Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61976CV0001

    Parecer do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1977.
    Parecer proferido nos termos do n.º 1, segundo parágrafo, do artigo 228.º do Tratado CEE - Projecto de acordo relativo à instituição de um Fundo Europeu de Imobilização da Navegação Interior.
    Parecer 1/76.

    Edição especial inglesa 1977 00253

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1977:63

    PARECER DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    26 de Abril de 1977

    Foi apresentado no Tribunal de Justiça, em 15 de Setembro de 1976, um pedido de parecer formulado pela Comissão das Comunidades Europeias, ao abrigo do artigo 228.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nos termos do qual:

    «O Conselho, a Comissão ou qualquer Estado-membro podem obter previamente o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do projecto de acordo com as disposições do presente Tratado. Se tal parecer for desfavorável o acordo só pode entrar em vigor nos termos do artigo 236.o»

    Exposição da questão

    Através deste pedido, a Comissão solicitou o parecer do Tribunal sobre a compatibilidade com as disposições do Tratado de um projecto de acordo relativo à instituição de um Fundo Europeu de Imobilização da Navegação Interior.

    O acordo projectado foi objecto de negociações entre a Comissão, agindo em nome da Comunidade, de acordo com uma decisão do Conselho, e a Suíça, com a participação das delegações dos seis Estados-membros (a Bélgica, a República Federal da Alemanha, a França, o Luxemburgo, os Países Baixos e o Reino Unido) que são partes quer na convenção revista para a navegação no Reno de 17 de Outubro de 1868 («Convenção de Mannheim») quer na convenção relativa à canalização do Mosela de 27 de Outubro de 1956. Concluídas as negociações, o projecto de acordo, contendo em anexo o estatuto de um Fundo, foi rubricado pelos representantes das partes em 9 de Julho de 1976.

    Para fundamentar o pedido de parecer, a Comissão alegou que o regime previsto comporta, por parte da Comunidade, uma certa delegação de competências decisórias e jurisdicionais em. órgãos independentes das instituições comuns. Mesmo considerando que esta delegação é compatível com o Tratado, a Comissão, por preocupação de segurança jurídica, entendeu útil consultar o Tribunal ao abrigo do artigo 228.o, tendo em conta o carácter inovador que reveste tal delegação de competências e do precedente que é susceptível de constituir para outros eventuais acordos ulteriores.

    O texto do acordo e o do estatuto do Fundo, que daquele faz parte integrante, foram juntos ao pedido do parecer. A Comissão submeteu igualmente a proposta do regulamento que enviou ao Conselho com vista à conclusão do acordo. Por outro lado, estes textos foram publicados a título de informação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 208 de 3.9.1976, p. 2 a 22).

    Nos termos do artigo 107.o do Regulamento Processual do Tribunal, o pedido de parecer foi notificado ao Conselho e aos Estados-membros. Foram apresentadas observações escritas pelo Conselho, assim como pelos governos da Dinamarca e do Reino Unido. A Comissão apresentou observações complementares numa comunicação posterior. Os advogados-gerais foram ouvidos pelo Tribunal em conferência, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, do Regulamento Processual, em 18 de Janeiro de 1977.

    Análise do acordo projectado, do estatuto e anexo do projecto do regulamento relativo à conclusão do acordo

    O objectivo do acordo é instaurar um regime destinado a eliminar as perturbações resultantes de sobrecapacidades conjunturais dos meios de transporte de mercadorias por via navegável nas bacias do Reno e da Mosela, assim como na totalidade das vias navegáveis neerlandesas e das vias navegáveis alemãs ligadas à bacia do Reno. O regime consiste em introduzir um mecanismo de imobilização temporária de uma parte da frota disponível mediante uma indemnização pecuniária concedida aos transportadores que voluntariamente retirem material fluvial do mercado durante um certo período. Esta diminuição da capacidade momentaneamente excedentária deve permitir evitar uma concorrência excessiva que arrastaria uma descida em flecha dos preços de transporte; mantendo esses preços a um nível economicamente adequado, a acção prevista permitirá às empresas fluviais reencontrar condições normais de exploração e adaptar melhor o seu material às necessidades dos utentes. A indemnização é paga por um Fundo («Fundo de Imobilização da Navegação Interior») sustentado pelas cotizações impostas a todas as embarcações que utilizam as vias navegáveis submetidas ao regime.

    As disposições do estatuto designam, em termos precisos e pormenorizados, quais são as categorias de embarcações sujeitas ao regime previsto. Por outro lado, estabelecem a cotização a cobrar e as condições de pagamento fixando, para o primeiro ano, a taxa básica da cotização num montante equivalente a 0,0175 marcos alemães, a partir do qual a cotização diária é calculada para cada embarcação em função da sua tonelagem e potência, multiplicadas por determinados coeficientes de valorização fixados para cada categoria de embarcações. A taxa básica e os coeficientes de valorização são susceptíveis de ser alterados pelo conselho de fiscalização dentro de determinados limites e circunstâncias. As modalidades de imobilização de embarcações são igualmente objecto de disposições pormenorizadas do estatuto.

    O quadro operacional do regime é o «Fundo Europeu de Imobilização da Navegação Interior» instituído pelo acordo projectado e regulado pelo estatuto anexo ao acordo, do qual faz parte integrante. O Fundo é qualificado como «instituto público internacional», dotado de personalidade jurídica e possuidor da capacidade jurídica mais ampla reconhecida às pessoas morais (artigo 1.o do estatuto). Os órgãos do Fundo são o conselho de fiscalização e o conselho de administração, assistido por um director (artigo 26.o). Além disso é instituída uma jurisdição denominada «Tribunal do Fundo» (artigo 42.o).

    O conselho de fiscalização é composto por um representante de cada um dos Estados-membros — com a única excepção da Irlanda, que manifestou a vontade de não participar nele — e da Suíça, assim como por um representante da Comissão, que assume a presidência. Cada membro dispõe de um voto, à excepção do presidente, que participa nas deliberações sem direito de voto. Salvo disposição em contrário do estatuto, o conselho delibera por maioria simples dos votos expressos. Esta maioria deve incluir os votos favoráveis de, pelo menos, três dos representantes dos seguintes Estados: a Bélgica, a Alemanha, a França, os Países Baixos e a Suíça. Certas decisões importantes exigem a unanimidade dos membros (artigo 27.o).

    O conselho de administração é composto por membros nomeados pelos governos dos Estados de que estes são nacionais, em número de quatro membros para a Alemanha e os Países Baixos, dois membros para a Bélgica, a França e a Suíça e um membro para o Luxemburgo. A sua composição deve ser representativa das diversas categorias essenciais de transportadores fluviais. Cada membro dispõe de um voto. As decisões são tomadas por maioria de dois terços dos votos expressos (artigo 28.o). O director do Fundo é nomeado pelo conselho de fiscalização, sob proposta do conselho de administração (artigo 34.o).

    O Tribunal do Fundo é composto por sete juízes, nomeados por um período de cinco anos, sendo um juiz indicado pela Suíça e os seis outros juízes indicados pelo conjunto das outras partes contratantes (artigo 42.o, n.o 2). A proposta de regulamento submetida ao Conselho pela Comissão com vista à conclusão do acordo e à sua aplicação prevê, contudo, que estes seis outros juízes sejam designados pelo Tribunal de Justiça de entre os seus membros (artigo 6.o do projecto de regulamento).

    O Tribunal de Justiça porá à disposição do Tribunal do Fundo as suas instalações e serviços técnicos e a sua secretaria. O Tribunal do Fundo elaborará as disposições necessárias ao seu funcionamento e, designadamente, as suas normas processuais (regulamento, artigo 6.o, estatuto, artigo 42.o, n.o 4).

    O conselho de fiscalização, que é «o garante do interesse geral no respeito pelos objectivos e pelas disposições do acordo e do estatuto», estabelece, sob proposta do conselho de administração e dentro dos limites fixados pelo estatuto, as taxas básicas das cotizações e aprova, expressa ou tacitamente, as decisões deste relativas aos períodos de imobilização e às taxas das indemnizações a atribuir (artigos 29.o a 31.o). O conselho de administração assegura a administração e a gestão financeira do Fundo e acompanha a execução das decisões tomadas pelo conselho de fiscalização (artigo 29.o). As decisões de aplicação individual respeitantes às cotizações e às indemnizações por imobilização são tomadas pelo director (artigo 35 o).

    As decisões de alcance geral tomadas pelos órgãos do Fundo são «obrigatórias em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-membros da Comunidade Económica Europeia e na Suíça» (artigo 39o). As mesmas são objecto de publicação nos órgãos oficiais de publicação das Comunidades Europeias e da Suíça. As decisões que envolvem uma obrigação pecuniária a cargo do proprietário ou explorador de uma embarcação constituem título executivo e são reconhecidas como tais em cada um dos Estados-membros e na Suíça (artigo 46.o).

    As decisões de aplicação individual tomadas pelo director são susceptíveis de reclamação para o conselho de administração (artigo 35.o). As decisões fundamentadas deste são susceptíveis de recurso, a interpor por qualquer pessoa singular ou colectiva legitimamente interessada, para os órgãos jurisdicionais para o efeito designados pelos Estados-membros no território dos quais está situada a sede principal ou uma sucursal do Fundo. Os tribunais estabelecidos pela Convenção de Mannheim e pela convenção sobre a canalização do Mosela podem ser declarados competentes para este efeito (artigo 41.o).

    Os Estados-membros da Comunidade e a Suíça, assim como a Comissão, podem interpor para o Tribunal do Fundo recursos de anulação dos actos dos órgãos do Fundo. Por outro lado, podem intentar no Tribunal acção por omissão em todos os casos em que o conselho de fiscalização, em violação do acordo ou do estatuto, se abstenha de tomar uma decisão (artigo 43.o). Pode ser proposta acção por incumprimento contra qualquer Estado-membro ou contra a Suíça por qualquer outro Estado representado no conselho de fiscalização e pela Comissão (artigo 45.o).

    Por outro lado, o Tribunal do Fundo é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do acordo e do estatuto, assim como sobre a validade e interpretação das decisões tomadas pelos órgãos do Fundo com vista a garantir a aplicação uniforme destas disposições no conjunto dos Estados respectivos. Tal decisão prejudicial pode ser requerida ao Tribunal por qualquer órgão jurisdicional de segunda instância de um Estado-membro e da Suíça. A limitação desta faculdade aos órgãos jurisdicionais de segunda instância é, contudo, objecto de reserva por parte da delegação suíça. O recurso ao Tribunal é obrigatório se a questão é suscitada num órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são susceptíveis de recurso contencioso no direito interno (artigo 44.o).

    O acordo e o estatuto terão força obrigatória no território dos nove Estados-membros — incluindo portanto os três Estados-membros que não são partes no acordo, enquanto tais — e da Suíça (acordo, artigo 4.o). O acordo permanecerá em vigor por um período de cinco anos e poderá ser renovado por períodos posteriores (artigo 5.o).

    Os Estados contratantes que são partes na Convenção de Mannheim e na convenção sobre a canalização do Mosela obrigam-se a introduzir nestes instrumentos legais as modificações tornadas necessárias pelo acordo (artigo 3.o). Trata-se, nos dois casos, de certas cláusulas de natureza jurisdicional e, por outro lado, no caso da Convenção de Mannheim, da disposição que proíbe a cobrança de quaisquer direitos baseada unicamente na navegação.

    Nos termos do regulamento que a Comissão propôs ao Conselho adoptar relativamente à conclusão e aplicação do acordo, qualquer questão levantada junto do conselho de fiscalização e que apresente a priori interesse para o funcionamento do Fundo ou interesse para a política comum de transportes poderá ser submetida ao Conselho, que sobre ela deliberará e decidirá por maioria qualificada sob proposta da Comissão, com vista a estabelecer orientações comuns. Em tal caso, os Estados-membros representadas no conselho de fiscalização do Fundo conformar-se-ão com as orientações ou disposições tomadas pelo Conselho (regulamento, artigo 5.o). Qualquer prorrogação do acordo e qualquer alargamento do seu campo de aplicação territorial serão subordinados a uma deliberação prévia e obrigatória do Conselho (artigos 3.o e 4.o).

    Resumo das observações apresentadas pelas instituições e pelos governos

    A — A Comissão

    No seu pedido de parecer, a Comissão examina, designadamente, três problemas que se colocam sobre a compatibilidade do acordo projectado com o Tratado.

    O primeiro destes problemas respeita à base jurídica da conclusão do acordo e à justificação da participação de certos Estados-membros. Sobre este assunto a Comissão faz notar que o regime previsto se insere no âmbito da politica comum de transportes prevista nos artigos 74.o e 75.o do Tratado. Teria, pois, sido possível instituí-lo de forma autónoma, através de um regulamento nos termos do artigo 75.o do Tratado, se não tivesse sido julgado necessário, por razões de eficácia, associar a Suíça ao regime.

    Dado que o Tribunal reconheceu, no seu acórdão de 31 de Março de 1971 no processo 22/70, AETR (Colect. 1971, p. 69), que o artigo 75.o confere à Comunidade a competência para concluir com terceiros Estados acordos úteis à realização da política comum de transportes, ter-se-ia podido encarar um acordo bilateral entre a Comunidade e a Suíça. O Conselho, todavia, entendeu preferível instituir o regime previsto através de um acordo multilateral no qual participassem não só a Comunidade e a Suíça mas também os Estados signatários das convenções relativas à navegação no Reno e no Mosela. Com efeito, certos aspectos do regime podiam suscitar problemas de compatibilidade com as obrigações dos estados contratantes naquelas convenções e requerer a sua adaptação ao novo regime.

    A Comissão entende, portanto, no que respeita ao primeiro dos problemas examinados, que

    por parte da Comunidade, o acordo projectado pode ser concluído pelo Conselho através de um regulamento que se deve basear no artigo 75.o do Tratado e ser adoptado segundo o processo prescrito neste artigo;

    a participação no acordo projectado dos seis Estados-membros ligados respectivamente pela convenção revista para a navegação no Reno e pela convenção relativa à canalização do Mosela pode ser justificada na medida em que este acordo contém disposições relativas à alteração destas convenções.

    O segundo problema sobre o qual a Comissão apresenta observações respeita à competência decisória conferida aos órgãos do Fundo instituído pelo acordo projectado. O problema é mais precisamente de saber se a atribuição, pela Comunidade, a órgãos independentes das instituições comuns, do poder de tomar decisões de alcance geral que são directamente aplicáveis nos Estados-membros, sem ser obrigatória a intervenção das instituições da Comunidade como tais, é compatível com as disposições de carácter institucional do Tratado.

    A Comissão considera que tal atribuição de competência a um órgão internacional é compatível com o Tratado na medida em que ela respeita a poderes de gestão estritamente limitados e em que constitui uma consequência necessária das competências externas reconhecidas à Comunidade.

    A este respeito a Comissão refere que a atribuição de competências decisórias, por um acordo internacional, a órgãos bilaterais ou multilaterais compostos por representantes das partes contratantes não é nova nem de natureza a suscitar problemas de compatibilidade com o Tratado. A novidade essencial reside na característica de aplicabilidade directa das decisões tomadas por tal órgão. Na opinião da Comunidade, todavia, esta particularidade nova — conforme à evolução actual do direito internacional público — não é incompatível com o Tratado, dado que está ligada ao exercício das competências externas da Comunidade.

    A Comissão sustenta que, sendo atribuídas pelo Tratado competências externas à Comunidade, esta deve necessariamente estar no direito de exercer essas competências nas mesmas condições e segundo modalidades tão amplas como as que regulam as competências externas dos Estados-membros aos quais foram retiradas; estas condições devem, pois, incluir a possibilidade de conferir a órgãos instituídos no quadro de um acordo internacional o poder de tomar decisões directamente aplicáveis na ordem jurídica comunitária.

    A Comissão acrescenta que existem limites evidentes à legitimidade de tal atribuição de competências. Em primeiro lugar, é necessário que aquela não constitua um abandono de competências atribuídas pelo Tratado às instituições comuns. É necessário, por outro lado que a mesma seja conferida em condições compatíveis com os interesses da política comum no âmbito da qual se insere o acordo em causa.

    Estes limites estariam respeitados no caso em apreço. A Comunidade como tal estará plenamente associada ao funcionamento do regime. As instituições da Comunidade estarão em posição de exercer indirectamente uma influência adequada sobre a acção do Fundo, devido à composição do conselho de fiscalização e à possibilidade de recorrer ao Conselho da Comunidade para as questões que se revestem de particular interesse.

    O terceiro problema suscitado pela Comissão respeita à organização e às competências do Tribunal do Fundo. Sobre este assunto a Comissão afirma que as disposições relativas à constituição e funcionamento do Tribunal são inspiradas pela preocupação de manter o respeito pelas técnicas judiciais do Tribunal de Justiça, respondendo também à necessidade de associar um juiz suíço ao controlo judicial instituído pelo acordo em projecto.

    As disposições que definem as competências jurisdicionais inspiram-se, segundo a Comissão, nas disposições do Tratado CEE que lhes serviram de modelo e das quais constituem a maior parte das vezes uma mera transposição, adaptada às particularidades do novo órgão jurisdicional.

    O texto do artigo 44.o do estatuto relativo às questões prejudiciais terá sido redigido de maneira a não pôr em causa as competências do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o do Tratado. A este respeito, contudo, a Comissão recorda que os pedidos de decisão a título prejudicial, nos termos do estatuto, poderão ter por objecto não só a interpretação e a validade de certos actos dos órgãos do Fundo, mas também a interpretação das disposições do acordo e do estatuto, quer dizer, dos actos de direito comunitário que podem ser objecto de um pedido de decisão a título prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o Coloca-se por conseguinte a questão de saber como conciliar, neste último ponto, as competências do Tribunal de Justiça com as do Tribunal do Fundo. O sistema seria susceptível de duas interpretações entre as quais caberia ao Tribunal de Justiça escolher, na altura própria, a não ser que prefira pronunciar-se sobre este assunto, desde já, no âmbito do presente pedido de parecer.

    De acordo com uma primeira interpretação, o pedido de decisão a título prejudicial dirigido ao Tribunal do Fundo sobrepor-se-ia, na ordem jurídica comunitária, ao pedido de decisão a título prejudicial previsto no artigo 177.o Noutros termos, o Tribunal de Justiça, no caso de lhe ser dirigida, por um órgão jurisdicional de um Estado-membro, uma questão relativa à interpretação de uma disposição litigiosa do acordo ou do estatuto, deveria ele próprio, antes de responder, remetê-la ao Tribunal do Fundo.

    De acordo com uma segunda interpretação, os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados-membros deveriam requerer directamente ao Tribunal do Fundo a decisão sobre as questões prejudiciais, sejam elas respeitantes a decisões dos órgãos do Fundo ou a disposições do estatuto ou do acordo. Esta interpretação, é certo, implicaria o abandono de uma parte da competência da Comunidade a favor de um organismo internacional, mas não parece à Comissão que este problema se ponha de forma diferente quanto ao plano jurisdicional e quanto ao plano legislativo e executivo da Comunidade. Resultaria dos textos propostos que os limites impostos a tal abandono de competências são respeitados tanto num como noutro plano.

    A Comissão faz, finalmente, uma observação complementar sobre o termo «d'appel» que figura na segunda alínea do artigo 44.o Se este termo se mantiver no texto definitivo, as jurisdições nacionais inferiores não terão a faculdade de requerer ao Tribunal do Fundo decisões a título prejudicial. Por outro lado, estas jurisdições nos Estados-membros da CEE — mas não na Suíça — poderão dirigir-se ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o Tal situação poderá conduzir a conflitos de jurisdição ou a interpretações divergentes. A Comissão sente portanto algumas dúvidas sobre a compatibilidade da disposição com o Tratado. Não quis retardar a conclusão das negociações insistindo sobre este ponto específico, mas solicita a este respeito o parecer do Tribunal.

    Na sua comunicação suplementar de 25 de Novembro de 1976, a Comissão aprofundou as observações anteriores sobre a questão da competência externa da Comunidade, tendo em conta, designadamente, o acórdão do Tribunal de 14 de Julho de 1976 nos processos 3/76, 4/76 e 6/76, Kramer e o. (Colect. 1976, p. 515).

    De uma análise da jurisprudência do Tribunal relativa à competência da Comunidade para assumir obrigações internacionais, entende a Comissão poder deduzir que tal competência existe como corolário de o Tratado estabelecer uma competência interna, mesmo não tendo esta ainda sido objecto de desenvolvimentos de direito derivado. Nada se oporá assim a que a Comunidade, como no caso em apreço, proceda ao mesmo tempo à conclusão do acordo com o Estado terceiro e à adopção dos actos internos necessários. O processo em duas fases que constituía a hipótese do caso AETR não se impõe portanto como sendo o único aplicável.

    Deste raciocínio, a Comissão tira a conclusão que, a partir do momento em que, numa determinada matéria regulada pelo Tratado (aplicação de políticas comuns, harmonização de legislações…), a Comunidade dispõe, nos termos deste, de competência para legislar normas comuns aplicáveis dentro da Comunidade e em que se mostra necessário que terceiros países a ela se associem para aplicar as mesmas normas, deve caber-lhe a escolha, conforme as circunstâncias e com os mesmos poderes:

    seja de legislar primeiramente essas normas por via autónoma e só depois negociar e concluir com os países terceiros respectivos um acordo com vista à extensão das ditas normas a esses países;

    seja, mesmo na falta de anteriores desenvolvimentos de direito derivado sobre a matéria em causa, de negociar e concluir com os países interessados um acordo com vista a de uma só vez e ao mesmo tempo introduzir normas comuns na Comunidade e normas idênticas nos ditos países.

    B — O Conselho

    Em introdução às suas observações, o Conselho toma em consideração a incidência que a sua acção relativa à conclusão do acordo pode ter na aplicação futura do Tratado. Declara não querer tomar posição sobre as diversas questões submetidas ao Tribunal, mas espera contribuir para que estas questões sejam colocadas tão clara e completamente quanto possível.

    No que respeita à base jurídica da conclusão do acordo por parte da Comunidade e à justificação da participação de determinados Estados-membros, as observações do Conselho manifestam dúvidas sobre a pertinência desta questão. A solução que o Conselho adoptou para a negociação do acordo e que a Comissão propõe para a sua conclusão não será de natureza a suscitar questões de compatibilidade com o Tratado nem a pôr em causa a competência da Comunidade ou de uma das suas instituições para concluir o acordo.

    Todavia, se o Tribunal de Justiça tem que dar o seu parecer sobre a questão, o Conselho solicita-lhe que precise se a conclusão do acordo por regulamento do Conselho com base no artigo 75.o do Tratado deve ser considerada

    como uma medida de política de transportes tomada directamente em execução deste artigo,

    ou como o exercício de uma competência externa exclusiva resultante da existência de hipotéticas normas comuns estabelecidas em execução do Tratado e susceptíveis de ser afectadas pela conclusão do acordo.

    O Conselho analisa o acórdão do Tribunal no processo 22/70, AETR, e declara tê-lo entendido no sentido de que não seria vedada aos Estados-membros a conclusão, no âmbito de uma acção comum, de acordos internacionais no domínio dos transportes antes do estabelecimento de qualquer norma comum. Ora, na situação actual, ainda não foi estabelecida qualquer norma comunitária para a imobilização temporária da navegação interior.

    O problema relativo à competência decisória conferida aos órgãos do Fundo constitui, na opinião do Conselho, a parte essencial sobre que o Tribunal se deve pronunciar. Trata-se de um problema relevante de direito constitucional comunitário, cuja resposta deve ser procurada no próprio Tratado, e não de um problema de direito internacional público. As decisões a ser tomadas pelos órgãos do acordo projectado não poderão ser consideradas como obra das instituições comunitárias, seja qual for a influência que estas possam de facto exercer sobre a sua adopção. É na característica de aplicabilidade directa das decisões tomadas pelos órgãos que reside o traço distintivo de uma competência transferida em relação a uma competência vinculada. Não haverá dúvidas que a Comunidade pode, de acordo com o Tratado, assumir obrigações no plano internacional e vincular o exercício das suas competências. Será, pelo contrário, duvidoso que a Comunidade possa, por outro lado, transferir as suas próprias competências para órgãos exteriores.

    Recordando que determinados Estados tiveram que alterar as suas constituições para poder proceder à transferência das suas competências para as instituições da Comunidade, o Conselho entende que um simples paralelismo entre o problema actualmente submetido ao Tribunal e aquele que tiveram de resolver os Estados-membros quando da conclusão do Tratado não poderá fornecer uma resposta unívoca à questão de saber se o acordo projectado é compatível com o Tratado na sua forma actual ou se a conclusão do acordo exige a prévia alteração deste.

    Só o Tratado poderá fornecer uma resposta à questão colocada. Relembrado as disposições relativas às quatro instituições e às suas funções, o Conselho observa que se poderá pensar que estas funções deverão ser exercidas pelas instituições às quais foram atribuídas, sem que estas possam delas dispor livremente, atribuindo-as por sua vez a órgãos exteriores à Comunidade.

    No que respeita aos limites a que deve estar subordinada a legitimidade da transferência de competências de acordo com as observações formuladas pela Comissão, pensa o Conselho, por seu lado, que as precauções com vista a respeitar estes limites não mudam em nada a natureza da operação, que é a de uma transferência de competência.

    No que se refere à organização e à competência do Tribunal do Fundo, o Conselho faz notar que se trata igualmente de um problema de transferência de competências das instituições comunitárias. Nesta ordem de ideias, o Conselho evoca o artigo 219.o do Tratado, pelo qual os Estados-membros se comprometem a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação do Tratado a uma forma de resolução diversa das que nele estão previstas.

    Referindo-se às duas interpretações que a Comissão considera como possíveis no que se refere ao artigo 44.o do estatuto relativo aos pedidos de decisão a título prejudicial, entende o Conselho que, em definitivo, cabe ao Tribunal do Fundo fornecer a boa interpretação deste artigo. Nestas condições, a questão que se coloca é a de saber se um acordo internacional segundo o qual um órgão jurisdicional exterior à Comunidade é competente para determinar a competência do Tribunal de Justiça é compatível com o Tratado.

    Uma última questão levantada na exposição do Conselho refere-se à restrição que privaria os órgãos jurisdicionais nacionais de primeira instância de recorrer ao Tribunal. Na hipótese de o artigo 44.o ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais nacionais deixariam de poder requerer ao Tribunal de Justiça a decisão de uma questão prejudicial relativa ao acordo, poder-se-á perguntar, segundo o Conselho, se a restrição mencionada não terá como efeito diminuir a protecção jurisdicional prevista no Tratado.

    C — O Governo da Dinamarca

    Em introdução, o Governo dinamarquês relembra a posição que tomou nas negociações que se desenrolaram sob a direcção do Conselho. Reconhecendo que o acordo projectado não tem grande incidência prática para a Dinamarca, mas é de grande importância para outros Estados-membros, sublinha que este acordo não deverá constituir um precedente para a conclusão de acordos futuros pelos quais sejam instituídos órgãos com a participação de países terceiros e com competência para tomar decisões directamente aplicáveis nos Estados-membros. Quanto às observações apresentadas pela Comissão, que, contrariamente, considera o acordo como susceptível de constituir um precedente para outros eventuais acordos ulteriores, o Governo dinamarquês faz questão de referir as considerações que, na sua opinião, devem ser determinantes em matéria de delegação de competências, sem pretender manifestar uma opinião sobre as conclusões que, no caso em apreço, emergem dessas considerações.

    O Governo dinamarquês partilha a opinião segundo a qual o artigo 75.o do Tratado constitui o fundamento jurídico das medidas destinadas à reestabilização dos transportes de mercadorias por via navegável. Isso não significa que por esse facto se justifique uma atribuição de competências na matéria a outros órgãos que não o Conselho ou a Comissão. Uma tal atribuição já não encontra fundamento bastante na competência externa da Comunidade. O artigo 155.o, por seu turno, apenas permite ao Conselho atribuir à Comissão competência para medidas de execução e não para decisões essencialmente de carácter político. Além disso, uma delegação de competências não poderá deturpar a estrutura comunitária nem o equilíbrio institucional, critério formulado pelo Tribunal no seu acórdão de 17 de Dezembro de 1970 no processo 25/70 (Colect. 1969-1970, p. 659). Daí não resulta, contudo, que toda a delegação de competência esteja excluída. O Governo dinamarquês cita o acórdão do Tribunal de 29 de Novembro de 1956 no processo 8/55 (Colect. 1954-1961, p. 43), donde se conclui que os poderes explicitamente atribuídos à Comunidade implicam o exercício dos poderes necessários para conferir ao Tratado o seu efeito útil, incluindo, se for caso disso, uma certa delegação de competências.

    A faculdade da delegação, contudo, não é ilimitada. Tal faculdade deve permanecer nos limites do necessário e deve, por outro lado, ser apreciada à luz do sistema concretamente contemplado, designadamente da natureza da autoridade à qual é delegada a competência e da natureza das competências que são transferidas. O órgão que beneficia de transferência de competências deve permanecer sob o controlo e fiscalização da autoridade investida da competência originária. Se for caso de uma delegação poder ser admitida em benefício de um órgão que não faça parte da estrutura institucional comunitária, deve ser respeitado um princípio de proporcionalidade de forma a que as condições exigidas para reconhecer o carácter necessário da delegação, e portanto a sua legalidade, se tornem mais rigorosas à medida que aumenta o grau de autonomia do órgão.

    No que respeita à natureza dos poderes delegados, entende o Governo dinamarquês que estes não deverão conter uma competência discricionária, ver os acórdãos do Tribunal de 13 de Junho de 1958 nos processos 9/56 e 10/56, Meroni (Colect. 1954-1961, p. 175 e 229). Por outro lado e muito especialmente, a aplicabilidade directa eventualmente conferida às decisões tomadas no uso da delegação é um elemento que é necessário ter em conta. Na maior parte dos Estados-membros julgou-se por bem procurar uma base constitucional expressa para a transferência para uma instituição internacional da competência para tomar decisões directamente aplicáveis na ordem interna. Tais «abandonos de soberania» não foram considerados como emanados do poder de obrigar o Estado no plano externo através da conclusão de tratados internacionais. Por conseguinte, a transferência da Comunidade para outras organizações internacionais de poderes de actuação com efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais só poderá ser admitida em medida muito limitada e unicamente se os objectivos do Tratado não puderem ser atingidos de maneira adequada através de outras modalidades.

    D — O Governo do Reino Unido

    O Governo do Reino Unido constata que as negociações que conduziram à elaboração do acordo foram conduzidas conforme uma decisão tomada pelo Conselho antes da adesão do Reino Unido às Comunidades. O Governo não julga dever contestar actualmente a validade de um acto resultante de tal decisão. Parte do princípio de que a Comunidade possui os poderes necessários para estabelecer negociações e vir a ser parte no acordo. Uma vez admitido isto, o conteúdo exacto das disposições do acordo, incluindo os poderes atribuídos às novas instituições, é matéria que deve ser regulada entre as partes. O acordo projectado e o estatuto a ele anexo constituem, segundo o Governo do Reino Unido, um conjunto no qual foi procurado um equilíbrio entre os interesses das partes. Qualquer alteração a introduzir agora aos termos acordados romperia um equilíbrio fundado em considerações sobre as quais o Tribunal não é chamado a pronunciar-se.

    No que respeita ao capítulo VI do estatuto relativo ao controlo jurisdicional, o Governo do Reino Unido entende-o no sentido de que ao Tribunal do Fundo é atribuída jurisdição exclusiva sobre todas as matérias em relação às quais é declarado competente. Tal constituirá o único meio satisfatório de garantir o respeito pelo direito no âmbito de um acordo que abrange os Estados-membros, a Comunidade e um Estado não membro. Qualquer outra interpretação sobre o significado e os efeitos do capítulo VI não só conduzirá a desigualdades entre as partes no acordo, mas também tenderá a criar uma situação confusa entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal do Fundo, que comporta incoerências, incompatibilidades e conflitos no que se refere às suas respectivas competências.

    Informações suplementares

    Ao examinar os textos que lhe foram submetidos pela Comissão, o Tribunal de Justiça verificou uma diferença entre duas disposições relativas à designação dos membros do previsto Tribunal do Fundo. Segundo o artigo 42.o, n.o 2, do estatuto, os sete juízes membros do Tribunal do Fundo serão designados: um pela Suíça e seis pelo conjunto das outras partes contratantes. No que respeita a estes últimos, o projecto de regulamento relativo à conclusão acordo prevê, pelo contrário, no artigo 6.o, que eles serão designados pelo Tribunal de Justiça de entre os seus membros. Resulta da exposição dos motivos, com a qual o projecto de regulamento foi submetido ao Conselho, que o arranjo assim previsto no artigo 6.o foi convencionado por todas as delegações quando das negociações e foi aceite pela delegação suíça.

    Ora, não figura indicação semelhante na exposição dos motivos no que se refere a outra disposição do projecto de regulamento que suscitou a atenção do Tribunal, a saber, o artigo 5.o, n.o 1, que, nos termos seguintes, visa garantir uma posição uniforme da Comunidade e dos Estados-membros representados no conselho de fiscalização do Fundo.

    «Artigo 5o

    1.   Quando uma questão que apresente um interesse essencial para o funcionamento do Fundo instituído pelo acordo ou um interesse para a política comum de transportes é suscitada junto do conselho de fiscalização do Fundo, esta questão pode, a requerimento de um Estado-membro ou da Comissão, ser submetida ao Conselho, que sobre ela delibera com a maior brevidade, decidindo por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, com vista a estabelecer orientações comuns e a tomar, se for caso disso, qualquer decisão que julgue aconselhável. No caso de o conselho decidir tal questão, os Estados-membros representados no conselho de fiscalização do Fundo conformar-se-ão no seio do dito conselho de fiscalização com as orientações ou decisões tomadas pelo Conselho. Entretanto, abster-se-ão de qualquer tomada de posição de natureza a prejudicar ou comprometer as deliberações do Conselho sobre a questão que lhe foi submetida.»

    O Tribunal solicitou assim à Comissão que lhe fornecesse todas as informações respeitantes à questão de saber se, quando das negociações relativas ao acordo ou posteriormente, a delegação suíça teve conhecimento do conteúdo da citada disposição e se a aceitou.

    A Comissão satisfez esta solicitação através de uma comunicação de 3 de Março de 1977, da qual ressalta designadamente o seguinte:

    A proposta de regulamento do Conselho relativo à conclusão do acordo em projecto não foi formalmente comunicada, como tal, à delegação suíça, e isto de acordo com a prática constante seguida pela Comunidade para a conclusão de acordos com países terceiros. Contudo, a delegação suíça teve conhecimento oficioso das disposições do regulamento proposto, à margem da negociação propriamente dita, e este conhecimento foi confirmado, após a rubrica do projecto de acordo, pela publicação daquela proposta de regulamento no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Diversamente de algumas outras disposições da proposta de regulamento, o conteúdo do artigo 5.o não foi formalmente examinado com as outras delegações, e designadamente a delegação suíça, que só dele tiveram conhecimento de maneira informal e não foram chamadas a aceitá-lo. Contudo, a delegação suíça manifestou uma objecção de princípio em relação a qualquer fórmula que fosse de natureza a comprometer a independência e a liberdade de julgamento e de actuação que, na sua opinião, cada um dos membros do conselho de fiscalização do Fundo deverá ter no exercício da sua missão.

    Top