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Document 61976CC0012

    Conclusões do advogado-geral Mayras apresentadas em 15 de Septembro de 1976.
    Industrie Tessili Italiana Como contra Dunlop AG.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Frankfurt am Main - Alemanha.
    Artigo 5, 1.
    Processo 12-76.

    Edição especial inglesa 1976 00585

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1976:119

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    HENRI MAYRAS

    apresentadas em 15 de Setembro de 1976 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    I.

    Eis o primeiro processo que vos é regularmente submetido em aplicação do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária, texto que se encontra em vigor nas relações entre os seis Estados-membros originários da Comunidade Económica Europeia desde 1 de Setembro de 1975.

    Os factos que estão na base deste processo podem ser resumidos do seguinte modo.

    Em 29 de Abril de 1971, a empresa alemã Dunlop AG, de Hanau, encomendou, com base em amostra, um determinado número de fatos de esqui à empresa italiana Industrie Tessili, de Como. A empresa italiana confeccionou os artigos em questão e expediu-os, em 31 de Julho de 1971, por intermédio de um transportador designado pela firma alemã. Esta recebeu-os em 18 de Agosto de 1971. Simultaneamente à expedição da mercadoria, a empresa italiana fez uma factura, que chegou à empresa alemã em 3 de Agosto de 1971.

    Tendo surgido um diferendo entre as partes acerca da conformidade da mercadoria com o especificado na encomenda, a empresa alemã apresentou queixa contra o seu fornecedor perante o Tribunal Regional de Hanau. Não se percebe com clareza se a empresa alemã pede a resolução do contrato ou o pagamento de uma indemnização por danos. No entanto, o fundamento do seu pedido reside na execução defeituosa da obrigação contratual por parte da empresa italiana. Esta compareceu efectivamente em juízo, mas para impugnar a competência do tribunal alemão.

    Este órgão jurisdicional constatou que as partes, ao longo das negociações, o tinham validamente escolhido como o foro competente para conhecer dos diferendos que surgissem por ocasião da transacção e, por despacho interlocutório, rejeitou a excepção de incompetência.

    A empresa italiana recorreu desta decisão, para o tribunal regional superior (tribunal de recurso) de Frankfurt. Este órgão jurisdicional inclinou-se para a solução segundo a qual as partes não celebraram validamente um pacto de foro obrigatório na acepção do artigo 17.o da convenção. Dado que o autor não demandou o réu perante um órgão jurisdicional do Estado em que este último está domiciliado (segundo a previsão geral do artigo 2.o da convenção) e que não existe qualquer competência exclusiva ratione materiae a favor de um órgão jurisdicional italiano de preferência a um órgão jurisdicional da República Federal da Alemanha, o tribunal de recurso de Frankfurt considera que o tribunal de Hanau só tem competência se for o «tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida», cabendo ao Tribunal de Justiça determinar o significado desta expressão. É desnecessário sublinhar a importância da resposta que o Tribunal de Justiça é chamado a dar, uma vez que se pode prever que o contencioso relativo à convenção será em boa parte constituído por questões decorrentes de obrigações contratuais.

    II.

    O problema dos conflitos de jurisdição não é novo nos seis Estados-membros originários da CEE. É precisamente para tentar solucionar a questão da «determinação da competência dos seus órgãos jurisdicionais na ordem internacional» que a convenção foi assinada por estes seis Estados. O preâmbulo expõe a ideia directriz que inspirou os seus autores e que se traduz na preocupação de «reforçar na Comunidade a protecção jurídica das pessoas estabelecidas no seu território».

    Em matéria contratual, a determinação do órgão jurisdicional competente — bem como a determinação da lei aplicável ao contrato — pode processar-se segundo normas rígidas ou segundo disposições mais flexíveis. Limitando-nos ao direito privado dos seis Estados-membros originários, a solução dos conflitos de jurisdições neste domínio varia:

    ora as legislações acolhem, simultaneamente, o lugar da celebração ou do nascimento do contrato ou da obrigação e o do seu cumprimento (Bélgica, Itália);

    ora consideram competente, em matéria de venda comercial, o tribunal do lugar em que a promessa foi feita e a mercadoria entregue pelo vendedor ou o tribunal do lugar onde o pagamento devia ser efectuado pelo comprador (França, Luxemburgo);

    ora só admitem como competente, em qualquer matéria, o órgão jurisdicional do lugar do cumprimento (RFA);

    ora, finalmente, ignoram completamente quaisquer critérios de vinculação à celebração ou ao cumprimento do contrato (Países Baixos).

    O direito convencional também apresenta as mais variadas soluções, sendo por esse motivo que o artigo 55.o da convenção determina que, em princípio, esta «substitui entre os Estados que nela são partes» uma série de acordos bilaterais, que enumera.

    Independentemente dos argumentos que estiveram na base da sua escolha: preocupação em evitar a «fragmentação» da competência entre o órgão jurisdicional do lugar da celebração do contrato quanto aos litígios relacionados com a sua formação e com os seus efeitos e o órgão jurisdicional do lugar do cumprimento, quanto aos litígios relacionados com este cumprimento, oportunidade de atribuir competência ao órgão jurisdicional do Estado onde a execução coerciva do julgamento relativo à entrega deverá ser intentada e onde se encontram os bens que devem ser transmitidos, os trabalhos preparatórios, os comentários da doutrina e o texto da convenção mostram, sem rodeios, que os seus autores optaram, para qualquer matéria, pelo critério do «lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida». Consideraram que o cumprimento constitui o aspecto que melhor caracteriza o conjunto da operação, devendo ser acolhido o critério da sua localização: por isso, o n.o 1 do artigo 5.o refere o «lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida». Do mesmo modo, em matéria extracontratual é o «lugar onde ocorreu o facto danoso» que foi escolhido, o que não deixa de colocar algumas questões de que tomareis conhecimento posteriormente.

    III.

    Se o disposto no n.o 1 do artigo 5.o possui uma natureza material especialmente importante, sublinhada pela utilização do singular («Gobrigação»), a aparente simplicidade e unidade deste critério não devem, no entanto, criar ilusões. Em primeiro lugar, este critério deve ser adaptado em função da possível multiplicidade dos lugares de cumprimento; com efeito, acontece frequentemente que o mesmo contrato deve ser cumprido em vários países. Mas este critério varia, principalmente, segundo o tipo específico da obrigação em causa. Numa primeira fase, deve, portanto, definir-se a relação jurídica ou o contrato que estão na base do litígio principal. A este propósito — sem prejuízo, bem entendido, do poder que o juiz nacional tem para qualificar os factos que lhe são apresentados —, parece-nos que esta questão surgiu por ocasião de uma «venda internacional de bens móveis corpóreos», na acepção da lei uniforme relativa a esta matéria anexa à convenção de Haia de 1 de Julho de 1964, isto é, uma «venda com entrega» ou de um «contrato de entrega de bens móveis corpóreos a fabricar ou a produzir», tendo o vendedor que fornecer todos os elementos necessários a esta produção ou fabrico ou, pelo menos, não tendo o comprador que fornecer uma parte essencial de tais elementos. Estas definições são as previstas na convenção de Haia de 15 de Junho de 1955 relativa à lei aplicável às vendas de natureza internacional de bens móveis e na convenção de Haia de 1 de Julho de 1964 sobre a mesma matéria. No momento em que ocorreram os factos, este último texto legal não estava ainda em vigor nas relações entre a Itália e a República Federal da Alemanha.

    Em segundo lugar, é preciso fazer uma distinção, no caso de um contrato sinalagmático, consoante se considera o ponto de vista de uma ou outra das partes contratantes, como por exemplo no caso da compra e venda — qualificação que nos parece englobar a transacção no caso sub judice — quer consideremos do ponto de vista do vendedor ou o do comprador. Os autores da convenção fizeram eles próprios esta distinção em matéria de venda e de empréstimo com pagamento a prestações (artigos 14.o e 15.o).

    De resto, esta distinção entre as obrigações do vendedor e as obrigações do comprador é retomada pela lei uniforme relativa à venda internacional dos bens móveis corpóreos, que os autores da convenção certamente tinham presente no espírito. Numa operação deste tipo, o vendedor obriga-se a:

    1)

    efectuar a entrega;

    2)

    enviar os documentos;

    3)

    transferir a propriedade.

    Por seu lado, o comprador obriga-se a:

    1)

    pagar o preço;

    2)

    receber o bem.

    O objectivo das partes consiste, para uma, em vender e entregar o seu produto, para a outra, em comprar, pagar o preço e receber o produto: o lugar onde a obrigação deve ser cumprida é o lugar onde deve ser executada a prestação característica.

    Destas três obrigações do vendedor, aquela cujo cumprimento é característico ou típico do contrato de compra e venda é, do ponto de vista do comprador, a entrega da coisa, sendo portanto o lugar da entrega que, na eventualidade de uma acção judicial intentada pelo comprador, deve determinar o órgão jurisdicional competente.

    IV.

    Porém, será conveniente «dividir» ou «fragmentar» ainda mais a noção de lugar do cumprimento da obrigação e investigar em que lugar deve ser efectuado o pagamento de um débito resultante da resolução de um contrato de compra e venda por facto imputável ao vendedor e em que lugar deve ser feita a restituição da coisa vendida, se é precisamente esse, o objecto da questão submetida ao juiz de mérito? Esta é a verdadeira questão que preocupa o Tribunal de Frankfurt. Dado que a obrigação contratual foi cumprida e que o litígio se refere ao carácter defeituoso deste cumprimento, aquele órgão jurisdicional interroga-se para saber se a expressão «a obrigação deve ser cumprida» pode referir-se à obrigação de substituição na qual se resolveria, eventualmente, o incumprimento da obrigação principal.

    Segundo uma primeira tese, se é exacto que é no lugar da entrega, da aceitação e da aprovação da mercadoria que cabe fixar o incumprimento ou, ao contrário, o cumprimento correcto da obrigação que caracteriza o contrato de compra e venda, do ponto de vista do vendedor, também poderá acontecer que os vícios dissimulados da coisa vendida só se revelem mais tarde, num lugar diferente do lugar originário da entrega.

    Seria então nesse novo lugar que as condições, as modalidades de cumprimento (modalidades de controlo da mercadoria) ou os efeitos do não cumprimento deveriam ser «deduzidos em juízo»: resolução com base em incumprimento, responsabilização do vendedor, etc. Consequentemente, a obrigação que, com este fundamento, seria deduzida em juízo contra o vendedor, nesse momento, escolhendo no arsenal das vias de recurso que o direito nacional oferece: resolução do contrato, indemnização por danos, obrigação de constituição de garantia, poderia e deveria ter sido cumprida, num lugar diferente do lugar onde a obrigação originária — a entrega, no caso da compra e venda — foi cumprida. Poderia ser quer o lugar onde a mercadoria se encontra quer o lugar onde o crédito do comprador deve ser satisfeito, consoante o preço deva ser pago no domicílio do devedor (como é o caso da França, Bélgica e República Federal da Alemanha) ou no domicílio do credor (como é o caso da Itália e dos Países Baixos).

    A questão que se coloca no caso sub judice consiste, pois, em determinar se a obrigação prevista no n.o 1 do artigo 5.o é a obrigação originária ou a sua derivada, representada, segundo os usos ou os direitos nacionais, por uma acção destinada a obter o cumprimento coercivo, parcial ou total do contrato ou a sua resolução, ou por uma acção de indemnização por danos por incumprimento ou por cumprimento defeituoso.

    Ao fim e ao cabo, esta tese acaba por sustentar que, caso o contrato inclua várias obrigações a cargo do réu, o autor pode escolher o órgão jurisdicional competente entre aqueles que, mais ou menos directamente, estão ligados a qualquer uma das obrigações inerentes ao contrato, mesmo que essa obrigação não se encontre em litígio. Isto explicaria por que razão o n.o 1 do artigo 5.o refere o lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida.

    Não pensamos que seja possível ir tão longe. A versão italiana do n.o 1 do artigo 5.o pressupõe que se trate, pelo menos, de uma obrigação em litígio «dedotta ingiudizio». Sobretudo, tal tese não seria compatível com a intenção dos autores da convenção. É certo que as normas impostas por este texto se destinam essencialmente a resolver os conflitos de jurisdições; elas não são principalmente normas de direito material, porém, um dos postulados do sistema elaborado pela convenção parece-nos ser o de que, se é permitido distinguir consoante os tipos de contrato e as partes do contrato, em contrapartida, o conjunto dum determinado contrato constitui um ente jurídico e económico e todas as questões relacionadas com o cumprimento da obrigação que caracteriza esse contrato devem ser da competência do órgão jurisdicional do lugar do cumprimento desta obrigação; todos os litígios surgidos ou a surgir no momento de uma «determinada relação jurídica» (artigo 17.o) que se traduz na obrigação de entrega devem ser sujeitos à competência do órgão jurisdicional do lugar, em que essa entrega deve ser feita. Com efeito, todo o contrato recebe a sua característica dominante de uma das obrigações que dele decorrem, ainda que tais obrigações possam variar de acordo com as circunstâncias. É para a execução desta obrigação que se orientam as previsões das partes, sendo no lugar do cumprimento que, normalmente, será estabelecido o incumprimento e tiradas as respectivas consequências.

    A tese contrária cairia no perfeccionismo e regressaríamos, por essa via indirecta, ao critério do lugar onde o bem se encontra (lex rei sitae) ou ao critério do forum conveniens.

    Uma solução do tipo órgão jurisdicional do lugar que apresenta a ligação mais estreita com o cumprimento da obrigação ou que parece mais adequado a tal objectivo, «o órgão jurisdicional com a conexão mais estreita», sem outra precisão (por analogia com o artigo 4.o do anteprojecto da convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e não contratuais), seria demasiada vaga e genérica e impediria a tutela dos valores fundamentais em matéria de contratos, a saber, a segurança jurídica e a possibilidade de previsão da lei que seria aplicada.

    Sempre segundo comentários autorizados (Droz, Compétence judiciaire et effects des jugements dans le marche comum, 1972, p. 128), «a convenção rejeita a tese do forum conveniens; com efeito, podem surgir grandes dificuldades práticas para determinar a conexão entre o processo e o Tribunal designado». O mesmo autor refere ainda (p. 45 e 46) que: «Estas normas relativas à competência (artigos 5.o e 6.o) formam um todo e são auto-suficientes… Deve admitir-se que, em princípio, o silêncio do Tratado acerca de um critério de determinação de competência implica a exclusão desse critério. Isto é válido, por exemplo, para além do foro do lugar da celebração do contrato, para o foro da conexão, que não foi acolhido pelo Tratado como um critério de atribuição de competência directa».

    Tal como M. Bourel o faz notar (Les conflits de lois en matière d'obligations extracontractuelles, 1961, p. 145), «se as obrigações que decorrem do contrato são determinadas pela vontade das partes, as obrigações que decorrem do incumprimento do contrato são criadas pela lei e estão, portanto, sujeitas, tal como as obrigações decorrentes de um facto danoso, ao estatuto territorial». Dai resultaria que, devido à disparidade dos estatutos territoriais, as obrigações decorrentes do não cumprimento do contrato poderiam variar de forma sensível, consoante se tratasse de normas facultativas sujeitas à lei da autonomia ou de disposições imperativas regidas pela lei da execução do contrato: tal resultado comprometeria o objectivo de reagrupamento e de «concentração» dos litígios junto do Tribunal ao qual foi submetido o pedido originário, objectivo que os autores da convenção tiveram em vista ao redigirem o artigo 6o (pedido de constituição de garantia, pedido reconvencional).

    Na realidade, os autores da convenção, distintamente dos autores do Tratado Benelux de 1961 sobre a competência judiciária — que ainda não se encontrava em vigor —, acolheram o critério do lugar do cumprimento da obrigação, por oposição ao lugar em que surgiu. O artigo 4.o deste texto determina:

    «Em matéria pessoal ou de bens móveis, civil ou comercial, o autor pode intentar a acção perante o juiz do lugar onde a obrigação surgiu, foi ou deve ser cumprida».

    O n.o 2 do artigo 1.o do protocolo prevê o seguinte:

    «O Grâo-Ducado do Luxemburgo não é obrigado a reconhecer nem a declarar executórias as decisões proferidas em matéria contratual por um juiz belga ou neerlandês, quando a competência destes lhes foi atribuída com base no lugar do nascimento ou do cumprimento da obrigação, quando, no momento da apresentação do pedido, o réu tinha o seu domicílio no Luxemburgo ou, na falta de domicílio num dos três países, tinha a sua residência no Luxemburgo».

    O facto de os autores da convenção não ierem, simplesmente, referido o «lugar do cumprimento do contrato» é devido à circunstância de esta se aplicar quer no domínio comercial quer no domínio civil. Ao utilizarem a expressão «lugar onde a obrigação deve ser cumprida» foi à obrigação originária, principal ou característica, que quiseram referir-se.

    Só se revelaria adequado recorrer, de forma puramente subsidiária, ao critério da competência do órgão jurisdicional do lugar com o qual o cumprimento da obrigação apresenta os laços mais estreitos caso a prestação característica não pudesse ser determinada. Porém, não é este o caso da compra e venda de um bem móvel corpóreo.

    V.

    Cremos encontrar confirmação da interpretação segundo a qual estão em causa litígios relacionados com a obrigação característica do contrato em questão e diferendos, surgidos ou a surgir, no momento das relações jurídicas geradas por essa obrigação (primeiro parágrafo do artigo 17.o) na convenção sobre a lei uniforme relativa à compra e venda, à qual já nos referimos.

    Com base nesta convenção, tendo em vista as vias legais ao dispor do adquirente, as obrigações do vendedor são de dois tipos.

    Em primeiro lugar, encontram-se as obrigações relativas à data e ao lugar da entrega. As sanções (remedies na versão inglesa) pelo incumprimento das obrigações que incumbem ao vendedor consistem na possibilidade de o adquirente (artigo 24.o):

    pedir o cumprimento do contrato ou

    declarar a sua resolução.

    Em ambos os casos, o comprador pode ainda pedir o ressarcimento dos danos, cujo montante varia consoante o contrato seja ou não objecto de resolução.

    Em segundo lugar, encontram-se as obrigações relativas à conformidade do bem.

    Quando o vendedor entregou um bem não conforme com o que foi estipulado no contrato e em que, portanto, este teve um início de cumprimento, considera-se que o vendedor não cumpriu a sua obrigação de entrega (artigo 33.o).

    A este respeito, as sanções pela falta de cumprimento das obrigações do vendedor consistem na possibilidade de o adquirente (artigo 41.o):

    exigir do vendedor o cumprimento do contrato,

    ou declarar a resolução do contrato,

    ou pedir a redução do preço.

    O adquirente pode ainda pedir o ressarcimento dos danos, cujo montante varia consoante o contrato seja ou não objecto de resolução.

    Consequentemente, considera-se que o vendedor não cumpriu a sua obrigação de entrega da coisa quando estiver em falta relativamente às modalidades de entrega do bem, no que diz respeito à conformidade do bem com o estipulado no contrato.

    Em nosso entender, é indiferente determinar se a obrigação de entrega foi cumprida (caso em que o adquirente pedirá uma redução do preço ou a resolução do contrato e a indemnização por danos, na falta de conformidade da coisa) ou se deve ser cumprida (caso em que o adquirente pedirá o cumprimento do contrato e a indemnização por danos): o lugar a que o n.o 1 do artigo 5.o da convenção faz referência é, em ambos os casos, o lugar da entrega.

    VI.

    A reserva feita no artigo I do protocolo anexo à convenção faculta uma outra confirmação da interpretação por nós proposta.

    O primeiro parágrafo do artigo 1.o afasta, no que respeita a pessoas domiciliadas no Luxemburgo, a aplicação das normas de competência fixadas no primeiro parágrafo do artigo 5.o

    No Grão-Ducado do Luxemburgo, as relações económicas são caracterizadas pelo facto de muitos contratos realizados por pessoas aí domiciliadas constituírem transacções de natureza internacional. Neste tipo de contratos é normalmente o comprador quem reside no Grão-Ducado, tendo o vendedor o centro dos seus negócios no estrangeiro — especialmente, na Bélgica — e estipulando frequentemente uma cláusula FOB.

    Segundo os especialistas (Jenard, Rapport sur la convention, Suplemento ao Boletim das CEE, Novembro de 1972, p. 105), tal reserva justifica-se pela natureza especial das relações económicas entre a Bélgica e o Luxemburgo e que se baseia no facto de a maior parte das obrigações contratuais entre pessoas domiciliadas nos dois países serem cumpridas ou deverem ser cumpridas na Bélgica-. Consequentemente, o compra-dor-autor, residente no Luxemburgo, não poderia, na maioria dos casos, submeter aos órgãos jurisdicionais luxemburgueses os litígios que o opusessem ao vendedor-réu domiciliado na Bélgica (por força do primeiro parágrafo do artigo 2.o); pelo contrário, poderia ser demandado perante os tribunais belgas. Portanto, poder-se-ia temer, como escreve Alphonse Huss (Le contraí économique international, 1975, p. 226), que «os tribunais nacionais teriam que proferir decisões em poucos litígios, ao passo que um grande número de pessoas seriam obrigadas a fazer valer as suas pretensões no estrangeiro». Consequentemente, não só o critério do lugar da celebração do contrato, que confere uma vantagem notória ao mais forte dos contratantes, foi afastado por força da opção de fundo da convenção (n.o 1 do artigo 2.o), mas o próprio critério do lugar do cumprimento só se aplica se tiver sido objecto de uma aceitação expressa e específica (artigo 17.o da convenção e segundo parágrafo do artigo 1.o do protocolo).

    De resto, note-se, com o mesmo especialista, que «a utilidade directa desta norma excepcional é posta em causa pelo terceiro parágrafo do artigo 28.o da convenção, que exclui o controlo da competência pelo juiz chamado a reconhecer e a homologar a sentença e, sobre este aspecto, não permite o recurso à excepção de ordem pública. Assim, em caso de desconhecimento por parte do órgão jurisdicional estrangeiro das cláusulas de salvaguarda contidas no protocolo, o interessado poderá ver-se obrigado a defender os seus direitos perante um juiz que não tem competência».

    Independentemente da utilidade prática desta reserva e da sua justificação, dentro da óptica da liberdade de estabelecimento dos advogados, quanto a nós, estamos perante uma interpretação autêntica da convenção dada pelos seus próprios autores que fornece uma solução preciosa a dar à questão colocada.

    O «lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida» deve ser entendido em sentido amplo: no caso da compra e venda de um bem móvel corpóreo, esta expressão cobre a «maior parte» das obrigações contratuais do vendedor e, designadamente, aquelas que se ligam à entrega da mercadoria.

    VII.

    Quanto à localização do lugar em que, efectivamente, foram ou devem ser cumpridas as obrigações de entrega pelo vendedor, isto é, o lugar da entrega, a resposta poderá variar de acordo com as cláusulas contratuais ou, na falta destas, de acordo com as circunstâncias de facto. Nesta matéria, as cláusulas contratuais relativas à entrega terão uma importância decisiva: poderá ser o lugar onde se situa a sede das actividades principais do vendedor (venda FOB) ou, ao contrário, o lugar situado no Estado do domicílio do comprador (venda CIF). Cabe ao juiz de mérito, ao interpretar o contrato ou ao qualificar os factos à luz da sua própria legislação, determinar esse lugar e dizer se o cumprimento ocorreu ou se deveria ter ocorrido num lugar abrangido pela sua competência; tal reenvio para a legislação nacional e para o direito internacional privado de cada Estado contratante encontra-se previsto, por exemplo, em matéria de reconhecimento das decisões (n.o 4 do artigo 27.o) ou de determinação do domicílio e da sede das sociedades (artigos 52.o e 53.o).

    Pode acontecer que este lugar se situe no Estado do adquirente e não, como sustenta o vendedor, na sua própria sede social. Inversamente, se o lugar onde a mercadoria foi ou deveria ser entregue ao adquirente ou à pessoa encarregue de a receber em seu nome, se situa no Estado do vendedor, será competente um Tribunal deste Estado. Assim, não se pode excluir que, se o autor se tivesse dirigido directamente a um órgão jurisdicional do Estado onde o vendedor está domiciliado (artigo 2.o), este órgão jurisdicional teria decidido que a entrega foi efectuada no Estado do comprador e que ele era incompetente para conhecer esse caso: não existirá necessariamente uma correlação entre a lei aplicável e o tribunal onde a questão foi colocada, entre a competência legislativa e a competência judiciária.

    Definitivamente, esta disposição da convenção corre o risco de não prestar qualquer ajuda ao adquirente que pretendia demandar o vendedor-réu fora do Estado deste. Apresenta simplesmente uma natureza supletiva: não foi, de modo algum, concebida para permitir, em qualquer caso, que o autor escape ao disposto no artigo 2.o e demande o réu perante um outro tribunal que não seja o tribunal do lugar do domicílio deste último (n.o 2 do artigo 6.o). Apenas quando o lugar do cumprimento da obrigação se encontra no Estado contrante onde ele próprio tem o domicílio é que o demandante pode invocar esta disposição.

    Na realidade, o objectivo do n.o 1 do artigo 5.o é o de determinar, — admitindo que a relação jurídica tenha natureza internacional e que o lugar do cumprimento da obrigação possa ser considerado como situando-se num Estado diferente do Estado do domicílio do réu — qual o tribunal que naquele Estado é competente. O seu objectivo não é o de derrogar, em qualquer caso, o disposto no n.o 1 do artigo 2.o

    Na actual fase da construção europeia, é difícil ir mais longe enquanto não forem adoptadas normas de conflitos de leis uniformes para as obrigações contratuais. O que os autores da convenção pretenderam não foi legislar de modo uniforme, mas «assegurar uma aplicação tão eficaz e uniforme quanto possível das suas disposições» (declaração comum de 3 de Junho de 1971 anexa ao protocolo relativo à interpretação da convenção) e -evitar que divergências de interpretação da convenção prejudiquem o seu carácter unitário (declaração comum de 27 de Setembro de 1968 anexa à convenção). Como afirma Georges Droz (Clunet 1973, p. 23), «deixará de existir uma verdade do lado de cá dos Pirinéus e outra do lado de lá, ainda que possam existir duas verdades em França e nos Países Baixos». Porém, seria já um resultado apreciável se chegássemos a uma interpretação uniforme do lugar do cumprimento mesmo que, subsidiariamente, se remetesse para o direito nacional do órgão jurisdicional ao qual a questão foi colocada. Se a convenção não existisse teria, em primeiro lugar, que se decidir qual o critério com base no qual seria determinada a competência; ora nós verificámos que se poderia hesitar, pelo menos, entre o lugar onde a obrigação contratual surgiu e o lugar do seu cumprimento. Se a convenção tivesse mantido estes dois critérios de competência, o juiz a quem a questão foi colocada ver-se-ia ainda obrigado a recorrer ao seu direito nacional para localizar cada uma destas competências. Consequentemente, a convenção representa um certo progresso relativamente à situação anterior, uma solução intermédia entre o princípio segundo o qual seria necessário, dentro do possível, submeter o contrato a um único órgão jurisdicional (e a uma lei única ideal) e o princípio oposto da atomização do contrato.

    Concluímos, portanto, que o Tribunal declare que:

    Nas relações entre as altas partes contratantes da convenção de 27 de Setembro de 1968 e sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 2.o, no artigo 17.o da convenção e no artigo I do protocolo que lhe é anexo, os diferendos relativos ao cumprimento da obrigação característica do contrato em análise podem, por força do disposto no n.o 1 do artigo 5.o, ser levados perante o tribunal do lugar onde esta obrigação foi ou devia ser cumprida. No caso de uma venda, do ponto de vista do vendedor, a obrigação característica é a que diz respeito à entrega da coisa. Cabe ao tribunal a quem a questão foi primeiramente colocada determinar a situação do lugar do cumprimento desta obrigação.


    ( *1 ) Língua original: francês.

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