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Document 61978CJ0003

Acórdão do Tribunal de 10 de Outubro de 1978.
Centrafarm BV contra American Home Products Corporation.
Pedido de decisão prejudicial: Arrondissementsrechtbank Rotterdam - Países Baixos.
Serenid - Seresta.
Processo 3/78.

Edição especial inglesa 1978 00621

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1978:174

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

10 de Outubro de 1978 ( *1 )

No processo 3/78,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Arrondissementsrechtbank de Rotterdam, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Centrafarm BV, Roterdão,

e

American Home Products Corporation, Nova Iorque,

uma decisão a titulo prejudicial sobre a interpretação do artigo 36.o do referido Tratado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: H. Kutscher, presidente, J. Mertens de Wilmars, A. J. Mackenzie Stuart, presidentes de secção, A. M. Donner, P. Pescatore, M. Sørensen, A. O'Keeffe, G. Bosco e A. Touffait, juízes,

advogado-geral: F. Capotorti

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por sentença de 19 de Dezembro de 1977, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Janeiro de 1978, o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam colocou ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões relativas à interpretação do artigo 36.o do mesmo Tratado.

2

Estas duas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre duas empresas do sector de produtos farmacêuticos, sendo uma delas, a sociedade American Home Products Corporation (a seguir «AHPO»), titular em diversos Estados-membros de marcas diferentes para o mesmo produto, tendo a outra, a sociedade Centrafarm BV, importado o referido produto — comercializado sob a marca registada no Estado de origem —, eliminado esta marca e aposto a marca que fora registada, para o mesmo produto no Estado de importação, e comercializou o produto assim caracterizado neste último Estado, sem o consentimento do titular.

3

Resulta das questões colocadas pelo Arrondissementsrechtbank que a legislação sobre marcas do Estado de importação atribui ao titular o direito de se opor à comercialização, por outrem, das mercadorias portadoras da marca por ele detida naquele Estado.

4

O presidente do mesmo órgão jurisdicional, por despacho de 2 de Agosto de 1977, proferido no processo de medidas provisórias a pedido da AHPC, proibiu, com efeito, que a Centrafarm lesasse os direitos da AHPC sobre a marca em questão.

5

De acordo com a sua redacção, as questões colocadas referem-se a uma única e mesma mercadoria, apesar de algumas ligeiras diferenças que poderiam subsistir entre o produto, consoante a sua comercialização for feita sob uma ou a outra marca, pelo que o Tribunal não é chamado a pronunciar-se sobre a hipótese de as duas marcas terem sido utilizadas para dois produtos, cada um deles com as suas características próprias.

Quanto à primeira questão

6

A primeira questão tem por objecto o problema de saber se, nas circunstâncias indicadas, as normas do Tratado, e designadamente o artigo 36.o, impedem que o titular da marca exerça o direito que lhe é atribuído pelo direito nacional.

7

Por força das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias e, em particular, do artigo 30.o, são proibidas, entre os Estados-membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente.

8

Nos termos do artigo 36.o, tais disposições são no entanto aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação justificadas por razões de protecção da propriedade industrial e comercial.

9

Contudo, resulta precisamente deste artigo, nomeadamente da sua segunda frase, bem como do contexto em que se integra que, se o Tratado não afecta a existência dos direitos reconhecidos pela legislação de um Estado-membro em matéria de propriedade industrial e comercial, nem por isso deixará o exercício de tais direitos de poder ser limitado, conforme as circunstâncias, pelas proibições fixadas no Tratado.

10

O artigo 36. o, com efeito, ao consagrar uma excepção a um dos princípios fundamentais do mercado comum, só admite derrogações à livre circulação de mercadorias que se justifiquem por razões de protecção dos direitos que constituem o objecto específico desta propriedade.

11

O objecto específico do direito de marca consiste, nomeadamente, em garantir ao titular o direito exclusivo de utilizar a marca na primeira difusão de um produto, protegendo-o assim contra os concorrentes que pretendessem abusar da posição e da reputação da marca, através da venda de produtos que indevidamente a ostentassem.

12

Para determinar, em situações excepcionais, o alcance exacto deste direito exclusivo reconhecido ao titular da marca, há que ter em linha de conta a função essencial da marca, que é a de garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto revestido da marca.

13

É inerente a esta garantia de proveniência que só o titular possa identificar o produto mediante a aposição da marca.

14

A garantia de proveniência ficaria, com efeito, comprometida, caso se atribuísse a um terceiro a faculdade de aposição da marca no produto, ainda que este fosse original.

15

É, assim, em conformidade com a função essencial da marca, que as legislações nacionais, mesmo nos casos onde o fabricante ou o comerciante é titular de duas marcas diferentes para o mesmo produto, impedem que um terceiro não autorizado se arrogue a faculdade de apor uma ou a outra marca sobre qualquer parte da produção ou de trocar as marcas apostas pelo titular em diferentes partes da produção.

16

A garantia de proveniência exige que o direito exclusivo do titular seja salvaguardado de forma idêntica, quando as diferentes partes da produção, portadoras de marcas diferentes, provierem de dois Estados-membros diferentes.

17

O direito reconhecido ao titular da marca de se opor a qualquer aposição não autorizada desta última no seu produto integra, assim, o objecto específico do direito de marca.

18

Assim sendo, considera-se justificado, nos termos do artigo 36.o, primeira frase, o reconhecimento ao titular de uma marca protegida num Estado-membro, do direito de oposição à comercialização, neste Estado-membro, por um terceiro, de uma mercadoria à qual foi aposta a marca em causa, ainda que a referida mercadoria já tenha sido antes escoada licitamente noutro Estado-membro com outra marca, detida neste Estado pelo mesmo titular.

19

Há, contudo, que analisar ainda se o exercício de tal direito poderá constituir uma «restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros», na acepção do artigo 36.o, segunda frase.

20

Convém salientar, a este propósito, que pode ser legítima a utilização, pelo fabricante de um produto, de marcas diferentes para um mesmo produto, em diferentes Estados-membros.

21

É no entanto possível que tal prática seja adoptada pelo titular das marcas, no âmbito de um sistema de comercialização, cujo objectivo é o de provocar uma compartimentação artificial dos mercados.

22

Em tal hipótese, a oposição do titular à utilização não autorizada da marca por um terceiro, constituiria uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário, na acepção da disposição já referida.

23

É ao juiz da acção principal que cabe decidir, em cada caso concreto, se se comprovou que a prática que consiste na utilização de marcas diferentes para um mesmo produto foi adoptada pelo titular dessas marcas com o intuito de compartimentar os mercados.

Quanto à segunda questão

24

Pergunta-se, na segunda questão, se é relevante para a resposta a dar à primeira questão, o facto de existir ou não, no Estado-membro para o qual o produto é importado, uma regulamentação em matéria de produtos farmacêuticos que admita a importação de um produto farmacêutico, a partir de outro Estado-membro, com uma marca diferente daquela que está registada neste último Estado.

25

Tal regulamentação, ao prosseguir objectivos inerentes à protecção da saúde pública, tem por objecto as denominações sob as quais podem ser comercializadas as especialidades farmacêuticas.

26

Há assim motivo para presumir que ela não tem como efeito a alteração das normas relativas ao direito das marcas.

27

Por conseguinte, o importador de um produto farmacêutico não pode encontrar, na faculdade que lhe é atribuída por tal regulamentação, qualquer justificação para se furtar às obrigações que lhe são impostas pelo respeito das marcas, de que é titular o fabricante do produto.

28

Em resposta à segunda questão, deve assim concluir-se, que a existência de uma regulamentação em matéria de especialidades farmacêuticas, relativa às denominações sob as quais estas são comercializadas, é irrelevante para a resposta a dar à primeira questão.

Quanto às despesas

29

As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha, pelo Governo do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

30

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Arrondissementsrechtbank te Rotterdam, por sentença de 19 de Dezembro de 1977, declara:

 

1)

a)

Nos termos do artigo 36.o, primeira frase, do Tratado CEE, considera-se justificada a oposição, pelo titular de uma marca protegida num Estado-membro, à comercialização, por um terceiro, de uma mercadoria à qual foi aposta a mesma marca, ainda que a referida mercadoria já tenha sido antes escoada licitamente noutro Estado-membro com outra marca, ai detida pelo mesmo titular.

b)

Tal oposição pode, no entanto, constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros, na acepção do artigo 36.o, segunda frase, do Tratado, se se comprovar que a prática da utilização de marcas diferentes para um mesmo produto foi adoptada pelo titular, com o objectivo de provocar uma compartimentação artificial dos mercados.

 

2)

As regras relativas às denominações sob as quais são comercializadas as especialidades farmacêuticas são irrelevantes para a resposta anterior.

 

Kutscher

Mertens de Wilmars

Mackenzie Stuart

Donner

Pescatore

Sørensen

O'Keeffe

Bosco

Touffait

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Outubro de 1978.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

H. Kutscher


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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