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Document 61978CC0007

    Conclusões do advogado-geral Mayras apresentadas em 4 de Julho de 1978.
    A Rainha contra Ernest George Thompson, Brian Albert Johnson e Colin Alex Norman Woodiwiss.
    Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England) - Reino Unido.
    Meios de pagamento e movimentos de capitais.
    Processo 7/78.

    Edição especial inglesa 1978 00765

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1978:148

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    HENRI MAYRAS

    apresentadas em 4 de Julho de 1978 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    I —

    Graças ao relatório para audiência muito completo apresentado pelo juiz-relator, recordar-vos-eis certamente dos factos que originaram a formulação, pela Court of Appeal (Criminal Division), do presente pedido de decisão prejudicial, bem como do texto das questões submetidas ao Tribunal por este órgão jurisdicional.

    Os três recorrentes na acção principal foram acusadas perante a Crown Court of Canterbury de terem procurado importar ilegalmente para o Reino Unido 3400Krugerrands. Dois deles, que haviam exportado, entre 7 de Agosto de 1974 e 26 de Maio de 1975, 40,39 toneladas de moedas de liga de prata cunhadas no Reino Unido, são acusados de terem tentado iludir a proibição, então em vigor, de exportar as referidas moedas.

    Perante o juiz de primeira instância, um dos recorrentes considerou-se culpado, mas, posteriormente, todos alegaram não ter que responder por qualquer acusação em virtude de as proibições relativas à importação e à exportação das referidas moedas serem contrárias às disposições do Tratado de Roma. O juiz rejeitou esta tese sem recorrer ao processo previsto no artigo 177.o

    Posteriormente, embora considerando-se culpados, os recorrentes interpuseram recurso desta decisão, tendo o juiz de segunda instância decidido recorrer ao Tribunal a título prejudicial.

    O objecto material dos delitos é constituído por moedas de ouro e de prata.

    A —

    As moedas de ouro são Krugerrands. Elas são, ainda hoje, correntemente cunhadas pela câmara das minas de Joanesburgo que escoa, deste modo, parte do ouro produzido na República da África do Sul, e constituem uma exportação não despicienda deste país. Na República Federal da Alemanha, estas moedas são escoadas, nomeadamente, pela International Gold Corporation (Inter-Gold) de Estugarda.

    O estatuto legal dos Krugerrands é o seguinte: no seu país de emissão, estas moedas constituem, em princípio, um meio legal de pagamento. Em geral, uma moeda só tem tal função no país em que é emitida. Pode, no entanto, suceder que ela constitua um instrumento legal de pagamento noutro local (como é o caso do franco belga no Grão-Ducado do Luxemburgo). Convém no entanto ver a realidade das coisas: para obter Krugerrands na África do Sul, em quantidade aliás limitada, os simples particulares têm de inscrever-secom grande antecedência e pagar a respectiva equivalência em divisas fortes, e não utilizam, evidentemente, os Krugerrands assim obtidos para pagar as suas compras correntes. Tais moedas não são assim, de facto, «normalmente» utilizadas como meio legal de pagamento.

    O estatuto legal dos Krugerrands no interior da Comunidade Económica Europeia parece-me longe de ser claro. Em determinados Estados-membros, pode-se comprá-los e vendê-los livremente em quantidades ilimitadas, sem prejuízo do pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, sempre que este for exigível; na altura dos factos, a matéria colectável e a taxa do imposto sobre o valor acrescentado que incidiam sobre tais moedas não estavam uniformizadas. Voltarei mais tarde a esta questão.

    Em geral, pelo menos quando digam respeito a quantidades importantes, as operações relativas a Krugerrands efectuam-se por intermédio dos bancos, que funcionam então como verdadeiras bolsas de mercadorias, semelhantes às que existem para as matérias-primas, tais como os cereais, o açúcar, o café, etc.

    Tais operações podem assumir a forma quer da aquisição de um certificado que atesta a propriedade de um certo número dessas moedas, que permanecem depositadas nos cofres do banco, quer da compra acompanhada da entrega física das moedas. Quer num caso quer noutro, a operação é fundamentalmente a mesma.

    B —

    As moedas de prata em questão são moedas inglesas de six pence, de um shilling, de um florim (dois shillings) e de meia-coroa (dois shillings six pence). Todas elas deixaram de ser cunhadas desde 1947, mas podem ainda servir de instrumento legal de pagamento no Reino Unido até um certo montante, com excepção, desde 31 de Dezembro de 1969, das meias-coroas, embora estas continuem a ser aceites, de bom grado, pelo Banco de Inglaterra. Todas estas moedas são activamente procuradas, já que, com a inflação, o valor do metal fino que contêm ultrapassa o seu valor nominal. No caso subjudice está em causa um total de 40,39 toneladas e o «lucro» ascenderia a cerca de um milhão de libras esterlinas.

    Pelo que se colhe da leitura da sentença proferida na primeira instância e da decisão de recurso, parece que os recorrentes seriam simples passadores, que agiram por conta da firma Agosi (Allgemeine Gold- und Silberscheideanstalt), de Pforzheim, na República Federal da Alemanha, e talvez de certas firmas inglesas de corretores de metais (Bullion Brokers), nomeadamente a Ayrton Metals de Londres.

    O campo de actividades da firma Agosi abrange a compra e venda de metais preciosos, a sua afinação e a produção de ligas metálicas para todo o tipo de utilizações. Quarenta por cento do seu capital é detido pela famosa Degussa, antiga Roessler, de Francoforte, que, por seu turno, desdobra as suas actividades igualmente pelas áreas dos metais preciosos e dos produtos químicos. Esta firma apresenta, além disso, a particularidade de ser um estabelecimento bancário autorizado e de negociar na bolsa. Figura no elenco das raras empresas cujos lingotes de ouro e de prata finos são aceites em todos os mercados mundiais e admitidos nas bolsas de metais de Londres, de Nova Iorque e de Chicago.

    Foi a firma Agosi que entregou aos recorrentes as moedas de ouro em questão, e, ao que parece, os arguidos tentaram vendê-las, ou deviam vendê-las, à firma Ayrton Metals, que devia ela própria, sem dúvida, tratar de colocá-las junto de clientes residentes no Reino Unido.

    As moedas de prata, por seu turno, destinavam-se a ser refundidas pela firma Agosi, para delas extrair o metal fino. Foram-lhe vendidas pelos recorrentes pelo preço comercial do seu toque de prata correntemente praticado.

    Para o pagamento deste preço, os recorrentes afirmam que a sociedade Agosi utilizou quatro meios de pagamento diferentes:

    por cheque emitido em libras esterlinas, sacado sobre a conta da sociedade em Londres;

    em numerário em marcos alemães;

    por transferência para a conta bancária de um dos recorrentes em Londres;

    em parte por um dos meios acima citados e noutra parte pela entrega de Krugerrands a um dos recorrentes (1900 unidades).

    O preço de cedência dos Krugerrands foi determinado com base no preço de mercado, pelo qual, na altura, estas moedas circulavam livre e legalmente na República Federal da Alemanha.

    A sociedade Agosi alega, pela sua parte, que continuou proprietária dos 1500 Krugerrands restantes, pois os cheques entregues para pagamento, pelos recorrentes, ao que parece não foram pagos.

    O órgão jurisdicional de recurso só fundamentou a decisão no que toca à primeira questão apresentada a este Tribunal. Quanto às questões relativas à eventual aplicabilidade do artigo 36.o e ao alcance das disposições constantes do título III, capítulo IV, do Tratado de Roma, ou seja, quanto à livre circulação de capitais, convém fazer referência à decisão do juiz de primeira instância.

    II —

    A resposta à primeira questão comanda a solução do litígio. Com esta questão, o juiz solicita que o Tribunal qualifique as moedas em causa — Krugerrands e moedas de prata inglesas — relativamente ao direito comunitário: numa palavra, o juiz pretende saber se se trata de «mercadorias» ou de «capitais». Tratando-se de mercadorias, na acepção do direito comunitário, elas ficam sujeitas às disposições da parte II, título I, capítulo II, relativas à eliminação das restrições quantitativas entre os Estados-membros e das medidas de efeito equivalente que dificultam a livre circulação de mercadorias, quer quanto à importação (artigo 30.o), quer quanto à exportação (artigo 34.o), a menos que lhes seja aplicável o disposto no artigo 36.o do Tratado.

    Se, pelo contrário, se tratar de capitais, na acepção do direito comunitário, as transferências de que foram objecto as ditas moedas ficam sujeitas ao disposto no título III, capítulo IV (ou seja, aos artigos 67.o a 73.o do Tratado), pretendendo o juiz inglês saber qual era o efeito útil destas disposições na altura dos factos que originaram o litígio.

    Não creio que seja possível ao Tribunal responder a esta questão na forma directa em que foi colocada. No entanto, por razões de clareza, abordarei o problema frontalmente.

    A favor da qualificação «mercadorias» podem aduzir-se as considerações seguintes:

    Em primeiro lugar, do ponto de vista do direito interno do Reino Unido, é possível extrair um argumento da própria letra das disposições — tanto em matéria de importação como de exportação — , que os recorrentes são acusados de ter violado.

    O Import, Export and Customs Powers (Defence) Act 1939, adoptado nas circunstâncias políticas da época, tinha em vista «controlar a importação, a exportação, a cabotagem (carriage coastwíse) de 'mercadorias' (goods) e o embarque de 'mercadorias' como mantimentos de bordo, facilitar a aplicação das leis relativas a estas matérias e das leis respeitantes ao comércio com o inimigo…».

    Este Act ainda está em vigor nas relações com os países terceiros, mas deve considerar-se revogado, ou pelo menos alterado, pelo European Communities Act 1972, sobre a adesão do Reino Unido, na medida em que é contrário às disposições do Tratado de Roma.

    Com base no Act 1939 foi adoptado o Statutory Instrument n.o 23 de 1954, intitulado Import of Goods (Control) Order 1954, que determina que, «sem prejuízo do disposto no presente despacho, é proibido importar qualquer mercadoria para o Reino Unido».

    É evidente que o legislador não se ficou por aqui, pois uma disposição com um alcance tão geral teria significado a asfixia de um país como o Reino Unido. Por isso o artigo 2.o acrescenta logo a seguir: «o disposto no artigo 1.o não impede a importação de mercadorias ao abrigo de uma licença concedida pelo Board of Trade nos termos do presente artigo e em conformidade com as condições para tal exigidas».

    Assim, o ministro tinha poderes para autorizar especificamente certas importações e para autorizar outras em termos gerais.

    Após a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1973, do acto de adesão, e por força do princípio geral da livre circulação de mercadorias previsto no Tratado de Roma, o secretário de Estado do Comércio e Indústria autorizou, em termos gerais, as importações de mercadorias (Open General Licence — licença global de importação) em 5 de Julho de 1973, para produzir efeitos a partir de 16 de Julho seguinte. Por força desta autorização, passou a ser permitida a importação de todos os artigos de ouro, ou do que se poderia designar como «ouro-mercadoria». Mas, em 15 de Abril de 1975, o mesmo departamento ministerial adoptou uma medida (Amendment n.o 10) que proíbe, a partir de 16 de Abril seguinte, salvo autorização especial, a importação de medalhas, medalhões, pequenas placas e outros artigos de ouro com inscrições ou relevos, bem como de moedas de ouro.

    É, pois, evidente, como aliás faz notar o juiz de primeira instância, que, por força do sistema instaurado em 5 de Julho de 1973, a importação para o Reino Unido de Krugerrands, que constituiriam mercadorias, na acepção do Act 1939, não estava sujeita a qualquer restrição e que, desde 16 de Abril de 1975, a importação destas mesmas moedas ficou sujeita ao regime de licenças especiais como importação de mercadorias, caindo qualquer importação destas moedas, efectuada em contravenção das referidas disposições, sob a alçada do parágrafo 304 (b) do Customs and Excise Act 1969.

    No que diz respeito à exportação, pode notar-se uma evolução semelhante.

    Por força do Export of Goods (Control) Order 1970, foi proibida, salvo autorização geral ou específica, a exportação de certos bens.

    Na véspera da adesão — a 20 de Dezembro de 1972 — , o secretário de Estado autorizou, em termos gerais, a exportação de numerosas categorias de mercadorias (Open General Licence, datada de 20 de Dezembro de 1972) incluindo as moedas, aparentemente com o intuito de conciliar a legislação do Reino Unido com o disposto no artigo 34.o do Tratado. Esta autorização foi confirmada em 25 de Junho de 1973.

    No entanto, por força de duas medidas adoptadas em 5 de Julho e 20 de Dezembro de 1974, passou a ser proibida, salvo autorização especial, a exportação de mais de dez exemplares de moedas de prata do género das que estão aqui em causa (moedas de prata do Reino Unido anteriores a 1947).

    É, pois, igualmente evidente que, após a admissão do Reino Unido, a exportação das moedas de prata do caso sub judice foi, durante um certo período, autorizada nos termos do Act 1939 relativo às mercadorias-; terá sido, porventura, graças a tal regime que os recorrentes conseguiram exportar, sem despertar a atenção das alfândegas, entre 7 de Agosto de 1974 e 26 de Maio de 1975, mais de 40 toneladas de moedas de prata.

    Por conseguinte, se nos ativermos à qualificação de «mercadorias», atribuída na altura pela legislação do Reino Unido, qualquer restrição quantitativa à importação e à exportação das moedas em causa entre a Comunidade, na sua composição originária, e o Reino Unido, bem como entre os novos Estados-membros, fora suprimida a partir da adesão. As medidas de efeito equivalente a tais restrições deveriam ser suprimidas o mais tardar em 1 de Janeiro de 1975, por força do artigo 42.o do acto de adesão.

    Do ponto de vista do direito comunitário, a pauta aduaneira comum, estabelecida segundo a nomenclatura para a classificação das «mercadorias» (Convenção de Bruxelas de 15 de Dezembro de 1950), determina que as moedas que não tenham o carácter de objectos de colecção (n.o 72.01) ficam isentas de direitos de importação, tal como, aliás, aqueles objectos (n.o 99.05), bem como as notas de banco assinadas e numeradas (n.o 49.07). Esta isenção de direitos de que beneficiam as moedas pode explicar-se pelo desejo de cada Estado não se privar de entradas de ouro ou de prata.

    III —

    Partindo do princípio que as moedas em questão são efectivamente mercadorias, a segunda questão colocada pelo juiz nacional é a de saber se certas disposições do artigo 36.o permitem justificar as restrições do presente caso. Se bem que, por razões que adiante serão explicadas, a resposta a esta questão não me pareça necessária para a solução do litígio, farei a este propósito as seguintes observações:

    Há que distinguir a importação dos Krugerrands da exportação das moedas de prata.

    1)

    Relativamente à importação das moedas de ouro, e continuando a partir do princípio que elas podem ser qualificadas como mercadorias, creio, contrariamente ao entendimento do juiz de primeira instância — mas de acordo, ao que parece, com o ministério público nesta instância e, em todo o caso, com a Comissão e com a própria jurisprudência do Tribunal [em particular o acórdão de 19 de Dezembro de 1961, Comissão/Itália (7/61, Colect. 1954-1961, p. 643)1 — , que as «razões de ordem pública» constantes do artigo 36.o não podem ser utilmente invocadas.

    Com efeito, o conceito de ordem pública, utilizado pelo artigo 36.o, não pode abranger toda e qualquer decisão tomada por razões económicas, ou, pelo menos, não se refere só a considerações que, embora se revistam de um interesse preeminente para cada Estado-membro, não têm carácter propriamente económico, ou só o têm acessoriamente. No Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, a referência à ordem pública constante do artigo 36.o não tem relevância quando as medidas a tomar por razões de protecção da ordem, de urgência ou de oportunidade económica caibam no âmbito de outras normas do Tratado e estejam previstas, para o efeito, disposições específicas, derrogatórias das regras gerais do Tratado, no interesse dos Estados-membros ou de toda a Comunidade. Penso, em especial, nas disposições dos artigos 70.o, n.o 2 e 73.o, bem como nas que constam do capítulo II («A balança de pagamentos»), do título II («A política económica»), da parte III (artigos 104.o a 109.o).

    Por outras palavras, a ordem pública a que se refere o artigo 36.o não tem em vista a ordem pública monetária. Por outro lado, gostaria de evitar a atribuição de qualquer conotação moral a este conceito de ordem pública e de equipará-lo ao conceito de «moralidade pública», à qual, aliás, o juiz nacional não parece referir-se. Admitindo que a afectação de um rendimento disponível a valores-refúgio, tais como o ouro monetário, não possa justificar-se pela má gestão monetária dos próprios Estados, e ainda que o conceito de «ordem pública» não esteja isento de uma certa conotação moral, penso que a preocupação de prevenir o entesouramento ou a especulação respeita à ordem pública monetária, que é objecto das disposições específicas há pouco mencionadas, sobretudo do artigo 104.o, segundo o qual «cada Estado-membro porá em prática a política económica indispensável para garantir o equilíbrio da sua balança global de pagamentos e para manter a confiança na sua moeda, cuidando ao mesmo tempo de assegurar um elevado grau de emprego e a estabilidade do nível dos preços». O entesouramento está intimamente ligado ao equilíbrio monetário, à inflação e à desvalorização (Henri Guitton, La Monnaie, 1970, p. 276) e o ouro «monetário» faz parte da balança de pagamentos (C. Maestripieri, Cours sur «La libre circulation des capitaux dans la CEE», 1973-1975, p. 18).

    Como reconhece o juiz de primeira instância, o recurso à ordem pública do artigo 36.o não pode portanto, prima facie, justificar as restrições impostas à importação dos Krugerrands.

    2)

    Mais delicado é o problema que coloca, na acepção do artigo 36.o, a exportação de moedas de prata do género das que estão aqui em causa. Devido à «desmonetização» destas moedas, ocorrida, quanto às de meia-coroa, desde os finais de 1969, poder-se-ia perguntar se a preocupação em manter a massa da moeda divisionária com curso legal no Reino Unido justifica as restrições à sua exportação. Poder-se-ia igualmente pôr a questão de saber se outra consideração — que, aliás, não foi claramente invocada pelo juiz nacional — não deverá entrar em linha de conta, em conformidade com o artigo 36.o, ou seja, a da «protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico».

    No seguimento deste raciocínio, as meias-coroas incluir-se-iam no conceito de «património nacional» e seria lícito que a mais-valia resultante da fundição das toneladas exportadas revertesse antes para o «Tesouro Público» do que para os particulares. No entanto, além do facto de estas moedas de prata, originariamente propriedade da Coroa, terem caído de certo modo no «domínio público», a letra do artigo 36.o exige que o património nacional possua valor artístico, histórico ou arqueológico. Ora, duvido que tais moedas satisfaçam estes requisitos, ainda que, como afirma o Governo do Reino Unido, não tenha sido concedida a particulares, ao abrigo da Section 10 do Coinage Act 1971, qualquer licença para o aproveitamento da sua destruição no interior do Reino Unido.

    Finalmente, admitindo que as moedas de prata em questão sejam realmente mercadorias, não me parece que a sua exportação seja susceptível de destruir a confiança na moeda britânica; tal exportação é mais a consequência da perda de crédito desta moeda (a má moeda expulsa a boa, segundo a lei de Gresham) do que a sua causa, pelo que não pode ser utilmente invocada a protecção da ordem pública, na acepção do artigo 36.o

    IV —

    Estas considerações não esgotam, no entanto, o problema. Se algumas moedas de ouro e de prata constituem, sob certos aspectos, mercadorias que, de um modo perfeitamente legal, podem ser objecto de transacções bancárias — em alguns, senão mesmo em todos, os Estados-membros — , mediante o eventual pagamento do IVA, sempre que este for exigível, trata-se de “mercadorias” de um género muito especial que, como adiante exporei, as fez e ainda as faz aparentar aos “capitais», em função da conjuntura e das condições e modalidades das transacções de que são objecto.

    Gostaria de responder imediatamente a uma objecção que não deixará de me ser apresentada. Diz-se frequentemente que, se qualquer moeda é forçosamente uma mercadoria, pelo menos originariamente, qualquer mercadoria possui, sob determinados aspectos, do ponto de vista económico, a natureza de capital. É o caso, por exemplo, dos diamantes, dos quadros de mestres, dos selos postais, da baixela de prata ou até mesmo do açúcar.

    1)

    Só que há certas mercadorias, nesta categoria de mercadorias com valor de «capital», que apresentam tal característica de forma predominante, e que, pelo seu pequeno volume, pela facilidade com que podem ser trocadas e pela sua durabilidade, se prestam por excelência — para empregar termos neutros — à colocação ou ao investimento. Pensa-se imediatamente nos metais preciosos, ou no ouro e na prata «monetários», que possuem grande valor em pequenas dimensões, bem como propriedades físicas inigualáveis (inalterabilidade, homogeneidade, divisibilidade). Aliás, nos bons velhos tempos do «bimetalismo» ou do «gold standard», a moeda de ouro ou de prata reunia simultaneamente as características de mercadoria e de sinal monetário. Havia uma coincidência perfeita entre o valor da mercadoria e o valor do sinal monetário, dado que estava assegurada, a qualquer momento, a convertibilidade «em numerário» da nota fiduciária. Esta concepção vigorava ainda no início do século XLX (teoria metalista de John Stuart Mill). De acordo com esta concepção realista da moeda-mercadoria, coasiderava-se que a moeda só tinha valor por ser uma «mercadoria como as outras». Mas tal concepção está hoje universalmente abandonada: a mercadoria que se tornou moeda deixou de ser uma mercadoria como as outras, como demonstraram sem qualquer dificuldade os seguidores da teoria nominalista.

    Enquanto se espera o regresso ao feliz tempo do padrão-ouro, as moedas de ouro continuam a existir e a ser cunhadas; o ouro (e em menor medida a prata), sob a forma de barras, de lingotes ou de moedas, é uma das raras formas de capital que conserva (quando o não vê aumentar) o seu valor de um modo quase constante.

    Recorre-se ao ouro, sobretudo ao «ouro monetário», como forma de prevenção contra a desvalorização. Este ouro monetário beneficia mesmo de um certo «ágio» em relação ao ouro em barra, em virtude da transformação que a cunhagem implica e, sobretudo, da sua maior manuseabilidade.

    Por conseguinte, ainda que as operações de que são objecto tomem a forma de transacções «comerciais», as moedas de ouro ou de prata correntes podem ser consideradas como uma forma de investimento ou, se se preferir, de colocação. Não é de estranhar, nestas condições, o interesse dos poderes públicos por este ouro e esta prata.

    2)

    De entre as moedas de ouro regularmente cotadas e correntemente negociadas, o Krugerrand ocupa um lugar muito especial.

    Embora seja regularmente cotado pela sua equivalência em rands, o Kruger não constitui um meio legal de pagamento propriamente dito, já que a moeda não contém qualquer indicação do seu valor nominal a não ser a menção bilingue «uma onça de ouro fino»; é antes uma espécie de medalha. Mas não é, de forma alguma, pela efígie barbuda do «tio Paulo», que figura no inverso, ou pelo springbok, cunhado no reverso, que o Kruger é tão activamente procurado, mas tão simplesmente porque pesa 33,93 gramas e porque contém 31,10 gramas, ou seja, 22 quilates ou uma onça de ouro troy com um toque de 916,666 por 1000. A atracção que exerce explica-se ainda por outros dois motivos: no início de 1976, o prémio acima do seu valor-ouro era apenas de 4 %, dado o facto de a sua cunhagem se processar ainda em grande escala. Ao mesmo tempo, a margem entre o preço de venda e o preço de compra nos balcões dos bancos é a menor de todas as moedas de ouro (4 ,1 %).

    As suas flutuações são praticamente idênticas às variações de preço do lingote de ouro, o que é característico de todas as moedas de colocação ou de investimento: elas não circulam como «sinal monetário», mas sim em função do seu valor intrínseco. Os Krugerrands constituem «lingotes fraccionados».

    Durante os quatro primeiros meses de 1978, foram vendidos cerca de 2,5 milhões de exemplares de Krugerrands, em comparação com os 800000 vendidos durante o mesmo período do ano anterior. De acordo com um anúncio publicado no «Wall Street Journal», os alemães e os suíços compram cerca de 45000Krugerrands por semana. Esta «corrida» traduz indubitavelmente a recrudescência do interesse manifestado pelo metal amarelo, dado que o crescimento do défice orçamental, aumentado pelos esforços efectuados para reanimar a conjuntura, faziam recear que a taxa de depreciação de certas moedas (nessa altura, particularmente da libra esterlina) não pudesse ser sustida.

    Se insisti um tanto nestas características, mencionadas nas publicações especializadas, não foi, Senhores Juízes, com o intuito de vos incitar à compra de Krugerrands, mas tão-somente para vos mostrar que o juiz nacional não pode, evidentemente, deixar de as tomar em consideração para julgar o caso que lhe foi submetido, tendo em conta a data e as circunstâncias particulares em que ocorreram as operações litigiosas. Recorde-se que as importações respeitavam, no total, a mais de 100 kg de ouro.

    3)

    O carácter particular do ouro é confirmado pelas disposições internas do Estado-membro em que as moedas em causa foram colocadas «em livre prática». Na lei alemã sobre o comércio externo, «Außenwirtschaftsgesetz», de 28 de Abril de 1961, o ouro ocupa uma posição especial (Secção VI), depois das trocas de mercadorias (Secção III), das prestações de serviços (Secção IV) e dos movimentos de capitais (Secção V).

    Nos termos do n.o 24 desta lei, as transacções de ouro efectuadas entre residentes e não residentes, bem como a exportação e a importação de ouro, podem ficar sujeitas a restrições para evitar a redução do poder de compra do marco ou para manter o equilíbrio da balança de pagamentos, sem prejuízo das restrições previstas nos n. os 8 a 13, relativas às trocas de «mercadorias».

    Do mesmo modo, o artigo 1.o da lei belga de 11 de Setembro de 1962, relativa à importação, à exportação e ao trânsito de «mercadorias», determina que: «Para efeitos da aplicação da presente lei, deve entender-se:

    a)

    por “mercadorias”: tudo o que é considerado como tal para a aplicação da legislação aduaneira, com excepção do ouro em moedas ou em lingotes, das moedas quer metálicas quer fiduciárias com curso legal na Bélgica ou no estrangeiro, bem como de todos e quaisquer valores, belgas ou estrangeiros, públicos ou privados, que tenham a natureza de títulos ou de valores ao portador…»

    Por seu turno, o artigo XX do GATT determina que:

    «Sob reserva de que tais medidas não sejam aplicadas por forma a constituírem um meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre os países onde existam as mesmas condições, seja uma restrição disfarçada ao comércio internacional, nada neste acordo será interpretado como impedindo a adopção ou a aplicação por qualquer parte contratante das medidas:

    1)

    … c) relativas à importação ou exportação de ouro ou de prata.»

    No mesmo sentido, estabelece o artigo 12.o da convenção que institui a Associação Europeia do Comércio Livre:

    «Sob reserva de que não sejam utilizadas como meio de discriminação arbitrária ou injustificável entre os Estados-membros, ou como restrição disfarçada ao comércio entre Estados-membros, nenhuma disposição dos artigos 10.o e 11.o impede um Estado-membro de adoptar ou aplicar as medidas:

    f)

    relativas ao ouro ou â prata.»

    4)

    Convém agora indagar se esta ambivalência do ouro monetário — ao mesmo tempo mercadoria e «valor» — universalmente reconhecida pela doutrina económica é ou não alheia ao direito comunitário.

    a)

    No que respeita ao próprio Tratado, o artigo 67.o, n.o 1, determina que «os Estados-membros suprimirão progressivamente entre si, durante o período de transição, e na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do mercado comum, as restrições aos movimentos de capitais».

    Os artigos seguintes determinam quais os prazos a respeitar e quais as medidas a adoptar pelos Estados-membros e pela Comunidade para pôr em prática este princípio geral.

    Os «capitais» aqui referidos incluem, além dos pagamentos relativos a trocas de mercadorias, de serviços, e dos próprios capitais, a categoria de factores de produção que constituem os «meios de financiamento» ou «recursos financeiros», que são objecto de transacções ou de movimentos intracomunitários efectuados entre bancos e instituições financeiras através de inscrições contabilísticas (moeda escriturai), sem serem acompanhados da transferência física de sinais monetários ou de bilhão.

    Embora tal não resulte das disposições do próprio Tratado, não é todavia de excluir que no conceito de «capitais» se possam ainda incluir certos «títulos» com um valor financeiro intrínseco, ou seja, não apenas os capitais financeiros que designam o valor dos títulos que certificam a propriedade do capital e o capital real que serve para designar a materialidade dos bens de capital como factores de produção, mas ainda o capital monetário que designa o valor dos bens de capital expresso em moeda.

    b)

    Se o próprio Tratado não fornece outras indicações quanto ao que deve entender-se por «capitais», está felizmente à nossa disposição um texto cuja validade não é contestada. Este texto consta da Primeira Directiva adoptada a 11 de Maio de 1960 pelo Conselho (EE 10 F1 p. 6), completada e modificada por uma Segunda Directiva de 18 de Dezembro de 1962 (EE 10 FI p. 18), que constituem as únicas medidas gerais até hoje adoptadas pelo Conselho de Ministros para execução do artigo 67.o do Tratado, fora a Directiva de 21 de Março de 1972, relativa à regulação dos fluxos financeiros internacionais e à neutralização dos seus efeitos indesejáveis sobre a liquidez interna (EE 10 F1 p. 44).

    Ainda que estes textos respeitem principalmente à concretização do princípio fixado pelo artigo 67.o, relativamente às restrições de câmbio com o estrangeiro, as definições neles contidas parecem-me ser igualmente válidas, no contexto mais geral dos «capitais». A Directiva de 11 de Maio de 1960 só estabelece obrigações para os Estados-membros, susceptíveis de criar direitos e obrigações na esfera jurídica dos particulares, relativamente aos movimentos de capitais enumerados nas listas A, B e C do seu anexo I.

    Os movimentos de capitais enumerados na Lista D do anexo I são objecto dos artigos 4o a 7.o

    O artigo 4.o determina:

    «O Comité Monetário procederá, pelo menos uma vez por ano, a um exame das restrições que se aplicam aos movimentos de capitais enumerados nas listas do anexo I da presente directiva; faz um relatório à Comissão sobre as restrições que poderiam ser suprimidas.»

    O artigo 5.o, n.o 1, especifica nomeadamente:

    «1.   As disposições da presente directiva não limitam o direito dos Estados-membros de verificarem a natureza e a realidade das transacções ou das transferências, nem de tomarem as medidas indispensáveis para impedir as infracções à respectiva legislação e regulamentação.»

    O artigo 6.o limita-se a retomar, praticamente, o disposto no artigo 71.o do Tratado.

    Finalmente, o artigo 7.o prevê, inter alia, que «os Estados-membros darão a conhecer à Comissão…, o mais tardar aquando da sua entrada em vigor…, qualquer alteração introduzida às disposições que regulam os movimentos de capitais enumerados na lista D do anexo I…».

    Foi o que fez o Reino Unido quando, em 15 de Abril de 1975, notificou a Comissão das restrições à importação de moedas de ouro, que entraram em vigor no dia seguinte, bem como, em 15 de Julho de 1974, das restrições à exportação de moedas de prata adoptadas nessa data. Em apoio das restrições à importação das moedas de ouro, o Governo do Reino Unido invocava as graves dificuldades da sua balança de pagamentos. Quanto às restrições à exportação de moedas de prata, o objectivo deste governo consistia em impedir a refundição dessas moedas no estrangeiro para extracção do metal fino, restrição já em vigor no interior do Reino Unido, salvo para a respectiva Casa Real da Moeda, dado que a refundição no estrangeiro não poderia senão lesar os contribuintes do Reino Unido.

    Que eu saiba, a Comissão não intentou, por este facto, qualquer processo por incumprimento contra o Reino Unido.

    Os movimentos de capitais enumerados na lista D dizem respeito, nomeadamente, à «importação e exportação física de valores». Esta expressão é explicitada no anexo II, que faz parte integrante da directiva (artigo 10.o) e abrange, além dos «títulos» (não incluídos na categoria IV), «meios de pagamento de todas as espécies» e «o ouro», que se prestem a transacções a curto prazo de natureza particularmente volátil.

    Assim, ainda que as categorias de capitais sujeitas ao artigo 67.o, n.o 1, abranjam, antes de mais, os capitais financeiros imateriais e reais, nào é de excluir, à luz da directiva, que este artigo tenha em vista igualmente os capitais «monetários» definidos na lista D.

    Neste plano terminológico, acrescentarei ainda que o termo inglês «assets», a que corresponde, na nomenclatura anexa à directiva, o termo francês «valeurs», foi traduzido em francês, noutros textos comunitários, pelos termos «capital» ou «capitaux». Citem-se as expressões «capitaux d'exploitation»(working asseis),«revenus des capitaux mobiliers»(income from capital assets),«transferi de capital à l'intérieur et à l'extérieur»(transfer of assets at home and ahroad),«formation de capital fixe»(gross fixed asset formation).

    c)

    Para qualificar as operações em litígio, gostaria, por fim, de tentar precisar qual o tratamento dado ao ouro e à prata «monetários» em matéria de impostos sobre o volume de negócios.

    De acordo com o sistema comum de matéria colectável uniforme do imposto sobre o valor acrescentado, estão sujeitas ao imposto, nos Estados-membros, as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, bem como as importações de bens e a obtenção, no território do país, de prestações de serviços [artigo 2.o da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (EE 09 F1 p. 54)].

    Recorde-se que esta directiva tem em vista o objectivo de criação de condições para a livre circulação de mercadorias, de serviços e de capitais entre os Estados-membros.

    No projecto apresentado pela Comissão ao Conselho em 29 de Junho de 1973, previa-se que os Estados-membros isentassem, a par de certas actividades de interesse geral, as «operações bancárias», em particular as operações sobre as moedas que não tenham o carácter de objectos de colecção ou sobre o ouro monetário, bem como sobre as transferências e depósitos de fundos [artigo 14.o, B, h)l.

    Esta medida visava suprimir a pauta com direito nulo (implicando a manutenção do direito de dedução) como forma de reduzir as distorções da concorrência internacional. A sua explicação reside no facto de as transacções bancárias não incidirem sobre as mercadorias; se as operações que as acompanham têm, sob certo ponto de vista, um carácter comercial e dão lugar ao pagamento de comissões pelos serviços prestados, considera-se em geral que, na realidade, se trata de transacções que não acrescentam qualquer valor à própria operação, por exemplo, à soma que é objecto de um crédito ou de um empréstimo. O imposto sobre o valor acrescentado é um imposto sobre o consumo que apenas incide sobre produtos e serviços e as operações relativas ao ouro monetário não cabem nesta definição.

    Na proposta alterada, apresentada pela Comissão ao Conselho em 12 de Agosto de 1974, o ouro monetário era definido como «o ouro com um toque de, pelo menos, 900 por mil, destinado a instituições financeiras autorizadas».

    No entanto, se as próprias operações relativas às moedas que não tenham o carácter de objectos de colecção ou ao ouro monetário, assim definido, ficavam isentas pelo facto de não implicarem a entrega material de um «bem», na acepção comercial corrente, de acordo com a última versão do texto proposto pela Comissão ao Conselho, «a presente isenção não incidirá sobre as 'prestações de serviços' relativas a tais operações».

    O artigo 13.o do texto finalmente adoptado pelo Conselho em 17 de Maio de 1977 determina que:

    «B.

    Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão (o mais tardar em 1 de Janeiro de 1978), nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso

    d)

    As seguintes operações:

    4)

    as operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moedas com valor liberatório, com excepção de moedas e notas de colecção; consideram-se de colecção as moedas de ouro, de prata, ou de outro metal, e bem assim as notas, que não são normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentam um interesse numismático.»

    Assim, as operações relativas às moedas de colecção, ainda que efectuadas ao balcão dos bancos, são consideradas como operações comerciais, passíveis de IVA; em contrapartida, no interior dos Estados-membros, ficam isentas as operações relativas ao ouro ou à prata «monetários». Mais do que isso, para estimular as operações de capital, a negociação das operações bancárias ou de crédito fica ela própria isenta dos impostos específicos sobre o volume de negócios.

    Há com efeito que notar que o texto já não se refere ao ouro monetário, mas às moedas com valor liberatório, tendo assim em vista, nomeadamente, as moedas de ouro ou prata que forem «normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório».

    As importações e as exportações de ouro efectuadas pelos bancos centrais, que constituem certamente «movimentos de capitais», na acepção lata do termo, ficam isentas por força dos artigos 14.o, 1), j), e 15.o, 11).

    Importa, pois, determinar o que deve entender-se por «moedas com valor liberatório» e por «moedas de ouro, de prata… que não são normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório…». Esta questão tem interesse não apenas para evitar distorções da concorrência internacional, mas ainda sob o ponto de vista dos recursos próprios, já que, como sabeis, Senhores Juízes, uma parte do IVA deve agora reverter para as caixas da Comunidade: a observância do prazo de 1 de Janeiro de 1978 implica automaticamente a afectação à Comunidade Económica Europeia de uma fracção das receitas provenientes do imposto sobre o valor acrescentado enquanto receita própria, e condiciona portanto a sua autonomia financeira. Há aqui um tema de reflexão para o Tribunal de Contas. Além do mais, esta directiva é susceptível de criar direitos ou obrigações na esfera jurídica dos particulares.

    As respostas dadas pela Comissão às questões que, a este propósito, lhe foram colocadas pelo Tribunal, parecem-me muito vagas e incompletas, se não mesmo inexactas. Se bem compreendi as explicações que me foram dadas, apenas dois Estados-membros, ao que parece, se teriam, até à data, conformado com as disposições da Sexta Directiva.

    No Grão-Ducado do Luxemburgo, Estado-membro da residência permanente do Tribunal, por força do artigo 1.o do Regulamento grão-ducal de 24 de Dezembro de 1977,

    «A isenção do imposto sobre o valor acrescentado… aplica-se exclusivamente:

    2)

    às entregas e às importações de moedas de ouro que, no momento da realização da operação, constituírem meios legais de pagamento no seu país de origem;

    3)

    às entregas e às importações de moedas de ouro que não sejam as mencionadas em 2), desde que tais moedas sejam re-gularmente cotadas e não constituam peças de colecção de carácter numismático…»

    Certifiquei-me de que as operações relativas aos Krugerrands beneficiavam efectivamente desta isenção.

    A Comissão afirma, por outro lado, que na República Federal da Alemanha se encarava sujeitar ao IVA as operações sobre moedas de ouro que, embora constituindo meios legais de pagamento — ou seja, o ouro monetário — , sejam trocadas, principalmente, em razão do seu valor em metal precioso ou do seu valor numismático. Isto teria em vista, nomeadamente, certas moedas que, como os Krugerrands, constituem meios legais de pagamento no seu país de origem.

    Não cabe ao Tribunal declarar, no âmbito do presente processo, se a Directiva do Conselho de 17 de Maio de 1977 não é correctamente aplicada e por quem.

    Pela minha parte, limitar-me-ei a verificar que, actualmente, os Krugerrands correspondem à definição de ouro monetário; que as operações, incluindo a negociação, que incidam sobre estas moedas, nos Estados-membros onde ela é permitida, ficam isentas de IVA em virtude de se tratar «de meios legais de pagamento no seu país de origem» ou de moedas «regularmente cotadas»; que, aliás, nenhum processo por incumprimento foi, por este motivo, intentado pela Comissão; que as moedas de prata inglesas são meios legais de pagamento no seu país de origem; que tanto uns como as outras estão implicados, pelo menos em parte, numa operação a que as partes deram a aparência de um «escambo bimetálico» — escambo que nem sequer se chegou a consumar, já que a sociedade Agosi alega continuar a ser proprietária de 1500Krugerrands — e que as moedas em causa constituem, em todo o caso, «meios de pagamento de todas as espécies», na acepção da directiva de 1960.

    Se admitirmos que os Krugerrands constituem «meios legais de pagamento», pelo menos no seu país de origem, o mesmo deve valer para as moedas de prata de six pence, um shilling e dois shillings, que são, pelo menos de jure, meios de pagamento — ainda que, na verdade, não tenha sido o seu valor nominal a interessar a firma Agosi — , bem como para as moedas de meia-coroa, que continuam a poder ser trocadas no Banco de Inglaterra e que serviram, pelo menos parcialmente, de facto, de «meios de pagamento».

    Em compensação, as transacções sobre as moedas de colecção com carácter numismático estão sujeitas ao IVA, pois o aspecto «mercadoria» sobreleva o aspecto «capital», se bem que a fronteira entre a numismática, a joalharia e as «colocações» seja, por vezes, imprecisa.

    V —

    Importa agora regressar ao problema do alcance dos artigos 67.o e 71.o Este último preceito determina que:

    «Os Estados-membros esforçar-se-ão por não introduzir qualquer nova restrição de câmbio na Comunidade que afecte os movimentos de capitais e os pagamentos correntes relativos a tais movimentos e por não tornar mais restritivas as regulamentações já existentes» do que eram no momento da entrada em vigor do Tratado, isto é, para o Reino Unido, antes de 1 de Janeiro de 1973. Nos termos do segundo parágrafo do mesmo artigo, «os Estados-membros declaram-se dispostos a ultrapassar o nível de liberalização dos movimentos de capitais previsto nos artigos anteriores, na medida em que a sua situação económica, designadamente o estado da sua balança de pagamentos, lho permita». É evidente que nem uma nem outra destas disposições criam direitos na esfera jurídica dos particulares.

    O artigo 67.o faz depender a supressão progressiva das restrições aos movimentos de capitais de uma condição temporária e de uma condição permanente. Admitindo que o período de transição, válido para a eliminação das medidas de efeito equivalente às restrições quantitativas à importação e à exportação de mercadorias, se aplica também à supressão das restrições em matéria de livre circulação de capitais, ou seja, que ele se tenha esgotado em 1 de Janeiro de 1975, a cláusula «na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do mercado comum» conserva um alcance permanente, mesmo após a expiração deste período. O mesmo critério de «bom funcionamento do mercado comum» deve igualmente guiar a acção da Comunidade, por exemplo, em matéria de aproximação das legislações nacionais [artigo 3.o, h)].

    Por conseguinte, nos termos do artigo 67.o, após a entrada em vigor do acto de adesão e após o termo do período transitório por ele previsto, se subsistirem restrições aos movimentos de capitais, a sua manutenção só é contrária ao Tratado se a sua supressão for necessária ao bom funcionamento do mercado comum. Abster-me-ei de tomar posição sobre a questão de saber se o bom funcionamento do mercado comum exige que as «colocações» e os «investimentos», que eram e são ainda uma realidade necessariamente tolerada pela lei adentro das fronteiras de cada Estado-membro, se possam tornar possíveis à escala comunitária e sem discriminação, graças à livre circulação no resto da Comunidade do ouro monetário em livre prática num Estado-membro; prefiro, quanto a este ponto, conformar-me com a vossa sabedoria.

    O facto de as moedas em questão poderem, no interior de determinados Estados-membros, ser livremente negociadas e de todos os Estados-membros procederem eles próprios ao entesouramento e à especulação através da «recunhagem» das moedas de ouro constitui evidentemente uma discriminação, um pouco à semelhança do ocorrido no acórdão de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn/Home Office (41/74, Colect., p. 569); no entanto, o artigo 67.o não exclui, precisamente, a manutenção, mesmo após o termo do período de transição, de desigualdades de tratamento fundadas na nacionalidade ou na residência das partes, ou na localização da colocação, se a supressão destas discriminações não for necessária ao bom funcionamento do mercado comum.

    É assim evidente que, constituindo os Krugerrands e as moedas de prata em questão apenas o «substrato» físico de movimentos de capitais, o artigo 67.o não pode ser utilmente invocado pelos recorrentes e o termo do período de transição não afecta o valor permanente da restrição resultante da cláusula do bom funcionamento do mercado comum.

    Caberá, no fim de contas, ao juiz nacional apreciar se os movimentos financeiros que acompanharam a circulação das moedas em causa são do mesmo tipo dos que são relativos às trocas e aos movimentos físicos de mercadorias na acepção normal do termo; parece-me, no entanto, que ainda que o Governo do Reino Unido tenha utilizado um instrumento pouco ortodoxo, embora extremamente eficaz (os textos adoptados em aplicação do Act 1939, que rege os movimentos de mercadorias) para controlar estas transacções monetárias, nem por isso tal objectivo deixa de poder ser legitimamente prosseguido no âmbito dos artigos 67.o e 104.o do Tratado.

    Parece-me que, nestas condições, é inútil responder à última questão colocada e proponho, assim, em conclusão, que o Tribunal declare que:

    1)

    O termo «capitais», na acepção do direito comunitário, deve abranger também as moedas de ouro e de prata que constituam meios legais de pagamento ou «meios de pagamento de todas as espécies».

    2)

    Mesmo após o termo do período de transição referido no artigo 42.o do acto de adesão e sem prejuízo dos artigos 73.o e 106.o, os novos Estados-membros só ficam obrigados a suprimir entre si e nas suas relações com a Comunidade, na sua composição originária, as restrições às trocas de capitais assim definidas, que pertençam a pessoas residentes nos Estados-membros, bem como as desigualdades de tratamento fundadas na nacionalidade ou na residência das partes ou na localização desses capitais, na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do mercado comum.


    ( *1 ) Língua original: francês.

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