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Document 61976CJ0013

Acórdão do Tribunal de 14 de Julho de 1976.
Gaetano Donà contra Mario Mantero.
Pedido de decisão prejudicial: Giudice conciliatore di Rovigo - Itália.
Processo 13-76.

Edição especial inglesa 1976 00545

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1976:115

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

14 de Julho de 1976 ( *1 )

No processo 13/76,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo giudice conciliatore de Rovigo e destinado a obter, no processo pendente perante este órgão jurisdicional entre

Gaetano Dona

e

Mario Mantero,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação dos artigos 7.o, 48.o e 59.o do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher e A. 0'Keeffe, presidentes de secção, J. Mertens de Wilmars, M. Sørensen, A. J. Mackenzie Stuart e F. Capotorti, juízes,

advogado-geral: A. Trabucchi

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 7 de Fevereiro de 1976, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 1976, o giudice conciliatore de Rovigo colocou, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, várias questões relativas à interpretação dos artigos 7.o, 48.o e 59.o deste Tratado.

2

As duas primeiras questões destinam-se a saber se os artigos 7.o, 48.o e 59.o do Tratado conferem a todos os nacionais dos Estados-membros da Comunidade o direito de efectuar uma prestação de serviços em qualquer lugar do território comunitário e, em especial, se também os jogadores de futebol usufruem de tal direito, no caso de as suas prestações terem um carácter profissional.

3

Na terceira questão, colocada para a eventualidade de a resposta às duas primeiras questões ser afirmativa, pede-se ao Tribunal que, no essencial, declare se o direito acima mencionado também pode ser invocado, com o fim de obter a inaplicabilidade de normas com sentido contrário adoptadas por uma federação desportiva competente para regulamentar a prática do futebol no território de um Estado-membro.

4

Na quarta questão, colocada para a eventualidade de a resposta às três primeiras ser afirmativa, pede-se ao Tribunal que determine se o direito em causa pode ser invocado directamente perante os órgãos jurisdicionais nacionais e se estes têm o dever de salvaguardar esse direito.

5

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe dois cidadãos italianos que não estão de acordo quanto à compatibilidade de determinadas normas do «Regulamento Orgânico da Federação Italiana de Futebol» com os artigos do Tratado acima citados, por força das quais só os jogadores filiados nesta federação podem disputar encontros, na qualidade de profissionais ou semiprofissionais, quando a filiação na federação nesta qualidade, em princípio, só é permitida aos jogadores que possuam nacionalidade italiana.

6

1)

Nos termos do artigo 7.o do Tratado e no seu âmbito de aplicação, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

Esta norma foi posta em prática, no que respeita aos trabalhadores assalariados e aos prestadores de serviços, respectivamente pelos artigos 48.o a 51o e 59.o a 66.o do Tratado, bem como pelos actos adoptados pelas instituições comunitárias com base nos citados artigos.

7

No que respeita mais especialmente aos trabalhadores, o artigo 48.o determina que a livre circulação implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre os trabalhadores dos Estados-membros, relativamente ao emprego, à remuneração e às demais condições de trabalho.

8

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), «os nacionais de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, têm o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado-membro…».

9

Quanto à livre prestação de serviços no interior da Comunidade, o artigo 59.o determina que as restrições existentes neste domínio serão suprimidas em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.

10

Nos termos do terceiro parágrafo do artigo 60.o, o prestador de serviços pode, para a execução da prestação, exercer a título temporário a sua actividade no Estado onde a prestação é realizada nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais.

11

Dos artigos atrás citados resulta que é incompatível com as normas comunitárias toda e qualquer disposição nacional que reserve exclusivamente aos nacionais de um Estado-membro o exercício de uma actividade abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 48.o a 51.o ou 59o a 66o do Tratado.

12

2)

Tendo em consideração os objectivos da Comunidade, a prática de desportos está abrangida pelo direito comunitário, na medida em que constitui uma actividade económica na acepção do artigo 2o do Tratado.

É este o caso da actividade dos jogadores de futebol, profissionais ou semipro-fissionais, que exercem uma actividade assalariada ou efectuam prestações de serviços remuneradas.

13

Quando esses jogadores têm a nacionalidade de um Estado-membro, beneficiam nos restantes Estados-membros das normas comunitárias em matéria de livre circulação de pessoas e de serviços.

14

No entanto, tais normas não se opõem a uma regulamentação ou prática que exclua os jogadores estrangeiros da participação em determinados encontros, por razões que não sejam económicas mas inerentes à natureza e ao contexto específicos destes encontros, que têm, assim, uma natureza exclusivamente desportiva, como acontece, por exemplo, nos encontros entre equipas nacionais de diferentes países.

15

No entanto, esta restrição do âmbito de aplicação das disposições em causa deve ser mantida dentro dos limites do seu próprio objecto.

16

Ao órgão jurisdicional nacional compete qualificar, à luz do que foi referido, a actividade sujeita à sua apreciação.

17

3)

Tal como o Tribunal já declarou no seu acórdão de 12 de Dezembro de 1974, no processo Walrave (36/74, Colect., p. 595), a proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade impõe-se não só à actividade das autoridades públicas, mas também se estende às regulamentações de outra natureza destinadas a disciplinar, colectivamente, o trabalho assalariado e as prestações de serviços.

18

As disposições dos artigos 7.o, 48o e 59o do Tratado, tendo natureza imperativa, devem ser tomadas em consideração pelo juiz nacional na apreciação da validade ou dos efeitos de uma norma contida no regulamento duma organização desportiva.

19

Consequentemente, deve responder-se às questões colocadas que é incompatível com os artigos 7.o e, segundo os casos, com os artigos 48.o a 51.o ou 59.o a 66.o do Tratado uma regulamentação ou prática nacional, ainda que adoptada por um organismo desportivo, que reserva exclusivamente aos nacionais do Estado-membro em questão o direito de participar, na qualidade de jogadores profissionais ou semiprofissionais, em encontros de futebol, a não ser que se trate de uma regulamentação ou prática que exclua os jogadores estrangeiros da participação em determinados encontros, por razões que não sejam económicas, inerentes à natureza e ao contexto específicos destes encontros, que têm, assim, uma natureza exclusivamente desportiva.

20

4)

Tal como o Tribunal já declarou nos acórdãos de 4 de Dezembro de 1974, no processo Van Duyn (41/74, Colect., p. 567), e de 3 de Dezembro de 1974, no processo Van Binsbergen (Colect., p. 543), o artigo 48o do Tratado, por um lado, e o primeiro parágrafo do artigo 59.o e o terceiro parágrafo do artigo 60.o, por outro — as duas últimas disposições, em todo o caso, na medida em que se destinam a eliminar toda e qualquer discriminação exercida contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade ou pelo facto de residir num Estado-membro diferente daquele onde a prestação deve ser efectuada — têm efeito directo nas ordens jurídicas dos Estados-membros e conferem aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais devem salvaguardar.

Quanto às despesas

21

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o giudice conciliatore de Rovigo, cabe a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram colocadas pelo giudice conciliatore de Rovigo, por despacho de 7 de Fevereiro de 1976, declara:

 

1)

É incompatível com o artigo 7.o e, segundo os casos, com os artigos 48.o a 51.o ou 59.o a 66.o do Tratado uma regulamentação ou prática nacional, ainda que adoptada por um organismo desportivo, que reserva exclusivamente aos nacionais do Estado-membro em questão o direito de participar, na qualidade de jogadores profissionais ou semiprofissionais, em encontros de futebol, a não ser que se trate de uma regulamentação ou prática que exclua os jogadores estrangeiros da participação em determinados encontros, por razões que não sejam económicas, inerentes à natureza e ao contexto específicos desses encontros, que têm, assim, uma natureza exclusivamente desportiva.

 

2)

O artigo 48.o do Tratado, por um lado, e o primeiro parágrafo do artigo 59.o e o terceiro parágrafo do artigo 60.o, por outro — os dois últimos na medida em que se destinam a eliminar toda e qualquer discriminação exercida contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade ou pelo facto de residir num Estado-membro diferente daquele onde a prestação deve ser efectuada — têm efeito directo nas ordens jurídicas dos Estados-membros e conferem aos particulares direitos que os órgãos jurisdicionais devem salvaguardar.

 

Lecourt

Kutscher

O'Keeffe

Mertens de Wilmars

Sørensen

Mackenzie Stuart

Capotorti

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Julho de 1976.

O secretário

A. van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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