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Document 61965CC0061

    Conclusões do advogado-geral Gand apresentadas em 17 de Maio de 1966.
    Viúva G. Vaassen-Göbbels contra Direcção do Beambtenfonds voor het Mijnbedrijf.
    Pedido de decisão prejudicial: Scheidsgerecht van het Beambtenfonds voor het Mijnbedrijf Heerlen - Países Baixos.
    Processo 61-65.

    Edição especial inglesa 1965-1968 00401

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1966:25

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL JOSEPH GAND

    apresentadas em 17 de Maio de 1966 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    A decisão a título prejudicial que vos é pedida no presente processo não implica apenas a interpretação de certas disposições do Regulamento n.o 3 do Conselho, relativo à segurança social dos trabalhadores migrantes; obriga também, previamente à apreciação das questões submetidas, a examinar a validade deste recurso face ao artigo 177.o do Tratado.

    Recordemos sucintamente os factos relevantes para a compreensão da questão de direito.

    A Sr.a Vaassen, viúva de um empregado de minas neerlandês, é, por esse facto, titular de uma pensão da Caixa de Pensões do Beambtenfonds voor het Mijnbedrijf (BFM). Tal como foi referido durante a audiência, este organismo foi constituído em 1952, como fundação de direito privado neerlandês, pelas organizações patronais e laborais daquele sector; o seu regulamento está sujeito à aprovação do ministro do qual depende a indústria mineira. Na qualidade de pensionista residente nos Países Baixos, a Sr.a Vaassen estava inscrita na Caixa de Doença, também dependente do Beambtenfonds. Quando da sua mudança de residência para a Alemanha, em 1963, pediu inicialmente que fosse cancelada a sua inscrição na Caixa de Doença; foi-lhe respondido que este cancelamento era automático, pois apenas os titulares de pensões residentes nos Países Baixos podiam, ao abrigo do artigo 18.o do regu lamento do BFM, estar inscritos. Tendo reconsiderado, pediu, pelo contrário, a sua reinscrição, a qual lhe foi recusada com base no artigo 18.o

    A Sr.a Vaassen recorreu então para o Scheidsgerecht (tribunal arbitral), órgão competente, segundo o artigo 89o daquele regulamento, para decidir dos recursos interpostos das decisões da direcção do Beambtenfonds relativas aos direitos dos membros e antigos membros. Alegou que, nos termos dos Regulamentos n.os'3 e 4 do Conselho, mantinha o direito às prestações pagas pela Caixa de Doença do BFM. Este considerou, pelo contrário, que a Caixa constitui apenas um seguro mútuo de direito privado, pelo que se subtrai aos regulamentos invocados, os quais apenas se aplicam às «legislações» que dizem respeito a um certo número de seguros, taxativamente enumerados.

    A fim de resolver esta questão, o Scheidsgerecht dirigiu-vos um pedido de interpretação. Não o fez sem primeiro se questionar sobre o seu eventual direito ou obrigação de recorrer para o Tribunal de Justiça. Embora, conforme afirma, não possa ser considerado como um órgão jurisdicional «na acepção da lei neerlandesa», não deixa de ser, acrescenta, um órgão jurisdicional «na acepção do artigo 177.o» do Tratado. Com efeito, nos termos do artigo 89.o do regulamento do Beambtenfonds, trata-se da instituição que decide em única e última instância sobre os litígios. Em todo o caso, é ao Tribunal que compete decidir se este órgão é abrangido ou não pelo disposto no artigo 177o

    Antes de mais, detenhamonos sobre este ponto prévio ao exame das questões que vos são colocadas. Com efeito, estas apenas podem ser apreciadas se o Tribunal considerar o recurso válido. Apenas podeis decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Tratado ou dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade no âmbito e nos termos do artigo 177.o Por fim, apenas vós podeis interpretar, se necessário, o disposto neste artigo.

    O artigo 177.o tem a seguinte redacção:

    «Sempre que uma questão desta natureza (de interpretação) seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.

    Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.»

    O artigo 164.o do Tratado impôe-vos o dever de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado. O artigo 177.o fornece-vos o meio para o fazer, ao instituir a cooperação directa com os órgãos jurisdicionais nacionais, os quais também devem aplicar o direito comunitário. Contudo, o mecanismo apenas pode ser desencadeado por estes órgãos, e não pelas partes no processo principal, pelos Estados-membros ou seus serviços ou pelas instituições da Comunidade.

    Assim, para verificar a vossa própria competência, deveis assegurar-vos que o Scheidsgerecht constitui, na acepção do artigo 177.o , um «órgão jurisdicional de um dos Estados-membros», ou um «órgão jurisdicional nacional»competente para submeter questões a este Tribunal. No estrito âmbito deste artigo, a vossa interpretação pode eventualmente, como sublinha o Scheidsgerecht, não coincidir com a da lei nacional, já que os dois domínios são distintos. Se a organização judicial e administrativa dos Estados-membros tem, no conjunto, princípios comuns, foi influenciada por contingências históricas ou por concepções jurídicas diferentes. Assim, pode acontecer que as necessidades da interpretação e de aplicação uniformes do Tratado vos levem a reconhecer a qualidade de «órgão jurisdicional», na acepção do artigo 177.o, a um organismo ao qual a lei do seu país não atribui expressamente essa natureza.

    Neste caso, como correctamente afirma a Comissão, trata-se de saber se, tendo em consideração os princípios gerais aplicáveis nos diversos Estados-membros em matéria de organização judicial, o Scheidsgerecht apresenta as características dos organismos competentes para dirimir litígios, em particular os que resultam da aplicação dos regimes de segurança social.

    Queremos dizer desde já que, embora nos pareça que esta questão deva ter uma resposta afirmativa, pensamos, à semelhança do Governo neerlandês e da Comissão, que se mantém em aberto a questão doutrinal fortemente controversa de saber se a arbitragem é, de maneira geral, abrangida pelo artigo 177.o Isto porque, apesar da sua denominação de tribunal arbitral, o Scheidsgerecht tem poucos pontos em comuni com uma instituição desta natureza.

    A fim de o caracterizar, reportar-nos-emos ao seu regulamento e ao do Beambtenfonds. Estes são dados que não pretendemos discutir nem interpretar; limitar-nos-emos a deles retirar as consequências com incidência na interpretação do artigo 177.o O Scheidsgerecht não é um grupo de pessoas às quais as partes ocasionalmente acordem atribuir competência para resolver o litígio que as opõe; é um organismo previsto a título permanente no regulamento do BFM. Não contestamos a natureza de instituição de direito privado deste último, embora o seu regulamento, tanto o texto original como as alterações, deva ser aprovado pelo ministro do qual depende a indústria mineira. É este mesmo ministro que adopta o regulamento processual do Scheidsgerecht e nomeia o seu presidente e os seus membros, os quais são desta forma totalmente independentes, tanto do Beambtenfonds como dos seus segurados.

    Conforme resulta dos extractos do regulamento reproduzidos no relatório para audiência, o processo perante o Scheidsgerecht tem natureza jurisdicional: prevê a audiência em contraditório e, se necessário, a audição de testemunhas e de peritos.

    Embora os pontos precedentes não sejam por si só determinantes, é preciso acima de tudo notar que o Scheidsgerecht tem como função a composição dos litígios emergentes de decisões da direcção do BFM relativas aos direitos dos associados, antigos associados e seus sobreviventes. Constitui a instância processual obrigatória em qualquer contencioso relativo ao seguro das despesas de doenças dos empregados de minas. Portanto, dirime litígios segundo regras de direito. Se este último ponto é contestado pelo Beambtenfonds por implicar a obrigação para o Scheidsgerecht de, eventualmente, aplicar os regulamentos do Conselho, é precisamente esta a interpretação que o próprio Scheidsgerecht dá ao artigo 89.o do regulamento do BFM, o qual lhe proibiria decidir apenas segundo juízos de equidade. Contudo, esta é a interpretação de uma norma de direito neerlandês, que, por isso mesmo, se subtrai à vossa competência. Enquanto a opinião do Scheidsgerecht na matéria não for contrariada por uma outra instância nacional, deveis limitar-vos a aceitá-la.

    Certas questões são, no entanto, menos claras, Segundo o artigo 89.o do regulamento acima referido, o Scheidsgerecht «decide em última instância». Nas suas observações, o Beambtenfonds objecta que as partes conservam sempre o direito de submeter o litígio a um tribunal cível; a decisão do Scheidsgerecht constituiria, pois, um «parecer obrigatório» sobre o qual o juiz do processo ordinário exerceria um controlo «de natureza marginal».

    Sem nos aventurarmos nesta discussão sobre direito interno, diremos apenas que a existência de um controlo exercido por um órgão jurisdicional não significa necessariamente que o organismo sujeito a este controlo não seja um órgão jurisdicional, mas tão-só que não é um órgão jurisdicional de última instância.

    É evidente que o Scheidsgerecht não faz parte da categoria dos órgãos jurisdicionais tradicionais, mas este facto nada tem de anormal: a segurança social é, em todos os países, um dos domínios em que os órgãos jurisdicionais especializados mais se afastam dos modelos clássicos sem que se possa, contudo, recusar-lhes essa natureza. Os elementos que referimos mostram que se trata de uma instância constituída por um acto da autoridade pública, resolvendo, com recurso a normas de direito, os litígios relativos à aplicação do regime de seguros administrado pelo BFM, regime esse que devemos definir a fim de responder às questões colocadas. De acordo com o Governo neerlandês e com a Comissão, pensamos que o que precede basta para considerar o Scheidsgerecht como um «órgão jurisdicional» na acepção do artigo 177.o, pelo que é competente para vos submeter um pedido de interpretação.

    Chegamos, pois, à primeira questão, a qual vos é colocada nos seguintes termos:

    «Deve a regulamentação que figura no capítulo II do Regulamento do Beambtenfonds voor het Mijnbedrijf ser considerada como uma legislação, na acepção da alínea b) do artigo 1.o do Regulamento n.o 3, a que se refere o artigo 4.o do mesmo regulamento, sendo a regulamentação das despesas de doença abrangida pelo anexo B (ao qual se reporta o artigo 3 o), que diz respeito ao “seguro de doença dos trabalhadores de minas (prestações pecuniárias e em espécie em caso de doença e de maternidade)”, de maneira que o Regulamento n.o 3 (bem como o Regulamento n.o 4) se aplicam aos empregados de minas neerlandesas abrangidos pela regulamentação de despesas de doença acima referida?»

    Há, pois, que analisar em primeiro lugar se a expressão «legislação» abrange regulamentações com a natureza da que é objecto do litígio pendente no Scheidsgerecht.

    O teor da alínea b) do artigo 1.o refere «as leis, os regulamentos e as disposições estatutárias, existentes e futuras, de cada Estado-membro, respeitantes aos regimes e ramos da segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o»do regulamento, o que abrange os regimes gerais e especiais.

    O que importa aqui — e é o que. o Beambtenfonds parece não ver — é o termo «disposições estatutárias». Introduzido aquando da elaboração da Convenção Europeia relativa à Segurança Social, tem manifestamente como objectivo tomar em conta o facto de que se verifica, em todos os Estados-membros e em diversos graus, uma certa descentralização da administração da segurança social. Lei e regulamento não esgotam a noção de «legislação», em sentido lato; as instituições de gestão também a integram ao adaptar ou completar o quadro definido pelo Estado. Nas suas observações, a Comissão forneceu numerosos exemplos nesta matéria.

    Estas instituições de gestão podem, aliás, ser organismos de direito privado como o BFM. Com efeito, reconhece-se que, quer por razões históricas, quer por razões doutrinais, são muitas vezes organismos desta natureza que administram certos ramos da legislação de segurança social; também neste aspecto figuram no processo exemplos relativos a vários Estados-membros. A alínea e) do artigo 1.o do Regulamento n.o 3 designa pelo termo «instituição», em cada Estado, «o organismo ou a autoridade encarregado da aplicação da totalidade ou de parte da legislação», ainda que lhe não exija um carácter público.

    Em contrapartida — como a Comissão sublinhou a justo título — a enumeração «lei, regulamento, disposições estatutárias» sugere a existência de uma hierarquia e de uma relação entre estes elementos. Desta maneira, apenas são referidas as disposições estatutárias que, em conformidade com a lei ou o regulamento, os completam ou substituem. É sem dúvida esse o caso de um seguro de doença instituído pelo regulamento de um organismo privado mas controlado pelo Estado; constitui um dos «regimes especiais» aos quais se aplica o Regulamento n.o 3, quando, por força da legislação nacional, os seus beneficiários não estão obrigados a inscrição nó regime geral.

    Em contestação, afirma-se que, quando o regime geral impõe a inscrição apenas até um certo nível de rendimentos, o regulamento do organismo só substitui aquele regime na medida em que o trabalhador interessado estaria obrigatoriamente sujeito ao regime geral se não estivesse inscrito no regime especial, estando, pelo contrário, excluída qualquer substituição se ele estiver inscrito a título facultativo. Contudo, esta objecção ignora o facto de não se poder excluir uma legislação do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 3 por ela prever apenas a inscrição num regime a título facultativo; é o que resulta, nomeadamente, do vosso acórdão no processo 75/63, Unger, de 19 de Março de 1964 (Colect. 1962-1964, p. 419). Assim, quando um seguro voluntário faz parte de um regime que, no seu conjunto, está sujeito a aprovação ministerial, é o regime no seu conjunto que se deve considerar como substituto da regulamentação geral, tendo por isso a natureza de «disposição estatutária», na acepção do Regulamento n.o 3.

    Para efeitos da resposta à primeira parte da questão que vos foi colocada, a definição da noção de legislação é já, em si mesma, dificil, independentemente de, por alguma forma, se interpretar o regulamento do BFM ou a legislação neerlandesa, tarefa que não vos compete. Da mesma maneira, pôe-se a questão de como imprimir à vossa resposta o grau de abstracção imposta pelo artigo 177.o, quando o Scheidsgerecht vos pergunta se a regulamentação das despesas de doença que figura no capítulo II do regulamento do Beambtenfonds pode ser abrangida pelo anexo B, a que se reporta o artigo 3.o do Regulamento n.o 3.

    Nos termos deste artigo, o anexo B refere, relativamente a cada Estado-membro, as legislações de segurança social às quais se aplica o regulamento do Conselho e que estão em vigor no seu território à data de adopção do texto comunitário.

    No caso dos Países Baixos, o anexo B menciona na alínea i) «o seguro de doença dos trabalhadores de minas (prestações pecuniárias e em espécie em caso de doença e de maternidade)», formulação que, segundo a opinião expressa pelo ministro dos Assuntos Sociais durante o processo perante o Scheidsgerecht, «abrange» a regulamentação especial do seguro de doença dos empregados de minas.

    À semelhança da Comissão, é possível considerar que, uma vez definidos a noção e o alcance do termo «legislação», a questão da qualificação no anexo B é subsidiária, pois tem um mero valor declarativo que se limita a provar a intenção de aplicar o Regulamento n.o 3 a uma legislação como a que é objecto do litígio perante o Scheidsgerecht.

    Indubitavelmente, o texto neerlandês do anexo não refere os «werknemers» (trabalhadores), mas sim os «mijnwerkers» (mineiros) — alegação reiterada pelo Beambtenfonds nas suas observações —, expressão que, na ordem jurídica deste país, exclui muitas vezes os empregados. Se assim fosse no presente caso, estes empregados seriam abrangidos pela alínea a), a qual se refere ao seguro de doença em geral, e pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 3.

    De qualquer das formas, o anexo é parte integrante do regulamento, o que implica a intenção dos seus autores de o aplicar a um tipo de regulamentação pelo menos análoga, já que o regulamento sobre o seguro de doença dos operários mineiros, adoptado pelo Algemeen Mijnwerkersfonds, tem a mesma natureza que o adoptado pelo Beambtenfonds para os empregados.

    Por fim — ponto sobre o qual não nos deteremos —, interessa sublinhar que, entre as disposições das convenções da segurança social que continuam a ser aplicadas independentemente do Regulamento n.o 3, figuram os artigos 8.o e 9 o do acordo complementar n.o 2, de 29 de Março de 1951, celebrado entre a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos, relativo ao seguro dos trabalhadores de minas e equiparados. Embora estas disposições se refiram exclusivamente ao seguro de pensão, o qual constitui um regime especial à semelhança do seguro de doença, a sua exclusão com base num acordo bilateral apenas se compreende se os autores do Regulamento n.o 3 tiverem entendido os termos «disposições estatutárias» da alínea b) do artigo 1.o como abrangendo este regime especial. É uma última indicação que deve levar a uma resposta afirmativa à primeira questão.

    A segunda questão, que pressupõe uma resposta afirmativa à questão anterior, tem a seguinte redacção:

    «Pode admitir-se, no presente caso, que a recorrente tem direito às prestações objecto do artigo 22.o do Regulamento n.o 3 e referidas no fim do seu n.o 2, quando, por força do n.o 1, alínea b), do artigo 18.o do regulamento do Beambtenfonds, na sua redacção anterior, apenas se prevê o direito ao reembolso das despesas de tratamentos médicos, fornecimentos de medicamentos e cuidados de enfermagem?»

    Esta redacção é, evidentemente, incorrecta. Em primeiro lugar, porque não vos compete decidir quanto ao direito da Sr.a Vaassen às prestações de segurança social, mas apenas quanto à interpretação do regulamento do Conselho. Em seguida, porque, ao referir a cláusula de residência prevista no regulamento do BFM, o Scheidsgerecht revela que, na realidade, pretende saber se o artigo 22.o do Regulamento n.o 3, o qual atribui o direito às prestações em espécie do seguro de doença aos titulares de pensões que residem fora do território do país devedor da pensão, se aplica independentemente daquela disposição restritiva. É pois neste campo que se deve responder à questão submetida.

    É necessário esclarecer desde já que, contrariamente à tese do Beambtenfonds, as prestações em espécie previstas no artigo 22.o incluem também as prestações de cuidados médicos sob a forma de reembolso de despesas. Embora aquela expressão não tenha sido definida no regulamento, os países (Bélgica e França) que praticam este sistema nunca puseram em dúvida a aplicação do artigo 22.o a esta modalidade de assumpção das despesas médicas.

    Assim sendo, não pode ser oposta aos trabalhadores activos uma cláusula de residência para a inscrição numa caixa de seguro de doença já que, segundo o artigo 12.o do Regulamento n.o 3, estão sujeitos à legislação do Estado-membro em cujo território trabalham, «mesmo se residirem no território de um outro Estado-membro». Por força das disposições conjugadas dos artigos 10.o, 12.o e 22.o, a solução é a mesma se o titular de pensão é automaticamente abrangido pelo seguro de doença. Pelo contrário, a resposta não é evidente se o seguro de doença não resulta necessariamente do seguro de pensão. Com efeito, o artigo 12.o apenas diz respeito aos trabalhadores activos e o artigo 22.o apenas se reporta «in terminis» ao direito às prestações do titular de pensão beneficiário do seguro de doença, e não ao direito a inscrição numa caixa de seguro de doença.

    Contudo, é necessário colocar o artigo 22.o no contexto geral do Regulamento n.o 3, a fim de o interpretar. Sem dúvida, não basta observar que este artigo, que faz parte do capítulo relativo ao seguro de «Doença, maternidade», tem como objecto a adaptação deste regime à situação dos titulares de pensões ou de rendas. É impossível deduzir do seu teor a aplicação a estes últimos da solução prevista no artigo 17.o para os trabalhadores activos.

    Genericamente, é possível alegar que o artigo 4.o (disposições gerais), ao dispor que o regulamento é aplicável «aos trabalhadores assalariados ou equiparados — que estão v ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-membros —», pretendeu equiparar o pensionista ao trabalhador activo, tanto mais que os direitos do titular de uma pensão vêm na sequência da sua inscrição no sistema da segurança social durante a sua vida activa.

    Acima de tudo, existe um argumento que nos parece determinante: quando os autores do Regulamento n.o 3 entenderam eliminar o direito às prestações no caso de transferência da residência para o estrangeiro, fizeram-no expressamente, conforme testemunha o n.o 2 do artigo 10.o Assim, é possível interpretar a ausência de referência expressa no artigo 22.o a uma excepção quanto à inscrição no seguro de doença no sentido de que proíbe às regulamentações nacionais a oposição de uma cláusula de residência às pessoas abrangidas pelo Regulamento n.o 3.

    Parece-nos que também a resposta à segunda questão deve ser afirmativa. Note-se contudo que, no presente caso, se aplica o Regulamento no 3, sobre trabalhadores migrantes, à viúva de um trabalhador, a qual jamais trabalhou e que, após obter uma pensão de viuvez, transfere a sua residência para um outro Estado-membro por outras razões que não a do exercício de uma actividade assalariada. O Beambtenfonds pergunta se esta solução é razoável. É possível responder-lhe que, segundo o artigo 4.o, as disposições do regulamento são aplicáveis aos sobreviventes dos trabalhadores assalariados ou equiparados. Esta concepção lata tem como objecto eliminar tudo o que, mesmo eventualmente, possa limitar a livre circulação de trabalhadores; não parece ser de recear, contrariamente à convicção do Beambtenfonds, que a vantagem resultante de prestações médicas alargadas possa, por si só, levar o sobrevivente de um trabalhador a mudar de residência.

    Em definitivo, concluímos que se responda ao Scheidsgerecht:

    Quanto à primeira questão: deve ser considerada como uma «legislação», na acepção do Regulamento n.o 3, qualquer regulamentação que fixe as condições de um regime especial de segurança social, ainda que instituído e administrado por um organismo de direito privado sob o controlo dos poderes públicos, desde que este regime substitua, nos termos fixados na lei nacional, o regime social geral correspondente em relação àqueles que nele estão inscritos, quer obrigatória, quer facultativamente;

    Quanto à segunda questão: o artigo 22.o do Regulamento n.o 3 não autoriza, em caso algum, a subordinação do direito ao pagamento de prestações em espécie do seguro de doença a uma cláusula de residência.

    Concluímos, por fim, que o Scheidsgerecht decida quanto às despesas do presente processo.


    ( *1 ) Ungua original: francês.

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