actividade não assalariada, e proíbe qualquer discriminação baseada na nacionalidade que resulte das legislações, enquanto restrição à liberdade de estabelecimento.

15

E evidente, portanto, que os dois fundamentos invocados pela Comissão, isto é, a discriminação, por parte da legislação francesa, das sucursais e agências das sociedades de seguros estabelecidas em outros Estados-membros em relação às sociedades estabelecidas em França, por um lado, e por outro, a restrição à liberdade de estabelecimento sob a forma de sucursais e agências com referência às sociedades de seguros estrangeiras estão estreitamente ligados. Devem, pois, ser examinados conjuntamente.

16

Nos termos da legislação francesa e, mais especificamente, do artigo 158.o B do Code general des impôts, as sociedades de seguros com sede em França, em relação aos dividendos de acções de sociedades francesas que detenham em carteira, beneficiam da concessão do crédito fiscal, enquanto este mesmo benefício é negado às sucursais e agências das sociedades de seguros cuja sede esteja situada em outro Estado-membro. Sob este aspecto, as sociedades de seguros com sede em um outro Estado-membro e que exerçam as suas actividades em França por intermédio de sucursais ou agências não são tratadas da mesma forma que as sociedades de seguros que possuam a sua sede em França.

17

Mediante uma primeira série de argumentos, o Governo francês pretende demonstrar que esta diversidade de tratamento é justificada por diferenças objectivas entre a situação de uma sociedade de seguros com sede em França e a de uma sucursal ou agência de uma sociedade de seguros com sede em um outro Estado-membro. A diferença em questão assenta na distinção entre pessoas «residentes» e «não residentes», conhecida em todas as ordens jurídicas e admitida no plano internacional; esta distinção seria indispensável no domínio fiscal. Sendo assim, tal diferença seria igualmente aplicável no âmbito do artigo 52.o do Tratado. Além disso, as sucursais e agências das sociedades com sede no estrangeiro, noutros domínios, seriam favorecidas em relação às sociedades francesas, o que compensaria as eventuais desvantagens do ponto de vista do crédito fiscal. Finalmente, estas desvantagens seriam, em todo o caso, insignificantes e poderiam ser evitadas facilmente por meio da criação de uma sociedade filial em França.

18

A este respeito, convém notar, antes de mais nada, que a liberdade de estabelecimento, que é reconhecida pelo artigo 52.o aos nacionais de um outro Estado-membro, e que comporta o acesso destes às actividades não assalariadas e ao seu exercício nas mesmas condições que as definidas pela legislação do Estado-membro de estabelecimento para os seus próprios nacionais, implica, nos termos do artigo 58.o do Tratado CEE, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento no interior da Comunidade, o direito de exercer a sua actividade no Estado-membro em questão, por intermédio de uma sucursal ou agência. Para as sociedades, importa observar, neste contexto, que a sua sede, na acepção acima referida, serve para determinar, à semelhança da nacionalidade para as pessoas singulares, a sua subordinação à ordem jurídica de um Estado. Admitir que o Estado-membro de estabelecimento possa conceder livremente um tratamento diferente, unicamente pelo facto de a sede de uma sociedade estar situada em um outro Estado-membro significaria, portanto, esvaziar esta disposição do seu conteúdo.

19

Ainda que se possa excluir totalmente que uma distinção segundo a sede de uma sociedade, ou que uma distinção segundo a residência de uma pessoa singular possa ser justificada, em determinadas condições, num domínio como o do direito fiscal, há que observar, no caso em apreço, que as disposições fiscais francesas, no que respeita à determinação da matéria colectável para a fixação dos impostos sobre as sociedades, não fazem nenhuma distinção entre as sociedades com sede em França e as sucursais ou agências situadas em França com sede no estrangeiro. De acordo com o artigo 209.o do Code général des impôts, as duas são sujeitos passivos do imposto sobre os lucros realizados nas empresas exploradas em França, excluindo-se os lucros realizados no estrangeiro, ou atribuídos à França por uma convenção relativa à dupla tributação.

20

Uma vez que a regulamentação em causa coloca no mesmo plano, para efeitos da tributação dos seus lucros, as sociedades com sede em França e as sucursais e agências situadas em França das sociedades com sede no estrangeiro, não pode, sem criar uma discriminação, tratá-las desigualmente, no quadro desta mesma tributação, relativamente à concessão de uma vantagem que lhe diga respeito, como o crédito fiscal. Ao tratar de maneira idêntica as duas formas de estabelecimento para efeitos da tributação dos lucros por eles realizados, o legislador francês admitiu, com efeito, que, relativamente às modalidades e às condições dessa tributação, não existe entre as duas nenhuma diferença de situação objectiva que possa justificar uma diversidade de tratamento.

21

Contrariamente à tese defendida pelo Governo francês, a diferença de tratamento também não pode ser justificada pelas vantagens eventuais de que beneficiariam as sucursais e agências em relação às sociedades as quais, no entender do Governo francês, compensariam as desvantagens resultantes da recusa da concessão do crédito fiscal. Mesmo supondo que tais vantagens existam, não podem justificar uma violação da obrigação, imposta pelo artigo 52.o, de conceder o tratamento nacional no que respeita ao crédito fiscal. Neste contexto, não é necessário tão-pouco avaliar a importância das desvantagens que resultam, para as sucursais e agências das sociedades de seguros estrangeiras, da recusa da concessão do crédito fiscal, nem apurar se essas desvantagens podem ter uma influência sobre as tarifas praticadas pelas mesmas, pois o artigo 52.o proíbe qualquer discriminação, mesmo de alcance reduzido.

22

Além disso, o facto de as sociedades de seguros cuja sede está situada em um outro Estado-membro serem livres de escolher para o seu estabelecimento a forma de uma sociedade filial, a fim de poderem beneficiar do crédito fiscal, não poderia justificar uma diferença de tratamento. Com efeito, visto que a segunda frase do primeiro parágrafo do artigo 52.o, dá expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica adequada para o exercício das suas actividades em um outro Estado-membro, esta livre escolha não deve ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

23

Através de uma segunda série de argumentos, o Governo francês propõe-se demonstrar que a diferença de tratamento, na realidade, se deve às peculiaridades e às diferenças dos regimes fiscais nos diferentes Estados-membros, bem como às convenções relativas à dupla tributação. De facto, não existindo uma harmonização das legislações em causa, seriam necessárias medidas diferentes, conforme o caso, para ter em conta essas diferenças entre regimes fiscais e tais medidas seriam justificadas, portanto, à luz do artigo 52.o do Tratado. Assim, a regulamentação em causa no caso em apreço seria necessária, designadamente, para evitar uma evasão fiscal. A aplicação das legislações em matéria fiscal às pessoas singulares e às sociedades que exercem as suas actividades nos diferentes Estados-membros seria regulada pelas convenções relativas à dupla tributação, cuja existência seria expressamente reconhecida pelo artigo 220.o do Tratado. Desta forma, a diferença de tratamento prevista pelo regime em causa não seria contrária ao artigo 52.o do Tratado.

24

A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que a ausência de uma harmonização das disposições legislativas dos Estados-membros em matéria de impostos sobre as sociedades não pode justificar a desigualdade de tratamento em questão. Se é certo que, na falta dessa harmonização, a situação fiscal de uma sociedade depende do direito nacional que lhe é aplicado, o artigo 52.o do Tratado CEE proíbe aos Estados-membros prever na sua legislação, para as pessoas que usam da liberdade de nele se estabelecerem, condições de exercício das suas actividades que sejam diferentes das que são definidas para os seus próprios nacionais.

25

Do mesmo modo, o risco de evasão fiscal não pode ser invocado neste contexto. O artigo 52.o do Tratado CEE não permite uma derrogação ao princípio fundamental da liberdade de estabelecimento por motivos como este. De resto, os cálculos apresentados a esse respeito pelo Governo francês, a fim de demonstrar que a concessão do benefício do crédito fiscal às sucursais e agências das sociedades com sede em outros Estados-membros incentivaria estas mesmas sociedades, a inscreverem nos activos das sucursais e agências em França as acções das sociedades francesas que possuíssem, não se revelaram concludentes. Com efeito, esses cálculos estão baseados na hipótese, sem apoio no artigo 158.o A do Code général des impôts, de a transferência dos lucros realizados pelas sucursais ou agencias para a sede central das sociedades ser acompanhada pela concessão de um crédito fiscal; a Comissão também não exigiu, neste processo, que seja previsto um crédito fiscal para tais casos.

26

Finalmente, não tem razão o Governo francês, ao alegar que a diferença de tratamento em questão se deve às convenções relativas à dupla tributação. Na verdade, estas convenções não dizem respeito aos casos aqui examinados. Além disso, os direitos que resultam do artigo 52.o do Tratado para os seus beneficiários são incondicionais e um Estado-membro não pode fazer depender o seu respeito do conteúdo de uma convenção celebrada com outro Estado-membro. Em especial, este artigo não permite sujeitar esses direitos a uma condição de reciprocidade, com o fim de obter vantagens correspondentes em outros Estados-membros.

27

Resulta do que precede que, ao recusar às sucursais e agências em França das sociedades de seguros com sede em um outro Estado-membro o benefício do crédito fiscal para os dividendos das sociedades francesas que as sucursais e as agências recebem, o artigo 158.o B do Code general des impôts não oferece a estas sociedades as mesmas condições que as que são definidas na legislação francesa para as sociedades de seguros que têm a sua sede em França. Esta discriminação, em relação às sociedades de seguros com sede em outro Estado-membro, constitui uma restrição à sua liberdade de estabelecimento que é contrária ao disposto nos primeiro e segundo parágrafos do artigo 52.o do Tratado CEE.

28

Por conseguinte, há que declarar que, ao não conceder às sucursais e agências em França das sociedades de seguros que possuem a sua sede em um outro Estado-membro, nas mesmas condições das sociedades de seguros com sede em França, o benefício do crédito fiscal para os dividendos de sociedades francesas que essas sucursais ou agências auferem, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 52.o do Tratado CEE.

Quanto às despesas

29

Nos termos do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas do processo. Tendo a República Francesa decaído na acção, cabe condená-la nas despesas do processo.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

decide:

 

1)

Ao não conceder às sucursais e agências em França das sociedades de seguros que possuem a sua sede em um outro Estado-membro, nas mesmas condições das sociedades de seguros sediadas em França, o benefício do crédito fiscal para os dividendos de sociedades francesas que essas sucursais ou agências auferem, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 52.o do Tratado CEE.

 

2)

A República Francesa é condenada nas despesas do processo.

 

Mackenzie Stuart

Everling

Bahlmann

Joliét

Koopmans

Due

Galmot

Kakouris

O'Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 28 de Janeiro de 1986.

O secretário

P. Heim

O presidente

A. J. Mackenzie Stuart


( *1 ) Língua do processo: francès.

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