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Document 61970CJ0009

Acórdão do Tribunal de 6 de Outubro de 1970.
Franz Grad contra Finanzamt Traunstein.
Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht München - Alemanha.
Processo 9-70.

Edição especial inglesa 1969-1970 00509

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1970:78

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6 de Outubro de 1970 ( *1 )

No processo 9/70,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Finanzgericht München, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Franz Grad, Linz-Urfahr, Áustria,

e

Finanzamt Traunstein,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 4.o da Decisão 65/271/CEE do Conselho, de 13 de Maio de 1965, e do artigo 1.o da Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, bem como, subsidiariamente, dos artigos 5.o, 74.o, 80.o, 92.o e 93.o do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, A. Trabucchi, W. Strauß e J. Mertens de Wilmars, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por decisão de 23 de Fevereiro de 1970, entrada no Tribunal de Justiça em 16 de Março de 1970, o Finanzgericht München apresentou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, diversas questões destinadas a obter a interpretação do artigo 4.o, da decisão do Conselho de 13 de Maio de 1965, relativa à harmonização de certas disposições com incidência na concorrência no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1965, p. 1500), e do artigo 1.o da Primeira directiva do Conselho de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, p. 1301).

Subsidiariamente, em caso de resposta negativa a estas questões, o Finanzgericht formulou outras questões destinadas a obter a interpretação, designadamente dos artigos 80.o e 92.o do Tratado CEE.

Quanto à primeira questão

2

Através da primeira questão, o referido órgão jurisdicional pede ao Tribunal que declare se as disposições do artigo 4.o, segundo parágrafo da Decisão, conjugada com o artigo 1.o da directiva, produzem efeitos directos nas relações jurídicas entre Estados-membros e particulares, de modo a constituir, na esfera jurídica destes, direitos subjectivos individuais que aos órgãos jurisdicionais incumbe proteger.

3

Refere-se esta questão ao efeito combinado das disposições contidas respectivamente numa decisão e numa directiva.

Nos termos do artigo 189 o do Tratado CEE, a decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

Nos termos do mesmo artigo a directiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

4

Nas suas observações, o Governo federal sustentou a opinião de que, ao distinguir entre os efeitos dos regulamentos, por um lado, e os das decisões e directivas, por outro, o artigo 189.o teria excluído a possibilidade de as decisões e directivas acarretarem os efeitos visados na questão formulada, ficando tais efeitos reservados aos regulamentos.

5

Contudo, se resulta das disposições do artigo 189 o, que os regulamentos são directamente aplicáveis e, consequentemente, por natureza susceptíveis de produzir efeitos directos, isso não implica que as outras categorias de actos referidos por aquele artigo não possam nunca produzir efeitos análogos.

Designadamente, a disposição segundo a qual as decisões são obrigatórias em todos os seus elementos para os destinatários permite suscitar a questão de saber se a obrigação que decorre da decisão pode apenas ser invocada pelas instituições comunitárias contra aqueles destinatários ou poderá eventualmente sê-lo por qualquer pessoa interessada no cumprimento daquela obrigação.

Seria incompatível com o efeito vinculativo que o artigo 189 o reconhece à decisão, negar por princípio que a obrigação que ele impõe possa ser invocada pelas pessoas a quem diz respeito.

Especialmente nos casos em que as autoridades comunitárias, por meio de uma decisão, tivessem obrigado um Estado-membro ou todos os Estados-membros a adoptar um determinado comportamento, o efeito útil de um tal acto seria grandemente atenuado se os particulares desse Estado se vissem impedidos de dele se valerem em juízo e os órgãos jurisdicionais nacionais impedidos de o tomar em consideração como elemento do direito comunitário.

Se bem que os efeitos de uma decisão possam não ser idênticos aos de uma disposição regulamentar, esta diferença não implica que eventualmente o resultado final, traduzido no direito de os particulares dela se valerem em juízo, não possa ser o mesmo de uma disposição regulamentar directamente aplicável.

6

Aliás, o artigo 177.o que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a validade e interpretação de todos os actos das instituições, sem distinção, implica que tais actos são susceptíveis de ser invocados pelos particulares perante os referidos órgãos.

Torna-se, portanto, necessário verificar em cada caso, se a natureza, a economia e os termos da disposição em causa são susceptíveis de produzir efeitos directos nas relações entre o destinatário do acto e terceiros.

7

A decisão do Conselho de 13 de Maio de 1965, dirigida a todos os Estados-membros, encontra-se fundamentada, designadamente, no artigo 75.o do Tratado que habilita o Conselho a estabelecer, com vista à execução de uma politica comum dos transportes, «regras comuns», «condições em que os transportadores não residentes podem efectuar serviços de transporte num Estado-membro» e «quaisquer outras disposições adequadas».

O Conselho goza, assim, da maior liberdade quanto à escolha das medidas que institui.

A decisão em causa, no seu conjunto, determina os objectivos a atingir no âmbito de uma política de harmonização das disposições nacionais, bem como o ritmo a observar na sua realização.

Em vista desses objectivos, o artigo 4.o da decisão prevê no seu primeiro parágrafo que, logo que um sistema comum de imposto sobre o volume de negócios seja adoptado pelo Conselho e tenha entrado em vigor nos Estados-membros, estes aplicarão esse sistema segundo modalidades a determinar, aos transportes de mercadorias ferroviários, rodoviários e por via navegável.

O segundo parágrafo do citado artigo dispõe que, logo que o sistema comum de imposto sobre o volume de negócios tenha entrado em vigor, esse sistema substituirá os regimes de impostos específicos que tenham a natureza de imposto sobre o volume de negócios, na medida em que os transportes de mercadorias ferroviários, rodoviários e por via navegável estejam submetidos a esses regimes.

8

Esta disposição, impõe portanto aos Estados-membros duas obrigações, em primeiro lugar, a de aplicar, dentro dum prazo a determinar, o sistema comum de imposto sobre o volume de negócios aos transportes de mercadorias ferroviários, rodoviários e por via navegável, e, em segundo lugar, a de substituir por este sistema, dentro dum prazo a determinar a partir da sua entrada em vigor, os regimes de impostos específicos referidos no seu segundo parágrafo.

Esta segunda obrigação acarreta, evidentemente, a proibição de instituir ou reintroduzir tais regimes, com o objectivo de evitar que o sistema comum de imposto sobre o volume de negócios se cumule, no sector dos transportes, com regimes de tributação análogos e suplementares.

9

Da análise do processo enviado a este Tribunal pelo Finanzgericht verifica-se que o pedido se refere particularmente à segunda obrigação.

Esta obrigação é, na sua essência, geral e imperativa, embora a disposição deixe em suspenso a determinação do momento a partir do qual se tornará efectiva.

Assim, ela proíbe formalmente aos Estados-membros cumular o sistema comum de imposto sobre o volume de negócios com regimes de impostos específicos que desempenham a função de imposto sobre o volume de negócios.

Esta obrigação é assim incondicional e suficientemente clara e precisa para se poder considerar como susceptível de produzir efeitos directos nas relações entre os Estados-membros e os particulares.

10

O momento a partir do qual esta obrigação produz os seus efeitos foi determinado pelas directivas do Conselho em matéria de harmonização das legislações relativas ao imposto sobre o volume de negócios, que estabeleceram a data limite antes da qual os Estados deviam introduzir nas suas legislações o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado.

Por outro lado, o facto de esta data ter sido fixada por uma directiva, não retira nada ao efeito pleno daquela disposição.

A obrigação enunciada no artigo 4.o, segundo parágrafo da decisão de 13 de Maio de 1965, tornou-se, deste modo, perfeita na sequência da Primeira directiva.

Desde logo, aquela disposição impõe aos Estados-membros algumas obrigações - designadamente a de não cumular, a partir de uma certa data, o sistema comum com os regimes específicos de tributação referidos - susceptíveis de produzir efeitos directos nas relações entre os Estados-membros e os particulares e de criar para estes o direito de a invocarem em juízo.

Quanto à segunda questão

11

Com a segunda questão, o Finanzgericht pede ao Tribunal que declare se as disposições conjugadas do artigo 4.o da decisão e do artigo 1.o da Directiva proibiam, já antes do dia 1 de Janeiro de 1970, a qualquer Estado-membro que tivesse já posto em vigor o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado e abolido os impostos específicos sobre os transportes de mercadorias, reintroduzir impostos específicos sobre transportes de mercadorias que tenham a natureza de imposto sobre o volume de negócios.

Esta questão refere-se, com toda a evidência, às disposições do artigo 1.o da Primeira directiva com a redacção que lhes foi dada pela Terceira directiva do Conselho, de 9 de Dezembro de 1969, sobre a mesma matéria (JO L 320, p. 34), que substituiu a data de 1 de Janeiro de 1970 pela de 1 de Janeiro de 1972.

12

É verdade que uma interpretação literal do artigo 4.o, segundo parágrafo, da decisão poderia levar a considerar que aquela disposição teria em vista o momento em que o Estado-membro em causa tivesse posto em vigor, no seu território, o sistema comum.

13

No entanto uma tal interpretação não se apresentaria em conformidade com o objectivo das directivas em causa.

Com efeito o objectivo prosseguido por aquelas directivas é o de assegurar que a partir de uma data determinada, o sistema do imposto sobre o valor acrescentado, seja aplicado no conjunto do mercado comum.

Antes do termo deste prazo, os Estados-membros conservam nesta matéria a sua liberdade de acção.

14

Por outro lado o objectivo da decisão de 13 de Maio de 1965 só pode ser realizado à escala da Comunidade e não poderá consistir em simples medidas de harmonização adoptadas individualmente pelos Estados-membros em datas diferentes e com ritmos diferentes.

15

Cabe portanto responder à questão formulada no sentido de que a proibição que decorre do artigo 4.o, segundo parágrafo, da decisão, só poderia produzir efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 1972.

Quanto à terceira questão

16

Com a sua terceira questão, o Finanzgericht pede ao Tribunal que se pronuncie quanto ao aspecto de saber se o imposto federal sobre os transportes rodoviários de mercadorias (Straßengüterverkehrsteuer) deve ser considerado como um imposto específico aplicado aos transportes de mercadorias com a natureza de impostos sobre o volume de negócios, estando nesse caso abrangido pela proibição do artigo 4.o, segundo parágrafo da decisão de 13 de Maio de 1965.

17

Não compete a este Tribunal, no âmbito do presente processo, apreciar, face ao direito comunitário, as características de um imposto introduzido por um dos Estados-membros.

Este Tribunal é todavia competente para interpretar a disposição comunitária em causa a fim de permitir que o órgão jurisdicional nacional esteja em posição de a aplicar correctamente ao imposto em causa.

18

O artigo 4.o prevê a supressão de «impostos específicos» com o objectivo de assegurar um sistema comum e coerente de tributação sobre o volume de negócios.

Ao favorecer deste modo a transparência do mercado dos transportes esta disposição contribui para a aproximação das condições de concorrência e deve ser considerada como uma importante medida de harmonização das legislações fiscais dos Estados-membros em matéria de transportes.

Este objectivo não impede que o sector dos transportes seja atingido por outros impostos, com diferente natureza e prosseguindo fins diferentes dos prosseguidos pelo sistema comum de imposto sobre o volume de negócios.

19

Ora, um imposto que, como aquele cujas características foram indicadas pelo Finanzgericht, atinge não as transacções comerciais, mas uma actividade de natureza particular, sem aliás distinguir entre actividade por conta própria e actividade por conta de outrem, e cuja base é constituída não pela remuneração de uma prestação, mas pela carga física, expressa em toneladas/quilómetros, que devido à actividade tributada as estradas suportam, não corresponde ao tipo habitual de imposto sobre o volume de negócios.

Além disso, a circunstância de ter por objectivo uma reorientação de actividades no sector dos transportes é igualmente susceptível de o distinguir dos impostos específicos a que se refere o artigo 4.o, segundo parágrafo.

Deve portanto responder-se neste sentido à questão formulada.

Quanto às questões 4 a 11

20

Uma vez que o Finanzgericht München suscitou estas questões a título subsidiário apenas para o caso de as três primeiras questões receberem uma resposta negativa, e não sendo esse o caso, designadamente no que se refere à primeira questão, não há necessidade de lhes responder.

Quanto às despesas

21

As despesas efectuadas pelo Governo alemão, e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

visto os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações do demandante no processo principal, do Governo alemão e da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e designadamente os seus artigos 75.o, 177.o e 189.o,

vista a da decisão do Conselho de 13 de Maio de 1965 e designadamente o seu artigo 4.o,

vistas as directivas do Conselho de 11 de Abril de 1967 e de 9 de Dezembro de 1969 em matéria de harmonização das legislações dos Estados-membros relativa aos impostos sobre o volume de negócios,

visto o Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia e designadamente o seu artigo 20.o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Finanzgericht München, por decisão de 23 de Fevereiro de 1970, declara:

 

1)

Ao impor aos Estados-membros a obrigação de não cumular o sistema comum de imposto sobre o volume de negócios com regimes de impostos específicos que tenham a natureza de imposto sobre o volume de negócios, o artigo 4.o, segundo parágrafo, da decisão do Conselho de 13 de Maio de 1965, conjugado com as disposições das directivas do Conselho de 11 de Abril de 1967 e de 9 de Dezembro de 1969, é susceptível de produzir efeitos directos nas relações entre os Estados-membros, destinatários da decisão, e os cidadãos desses Estados e de criar para estes o direito de a invocarem em juízo.

 

2)

A proibição de cumular o referido sistema comum com os regimes de impostos específicos produz os seus efeitos na data fixada pela Terceira directiva do Conselho de 9 de Dezembro de 1969, a saber, o dia 1 de Janeiro de 1972.

 

3)

Um imposto, como aquele cujas características o Finanzgericht indicou, que atinge não as transacções comerciais, mas o simples facto do transporte rodoviário e cuja base é constituída não pela remuneração de uma prestação, mas pela carga física expressa em toneladas/quilómetros, que devido à actividade tributada as estradas suportam, não corresponde ao tipo habitual de um imposto sobre o volume de negócios, tal como ele é entendido pelo artigo 4.o, segundo parágrafo, da decisão de 13 de Maio de 1965.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Trabucchi

Strauß

Mertens de Wilmars

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Outubro de 1970.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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