EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61975CV0001

Parecer do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1975.
Parecer proferido nos termos do n.º 1, segundo parágrafo, do artigo 228.º do Tratado CEE.
Parecer 1/75.

Edição especial inglesa 1975 00457

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1975:145

Discussão

A questão suscitada pelo pedido de parecer evoca as seguintes considerações:

A — Quanto à admissibilidade do pedido de parecer

O segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o prevê que o Conselho, a Comissão ou um Estado-membro podem submeter ao Tribunal um pedido de parecer sobre a compatibilidade com as disposições do Tratado de um acordo susceptível de ser celebrado com um ou vários países terceiros ou com uma organização internacional.

A qualificação formal em direito internacional do acordo previsto não é determinante, para efeitos de admissibilidade do pedido. Ao referir-se a um «acordo», o segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o refere-se ao seu sentido geral, designando qualquer compromisso adoptado por sujeitos de direito internacional, dotado de força obrigatória, independentemente da sua qualificação formal.

O acordo em causa preenche estes requisitos. Contém uma «norma», isto é, uma regra de conduta que respeita a um domínio determinado e fixado por meio de fórmulas precisas, que vincula os participantes. O próprio facto de a norma prever expressamente que não podem verificar-se derrogações a não ser em casos excepcionais e com requisitos precisos, constitui a prova de que o acordo está apto, a vincular as partes contratantes, e corresponde deste modo às previsões do segundo parágrafo, do n.o 1 do artigo 228.o do Tratado.

As discussões relativas à substância do acordo encontram-se aliás já terminadas e neste momento está prevista a celebração do acordo, sob a forma de uma resolução do Conselho da OCDE.

Todavia, o «projecto de relatório para o Conselho da OCDE sobre o acordo relativo a uma norma para as despesas locais» verifica que falta neste momento esclarecer «a forma de participação no acordo da Comunidade Económica Europeia, esperando-se para muito breve a decisão da Comunidade a este respeito».

Perante estes elementos e tendo em conta a recomendação da Comissão relativa à «forma» de participação da Comunidade no acordo em causa, não poderá duvidar-se que o projecto de acordo constitua um acordo «previsto», nos termos do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o do Tratado.

Aliás, o facto de ser com o objectivo de colher o parecer do Tribunal sobre a extensão das competências da Comunidade para celebrar o acordo previsto que a Comissão suscitou o problema de compatibilidade desse acordo com as disposições do Tratado não seria suficiente para levar a considerar como inadmissível o pedido, nos termos do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o acima citado.

A compatibilidade de um acordo com as disposições do Tratado deve, com efeito, ser apreciada tendo em conta a totalidade das normas do Tratado, isto é, tanto as normas que determinam a extensão das competências das instituições da Comunidade como as normas substantivas.

A disposição do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o tem por objectivo prevenir as complicações que resultariam de contestações em juízo relativas à compatibilidade com o Tratado dos acordos internacionais que obrigam a Comunidade.

Com efeito, uma decisão judicial que eventualmente verificasse que esse acordo é, tendo em vista quer o seu conteúdo, quer o processo adoptado para a sua celebração, incompatível com as disposições do Tratado não deixaria de criar não só a nível comunitário, mas também a nível das relações internacionais sérias dificuldades e correria o risco de provocar prejuízos a todas as partes interessadas, incluindo os países terceiros.

A fim de evitar estas complicações, o Tratado recorreu ao processo excepcional de audição prévia do Tribunal, para que possa ser tirado a claro, antes da conclusão do acordo, se este é compatível com o Tratado. Impõe-se portanto admitir, neste processo, todas as questões susceptíveis de serem submetidas à apreciação judicial, quer do Tribunal, quer eventualmente dos órgãos jurisdicionais nacionais, desde que essas questões sejam de molde a suscitar dúvidas quanto à validade material ou formal do acordo relativamente ao Tratado.

Sendo em princípio susceptível de ser submetida ao Tribunal, quer directamente, com base no artigo 169o ou no artigo 173.o do Tratado, quer a título prejudicial, a questão de saber se a conclusão de determinado acordo se inscreve ou não nas competências da Comunidade e, nesse caso, se essas competências foram exercidas em conformidade com as disposições do Tratado, deve portanto reconhecer-se que as mesmas questões podem ser submetidas ao Tribunal, através do procedimento prévio do artigo 228.o

Do mesmo modo, não se poderá extrair do facto de as discussões relativas à substância do acordo em causa se encontrarem já terminadas um argumento válido para concluir o carácter tardio do pedido de parecer, uma vez que o Tratado não prevê, justamente em razão do carácter não contencioso do procedimento do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o, um prazo de caducidade para a apresentação de um tal pedido.

Deve portanto concluir-se que nada há a opor à admissibilidade do pedido de parecer.

B — Quanto à resposta a dar às questões suscitadas

1. Quanto à existência de uma competência da Comunidade para concluir o acordo OCDE relativo a uma norma para as despesas locais

Para responder a esta questão é necessário considerar os artigos 112.o e 113o do Tratado.

A primeira destas disposições prevê que:

«… os regimes de auxílios concedidos pelos Estados-membros às exportações para países terceiros serão progressivamente harmonizados antes do termo do período de transição, na medida em que tal for necessário para evitar que a concorrência entre as empresas da Comunidade seja falseada».

Uma vez que não há qualquer dúvida que a concessão de créditos à exportação se insere no regime de auxílios concedidos pelos Estados-membros às exportações, resulta já do artigo 112.o que o objecto da norma prevista pelo acordo em causa respeita a um domínio para ó qual as disposições do Tratado reconhecem uma competência comunitária.

Por outro lado, o artigo 113 o do Tratado determina nos seus n. os 1 e 2 que:

«… a política comercial comum assentará em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito… à política de exportação…».

O domínio da política comercial comum, e mais especialmente o da política de exportação, engloba necessariamente os regimes de auxílio à exportação, e mais especialmente, as medidas relativas aos créditos destinados ao financiamento das despesas locais ligadas às operações de exportação. De facto, estas medidas constituem um elemento importante da política comercial, cujo conceito apresenta o mesmo conteúdo, quer seja aplicada na esfera de acção internacional de um Estado, quer na da Comunidade.

Aliás, existem directivas em matéria de seguro de crédito, adoptadas pelo Conselho por volta do final de 1970 e do início de 1971, que reconhecem, de modo explícito, o papel importante que o crédito à exportação desempenha nas trocas internacionais, enquanto elemento de política comercial.

Por estas razões, a matéria disciplinada pela norma do acordo em causa, que se integra não apenas no domínio do regime de auxílios à exportação, referido no artigo 112.o do Tratado, mas de um modo mais geral no da política de exportação, e por isso mesmo no domínio da política comercial comum definida no artigo 118.o do Tratado, recai no domínio da competência comunitária.

Ao adoptar as medidas necessárias à aplicação dos princípios inscritos nas disposições supracitadas, designadamente as referidas no artigo 113 o do Tratado, respeitantes à política comercial comum, a Comunidade encontra-se habilitada, em virtude das competências que possui, não apenas a adoptar regras internas de direito comunitário, mas também a celebrar acordos com países terceiros em conformidade com o n.o 2 do artigo 113.o e o artigo 114.o do Tratado.

Com efeito, a política comercial é constituída pelo concurso e interacção de medidas internas e externas, sem que haja prioridade para umas ou outras: efectivamente, umas vezes os acordos constituem a execução de uma política previamente delineada, outras vezes a política é definida pelos próprios acordos.

Estes acordos podem ser acordos-quadro, que têm por fim estabelecer princípios uniformes. É esse o caso do acordo relativo às despesas locais; com efeito, ele não tem um conteúdo específico que se adapte às condições especiais de crédito à exportação: limita-se a enunciar uma norma, a prever determinadas excepções, a admitir, em casos excepcionais, derrogações e, por fim, a fixar disposições gerais. Além disso, a execução da política de exportação a realizar no âmbito de uma política comercial comum não se traduz necessariamente na adopção de regras gerais e abstractas de direito interno ou comunitário. A política comercial comum é sobretudo a obra de uma evolução gradual assente em medidas específicas que podem dizer respeito indiferentemente a aspectos «autónomos» e a aspectos externos dessa política e que não pressupõem, necessariamente, para serem associados ao domínio da política comercial comum, a existência de um vasto conjunto de normas, mas concorrem para progressivamente formar esse conjunto.

2. Quanto ao carácter exclusivo ou não da competência da Comunidade

A resposta a esta questão depende, por um lado, do objecto do acordo em causa e, por outro lado, do modo como é concebida pelo Tratado a política comercial comum.

O acordo define ele próprio, nos números I e II, as transacções às quais a norma comum se aplica e aquelas que, pelo contrário, ficam excluídas do seu âmbito de aplicação, por corresponderem a objectivos estritamente militares, ou por dizerem respeito a países em vias de desenvolvimento.

Esta definição permite verificar que o objecto de norma, e por isso mesmo do acordo, se inscreve no âmbito das medidas adequadas à política comercial comum prosseguida pelo artigo 113 o do Tratado.

Esta política é concebida por este artigo, na perspectiva do funcionamento do mercado comum, para a defesa do interesse global da Comunidade, no interior do qual os interesses particulares dos Estados-membros devem procurar ajustar-se mutuamente.

Ora, esta concepção é, evidentemente, incompatível com a liberdade que os Estados-membros poderiam reservar-se ao invocarem uma competência paralela, a fim de prosseguirem a satisfação distinta dos seus interesses próprios nas relações externas, com o risco de comprometer uma defesa eficaz do interesse global da Comunidade.

Com efeito, a acção unilateral dos Estados-membros arnscar-se-ia a conduzir a disparidades, nas condições de concessão de crédito à exportação, de molde a falsear a competição das empresas dos diferentes Estados-membros nos mercados exteriores. Esses efeitos de distorção só podem ser eliminados através de uma identidade rigorosa, nas condições de crédito concedidas às empresas da Comunidade, independentemente da sua nacionalidade.

Assim sendo, não poderá admitir-se que, num domínio como o que é disciplinado pelo acordo em causa, e que se insere na política de exportação e mais geralmente na política comercial comum, haja uma competência dos Estados-membros paralela à da Comunidade, tanto na ordem comunitária como na ordem internacional. As disposições dos artigos 113.o e 114.o, relativas às condições em que, segundo o Tratado, devem ser celebrados os acordos em matéria de política comercial, deixam transparecer que fica excluída uma competência paralela entre os Estados-membros e a Comunidade nesta matéria.

Com efeito, admitir uma tal competência equivaleria a reconhecer que os Estados-membros podem adoptar, nas relações com os países terceiros, posições divergentes das que a Comunidade entende assumir, e este facto acabaria por falsear o funcionamento institucional, abalar as relações de confiança dentro da Comunidade e impedir que esta desempenhe a sua tarefa na defesa do interesse comum.

Pouco importa que as obrigações e os encargos financeiros inerentes à execução do acordo projectado incumbam directamente aos Estados-membros. As medidas, tanto «internas» como «externas», adoptadas pela Comunidade no âmbito da política comercial comum não implicam necessariamente, para efeitos da sua compatibilidade com o Tratado, uma transferência para as instituições da Comunidade das obrigações e encargos financeiros que podem acarretar: estas medidas têm, exclusivamente, por fim substituir a actuação unilateral dos Estados-membros, no domínio considerado, por uma acção comum assente em princípios unifonnes para a Comunidade no seu conjunto.

Pouco importa também, no que respeita aos produtos submetidos ao Tratado CECA, salientar que a competência dos Estados-membros para celebrar o acordo projectado seria salvaguardada pelo artigo 71.o deste Tratado, nos termos do qual:

«A competência dos governos dos Estados-membros em matéria de política comercial não é prejudicada pela aplicação do presente Tratado…».

Este caso concreto foi submetido ao Tribunal nos termos do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 228.o do Tratado CEE. O parecer que o Tribunal é chamado a proferir refere-se portanto ao problema de compatibilidade do acordo projectado com as disposições do Tratado CEE e só perante essas mesmas disposições define as competências da Comunidade para celebrar esse acordo.

Independentemente da questão de saber se, tendo em conta a necessidade de assegurar às transacções internacionais em que as Comunidades participam um carácter tão homogéneo quanto possível, o artigo 71.o do Tratado CECA manterá ainda a sua eficácia originária depois da entrada em vigor do Tratado CEE, ficando de qualquer modo afastada a possibilidade de esta disposição poder tomar inoperantes os artigos 113 o e 114.o do Tratado CEE e afectar as atribuições de competência à Comunidade para a negociação e conclusão de acordos internacionais que se inserem no domínio da política comercial comum.

Consequentemente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

emite o seguinte parecer:

A Comunidade tem competência exclusiva para participar no acordo relativo a uma norma para as despesas locais, referido no pedido de parecer.

Lecourt

presidente

Monaco

presidente de secção

Kutscher

presidente de secção

Donner

juiz

Mertens de Wilmars

juiz

Pescatore

juiz

Sørensen

juiz

Mackenzie Stuart

juiz

O'Keeffe

juiz

Luxemburgo, 11 de Novembro de 1975.

O secretário

A. Van Houtte

Top