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Document 61978CJ0083

Acórdão do Tribunal de 29 de Novembro de 1978.
Pigs Marketing Board contra Raymond Redmond.
Pedido de decisão prejudicial: Armagh Magistrate's Court (Northern Ireland) - Reino Unido.
Organisação comum de mercado no sector da carne de suíno.
Processo 83/78.

Edição especial inglesa 1978 00821

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1978:214

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

29 de Novembro de 1978 ( *1 )

No processo 83/78,

que tem por objecto um pedido apresentado ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Magistrate's Court do condado de Armagh (Irlanda do Norte) e que visa obter no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Pigs Marketing Board (Northern Ireland) (repartição de comercialização de suínos da Irlanda do Norte),

e

Raymond Redmond, suinicultor,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de diversas disposições do Tratado CEE e do regulamento que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de suíno, em relação à regulamentação nacional aplicável na Irlanda do Norte ao transporte e à comercialização de suínos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: H. Kutscher, presidente, Mackenzie Stuart, presidente de secção, A. M. Donner, P. Pescatore, M. Sørensen, A. O'Keeffe e G. Bosco, juízes

advogado-geral: G. Reischl

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa aos factos não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

1

Por decisão de 19 de Setembro de 1977, transmitida por ofício de 10 de Março de 1978, que deu entrada no Tribunal em 16 do mesmo mês, o Resident Magistrate de Armagh, nos termos do artigo 177.o do Tratado colocou diversas questões relativas à interpretação do Regulamento n.o 2759/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector de carne de suíno (JO L 282, p. 1; EE 03 F9 p. 86), de um conjunto de disposições do Tratado referentes à eliminação das restrições quantitativas (artigo 30.o e segs.), à Política Agrícola Comum (designadamente o artigo 40.o), às disposições relativas aos monopólios nacionais e às empresas investidas de direitos especiais ou exclusivos (artigos 37.o e 90.o), às regras de concorrência (artigos 85 o e 86.o), assim como do Regulamento n.o 26 do Conselho, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, p. 93; EE 08 F1 p. 29).

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de acções penais intentadas contra um suinicultor por infracção às disposições em vigor na Irlanda do Norte, com base na legislação local, no sector da comercialização de carne de suíno, conhecida pelo nome de «Pigs Marketing Scheme» e gerida por um organismo denominado «Pigs Marketing Board» (a seguir «Board»), instituído nos termos da mesma legislação e composto em parte por produtores e em parte por representantes do Ministério da Agricultura e fiscalizado por este último.

3

Resulta das indicações fornecidas pela decisão de reenvio que este regime se aplica a porcos gordos, denominados «bacon pigs», definidos pela respectiva legislação como sendo os porcos com um peso de 77 kg ou mais.

4

A comercialização destes porcos só pode ser realizada pelos produtores por intermédio do Board.

5

O Board está investido do direito exclusivo de comercializar os bacons pigs, e do poder de fixar, em relação aos produtores, os preços e quaisquer outras condições de venda.

6

Para este efeito, a legislação respectiva proíbe a venda de tais porcos — salvo excepções — por outras pessoas que não os produtores inscritos no Board e proíbe quaisquer vendas, por estes produtores, que não sejam feitas ao próprio Board ou por seu intermédio.

7

Estas disposições foram completadas pelos Movement of Pigs Regulations 1972, que proíbem qualquer transporte de bacon pigs que não seja destinado a uma das centrais de compra do Board e munido de uma autorização de transporte emitida por este.

8

O cumprimento das disposições acima descritas é garantido pela aplicação de penalidades consistindo em multas e prisão e, além disso, na apreensão da mercadoria em caso de infracção.

9

Resulta da decisão de reenvio que o arguido na causa principal, por ter efectuado em 12 de Janeiro de 1977 um transporte de 75 bacons pigs sem estar munido de um documento do Board, foi julgado, na sequência de queixa apresentada por este ao Resident Magistrate de Armagh, por violação do Regulamento n.o 4 (1) dos Movement of Pigs Regulations (Northern Ireland) 1972 e da Section 17 (4 A) do Agricultural Marketing Act (Northern Ireland) 1964, tendo-lhe em consequência sido aplicada uma multa.

10

Ao mesmo tempo, o Board requereu a confiscação da mercadoria, pretensão que foi posteriormente abandonada uma vez que o arguido, por seu lado, aceitou declarar-se «culpado».

11

Perante o Resident Magistrate, o arguido alegou em sua defesa que as disposições do Pigs Marketing Scheme e dos Movement of Pigs Regulations, contra si invocadas, eram incompatíveis com as disposições do direito comunitário, mais especificamente com as disposições regulamentares relativas à organização comum de mercado no sector da carne de suíno e as disposições do Tratado relativas à concorrência.

12

O Board sustentou a compatibilidade do Pigs Marketing Scheme invocando o artigo 37.o do Tratado CEE, relativo aos monopólios nacionais de natureza comercial, e o artigo 44.o do acto de adesão que prevê, para a adaptação destes monopólios às exigências do mercado comum, um prazo até 31 de Dezembro de 1977.

13

Perante aquela contestação, o Resident Magistrate entendeu que, tendo a queixa sido apresentada com base em legislação penal, cuja aplicação é susceptível de dar, ao arguido, uma condenação em multa ou em prisão, ou às duas penas, importa saber se tal condenação será ou não compatível com o direito comunitário.

14

Foi com vista a esclarecer esta questão que o Resident Magistrate, por decisão de 19 de Setembro de 1977, decidiu o reenvio do processo ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, a fim de ser esclarecido sobre a questão de saber se a condenação do arguido, nos termos da legislação aplicável na Irlanda do Norte, seria compatível com o direito comunitário.

15

No texto da sua decisão, o Resident Magistrate formulou as questões seguintes:

«O Pigs Marketing Board (Northern Ireland) é uma “empresa”? É uma “organização nacional de mercado”? É um “monopólio nacional de natureza comercial”? É as três coisas ao mesmo tempo ou a combinação de duas de entre elas?:

1)

Se se trata de uma “empresa”, é uma empresa que corresponde ao conceito e aos objectivos dos artigos 85.o e 86.o? Em caso afirmativo, as actividades do Board, tendo em conta as disposições do seu regime, são claramente contrárias a estes artigos, em particular ao artigo 85.o, n.o 1, alíneas a), b) e c).

2)

Se se trata de uma “organização nacional de mercado”, está abrangida pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 26, de forma que estará em situação de beneficiar das isenções nele previstas? Em nossa opinião este regulamento específico apenas se aplica às organizações nacionais de mercado estabelecidas por via de convenção e que não têm qualquer carácter obrigatório. O Board administra o seu regime impondo obrigações e restrições; assim, “um produtor que não está registado nem isento de registo não pode vender qualquer suíno”. Mas se o artigo 2o do Regulamento n.o 26.o, pelo sentido e objectivos que prossegue, se aplica ao Board, não foi feita prova alguma de qualquer decisão da Comissão das Comunidades, nos termos da qual o Board fosse isento da aplicação do artigo 85.o do Tratado de Roma, e as nossas investigações não permitiram descobrir nenhuma.

3)

Se se trata de um “monopólio nacional de natureza comercial”, entra no âmbito de aplicação do artigo 37.o, n.o 1 do Tratado de Roma, de forma a beneficiar da protecção do artigo 44o do tratado de adesão, que prevê um período transitório até 31 de Dezembro de 1977?

4)

Se se trata de um ‘monopólio nacional de natureza comercial’ na acepção do artigo 37.o do Tratado de Roma, e se o período de transição para proceder a adaptações não expira antes de 31 de Dezembro de 1977, tal facto isenta-o, até esta data, do efeito imediato dos artigos 85.o e 86.o? Ou poder-se-á sustentar que o termo “empresas”, na acepção dos artigos 85.o e 86.o, pode ser entendido como incluindo os monopólios comerciais? O representante do Board sustentou que o termo “empresas” não está definido, mas é utilizado distintamente do de “monopólios nacionais”.

5)

As actividades do Board são abrangidas pelo artigo 85o, n.o 3, de modo que estarão isentas da aplicação do n.o 1 do mesmo artigo? Esta questão não foi levantada. Se o Board estiver isento da aplicação do artigo 85.o, por força do seu n.o 3, não é necessário repetir o argumento relativo ao “período de transição”.

6)

E relativamente ao artigo 8.o do Tratado de Roma, o qual dispõe que:

“1.

O mercado comum será progressivamente estabelecido ao longo de um período de transição de doze anos

2.

Cada fase comportará um conjunto de acções que devem ser iniciadas e prosseguidas simultaneamente.”

Esta disposição é aplicável no caso presente?»

16

O Board recorreu desta decisão para o tribunal de Belfast, ao qual pediu para decidir se o Magistrate's Court podia legalmente reenviar o processo para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e para desta forma analisar se no processo pendente no Magistrate's Court se coloca uma questão respeitante à interpretação do Tratado; em caso de resposta afirmativa, se uma decisão sobre este ponto é necessária para permitir ao Magistrate decidir; por fim, se o Magistrate's Court exerceu de forma correcta o seu poder de apreciação ao decidir reenviar o processo ao Tribunal de Justiça.

17

O tribunal de Belfast, depois de ter recordado os motivos que levaram o Resident Magistrate a fazer uso do processo prejudicial do artigo 177.o e considerando que faz parte do poder de apreciação deste juiz esclarecer as questões jurídicas que condicionam o exercício da sua própria jurisdição, negou provimento ao recurso interposto pelo Board, por acórdão de 8 de Março de 1978.

18

Em 10 de Março seguinte, o Resident Magistrate remeteu ao Tribunal de Justiça a sua decisão de 19 de Setembro de 1977, através de um ofício, no qual se declara que «se põe a questão de saber se o tribunal a quo pode decidir mediante a aplicação de determinadas disposições legislativas em vigor na Irlanda do Norte» e que os factos do processo e as questões suscitadas na decisão de 19 de Setembro de 1977«suscitam também, eventualmente, as questões seguintes»:

«1)

Os artigos 30.o, 31.o, 32.o, 34.o, 37.o, 40.o, 41.o, 42.o, 43o, 85.o, 86.o e 90o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia são directamente aplicáveis, de forma a conferir aos indivíduos direitos que os órgãos jurisdicionais do Reino Unido são obrigados a salvaguardar?

2)

Os Regulamentos n.os 121/67 e 2759/75 e o conjunto dos demais regulamentos que estabelecem a organização comum de mercado no sector da carne de suíno, adoptados nos termos do Tratado CEE, são directamente aplicáveis de forma a conferir aos indivíduos direitos que os órgãos jurisdicionais do Reino Unido são obrigados a garantir?

3)

Com base na interpretação exacta daqueles artigos e regulamentos ou de qualquer outra disposição do direito comunitário aplicável ao caso em apreço, o ‘Pigs Marketing Scheme’ (regime de comercialização de suínos), em vigor na Irlanda do Norte, é contrário às regras de direito comunitário?

4)

Nos termos dos artigos e regulamentos acima referidos, ou de qualquer outra disposição de direito comunitário, aplicável ao caso em apreço, pode um Estado-membro:

a)

manter uma organização nacional de mercado, estando em vigor a organização comum de mercado,

b)

obrigar os produtores que dependem da sua soberania a fazer a sua inscrição no ‘Pigs Marketing Board (Northern Ireland)’ (organismo de comercialização de suínos para a Irlanda do Norte) para que possam vender porcos,

c)

obrigar os produtores que dependem da sua soberania a celebrar contratos com o ‘Board’ em questão, e a vender os porcos apenas a este organismo aos preços e às quantidades por ele fixados,

d)

permitir ao ‘Board’ comprar todos os porcos abrangidos pelo regime de comercialização através de uma intervenção expressa ou tácita?

5)

O facto de impôr as obrigações acima mencionadas, no âmbito da regulamentação total da quantidade de porcos produzida, das vendas e dos preços, constitui uma violação do direito comunitário na medida em que estas obrigações podem constituir medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, sendo certo que um dos objectivos e dos efeitos principais da legislação da Irlanda do Norte, de que se ocupa o caso em apreço, é impedir a exportação de porcos para a República da Irlanda?

6)

Na data da sua adesão à Comunidade, ficou o Reino Unido sujeito a uma organização comum de mercado no domínio agrícola, e em particular, no que respeita à carne de porco e aos porcos vivos, e, na afirmativa, esta organização comum é aplicável a partir de 1 de Fevereiro de 1973?

7)

Tinha o Reino Unido o direito de publicar, em Maio de 1972, os ‘Movement of Pigs Regulations (Northern Ireland) 1972’ (regulamento de 1972 sobre o transporte de porcos, aplicável na Irlanda do Norte)?»

19

O Governo do Reino Unido, tanto nas suas observações escritas como nas alegações orais, avançou um determinado número de considerações relativamente às questões postas pelo Resident Magistrate.

20

Por um lado, as questões incluídas na decisão de 19 de Setembro de 1977 seriam, na sua maior parte, não questões de interpretação, mas sim questões relativas à aplicação do direito comunitário e que, como tais, não poderiam ser apreciadas pelo Tribunal de Justiça.

21

Por outro lado, as questões formuladas no ofício de remessa, de 10 de Março de 1978, qualificadas pelo próprio juiz como só tendo surgido «de maneira ocasional», não poderiam ser consideradas como validamente apresentadas ao Tribunal.

22

Perante o grande número de questões postas e tendo em conta a complexidade e a importância do assunto, seria difícil ao governo identificar os problemas jurídicos suscitados no âmbito do processo pendente perante o Resident Magistrate.

23

Por esta razão, o governo solicitou ao Tribunal que lhe indicasse previamente quais as questões consideradas pertinentes, para lhe permitir preparar a sua tomada de posição oral.

24

De resto, apenas a análise dos artigos 34.o e 37.o do Tratado — relativos, respectivamente, às restrições quantitativas à exportação e ao regime dos monopólios públicos — se lhe afiguraria necessária com vista à resolução dos problemas suscitados no órgão jurisdicional nacional.

25

No âmbito da repartição de funções jurisdicionais, entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o, o juiz nacional, que é o único a ter um conhecimento directo dos factos da causa assim como dos argumentos invocados pelas partes, e que deverá assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, está melhor colocado para apreciar, com pleno conhecimento de causa, a pertinência das questões de direito suscitadas no litígio que é chamado a decidir e a necessidade de uma decisão a título prejudicial, para o habilitar a proferir a sua decisão.

26

Todavia, mantém-se no âmbito dos poderes do Tribunal de Justiça, perante questões eventualmente formuladas de maneira inadequada ou ultrapassando as funções que lhe são atribuídas pelo artigo 177o, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e, nomeadamente, da fundamentação do acto de reenvio, os elementos de direito comunitário que requerem uma interpretação — ou, se for caso disso, uma apreciação de validade — tendo em conta o objecto do litígio.

27

Convém salientar, a esse respeito, que o Resident Magistrate, na sua decisão de 19 de Setembro de 1977, realçou claramente as dúvidas a que dá lugar a qualificação do regime objecto do litígio, face às disposições do direito comunitário, e reconheceu que a escolha entre as diversas disposições invocadas pelas partes deveria depender da resolução desta questão prévia.

28

As questões submetidas no ofício de 10 de Março de 1978, são manifestamente inspiradas pela contestação entretanto suscitada pelo Board junto do tribunal de segunda instância de Belfast, relativamente à questão de saber se o Resident Magistrate tinha usado devidamente o seu poder de apreciação a respeito das questões jurídicas suscitadas, e da necessidade de as submeter ao Tribunal de Justiça.

29

De qualquer forma, pela comparação com a decisão de 19 de Setembro de 1977, mostra-se que essas questões suplementares apenas servem para explicar e precisar as questões anteriormente submetidas.

30

Portanto, é recorrendo a uma aproximação entre as duas séries de questões, que se podem adequadamente resolver os problemas de interpretação suscitados no âmbito do processo penal, instaurado perante o Resident Magistrate.

31

No que respeita à dificuldade, alegada pelo Governo do Reino Unido, de identificar, no amplo leque de questões submetidas pelo Resident Magistrate, as que deveriam ser consideradas como decisivas, não pareceu possível ao Tribunal dar previamente indicações, a uma das partes intervenientes na instância, sem correr o risco de fixar a sua posição antes da decisão final e comprometer, acima de tudo, as possibilidades de defesa das outras partes.

Quanto à qualificação do Pigs Marketing Scheme face às disposições do Tratado e do direito derivado

32

A título preliminar, o Resident Magistrate pretende obter todos os elementos de interpretação do direito comunitário que sejam de natureza a permitir-lhe qualificar o Pigs Marketing Scheme, face às disposições do Tratado e do direito derivado, com vista a identificar as disposições que o habilitam a proferir uma decisão sobre a compatibilidade deste regime com o direito comunitário.

33

A este respeito, afiguram-se três possíveis hipóteses, segundo as quais, o Pigs Marketing Scheme e o seu órgão de gestão, o Board, deveriam ser considerados como um «monopólio nacional de natureza comercial» na acepção do artigo 37.o do Tratado — de forma que as suas actividades, pelo menos até 31 de Dezembro de 1977, por força do artigo 44.o do acto de adesão, não estariam sujeitas à aplicação das disposições do Tratado em matéria de restrições quantitativas —, ou como uma «empresa», tendo como consequência a aplicação das disposições do Tratado relativas à concorrência, mas com reserva dos privilégios especiais que eventualmente pudessem resultar do artigo 90.o, ou, finalmente, como uma «organização nacional de mercado», o que levantaria o problema da compatibilidade de tal organização com a organização comum de mercado, existente para o respectivo sector.

34

Uma resposta a esta questão de qualificação deve ser deduzida do sistema geral do Tratado CEE e da função das disposições, neste sistema, relativas à agricultura.

35

Convém reter, em primeiro lugar, quanto a este aspecto, que o Pigs Marketing Scheme respeita a um sector de actividade económica, concretamente à produção e à comercialização de uma determinada categoria de porcos, que depende de uma organização comum de mercado regulada na altura da adesão do Reino Unido, pelo Regulamento n.o 121/67, de 13 de Junho de 1967 (JO 1967, p. 2283), e, na altura dos factos, pelo Regulamento n.o 2759/75, de 25 de Outubro de 1975, que presentemente continua em vigor.

36

Não é contestado que esta organização comum de mercado passou a ser aplicável no conjunto do território do Reino Unido, por força das disposições gerais do acto de adesão e das regras específicas do artigo 60.o, n.o 1 deste acto, desde 1 de Fevereiro de 1973.

37

Resulta do artigo 38.o, n.o 2, do Tratado CEE, que as disposições do Tratado relativas à Política Agrícola Comum prevalecem, em caso de divergência, sobre as outras normas relativas ao estabelecimento do mercado comum.

38

As disposições específicas, constitutivas de uma organização comum de mercado, são à partida prioritárias, no respectivo sector, em relação ao regime previsto no artigo 37.o contemplando os monopólios nacionais de natureza comercial.

39

Por consequência, o prazo especial previsto no artigo 44.o do acto de adesão não poderá ser invocado com vista a proteger uma regulamentação nacional e a actuação de um organismo nacional como o Board, que actua num sector para o qual existe uma organização comum de mercado.

40

É portanto destituído de interesse saber se o Pigs Marketing Scheme e o Board têm a natureza de um «monopólio nacional» na acepção do artigo 37.o, uma vez que, a aplicação desta disposição foi de qualquer forma afectada, a partir de 1 de Fevereiro de 1973, em consequência da extensão, ao Reino Unido, da organização comum de mercado no sector da carne de suíno.

41

Nas observações apresentadas ao Tribunal, o Board sustentou que se considera, tendo em conta não só a natureza das suas actividades, mas também os poderes que lhe são conferidos pela legislação da Irlanda do Norte, como sendo uma empresa investida de «direitos especiais ou exclusivos» na acepção do artigo 90.o do Tratado.

42

Esta disposição, considerada em conjunto com o artigo 37.o, relativo aos monopólios nacionais, teria como efeito excluir as suas actividades da aplicação das regras gerais relativas à organização de mercado da carne de suíno.

43

Convém fazer notar a este respeito, além do que já se disse, no que se refere ao artigo 37.o, que o artigo 90.o, n.o 1, dispõe expressamente que os Estados-membros, no que se refere às empresas em causa «não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no presente Tratado».

44

A qualificação do Board como empresa investida de direitos especiais ou exclusivos na acepção do artigo 90o, não teria portanto como efeito excluir as suas actividades da aplicação das disposições do direito comunitário e, mais particularmente, das que respeitam à livre circulação de mercadorias e à organização comum de mercados agrícolas.

45

Por fim, foi submetida a questão de saber se poderia ser reconhecido às actividades do Board um regime especial, na medida em que o Pigs Marketing Scheme constituiria uma «organização nacional de mercado».

46

No processo perante o Resident Magistrate, este conceito parece ter sido tirado, mais especificamente, do artigo 2.o do Regulamento n.o 26, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas.

47

Tal como o Tribunal teve ocasião de sublinhar no seu acórdão de 10 de Dezembro de 1974, Charmasson (48/74, Colect., p. 591), no sistema do Tratado, as organizações nacionais de mercado só eram admitidas a título transitório e destinavam-se a ser substituídas, conforme dispõe o artigo 43.o, n.o 3, pelo estabelecimento de organizações comuns de mercado.

48

Salvo, para os sectores objecto de reserva, por força do artigo 60.o, n.o 2, do acto de adesão, este efeito de substituição produziu-se para o Reino Unido, por força do mesmo acto, à data de 1 de Fevereiro de 1973, tal como já foi acima referido.

49

No que respeita à referência às organizações nacionais de mercado no Regulamento n.o 26, há que salientar o facto de as disposições deste regulamento, que tem a data de 4 de Abril de 1962, terem em conta as condições que prevaleciam no decurso do período de transição e todas as reservas, no que respeita à realização ulterior de uma Política Agrícola Comum, estão previstas no quinto considerando do preâmbulo deste regulamento.

50

Por conseguinte, é igualmente destituído de interesse saber se o Pigs Marketing Scheme da Irlanda do Norte poderia eventualmente ser qualificado como «organização nacional de mercado».

Quanto à apreciação do Pigs Marketing Scheme face à organização comum de mercado no sector da carne de suíno

51

Resulta do que acima foi dito, que as questões decisivas para a solução do litígio, pendente perante o Resident Magistrate, respeitam à compatibilidade com as disposições relativas à livre circulação de mercadorias e à organização comum de mercado no sector da carne de suíno, de um regime de mercado estabelecido pela legislação de um Estado-membro e gerido por um organismo que, graças aos meios de coacção pública que estão à sua disposição, tem poder para controlar o sector do mercado em questão, através de medidas tais como, a sujeição do escoamento da mercadoria à exigência de inscrição do produtor no organismo em questão, a proibição de qualquer venda que não seja feita a este organismo ou por seu intermédio, nas condições por ele determinadas, assim como a proibição de todo o transporte não autorizado da respectiva mercadoria.

52

Com vista a dar resposta a estas questões, convém clarificar, previamente, a relação existente, por um lado, entre as disposições regulamentares referidas pelo Resident Magistrate, a saber, os Regulamentos n. os 121/67 e 2759/75, e, por outro, as disposições do Tratado relativas à supressão das restrições quantitativas e, mais especificamente, os artigos 30.o e 34.o do Tratado.

53

O Regulamento n.o 121/67, aplicável na altura da adesão do Reino Unido, contém no seu artigo 19 o disposições expressas relativas à supressão dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas.

54

Se estas disposições não foram retomadas no Regulamento n.o 2759/75, que tem como objectivo codificar o conjunto da matéria, tal omissão é devida, conforme foi explicado pela Comissão, a uma consideração de ordem metodológica, que consistiu em suprimir, no texto codificado das regulamentações agrícolas, quaisquer prescrições que fossem repetitivas de disposições próprias do Tratado.

55

Daí resulta que, no sistema do Regulamento n.o 2759/75, actualmente aplicável, há que considerar as disposições do Tratado que estabelecem a supressão dos obstáculos pautais e comerciais às trocas intracomunitárias e, em especial, os artigos 30.o e 34.o, relativos à supressão das restrições quantitativas e de quaisquer medidas de efeito equivalente, na importação e na exportação, como fazendo parte integrante da organização comum de mercado.

56

Conforme o Tribunal fez notar no seu acórdão de 18 de Maio de 1977, Van den Hazel (111/76, Colect., p. 329), a partir do momento em que a Comunidade adoptou, nos termos do artigo 40.o do Tratado, uma regulamentação estabelecendo uma organização comum de mercado num sector determinado, os Estados-membros ficam obrigados a abster-se de qualquer medida que seja de natureza a derrogar ou violar tal regulamentação.

57

Com vista a aplicar esta orientação, no caso do Pigs Marketing Scheme, é de considerar que a organização comum de mercado no sector da carne de suíno, a exemplo de outras organizações comuns de mercado, se baseia no princípio do mercado aberto, ao qual qualquer produtor tem livremente acesso e cujo funcionamento é regido apenas pelos instrumentos previstos por esta organização.

58

São, à partida, incompatíveis com os princípios desta organização de mercado quaisquer disposições ou práticas nacionais susceptíveis de alterar os fluxos de importação ou de exportação, ou de influenciar a formação dos preços no mercado, pelo facto de não permitirem aos produtores realizar livremente as compras e as vendas, no território do Estado onde estão estabelecidos ou em qualquer Estado-membro, nas condições determinadas pela regulamentação comunitária, e beneficiar directamente das medidas de intervenção e de quaisquer outras medidas de regulação do mercado previstas na organização comum.

59

Uma acção desta natureza, exercida no mercado por um organismo estabelecido por um Estado-membro fora das previsões da regulamentação comunitária, não poderá ser justificada pela prossecução de objectivos específicos de política económica, nacional ou regional, uma vez que a organização comum de mercado tem precisamente como função, tal como resulta do terceiro considerando do Regulamento n.o 2759/75, realizar tais objectivos à escala da Comunidade, nas condições aceitáveis pelo conjunto desta, e tendo em conta as necessidades de todas as suas regiões.

60

Qualquer intervenção de um Estado-membro, ou das suas autoridades regionais ou delegadas, nos mecanismos do mercado, fora do que está especificamente previsto no regulamento comunitário, corre o risco de entravar o funcionamento da organização comum de mercado e de criar vantagens injustificadas para certos grupos de produtores ou de consumidores, em detrimento da economia de outros Estados-membros ou de outros grupos económicos na Comunidade.

61

Desta fornia, não é de acolher a argumentação apresentada pelo Board, de que a sua política de preços seria dependente da evolução do mercado e não causaria à partida nenhuma perturbação na formação dos preços conforme ao regulamento.

62

Na verdade, esta circunstância de forma alguma exclui o facto de a regulamentação nacional controvertida ter como efeito colocar os produtores na dependência completa do Board e proibir-lhes o acesso ao mercado nas condições previstas pelo Tratado e na organização comum, estabelecida por este.

63

A este respeito, há que chamar a atenção para o artigo 2.o do Regulamento n.o 2759/75 que prevê um conjunto de medidas destinadas a encorajar as iniciativas profissionais e interprofissionais que permitam facilitar a adaptação da oferta às exigências do mercado, graças, nomeadamente, a uma melhor organização da produção, da transformação ou da comercialização dos produtos em causa.

64

Esta disposição só permite, contudo, o estabelecimento de tais medidas no âmbito de um processo comunitário, destinado a garantir que o interesse geral da Comunidade seja salvaguardado, no respeito pelos objectivos fixados pelo artigo 39o do Tratado.

65

Às questões do Resident Magistrate, há que responder que se deve considerar incompatível com as exigências que decorrem tanto dos artigos 30.o e 34.o do Tratado CEE, como do Regulamento n.o 2759/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de suíno, um regime de mercado, à escala nacional ou regional, estabelecido pela legislação de um Estado-membro e gerido por um organismo que, graças aos meios de coacção pública que estão à sua disposição, tem poder para controlar o sector do mercado em questão, ou uma parte deste, através de medidas tais como, a sujeição do escoamento da mercadoria à exigência de inscrição do produtor no organismo em questão, a proibição de qualquer venda que não seja feita a este organismo ou por seu intermédio, assim como a proibição de qualquer transporte da respectiva mercadoria não autorizado pelo dito organismo.

66

Em resposta às questões submetidas pelo Resident Magistrate há que precisar ainda que, todas as disposições citadas são directamente aplicáveis, e como tais, conferem aos indivíduos direitos, que os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros são obrigados a salvaguardar.

67

Este efeito resulta, por um lado, da própria natureza dos artigos 30.o e 34.o do Tratado e, por outro, do artigo 189 o, nos termos do qual os regulamentos são «directamente aplicáveis em todos os Estados-membros».

68

Conforme o que se disse, os efeitos acima definidos produzem-se no conjunto do território do Reino Unido, a partir de 1 de Fevereiro de 1973, nos termos do acto de adesão, em especial dos seus artigos 2.o, 42.o e 60.o, n.o 1.

69

A este respeito, o facto de um dos elementos do Pigs Marketing Scheme — a saber, os Movement of Pigs Regulations — ter sido publicado em 1972, posteriormente à data de assinatura do tratado de adesão, não altera esta situação, uma vez que o primado do direito comunitário em relação às disposições do direito nacional se afirma independentemente das datas respectivas das disposições em causa.

70

O Resident Magistrate coloca ainda uma questão específica, relativa às restrições resultantes da aplicação dos Movement of Pigs Regulations, para o transporte de porcos, com vista a saber se tais restrições poderiam eventualmente justificar-se pelas facilidades de controlo que proporcionam face a um contrabando intenso que, aparentemente, campeia na fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, em virtude da disparidade das cotações da «libra verde» e do consequente pagamento dos montantes compensatórios monetários.

71

Por seu turno, o Board sublinhou o nexo existente entre este aspecto do Pigs Marketing Scheme e a repressão do contrabando.

72

Não poderá ser admitida a justificação de uma proibição de transporte incompatível, tanto com a liberdade de trocas entre os Estados-membros, como com a organização comum de mercado no sector da carne de suíno, com base na circunstância de uma tal restrição poder incidentalmente facilitar o controlo fronteiriço e a luta contra determinadas fraudes.

73

A supressão de tais abusos, na falta da eliminação da sua causa monetária, só poderá ser promovida por meios compatíveis com o funcionamento normal do mercado comum.

74

As considerações baseadas na repressão da fraude não poderão, à partida, ser invocadas para justificar o regime criticado perante o Resident Magistrate.

75

Perante o que atrás se disse, não se afigura necessário responder às questões submetidas pelo Resident Magistrate no tocante à interpretação dos artigos 85.o e 86.o do Tratado e da relação destas disposições com o artigo 37.o

Quanto às despesas

76

As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

77

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de um incidente suscitado perante o Magistrate's Court do condado de Armagh, compete a este decidir sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Magistrate's Court do condado de Armagh, por decisão de 19 de Setembro de 1977 e por ofício de 10 de Março de 1978, declara:

 

1)

É de considerar como incompatível com as exigências que decorrem tanto dos artigos 30.o e 34.o do Tratado CEE, como do Regulamento n.o 2759/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado, no sector da carne de suíno, um regime de mercado à escala nacional ou regional, estabelecido pela legislação de um Estado-membro e gerido por um organismo que, graças aos meios de coacção pública postos à sua disposição, tem poder para controlar o sector do mercado em questão, ou uma parte deste, através de medidas tais como, a sujeição do escoamento da mercadoria à exigência de inscrição do produtor no organismo em questão, a proibição de qualquer venda que não seja feita a este organismo ou por seu intermédio, nas condições por este determinadas, assim como a proibição de qualquer transporte da respectiva mercadoria não autorizado pelo dito organismo.

 

2)

As disposições dos artigos 30.o e 34.o do Tratado CEE e do Regulamento n.o 2759/75 são directamente aplicáveis e conferem aos indivíduos direitos que os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros são obrigados a salvaguardar.

 

3)

Os efeitos acima referidos produzem-se no conjunto do território do Reino Unido, a partir de 1 de Fevereiro de 1973, nos termos do acto de adesão e, especialmente, dos seus artigos 2.o, 42.o e 60.o, n.o 1.

 

Kutscher

Mackenzie Stuart

Donner

Pescatore

Sørensen

O'Keeffe

Bosco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Novembro de 1978.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

H. Kutscher


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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