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Document 61972CJ0021

Acórdão do Tribunal de 12 de Dezembro de 1972.
International Fruit Company NV e outros contra Produktschap voor Groenten en Fruit.
Pedidos de decisão prejudicial: College van Beroep voor het Bedrijfsleven - Países Baixos.
Processos apensos 21 a 24-72.

Edição especial inglesa 1972 00407

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1972:115

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Dezembro de 1972 ( *1 )

Nos processos apensos 21/72 a 24/72,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven, de Haia, destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

International Fruit Company NV, Roterdão (processo 21/72),

Kooy Rotterdam NV, Roterdão (processo 22/72),

Velleman en Tas NV, Roterdão (processo 23/72),

Jan van den Brink's Im- en Exporthandel NV, Roterdão (processo 24/72),

e

Produktschap voor Groeten en Fruit, Haia,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do referido artigo 177.o e, se for caso disso, sobre a compatibilidade de determinados regulamentos da Comissão com o artigo XI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, A. Trabucchi, J. Mertens de Wilmars e H. Kutscher, juízes,

advogado-geral: H. Mayras

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 5 de Maio de 1972, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de Maio de 1972, o College van Beroep voor het Bedrijfsleven submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões relativas à interpretação deste artigo e à validade de determinados regulamentos adoptados pela Comissão.

2

Através da primeira questão, solicita-se ao Tribunal de Justiça que declare se a validade dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade se refere também, na acepção do artigo 177.o do Tratado CEE, à sua validade face ao direito internacional.

3

A segunda questão, suscitada para o caso de a resposta à primeira questão ser afirmativa, visa saber se os Regulamentos (CEE) n.os 459/70, 565/70 e 686/70 da Comissão — que prevêem, a título de medidas de protecção, restrições à importação de maçãs provenientes de países terceiros — «são inválidos por serem contrários ao artigo XI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT)» (a seguir «Acordo Geral»).

4

Nos termos do artigo 177.o, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, «o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial… sobre a validade… dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade».

5

A competência do Tribunal de Justiça assim definida não comporta qualquer limite quanto às causas com base nas quais a validade dos actos pode ser impugnada.

6

Uma vez que essa competência é extensiva à totalidade dos fundamentos de invalidade susceptíveis de viciar esses actos, o Tribunal de Justiça é obrigado a apreciar se a sua validade pode ser afectada pelo facto de estarem em contradição com uma norma de direito internacional.

7

Para que a incompatibilidade de um acto comunitário com uma disposição de direito internacional possa afectar a validade deste acto, a Comunidade deve, antes de mais, estar vinculada por esta disposição.

8

No caso de a invalidade ser invocada perante um órgão jurisdicional nacional, é além disso necessário que a disposição seja susceptível de criar para os particulares da Comunidade o direito de a invocar em juízo.

9

Há pois que examinar se estas duas condições estão preenchidas no que se refere ao Acordo Geral.

10

É facto assente que, na altura em que celebraram o Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, os Estados-membros estavam vinculados pelas obrigações do Acordo Geral.

11

Os Estados-membros não puderam, como efeito de um acto celebrado entre eles, desvincular-se das obrigações existentes para com países terceiros.

12

Pelo contrário, a sua vontade de respeitar as obrigações do Acordo Geral resulta tanto das próprias disposições do Tratado CEE como das declarações feitas pelos Estados-membros aquando da apresentação do Tratado às partes contratantes do Acordo Geral, em conformidade com a obrigação prevista no artigo XXIV deste.

13

Tal intenção foi manifestada, nomeadamente, no artigo 110.o do Tratado CEE, que contém uma adesão da Comunidade aos objectivos prosseguidos pelo Acordo Geral, assim como no artigo 234.o, primeiro parágrafo, que dispõe que os direitos e obrigações decorrentes de convenções celebradas antes da entrada em vigor do Tratado, e nomeadamente de convenções multilaterais concluídas com a participação dos Estados-membros, não são prejudicados pelas disposições do Tratado.

14

A Comunidade assumiu — gradualmente durante o período de transição e na totalidade no termo deste, por força dos artigos 111.o e 113.o do Tratado — as funções inerentes à política pautal e comercial.

15

Ao conferir estas competências à Comunidade, os Estados-membros manifestavam a sua vontade de a vincular às obrigações contraídas por força do Acordo Geral.

16

Desde a entrada em vigor do Tratado CEE e, mais especificamente, a partir do estabelecimento da pauta externa comum, a transferência de competências, que ocorreu nas relações entre os Estados-membros e a Comunidade, foi concretizada de diversas formas no âmbito do Acordo Geral e reconhecida pelas outras partes contratantes.

17

Nomeadamente, desde essa altura, a Comunidade, agindo por intermédio das suas próprias instituições, passou a apresentar-se como parceiro nas negociações pautais e com parte nos acordos de qualquer natureza celebrados no âmbito do Acordo Geral, em conformidade com o previsto no artigo 114o do Tratado CEE, que dispõe que os acordos pautais e comerciais «serão concluídos em nome da Comunidade».

18

Verifica-se, portanto, que sempre que, por força do Tratado CEE, a Comunidade assumiu competências anteriormente exercidas pelos Estados-membros no âmbito da aplicação do Acordo Geral, as disposições deste acordo têm como efeito vincular a Comunidade.

19

Além disso, há que apreciar se as disposições do Acordo Geral criam para os particulares da Comunidade o direito de as invocar em juízo, com vista a impugnar a validade de um acto comunitário.

20

Para o fazer, deve ter-se em vista simultaneamente o espírito, a economia e os termos do Acordo Geral.

21

Esse acordo, baseado, nos termos do seu preâmbulo, no princípio das negociações empreendidas «numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas», é caracterizado pela grande maleabilidade das suas disposições, nomeadamente das que se referem às possibilidades de derrogação, às medidas que podem ser tomadas perante dificuldades excepcionais e à resolução dos diferendos entre as partes contratantes.

22

Assim, nos termos do seu artigo XXII, n.o 1, «cada uma das partes contratantes examinará com compreensão as exposições que lhe possam ser dirigidas por qualquer outra parte contratante e deverá estar disponível para consultas sobre o assunto dessas exposições, quando estas incidam sobre uma questão respeitante à aplicação do presente acordo».

23

Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, «as partes contratantes» — designando essa expressão «as partes contratantes agindo colectivamente», tal como vem precisado no artigo XXV, n.o 1 — «poderão efectuar consultas com uma ou várias partes contratantes sobre uma questão relativamente à qual não tenha sido podido encontrar uma solução satisfatória através das consultas previstas no n.o 1».

24

No caso de uma parte contratante considerar «que uma vantagem que. para ela resulta directa ou indirectamente do presente acordo está anulada ou comprometida, ou que a realização de um dos objectivos do acordo está comprometido pelo facto», nomeadamente, «de uma outra parte contratante não cumprir as obrigações que contraiu nos termos do presente acordo», o artigo XXIII regula de forma detalhada as medidas que as partes interessadas, ou as partes contratantes agindo colectivamente, podem ou devem tomar perante tal situação.

25

Para resolução dos diferendos, essas medidas englobam, conforme o caso, exposições ou propostas escritas a «examinar com compreensão», inquéritos eventualmente seguidos de recomendações, consultas ou decisões das partes contratantes, incluindo a de autorizar determinadas partes contratantes a suspender, em relação a outras, a aplicação de qualquer concessão ou de outra obrigação que resulte do Acordo Geral e, finalmente, no caso de uma tal suspensão, a faculdade de a parte em causa denunciar este acordo.

26

Finalmente, no caso de, em virtude de um compromisso assumido por força do Acordo Geral ou de uma concessão relativa a uma preferência, determinados produtores sofrerem ou correrem o risco de sofrer um prejuízo grave, o artigo XIX prevê a faculdade de uma parte contratante suspender unilateralmente a obrigação assim como retirar ou alterar a concessão, quer após consulta do conjunto das partes contratantes e, na falta de acordo, das partes contratantes interessadas, quer mesmo, se houver urgência e a título provisório, sem consulta prévia.

27

Estes elementos bastam para mostrar que, colocado em tal contexto, o artigo XI do Acordo Geral não é susceptível de criar, para os particulares da Comunidade, o direito de o invocar em juízo.

28

Portanto, a validade dos Regulamentos n. os 459/70, 565/70 e 686/70 da Comissão não pode ser afectada pelo artigo XI do Acordo Geral.

Quanto às despesas

29

As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes da causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações das recorrentes na causa principal e da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os seus artigos 110.o, 113o, 177o e 234.o,

visto o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, nomeadamente os seus artigos XI, XIX, XXII, XXIII e XXV,

visto o Regulamento (CEE) n.o 459/70 da Comissão, de 11 de Março de 1970 (JO L 57, p. 20),

visto o Regulamento (CEE) n.o 565/70 da Comissão, de 25 de Março de 1970 (JO L 69, p. 33),

visto o Regulamento (CEE) n.o 686/70 da Comissão, de 15 de Abril de 1970 (JO L 84. p . 21).

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente o seu artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven, de 5 de Maio de 1972, declara:

 

1)

A validade, na acepção do artigo 177.o do Tratado CEE, dos actos adoptados pelas instituições pode ser apreciada face a uma disposição do direito internacional, quando esta disposição vincule a Comunidade e seja susceptível de criar para os seus particulares o direito de a invocarem em juízo.

 

2)

Uma vez que o artigo XI do Acordo Geral não produz tal efeito, a validade dos Regulamentos (CEE) n.os 459/70, 565/70 e 686/70 da Comissão (JO L 57, p. 20; JO L 69, p. 33; JO L 84, p. 21) não poderá ser afectada por esta disposição.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Trabucchi

Mertens de Wilmars

Kutscher

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 1972.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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