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Document 61973CJ0127(01)

Acórdão do Tribunal de 27 (21) de Março de 1974.
Belgische Radio en Televisie e société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs contra SV SABAM e NV Fonior.
Pedido de decisão prejudicial: Rechtbank van eerste aanleg te Brussel - Bélgica.
BRT-II.
Processo 127-73.

Edição especial inglesa 1974 00165

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1974:25

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

21 de Março de 1974 ( *1 )

No processo 127/73,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunal de première instance de Bruxelles, destinado a obter, nos processos pendentes neste órgão jurisdicional entre

1.

Belgische Radio en Televisie

e

NV Fonior

2

Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs

e

NV Fonior

3

Belgische Radio en Televisie

e

SV SABAM e NV Fonior,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 86.o e 90.o, n.o 2, do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner e M. Sørensen, presidentes de secção, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore, H. Kutscher, C. O'Dálaigh e Mackenzie Stuart, juízes,

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 4 de Abril de 1973, entrada na Secretaria do Tribunal em 19 de Abril de 1973, o tribunal de première instance de Bruxelles apresentou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, diversas questões relativas à interpretação dos artigos 80.o e 90.o, n.o 2, do referido Tratado.

2

A resposta a estas questões deve permitir ao juiz nacional apreciar a validade dos contratos celebrados em 1963 e 1967 entre a SABAM e dois autores, nos termos dos quais estes cederam à SABAM alguns dos seus direitos.

3

Com a primeira questão pretende-se saber se uma empresa que detém, num Estado-membro, o monopólio de facto da gestão de direitos de autor explora a sua posição dominante de uma forma abusiva, ao exigir a cessão global de todos os direitos de autor sem fazer distinção entre determinadas categorias.

4

Com a segunda questão pretende-se saber se é susceptível de constituir um abuso o facto de uma empresa estipular a cessão, pelo autor, dos seus direitos actuais e futuros e de, sem que seja necessária qualquer justificação, a exploração dos direitos cedidos continue reservada a essa empresa durante cinco anos depois da saída do associado.

5

Resulta da decisão de reenvio que o juiz nacional, tendo verificado que a empresa em questão detinha efectivamente um quase monopólio no território belga, ocupando assim uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum, considerou ser necessário decidir se essa empresa explorava abusivamente a sua posição dominante, em consequência das relações estatutárias e contratuais com os seus aderentes.

6

Nos termos do artigo 86.o, n.o 2, alínea a), do Tratado, deve considerar-se como prática abusiva, nomeadamente, o facto de impor, de forma directa ou indirecta, condições de transacção não equitativas.

7

É assim conveniente procurar saber se a sociedade de direitos de autor, nos termos dos seus estatutos ou dos contratos que celebra com os seus aderentes, impõe a estes ou a terceiros, directa ou indirectamente, condições não equitativas de exploração das obras cuja protecção lhe foi confiada.

8

Tal apreciação exige que sejam considerados todos os interesses em presença, dentro do equilíbrio a assegurar entre a máxima liberdade dos autores, compositores e editores para disporem da sua obra e a gestão eficaz dos seus direitos por uma empresa a que não podem praticamente deixar de aderir.

9

Para decidir, neste contexto, se as práticas mencionadas na decisão de reenvio constituem ou não um abuso, na acepção do artigo 86.o do Tratado, é todavia necessário ter em conta o facto de uma empresa como a que está causa ser uma associação com o fim de proteger os direitos e interesses dos seus membros individuais, nomeadamente em relação a importantes utilizadores e distribuidores de música, tais como os organismos de radiodifusão e os produtores de discos.

10

A protecção eficaz dos seus direitos e interesses pressupõe que a associação goze de uma posição baseada na cessão a seu favor, pelos autores associados, dos seus direitos, na medida necessária para dar à sua acção a amplitude e a importância exigidas.

11

É assim conveniente analisar se as práticas controvertidas ultrapassam os limites do indispensável à prossecução deste objectivo, tendo igualmente em consideração o interesse que um autor individual pode ter em não ver a liberdade de dispor da sua obra mais limitada do que o necessário.

12

À este respeito, a cessão obrigatória de todos os direitos de autor, actuais e futuros, sem distinção entre as diferentes formas de utilização geralmente reconhecidas, pode revelar-se uma transacção não equitativa, sobretudo se essa cessão é exigida por um período prolongado, após a saída do associado.

13

O carácter excessivo de tais obrigações deve ser apreciado pelo juiz, tendo em consideração o efeito produzido por estas cláusulas, tanto devido à sua natureza intrínseca como à sua interacção.

14

Incumbe igualmente ao juiz apreciar se, e em que medida, as práticas abusivas eventualmente verificadas se repercutem nos interesses dos autores ou de terceiros, a fim de tirar as consequências daí resultantes quanto à validade e efeitos dos contratos em litígio ou de certas cláusulas dos mesmos.

15

Há assim que concluir que o facto de uma empresa encarregada da exploração de direitos de autor, que ocupa uma posição dominante na acepção do artigo 86.o, impor aos seus membros obrigações não indispensáveis à realização do seu objecto social e limitar assim, de forma não equitativa, a liberdade de um membro exercer o seu direito de autor pode constituir uma exploração abusiva.

16

Com a terceira questão pretende-se que seja interpretada a expressão «empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral» e esclarecido, em particular, se esta noção implica que a empresa deva beneficiar de determinados privilégios que são recusados a outras empresas.

17

Com a última questão pretende-se saber se as disposições do artigo 90o, n.o 2, do Tratado, originam, em benefício dos particulares, direitos que o juiz nacional deve proteger.

18

Resulta da decisão de reenvio que a terceira questão é apresentada com o objectivo de saber se uma sociedade encarregada pelos seus membros da gestão dos seus direitos de autor pode ser abrangida pela referida expressão.

19

Tratando-se de uma disposição que permite, em determinadas circunstâncias, uma derrogação às normas do Tratado, a definição das empresas que a podem invocar deve ser interpretada de forma estrita.

20

Embora essa expressão possa abranger empresas privadas, estas devem contudo ser encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral por um acto da autoridade pública.

21

Isso resulta claramente do facto de a referência à «missão particular que lhes foi confiada» abranger igualmente empresas com carácter de monopólio fiscal.

22

Cabe assim ao juiz nacional esclarecer se uma empresa que invoca a seu favor as disposições do artigo 90.o, n.o 2, para beneficiar de uma derrogação às normas do Tratado foi efectivamente encarregada por um Estado-membro da gestão de um serviço de interesse económico geral.

23

Esse não pode ser o caso de uma empresa que o Estado não encarregou de qualquer missão e que explore interesses privados, mesmo que se trate de direitos da propriedade intelectual protegidos pela lei.

24

Consequentemente, não há que dar resposta à última questão.

Quanto às despesas

25

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias e pelo Governo da República Federal da Alemanha, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da Comissão das Comunidades Europeias, do Governo da República Federal da Alemanha, da Belgische Radio en Televisie e da SABAM,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os artigos 86.o, 90.o, n.o 2, e 177.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, nomeadamente o seu artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões apresentadas pelo tribunal de première instance de Bruxelles, por decisão de 4 de Abril de 1973, declara:

 

1)

a)

O facto de uma empresa encarregada da exploração de direitos de autor, que ocupa uma posição dominante na acepção do artigo 86.o, impor aos seus membros obrigações não indispensáveis à realização do seu objecto social e de limitar assim, de forma não equitativa, a liberdade de um membro exercer o seu direito de autor pode constituir uma exploração abusiva

b)

Cabe ao juiz apreciar se, e em que medida, as praticas abusivas eventualmente verificadas se repercutem nos interesses dos autores ou de terceiros, com o objectivo de deduzir as consequências daí resultantes quanto à validade e efeitos dos contratos em litígio ou de certas cláusulas dos mesmos.

 

2)

Uma empresa que o Estado não encarregou de qualquer missão e que explore interesses privados, mesmo que se trate de direitos de propriedade intelectual protegidos pela lei, não é abrangida pelo disposto no artigo 90.o, n.o 2, do Tratado CEE.

 

Lecourt

Donner

Sørensen

Monaco

Mertens de Wilmars

Pescatore

Kutscher

O'Dálaigh

Mackenzie Stuart

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Março de 1974.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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