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Document 61969CC0047

    Conclusões do advogado-geral Roemer apresentadas em 21 de Abril de 1970.
    República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Processo 47-69.

    Edição especial inglesa 1969-1970 00391

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1970:30

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    KARL ROEMER

    apresentadas em 21 de Abril de 1970 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    O presente processo, que foi discutido na audiência de 10 de Março último, diz respeito à interpretação das disposições que o Tratado CEE consagra aos auxílios. Eis os factos na origem do litígio.

    Para apoiar as empresas têxteis estabelecidas em França, na luta que travam para vencer as dificuldades que este sector conhece também em numerosos outros países, incluídos os Estados-membros da Comunidade, o Governo francês instituiu um regime de auxílios que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1966. Este regime é destinado a promover a investigação no sector têxtil e encorajar a renovação das suas estruturas industriais e comerciais. O auxílio em questão é financiado com o produto de um imposto cobrado sobre a venda de certas matérias têxteis em França e aplicável tanto aos produtos nacionais como aos importados. O produto do imposto é repartido segundo um plano determinado. As receitas são atribuídas, por um lado, ao Institut Textile de France (ITF) em relação ao qual contribuem para financiar as investigações, por outro, alimentam o orçamento da união profissional chamada Union des Industries Textiles (UIT).

    Neste caso, são afectadas a programas destinados à renovação das estruturas das empresas têxteis (ou, mais precisamente, a reembolsar as empresas de uma parte dos custos improdutivos) e, excepcionalmente, a uma acção de modernização ou de promoção comercial colectiva em sectores limitados. O regime em causa foi instituído por decreto de 24 de Dezembro de 1965, que instituiu o imposto. Uma portaria do mesmo dia tinha fixado inicialmente a taxa deste em 0,20 %. São portarias de 29 de Março e de 21 de Abril de 1966 que fizeram a primeira regulamentação das modalidades de utilização do produto do imposto: afectavam este produto, na proporção de 40 %, para o Institut Textile de France, e de 60 %, para a Union des Industries Textiles.

    Em resposta a uma questão que a Comissão das Comunidades Europeias tinha dirigido ao Governo francês, em 10 de Janeiro de 1966, este informou-a, por carta de 4 de Maio de 1966, dos pormenores desta regulamentação. O regime de auxílios foi, então, objecto de um primeiro exame com os representantes de todos os Estados-membros, no decurso de uma reunião multilateral realizada em 20 de Junho de 1966. Este exame levou a Comissão a iniciar o processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE. Esta informou desse facto o Governo francês, por carta de 30 de Maio de 1967, na qual sublinhava que, ainda que examinado sob o ângulo da sua finalidade, o auxílio em questão fosse compatível com as disposições do Tratado, a Comissão considerava dever formular dúvidas quanto ao modo de financiamento, mais precisamente, quanto ao facto de o imposto se aplicar igualmente aos produtos importados dos outros Estados-membros. A Comissão considerava que este modo de financiamento não era indispensável. Do mesmo modo, considerou existir uma presunção de incompatibilidade com as regras comunitárias e pediu ao Governo francês para suspender a execução das medidas em causa até à tomada de uma decisão definitiva. Tendo a Comissão, na carta que anunciava a abertura do processo de exame, convidado o Governo francês a apresentar as suas observações, este respondeu, por nota de 12 de Julho de 1967. Sustentava que, dado que o auxílio, examinado sob o ângulo da sua finalidade, era considerado compatível com o Tratado, nada autorizava a Comissão a controlar o seu modo de financiamento, tendo em conta, nomeadamente que este não era objecto das disposições fiscais enunciadas dos artigos 12.o e 95.o do Tratado CEE. De acordo com esta posição, em 27 de Abril de 1968, o Governo francês aprovou um decreto que mantinha o regime de auxílios criticado. Por portaria do mesmo dia, elevou mesmo a taxa do imposto para 0,35 % e modificou o plano de distribuição de modo a afectar 2/7 das receitas à investigação e 5/7 ao sindicato francês das indústrias têxteis. Finalmente, como a reunião multilateral de 18 de Junho de 1969 também não conduziu a um acordo entre o Governo francês e a Comissão, esta aprovou, em 18 de Julho de 1969, uma decisão baseada no primeiro parágrafo do n.o 2 e no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Aí reafirmou que, do ponto devista da sua finalidade, o auxílio era compatível com a alínea c) do n.o 3 do artigo 92.o do Tratado, mantendo, simultaneamente, que o seu modo de financiamento, que alargava o campo de aplicação do imposto aos produtos importados dos outros Estados-membros, não era indispensável. Esta modalidade, sustenta a Comissão, tem como efeito desfavorecer as empresas estrangeiras na sua acção concorrencial, o que equivale a uma alteração das condições das trocas, proibida pelo artigo 92.o Deste modo, a decisão dispõe, no fim de contas, que, a contar de 1 de Abril de 1970, a República Francesa não concederá qualquer ajuda ao abrigo do regime estabelecido pelos decretos de 24 de Dezembro de 1965 e de 27 de Abril de 1968, a menos que modifique previamente este regime por forma que o imposto deixe de incidir sobre os produtos importados dos outros Estados-membros.

    Esta decisão foi notificada ao Governo francês no próprio dia em que foi tomada, através de carta que chegou ao seu conhecimento em 22 de Julho de 1969. Não estando disposto a aceitar os termos desta decisão, o Governo francês recorreu ao artigo 173 o do Tratado CEE e interpôs o presente recurso, mediante requerimento de 26 de Setembro de 1969.

    Teremos, assim, que examinar se se deve reconhecer o fundamento do pedido de anulação, em apoio do qual o Governo francês considera poder apresentar vários argumentos ou se, pelo contrário, se deve dar razão ao da Comissão e negar provimento ao recurso.

    Discussão jurídica

    1.

    A exposição dos factos que acabámos de esboçar indica claramente qual é o fundamento principal invocado pelo recorrente para atacar a decisão da Comissão. Esta sustenta que o Tratado faz uma distinção clara entre, por um lado, os regimes de auxílios que submete às regras especiais enunciadas nos artigos 92.o a 94.o e, por outro, as imposições do Estado de que afectam as trocas comerciais, os quais são objecto de outras disposições (as dos artigos 12.o e 95.o). O Governo francês desenvolveu, então, o raciocínio seguinte. Os artigos 92.o e 93 o, cuja aplicação está aqui, em jogo, dizem exclusivamente respeito aos auxílios, quer dizer, às vantagens que visam favorecer certas empresas. É apenas quanto aos auxílios que o artigo 93 o reconhece à Comunidade competência para decidir se devem ser suprimidos ou modificados. Ora, no caso concreto, não estando a finalidade dos auxílios concedidos pela República Francesa posta em causa (facto que a própria Comissão admite), é lógico pensar que a Comunidade não tem poder para agir a seu respeito. Por outro lado, não se pode tratar de uma intervenção da Comissão com base nas disposições fiscais do Tratado, já que, estando os produtos nacionais e os importados em pé de igualdade, é impossível afirmar que as condições de aplicação destas disposições estão preenchidas. Mas, se assim é, conclui o Governo francês, se, considerados separadamente, os elementos do regime de auxílios aplicado pela França (concessão de vantagens financeiras, por um lado, percepção de imposições estatais, por outro) se mostram legítimos, nos termos das regras comunitárias, éimpossível que o exame combinado destes elementos leve a fazer declarar que um dos dois é contrário ao Tratado e a fazer intervir o artigo 93 o para exigir a sua modificação (como a Comissão entende fazê-lo no que diz respeito à cobrança da imposição fiscal em causa).

    É inegável que, à primeira vista, esta argumentação do Governo francês seduz por uma impressionante aparência lógica. No entanto, as dúvidas não demoram a surgir. Quando, na verdade, nos encontramos perante uma situação na qual se trata de ajudar um sector económico nacional (mais exactamente, um sector económico estabelecido no território de um Estado-membro) a melhorar as suas estruturas, modernizando-as e racionalizando-as, para lhes permitir melhor resistir à «pressão da concorrência internacional» (segundo os próprios termos da carta de 4 de Maio de 1966, do Governo francês) e quando se verifica que um dos meios utilizados para conseguir reforçar o carácter competitivo desse sector consiste em disposições ditas «imposições para-fiscais» cobradas sobre as importações e cuja origem permite, assim, pensar que sobrecarregam os concorrentes estrangeiros, sujeitos, eles também, a dificuldades estruturais, parece-nos difícil conceber que desde que (como o Governo francês preconiza) se dissocie o domínio dos auxílios do domínio fiscal, o Tratado apareça como não deixando qualquer possibilidade de condenar uma distorção da concorrência cuja existência parece manifesta.

    E efectivamente, desde que se observe de mais perto, apercebemo-nos de que o Governo francês parece considerar de um modo demasiado restrito o alcance das disposições que o Tratado consagra aos auxílios. Para se fazer uma ideia exacta do seu alcance, convém, antes de mais, rememorar as considerações seguintes: a ideia de base do Tratado é uma proibição de princípio dos auxílios concedidos pelos Estados, sendo o acento nitidamente posto na incompatibilidade com o mercado comum. O Tratado utiliza a este respeito uma expressão que, com toda a clareza, milita no sentido de fazer reconhecer um campo de aplicação bastante vasto à proibição, já que fala de auxílios concedidos «independentemente da forma que assumam» e acrescenta, de resto, que basta que o auxílio ameace falsear a concorrência. Além disso, é a expressão «regime de auxílios» («Beihilferegelungen», «Regimi di aiuti», «steunregelingen») que figura no artigo 93 o, o qual diz também que a Comissão propõe «medidas adequadas» exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou o financiamento do mercado comum. Este único esclarecimento basta, consequentemente, para mostrar que é justificado interpretar de um modo lato as possibilidades de intervenção abertas à Comissão e que, inversamente, seria um erro atribuir um sentido restrito aos termos do Tratado. Como a Comissão judiciosamente fez observar, este ponto de vista é confirmado pela jurisprudência do acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa/Enel (6/64, Colect. 1962-1964, p. 549), em que o Tribunal falou dos auxílios aptos a favorecer não só directamente, mas também indirectamente, certas empresas.

    Independentemente disso, é bem verdade que, para retomar a expressão da Comissão, só pode parecer artificial que o auxílio que tem como efeito favorecer certas empresas e os meios que dão ao Estado os recursos que permitem concedê-lo sejam considerados separadamente já que o mecanismo das leis nacionais prevê expressamente a conexão destes dois elementos. No caso concreto, é indubitavelmente mais acertado admitir que o sistema forma uma unidade, um todo coerente, ainda que os trabalhos levados a cabo no seio do Conselho com o fim de precisar a aplicação dos artigos 92.o e 93 o nunca tenham levado a considerar que os impostos possam fazer parte integrante dos auxílios. Para dizer a verdade, convém distinguir, com a Comissão, os diferentes efeitos que pode ter um regime de auxílios. Um regime deste tipo dá origem, evidentemente, em primeiro lugar, a efeitos directamente vantajosos, que resultam da afectação de certos fundos a fins determinados; no caso concreto, estes resultam da distribuição (tolerada, como sabemos) de certas somas a dois organismos franceses, um económico e o outro de investigação. Mas o modo de financiamento de um auxílio pode, além disso, ter repercussões indirectas que convém considerar, elas também, como efeitos que resultam inevitavelmente do sistema através do qual este auxílio é concedido. No presente caso, estes efeitos ligados ao modo de obtenção do fundo que serve para conceder o auxílio são tais que o encargo (demonstrá-lo-emos mais à frente) imposto aos produtores estrangeiros, ao menos numa certa medida, sem ser contrabalançado por vantagens equivalentes, tem como consequência reforçar a posição concorrencial das empresas têxteis francesas. Excluir esses efeitos do exame teria como resultado restringir artificialmente o campo das investigações e amputar, contra toda a razão, o campo de aplicação das disposições do Tratado relativas aos auxílios.

    Para concluir este primeiro capítulo do nosso exame podemos, consequentemente, aceitar que à Comissão não pode ser reprovado o facto de se ter apoiado nas disposições do Tratado relativas aos auxílios para não aceitar o modo de financiamento do regime de auxílios instituído pela República Francesa e de ter baseado a decisão impugnada apenas neste elemento, de se ter limitado, noutros termos, a afirmar que o modo de financiamento não era indispensável para realizar os objectivos do regime em causa.

    2.

    Sempre no quadro dos argumentos que invoca a título principal, o Governo francês critica, em seguida, o modo como é concebida a decisão criticada, na medida em que faz da modificação do sistema de cobrança do imposto uma condição para a França poder continuar a conceder um auxílio, em si compatível com as disposições do Tratado, vendo-se, noutros termos, obrigada, a suprimir o auxílio no caso de não cumprir esta condição. Aos olhos do Governo recorrente, uma tal construção confere à decisão um carácter ambíguo resultante do facto de que, sem exigir directamente a modificação do modo de financiamento, a Comissão fez uma simples tentativa com o fim de a obter indirectamente. Neste comportamento, o Goveno francês vê um desvio na utilização do processo. Aplicado à letra, diz, o sistema da Comissão poderia conduzir ao resultado paradoxal de a ajuda ser suprimida, apesar da sua compatibilidade com as disposições do Tratado e com o interesse comum e que apenas subsistiria, já que não é criticável face ao Tratado, a imposição parafiscal, ou seja, precisamente o elemento que, segundo a Comissão, produz, no quadro do regime de auxílios, uma alteração condenável das condições das trocas.

    Digamos imediatamente que, também sobre este terreno, não pensamos poder seguir a recorrente. O objectivo que a Comissão tem em vista resulta, sem qualquer equívoco, do texto da sua decisão assim como dos trâmites que presidiram à sua adopção, nomeadamente, da carta dirigida ao Governo francês em 18 de Julho de 1969: o que a Comissão condena é o modo de financiamento do regime francês de auxílios, enquanto parte integrante deste regime e é, antes de mais, a modificação deste modo de financiamento que quer obter. Como vimos, a Comissão dispõe de poder de decisão a este respeito e, em nossa opinião, não há qualquer dúvida de que, ao adoptar a decisão criticada, fez uso desse poder. Deste modo, não vemos que razões poderiam ser invocadas para criticar o método que esta considerou acertado escolher. Na realidade, como a Comissão explicou no decurso do processo, encontramo-nos perante uma decisão alternativa, que deixa aberta uma escolha do seu destinatário, que, assim, (vendo bem as coisas) prevê uma latitude de apreciação em beneficio do Governo francês. Este sistema pode levar, ou a fazer suprimir o regime de auxílios que, considerado como um todo, é inadmissível, ou a fazer modificar unicamente o seu modo de financiamento. Mas, dado que é permitido à Comissão exigir directamente que este modo de financiamento seja modificado, é preciso admitir que lhe era também possível adoptar o processo, menos radical, de uma decisão condicional. Contrariamente ao que jufga o recorrente, este modo de enunciar as obrigações da República Francesa não tinha certamente como efeito reduzir o alcance dos termos da decisão ao de uma simples sugestão.

    Finalmente, dado que se pode considerar evidente que o Governo francês não entenderá suprimir completamente o regime de auxílios instituído em beneficio da indústria têxtil, não vemos como se poderá falar de uso indevido do processo ou de desvio de poder.

    No fim destas considerações, estamos consequentemente em condições de afirmar que nenhum dos elementos da argumentação que o Governo francês sustenta a título principal mostra que a decisão atacada deva ser anulada.

    3.

    Os argumentos que o Governo francês desenvolve a título subsidiário respeitam aos efeitos económicos do regime de auxílios e, especialmente, à desvantagem que, segundo a Comissão, impõe aos produtores estrangeiros. No quadro desta argumentação, o Governo francês tenta demonstrar que o modo de financiamento que adoptou «não altera as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum» e que, assim, não se encontra preenchida a condição enunciada no n.o 3, alínea c), do artigo 92.o e que era essencial para que a decisão recorrida pudesse ser tomada. A este respeito, começa por sublinhar a baixa taxa do imposto em causa e a possibilidade de o repercutir integralmente sobre os consumidores franceses, o que exclui, diz ele, que os produtores estrangeiros possam ser prejudicados. Realça, a esse respeito, que as importações em França de têxteis provenientes dos outros Estados-membros conheceram um aumento considerável durante os dois últimos anos. Além disso, diz o Governo francês, é preciso considerar que o auxílio tem igualmente efeitos benéficos para os produtores estrangeiros e isto no que se refere tanto àpromoção da investigação como à melhoria das estruturas industriais e comerciais. Finalmente, considera poder fazer observar que, se aplicasse a decisão da Comissão, ou seja, se não sujeitasse ao imposto os produtos estrangeiros, isso provocaria uma discriminação das empresas francesas, que seriam as únicas a dever suportar o peso do financiamento do auxílio e que, assim, se chegaria, pelo menos, a um sistema económico pouco justificável, ou mesmo a uma situação absurda, caso fosse generalizado.

    Examinemos, assim, mais de perto, este segundo grupo de argumentos, para apreciar o seu mérito.

    Em primeiro lugar, pensamos que o Governo francês apresenta uma tese extremamente duvidosa quando afirma que, podendo o imposto ser repercutido integralmente sobre os consumidores franceses, a sua cobrança não poderia ter efeitos em prejuízo dos produtores estrangeiros. É certo que não poderíamos tomar aqui em consideração o argumento técnico segundo o qual, sendo um adicional ao imposto sobre o valor acrescentado, a imposição em causa deve ser incluída nas facturas. Na verdade, este elemento não nos diz nada que permita apreciar os efeitos económicos da imposição. Mas, em relação a estes, a única hipótese que permitira sustentar que a imposição pode ser repercutida integralmente, é aquela em que a procura apresentasse uma taxa de elasticidade nula. Ora, é impossível imaginar que seja esse o caso para os têxteis, tendo em conta, nomeadamente, os problemas de excedentes de capacidade de produção que conhece este sector industrial. É conveniente, por consequência, considerar que a aplicação do imposto aos produtos estrangeiros pode levar a reduzir as margens de lucro ou o volume do escoamento dos produtos estrangeiros, noutros termos, que ela comporta o risco de uma alteração prejudicial das condições das trocas comerciais.

    No que diz respeito ao nível da imposição, cuja taxa, inicialmente fixada a 0,20 %, passou actualmente para 0,44 % (sendo a imposição estabelecida, a partir de então, sobre valores não incluindo impostos), devemos, é certo, dar razão ao Governo francês quando afirma que taxas de um valor tão módico só podem provocar um pequeno aumento dos preços, mais pequeno, por exemplo, do que o que podem provocar as flutuações dos valores mundiais das matérias-primas. No entanto, é lícito perguntar-se se é a partir de um ponto de vista quantitativo deste tipo que deve apreciar-se a situação. Sem dúvida, a versão francesa e a versão italiana do artigo 92.o poderiam fazê-lo supor já que nelas encontramos a expressão «dans une mesure contraire à l'intérêt commun» («in misura contraria al comune interesse»). As versões alemã e neerlandesa deste artigo utilizam, entretanto, fórmulas das quais resulta que é, antes, um critério qualitativo que se trata de adoptar já que os auxílios não devem alterar as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum («in einer Weise», «zodanig»). De resto, é forçoso optarmos por este critério qualitativo, tendo em conta um outro elemento, que já salientámos: o carácter rigoroso das disposições do Tratado relativas aos auxílios, as quais, nos termos do artigo 92.o, proíbem mesmo os auxílios que simplesmente ameacem falsear a concorrência. Não percamos de vista, além disso, que, ao partirmos de um ponto de vista quantitativo, introduziremos um elemento de grande insegurança na apreciação porque é evidente que a determinação do que deve ser considerado uma alteração importante ou substancial das condições das trocas depende tanto da situação do mercado como do momento que se considera para medir a incidência do auxílio. Na realidade, a adopção de tal critério é, aqui, impossível do mesmo modo que o é quando se trata de apreciar impostos de efeito equivalente ao dos direitos alfandegários, hipótese para a qual se sabe que o Tribunal excluiu formalmente o recurso a um critério quantitativo ( 1 ). Ora, se nos colocarmos de um ponto de vista qualitativo (como todas as considerações que acabamos de expor indicam que se deve fazer), se, noutros termos, nos perguntarmos em que consiste uma alteração das condições das trocas que seja, pela sua natureza, contrária ao interesse comum nos termos do artigo 92.o, não existe qualquer dúvida, em nossa opinião, de que esta alteração consiste nas desvantagens de todo o tipo impostas aos produtores estrangeiros na sua posição concorrencial, nomeadamente quando estas desvantagens resultem de uma regulamentação fiscal que se situa no quadro de um regime de auxílios. Consequentemente, não há interesse em procurar a extensão com que os efeitos negativos se manifestam efectivamente. Também não é necessário, por consequência, que nos detenhamos na argumentação segundo a qual as importações francesas de têxteis provenientes dos outros Estados-membros conheceram um aumento considerável nos últimos dois anos. Quando muito, poderíamos dizer, com a Comissão, que este aumento também se pode explicar por um fenómeno de conjuntura geral, caracterizado por um aumento das importações francesas em numerosos domínios e que, de resto, nada indica como as importações se teriam comportado se não tivessem sido tributadas com a imposição em causa. Que se deve pensar, seguidamente, do argumento do Governo francês, segundo o qual a aplicação da imposição aos produtos estrangeiros encontra justificação no facto de que os produtores estrangeiros usufruírem, eles também, do efeito benéfico das medidas de auxílios que o produto da imposição serve para financiar? Podemos (pelo menos, em parte) admitir a exactidão da tese do recorrente no que se refere ao apoio concedido ao Institut textile de France, já que a biblioteca e o serviço de documentação deste Instituto são acessíveis a todos os interessados, o resultado dos trabalhos do Instituto é publicado e os trabalhos de investigação sob contrato são abertos às empresas estrangeiras nas mesmas condições do que às nacionais. Seria entretanto impossível afirmar que umas e outras sejam colocadas em pé de igualdade e que participem, efectivamente, com igual vantagem do benefício dessas investigações e isto não somente porque os filiados estrangeiros (cujo número é, de resto, muito inferior ao dos filiados franceses), pagam um preço mais elevado pelas publicações do Instituto, mas também porque estes esbarram com dificuldades de ordem linguística e porque é inegável que a orientação dos trabalhos de investigação, sujeita a uma influência mais forte das empresas francesas, apresenta, evidentemente, um carácter nacional muito acentuado. O que se pode excluir ainda mais resolutamente é que as empresas estrangeiras participem em pé de igualdade no benefício das medidas estruturais que o regime de auxílios tende a encorajar. Na verdade, aquelas não visam unicamente eliminar as empresas marginais, ou seja, diminuir a capacidade produtiva, mas uma racionalização e um crescimento da produtividade destinados a permitir às empresas francesas serem mais competitivas em relação aos seus concorrentes estrangeiros, em favor dos quais não são previstas medidas estruturais similares. Para além disso, para contradizer a tese segundo a qual as empresas estrangeiras beneficiam, em pé de igualdade, do efeito favorável das medidas em causa, é ainda lícito lembrar que, a propósito de um caso comparável, o direito estatístico cobrado pela República Italiana, o Tribunal, respondendo ao argumento baseado na natureza da contrapartida que justificaria a cobrança do direito, sublinhou que uma tal natureza não podia ser considerada, dado o seu carácter geral e a incerteza da sua avaliação (acórdão 24/68, já referido). Não há dúvida de que se passa o mesmo no que se refere ao incentivo às medidas estruturais da indústria têxtil francesa, consideradas nos seus efeitos em relação aos produtores estrangeiros cujos produtos são tributados com as imposições destinadas a financiá-las. Eis ainda uma das razões que mostram que a tributação dos produtos estrangeiros não poderia ser justificada.

    Finalmente, é em vão que o recorrente procura sustentar que a aplicação da imposição unicamente às empresas francesas teria como efeito sujeitá-las a uma discriminação e implicaria o risco de resultados economicamente pouco justificáveis. Uma razão muito simples impede, com toda a certeza, de falar de discriminação das empresas francesas: é claro, efectivamente, que estas se encontram numa situação privilegiada, já que são elas que, em primeiro lugar, beneficiam das medidas financiados pelo produto das imposições. Quanto ao risco de resultados pouco satisfatórios do ponto de vista económico, é forçoso observar que não é certamente em virtude de um argumento tão vago que o reconente pode tentar escapar às exigências que resultam, sem qualquer equívoco, no que se refere ao presente caso, das disposições do Tratado relativas aos auxílios. À parte isto, é preciso reconhecer que o Governo francês assentou o seu argumento numa consideração bem teórica quando afirmou que a aplicação do sistema preconizado pela Comissão poderia privar de base o regime de auxílios porque levaria a que as empresas francesas só produzissem para a exportação (a qual não é atingida pela imposição).

    Resulta de tudo isto que os argumentos subsidiários do reconente são, eles também, impotentes para justificar o pedido de anulação.

    4.

    Por consequência, poderemos recapitular de modo muito breve o resultado do nosso exame. Ainda que o recurso sobre o qual o Tribunal deve decidir seja admissível, nenhum dos argumentos apresentados pelo Governo francês para o sustentar poderia contribuir para o seu sucesso. Concluímos no sentido do seu não provimento e da condenação da recorrente nas despesas.


    ( *1 ) Língua original: alemão.

    ( 1 ) V., por exemplo, os acórdãos de 1 de Julho de 1969, Comissão/Itália (24/68, Colect. 1969-1970, p. 57), e Sociaal Fonds Diamantarbeiders (2/69 e 3/69, Colect. 1969-1970).

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