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Document 61975CJ0118

Acórdão do Tribunal de 7 de Julho de 1976.
Lynne Watson e Alessandro Belmann.
Pedido de decisão prejudicial: Pretura di Milano - Itália.
Processo 118-75.

Edição especial inglesa 1976 00465

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1976:106

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

7 de Julho de 1976 ( *1 )

No processo 118/75,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo pretore de Milão, destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Lynne Watson

e

Alessandro Belmann,

uma decisão a título prejudicial relativa, designadamente, à interpretação das disposições de direito comunitário relativas à proibição de discriminação entre os nacionais dos Estados-membros e à livre circulação das pessoas, bem como à aplicabilidade, em direito comunitário, dos princípios fundamentais enunciados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher e A. O'Keeffe, presidentes de secção, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, M. Sørensen e A. J. Mackenzie Stuart, juízes,

advogado-geral: A. Trabucchi

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 18 de Novembro de 1975, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 1 de Dezembro de 1975, o pretore de Milão colocou, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, uma série de questões relativas, essencialmente, à interpretação do artigo 7.o e dos artigos 48.o a 66.o do referido Tratado.

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um procedimento criminal instaurado, por um lado, contra uma cidadã britânica que se tinha deslocado a Itália por um período de alguns meses e, por outro, contra o cidadão italiano que a tinha hospedado.

3

A cidadã britânica era acusada de não ter cumprido a obrigação de se apresentar, nos três dias a contar da sua entrada no território da República italiana, à autoridade policial do local onde se encontrava «a fim de se identificar e de preencher a declaração de residência», obrigação imposta, pela legislação italiana, a todos os estrangeiros, exceptuando determinadas categorias de trabalhadores assalariados dos outros Estados-membros, e cujo incumprimento é punido, por um lado, com multa até 80000 LIT ou com prisão até três meses e, por outro, com a eventual expulsão do território nacional acompanhada de proibição de aí voltar sem a autorização do Ministro do Interior.

4

O cidadão italiano é acusado de não ter comunicado à referida autoridade, no prazo de 24 horas, a identificação da cidadã britânica em causa, obrigação imposta pela legislação italiana a «quem, seja a que título, aloje ou hospede um cidadão estrangeiro ou um apátrida… ou, por qualquer motivo que seja, o tome ao seu serviço» e cujo incumprimento sujeita o infractor a uma multa até 240000 LIT e a uma pena de prisão até seis meses.

5

As questões colocadas desunam-se, essencialmente, a saber se tal legislação é contrária às disposições do artigo 7.o e dos artigos 48.o a 66.o do Tratado, na medida em que estabelecem uma discriminação em razão da nacionalidade e uma restrição à livre circulação das pessoas no interior da Comunidade.

6

Por outro lado, pergunta-se se as normas comunitárias atrás referidas constituem princípios fundamentais que atribuem direitos aos particulares e prevalecem sobre as normas nacionais contrárias.

7

1.

Estas questões devem ser analisadas no seu conjunto.

8

O órgão jurisdicional nacional, sem indicar a razão da permanência em Itália da acusada no processo principal e sem qualificar a sua situação à luz das normas do direito comunitário que lhe poderiam ser aplicáveis, teve em consideração sem fazer qualquer distinção os três primeiros capítulos do título III da segunda parte do Tratado, capítulos relativos, respectivamente, aos trabalhadores, ao direito de estabelecimento e aos serviços.

9

No entanto, do confronto entre estas disposições, na medida em que podem ser aplicadas a casos como o que está em análise, resulta que elas assentam nos mesmos princípios, quer no que respeita à entrada e à permanência no território dos Estados-membros das pessoas a quem o direito comunitário se aplica, quer no que respeita à proibição de qualquer discriminação contra elas exercida em razão da nacionalidade.

10

Compete ao órgão jurisdicional nacional decidir, se for esse o caso, a que título a acusada no processo principal beneficia do disposto num ou noutro dos capítulos atrás citados.

11

2.

Nos termos do artigo 48.o, a livre circulação dos trabalhadores é assegurada no interior da Comunidade.

Segundo o n.o 3 do mesmo artigo, compreende o direito de acesso ao território dos Estados-membros, de nele se deslocar livremente, de nele residir, a fim de exercer uma actividade laboral, e de nele permanecer finda esta actividade.

Nos termos dos artigos 52.o e 59.o, as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços no interior da Comunidade deverão ser gradualmente suprimidas, devendo esta supressão estar concluída no fim do período de transição.

12

Estas disposições, que se traduzem na proibição dos Estados-membros oporem restrições à entrada no seu território dos nacionais dos outros Estados-membros, têm por efeito atribuir direitos directamente a qualquer pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal dos citados preceitos, tal como foram posteriormente fixados em determinadas disposições adoptadas pelo Conselho em aplicação do Tratado.

13

Desta forma, o artigo 1.o do Regulamento (CEE) n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), determina que qualquer nacional de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, tem «o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado-membro».

14

O artigo 4.o da Directiva 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (loc. cit., p. 13; EE 05 F1 p. 88), determina que os Estados-membros reconhecem «o direito de permanência no seu território» às pessoas aí referidas, acrescentando que este direito é «confirmado» pela emissão de um título especial de residência.

15

Por seu lado, a Directiva 73/148/CEE, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestações de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132), constata, no preâmbulo, que a liberdade de estabelecimento só pode ser completamente realizada «se for reconhecido um direito de residência permanente às pessoas que dele podem beneficiar» e que a livre prestação de serviços implica que seja garantido ao prestador e ao destinatário dos serviços «o direito de permanência durante o período da prestação».

16

As disposições do Tratado e do direito comunitário derivado que acabam de ser citadas põem em prática um princípio fundamental, consagrado na alínea c) do artigo 3.o do Tratado, onde se determina que, para os fins enunciados no artigo 2.o, a acção da Comunidade implica a abolição entre os Estados-membros dos obstáculos à livre circulação das pessoas e dos serviços.

Estes artigos prevalecem sobre quaisquer normas nacionais contrárias.

17

O direito comunitário, ao instituir a livre circulação das pessoas e ao atribuir a qualquer pessoa abrangida pelo seu campo de aplicação o direito de acesso ao território dos Estados-membros, para os fins pretendidos pelo Tratado, não retirou competência aos Estados-membros no que respeita às medidas destinadas a assegurar o conhecimento exacto pelas autoridades nacionais dos movimentos de população que afectam o seu território.

18

Nos termos do n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 68/360/CEE e do n.o 2 do artigo 4.o da Directiva 73/148/CEE, as autoridades competentes dos Estados-membros podem impor aos nacionais dos outros Estados-membros a obrigação de participarem a sua presença às autoridades do Estado em causa.

Tal obrigação não pode ser considerada como constituindo uma violação das normas relativas à livre circulação das pessoas.

Contudo, essa violação poderia resultar das formalidades legais em questão, se as modalidades do controlo a que se destinam fossem concebidas de modo a restringir a liberdade de circulação pretendida pelo Tratado, ou a limitar o direito atribuído pelo Tratado aos nacionais dos Estados-membros de entrarem e permanecerem no território de qualquer Estado-membro para os fins queridos pelo direito comunitário.

19

Especialmente no que respeita ao prazo para efectuar a declaração de chegada dos estrangeiros, as disposições do Tratado só seriam violadas caso esse prazo não fosse fixado dentro de limites razoáveis.

20

De entre as sanções cominadas para o incumprimento das formalidades de declaração e de registo impostas, a expulsão das pessoas protegidas pelo direito comunitário seria certamente incompatível com as disposições do Tratado, dado que tal medida constitui a negação do próprio direito atribuído e garantido pelo Tratado, como o Tribunal já afirmou noutras circunstâncias.

21

Quanto às restantes sanções, tais como a multa e a prisão, se as autoridades nacionais têm a faculdade de sujeitar o desrespeito das disposições relativas à declaração de presença dos estrangeiros a sanções equiparáveis àquelas que se aplicam às infracções nacionais da mesma importância, não se justifica, no entanto, cominar uma sanção de tal forma desproporcionada à gravidade da infracção que se transformaria num entrave à livre circulação das pessoas.

22

Desde que uma regulamentação nacional relativa ao controlo dos estrangeiros não contém restrições à livre circulação das pessoas e ao direito atribuído pelo Tratado às pessoas protegidas pelo direito comunitário de entrarem e permanecerem no território dos Estados-membros, a aplicação de uma tal legislação baseada em elementos objectivos não poderia constituir uma «discriminação exercida em razão da nacionalidade», proibida por força do artigo 7o do Tratado.

23

Quanto à obrigação imposta aos residentes do Estado-membro de acolhimento de comunicarem às autoridades públicas a identidade dos estrangeiros que hospedam, tais disposições, integrando-se essencialmente na ordem interna do Estado, só poderiam ser visadas pelo direito comunitário na medida em que criassem, indirectamente, uma restrição à livre circulação das pessoas.

Consequentemente, as constatações atrás expostas a propósito das obrigações que atingem os nacionais dos outros Estados-membros são igualmente válidas em relação à referida obrigação.

Quanto às despesas

As despesas efectuadas pelos governos britânicos e italiano, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo em relação às partes na causa principal a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram colocadas pelo pretore de Milão, declara:

 

1)

Os artigos 48.o a 66.o do Tratado e os actos da Comunidade adoptados em sua aplicação põem em prática um princípio fundamental do Tratado, atribuem às pessoas a quem dizem respeito direitos individuais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tutelar e prevalecem sobre qualquer norma nacional que disponha em sentido contrário.

 

2)

Uma regulamentação nacional

que impõe aos nacionais dos restantes Estados-membros beneficiários das disposições dos artigos 48.o a 66.o do Tratado CEE a obrigação de se apresentarem às autoridades deste Estado e

que obriga os residentes que hospedam tais nacionais a comunicarem a identidade destes últimos às referidas autoridades

é, em princípio, compatível com estes preceitos, desde que se entenda que, por um lado, os prazos durante os quais é necessário cumprir as referidas obrigações devem ser fixados dentro de limites razoáveis e, por outro, que as sanções cominadas para o incumprimento destas obrigações não devem ser desproporcionados à gravidade desta e não podem incluir a expulsão.

 

3)

Quando não implique restrições à livre circulação das pessoas, tal regulamentação não constitui uma discriminação proibida pelo artigo 7.o do Tratado.

 

Lecourt

Kutscher

O'Keeffe

Mertens de Wilmars

Pescatore

Sørensen

Mackenzie Stuart

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Julho de 1976.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Lingua do processo: italiano.

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