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Document 61962CC0026

    Conclusões do advogado-geral Roemer apresentadas em 12 de Dezembro de 1962.
    NV Algemene Transport- en Expeditie Onderneming Van Gend & Loos contra Administração Fiscal neerlandesa .
    Pedido de decisão prejudicial: Tariefcommissie - Países Baixos.
    Processo 26-62.

    Edição especial inglesa 1962-1964 00205

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1962:42

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    KARL ROEMER

    apresentadas em 12 de Dezembro de 1962 ( *1 )

    Sumário

     

    Introdução

     

    Análise jurídica

     

    I — Razão de ordem

     

    II — Primeira questão

     

    1. Admissibilidade

     

    2. Análise da primeira questão

     

    III — Segunda questão

     

    1. Admissibilidade

     

    2. Análise da segunda questão

     

    IV — Conclusão

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    O presente processo tem origem num processo pendente na Tariefcommissie, um tribunal administrativo neerlandês, perante o qual foi instaurado em 6 de Março de 1961 um recurso de anulação de uma decisão da Administração Fiscal neerlandesa relativa à aplicação de um determinado direito aduaneiro sobre a importação de ureia formaldeído proveniente da República Federal da Alemanha. Esta decisão baseia-se na nova pauta aduaneira neerlandesa que entrou em vigor em 1 de Março de 1960 e que foi elaborada no Protocolo de Bruxelas de 25 de Julho de 1958 pelo Reino da Bélgica, o Grão-Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos, tendo sido ratificado neste último pela lei de 16 de Dezembro de 1959.

    As partes no processo principal concordam com a Tariefcommissie sobre o facto de, à data da importação (9 de Setembro de 1960), as mercadorias importadas terem sido classificadas correctamente numa determinada posição pautal da pauta aduaneira em vigor. Porém, esta última foi estabelecida em derrogação da antiga pauta ( 1 ), a qual se baseava na nomenclatura de Bruxelas ( 2 ), o que implicou a alteração das antigas posições pautais.

    Enquanto que, antes de 1 de Março de 1960, a mercadoria em questão — como se pode verificar em duas decisões da Tariefcommissie — estava classificada em conformidade com a pauta aduaneira neerlandesa («Tariefbesluit» 1947), numa categoria sujeita a um direito de 3 %, com a adopção da Nomenclatura de Bruxelas ficou sujeita a um direito mais elevado, devido ao reagrupamento de posições pautais antigas.

    Por esta razão, a recorrente no processo principal considerou que esta alteração da pauta aduaneira introduzida pelo Protocolo de Bruxelas violou o artigo 12.o do Tratado CEE e que a decisão adoptada pela Administração das Alfândegas deveria ser anulada por ser incompatível com as disposições do Tratado CEE.

    A Tariefcommissie não solucionou este problema, tendo-o submetido, em 16 de Agosto de 1962, à apreciação do Tribunal, solicitando-lhe que, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, se pronunciasse, a título prejudicial, sobre as duas questões seguintes:

    «1)   O artigo 12.o do Tratado CEE terá, como a recorrente pretende, efeito interno, por outras palavras, poderão os nacionais dos Estados-membros, com base no artigo em questão, fazer valer direitos subjectivos que o juiz deva tutelar?

    2)   Em caso afirmativo, ter-se-á verificado um aumento ilegal do direito de importação ou trata-se apenas de uma alteração razoável dos direitos aplicáveis antes de 1 de Março de 1960, alteração que, embora representando um aumento aritmético, não deve considerar-se proibida pelo artigo 12.o

    De acordo com o artigo 20.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, o secretário do Tribunal notificou o pedido de decisão prejudicial às partes no processo principal, aos Estados-membros e à Comissão. As partes no processo principal, os Governos do Reino dos Países Baixos, do Reino da Bélgica, da República Federal da Alemanha e a Comissão apresentaram observações escritas. Ao longo dos debates, só a recorrente e a Comissão da CEE usaram da palavra. Mencionaremos o conteúdo de todas estas apreciações ao analisar o pedido de decisão prejudicial.

    Análise jurídica

    I — Razão de ordem

    Algumas observações escritas sugeriram ao Tribunal que começasse por responder à segunda questão.

    Na opinião do Governo neerlandês, a segunda questão assenta na ideia de que existe um conflito entre o artigo 12.o do Tratado CEE e o Protocolo de Bruxelas (que constitui a base da pauta aduaneira impugnada). Esta ideia parte, segundo aquele Governo, de uma falsa interpretação do Tratado.. Não foi intenção do Acordo Benelux violar o Tratado CEE. Responder desta forma à segunda questão é retirar qualquer objecto à primeira.

    Parece-nos oportuno, por razões de economia processual, consagrar, antes de mais, alguns instantes a esta opinião.

    Em princípio, consideramos que o Tribunal, ao responder à questão de interpretação, deve seguir a ordem adoptada pelo órgão jurisdicional que lhe colocou a questão, pelo menos sempre que essa ordem for determinada em função do grau de importância das questões a decidir para o processo pendente perante o tribunal nacional e se as questões colocadas tiverem, segundo o sistema do direito comunitário, uma relação material e lógica que permita respeitar a ordem escolhida. Mas, no caso sub judice, não aprofundaremos esta questão.

    Não seria possível pensar em inverter esta ordem, a não ser que, à primeira vista, antes de entrar na análise propriamente dita, a segunda questão se revelasse mais simples e à qual devesse ser dada uma resposta tal que seguramente tornasse supérflua a análise da primeira. Porém, em nosso entender, no caso sub judice, não é possível reconhecer, sem margem para dúvidas, que a segunda questão se debruce apenas sobre o aspecto mencionado pelo Governo neerlandês, que apresente um menor grau de dificuldade e exija uma análise menos exaustiva, nem que haja toda a probabilidade de que a resposta a dar-lhe aponte no sentido indicado pelo referido Governo. Esta reflexão é suficiente para manter a ordem de análise escolhida pela Tarifcommissie, que, além do mais, segundo cremos, é mais lógica. Com efeito, uma interpretação do conteúdo do artigo 12.o só pode interessar ao juiz neerlandês se ele souber que deve aplicar este preceito.

    II — Primeira questão

    1. Admissibilidade

    É preciso analisar oficiosamente se o pedido da Tariefcommissie é admissível na acepção do artigo 177.o do Tratado. Trata-se de uma questão à qual os interessados não se podem subtrair, pois encontramo-nos perante um processo objectivo de interpretação do Tratado. Naturalmente isso não impede que os interessados suscitem questões de admissibilidade. É desta forma que os Governos neerlandês e belga chamaram a atenção para os seguintes pontos relativos à primeira questão:

    1)

    Trata-se de uma questão que não visa a interpretação de um artigo do Tratado, respeitando antes a um problema de direito constitucional neerlandês.

    2)

    A resposta à primeira questão não tem influência sobre a solução das verdadeiras dificuldades do processo neerlandês. Mesmo em caso de resposta afirmativa a esta questão, o juiz neerlandês não verá solucionado o problema de saber a que lei de ratificação deve dar preferência (à do Tratado CEE ou à do Protocolo de Bruxelas).

    Estas observações devem ser analisadas antes de resolver os problemas de interpretação que foram colocados.

    Sobre o ponto 1

    A questão de saber se a Tariefcommissie colocou ao Tribunal um problema de direito constitucional neerlandês suscita esta observação: parece-nos claro que a redacção da primeira questão («se o artigo 12.o… tem um efeito interno») faz pensar que o Tribunal se encontra perante uma missão que transcende as competências que o artigo 177.o lhe atribui. É impossível esclarecer exaustivamente a questão de saber quais os efeitos jurídicos reais de uma convenção internacional em relação aos nacionais de um Estado-membro sem ter em conta o direito constitucional nacional.

    Mas, por outro lado, é evidente que a questão não incide exclusivamente sobre problemas de direito constitucional. Os efeitos de um tratado internacional dependem, em primeiro lugar, da questão de saber que alcance jurídico os seus autores pretenderam dar às suas diferentes disposições, se tais disposições mais não contêm do que programas, declarações de vontade, obrigações de agir no plano internacional, ou se uma parte de entre elas deve ter efeito directo na ordem jurídica dos Estados-membros. Se a análise se limita a este aspecto, sem decidir da questão de saber de que forma o direito constitucional nacional incorpora os efeitos pretendidos pelo Tratado na ordem jurídica nacional, então tudo se passa no domínio da interpretação do Tratado. Apesar de a redacção da primeira questão ser pouco feliz, é possível reconhecer um pedido de interpretação admissível que o Tribunal pode extrair sem dificuldades dos factos apresentados e examiná-los de acordo com o artigo 177.o

    Sobre o ponto 2

    A segunda objecção diz respeito à questão de saber se a solução da questão colocada em direito comunitário tem importância para a solução do processo nacional.

    Em nosso entender, em princípio, o Tribunal não tem competência para examinar esta questão prévia. Como o demonstra o artigo 177.o, segundo parágrafo, igualmente aplicável, nos termos do terceiro parágrafo, em caso de reenvio («… se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária…»), os tribunais nacionais têm, a este respeito, uma certa liberdade de apreciação. Criam uma ideia acerca da resolução do processo nacional e questionam-se sobre que aspecto o seu raciocínio jurídico e factual deve ser completado com o auxílio de uma interpretação vinculativa do Tratado nos termos do artigo 177.o Este Tribunal, que, em princípio, não deve aplicar o direito nacional, não pode controlar nem corrigir as considerações que assentam no direito nacional, sob pena de ser acusado de ultrapassar os limites da sua competência. Deve, pois, aceitar o que o juiz nacional tiver determinado sobre os elementos que se lhe afigurem necessários para a decisão.

    É certo que outra solução é possível em casos excepcionais de erro manifesto de apreciação (por exemplo, um caso de ofensa às leis da lógica, erro na aplicação dos princípios gerais de direito, ou ainda desconhecimento de questões jurídicas nacionais resolvidas de forma clara, o que transformaria o processo de reenvio num processo abusivo).

    No que respeita ao caso em discussão, é preciso não esquecer que, após ter sido dada resposta positiva à primeira questão, uma segunda questão se coloca. É possível que a sua análise conduza a uma interpretação do artigo 12.o, segundo a qual não existe conflito entre o Tratado CEE e o Protocolo de Bruxelas uma vez que o artigo 12.o permite derrogações em casos especiais. Além do mais, não podemos apreciar a importância que o juiz neerlandês atribuiria a um conflito eventualmente existente e de que forma o resolveria. Por estas razões não é possível negar a importância da interpretação solici tada para a resolução do processo nacional, nem recusar, desta forma, uma resposta à primeira questão.

    Como a primeira questão, manifestamente, não coloca outros problemas no domínio da admissibilidade, o Tribunal pode passar à análise da questão de mérito.

    2. Análise da primeira questão

    Já referimos que a questão nàó foi redigida de forma feliz. Porém, o seu sentido torna-se claro quando a encaramos à luz do direito constitucional neerlandês.

    Segundo a sua interpretação jurisprudencial, o artigo 66.o da constituição neerlandesa determina que as convenções internacionais prevalecem sobre o direito nacional, sempre que as suas cláusulas tenham um efeito geral obrigatório, ou seja, quando sejam directamente aplicáveis («self executing»). A questão consiste, pois, em saber se se pode deduzir do Tratado CEE que o artigo 12.o tem esta natureza jurídica, ou se contém apenas a obrigação de os Estados-membros não adoptarem normas jurídicas contrárias, obrigação cuja violação não conduziria à inaplicabilidade do direito nacional.

    As opiniões emitidas ao longo do processo não são unânimes. A recorrente no processo neerlandês e a Comissão da CEE sustentam que o artigo 12.o tem um efeito directo, o que significa que as autoridades administrativas e os Tribunais dos Estados-membros o devem respeitar directamente. Segundo esta opinião, a primeira questão deve receber resposta afirmativa. Em contrapartida, os Governos neerlandês, belga e alemão vêem no artigo 12.o uma obrigação apenas para os Estados-membros.

    Nas suas observações escritas e ao longo dos debates orais, a Comissão tentou fundamentar a sua tese através de uma análise pormenorizada sobre a estrutura da Comunidade. Explicou, de forma muito clara, que, comparando o direito internacional convencional com a prática jurídica geral interestadual, os tratados europeus constituem uma inovação profunda e que seria errado examiná-los só à luz dos princípios gerais do jus gentium.

    Estas observações foram muito justamente feitas num processo que coloca a questão de princípio das relações entre direito comunitário e direito interno.

    Quem conhecer o direito comunitário sabe que, de facto, ele não se reduz a relações contratuais entre vários Estados enquanto sujeitos do jus gentium. A Comunidade tem as suas próprias instituições independentes dos Estados-membros, dotadas do poder de adoptar actos administrativos e regras jurídicas que criam directamente direitos e obrigações não só para os Estado-membros e suas administrações, mas também para os nacionais dos Estados-membros. É o que se deduz claramente dos artigos 187.o, 189. o, 191.o e 192.o do Tratado.

    Além disso, o Tratado CEE contém disposições que se destinam a ser incorporadas directamente no direito nacional, modificando-o ou completando-o. E isto quer se pense no disposto nos artigos 85.o e 86.o em matéria de concorrência (proibição de determinadas associações, proibição do abuso de posição dominante sobre o mercado comum), na aplicação das regras sobre a concorrência pelas administrações dos Estados-membros (artigo 88.o), ou na obrigação de as instâncias nacionais colaborarem com as instituições comunitárias em matéria de jurisprudência e de execução coerciva (artigos 177.o e 192.o do Tratado; artigos 26.o e 27.o do Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal). A este respeito, também se podem indicar disposições susceptíveis de produzirem efeitos directos numa fase ulterior, por exemplo, as disposições do título consagrado à livre circulação das pessoas, serviços e capitais (artigos 48.o e 60.o).

    Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que um grande número de disposições do Tratado refere expressamente as obrigações dos Estados-membros.

    Citemos, na primeira parte, relativa aos princípios da Comunidade, o artigo 5.o, que impõe aos Estados-membros a adopção de todas as medidas adequadas ao cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado, ou o artigo 8.o, por força do qual se deve verificar que os objectivos fixados para a primeira fase foram atingidos e que foram respeitados determinados compromissos. No título relativo à livre circulação de mercadorias, pode mencionar-se o artigo 11.o (obrigações em matéria de direitos aduaneiros) e o artigo 37.o (obrigações no que respeita aos monopólios comerciais do Estado). Finalmente indicaremos, sem pretendermos ser exaustivos, o artigo 106. o, através do qual os Estados-membros se comprometem a autorizar pagamentos numa moeda determinada.

    A terminologia difusa do Tratado, o conteúdo material e o contexto permitem considerar seguramente que estas normas mais não fazem, efectivamente, do que estabelecer uma obrigação para os Estados-membros.

    Além disso, encontramos todo um conjunto de disposições que, ainda que redigidas sob a forma de declaração, se limitam, manifestamente, de acordo com o seu conteúdo e o seu contexto, a impor obrigações aos Estados-membros, não produzindo efeitos jurídicos directos internos.

    Trata-se de disposições relativas à supressão dos direitos de importação e exportação, à redução dos direitos aduaneiros de natureza fiscal (artigos 13.o, 16o, 17o), à introdução progressiva de uma pauta aduaneira comum (artigo 23.o), à supressão dos contingentes à importação (artigo 32.o), à transformação dos contingentes bilaterais em contingentes globais e ao aumento destes últimos (artigo 33. o), à transformação dos monopólios nacionais de natureza comercial (artigo 37.o), à supressão progressiva das restrições à liberdade de estabelecimento (artigo 52.o), à eliminação das restrições aos movimentos de capitais (artigo 67.o) e à eliminação das discriminações de tráfego (artigo 79.o).

    Em comparação, é relativamente raro encontrar na terminologia do Tratado os termos «proibição» ou «proibido», como por exemplo nos artigos 7.o, 9.o, 30.o, 34.o, 80.o, 85.o e 86.o E mesmo nalguns destes preceitos, sobretudo quando não se destinam aos nacionais, a redacção ou o contexto evidenciam claramente, por reenvio para legislações a adoptar ulteriormente ou para outros regulamentos de execução, que daí não pode resultar um efeito jurídico directo (artigo 9.o, 30.o e 34.o).

    O que é de notar é que, mesmo nas disposições que contêm a expressão «incompatível com o mercado comum» (artigo 92.o para os auxílios concedidos pelos Estados), não é possível pensar numa aplicação directa. Com efeito, o artigo 93. o atribui à Comissão, sempre que esta entenda que a regulamentação sobre estes auxílios é incompatível com o Tratado, o poder de decidir que o Estado em causa deve suprimir ou modificar essa regulamentação num determinado prazo.

    Esta análise permite-nos tirar uma primeira conclusão: é que numerosas disposições do Tratado contêm seguramente obrigações apenas para os Estados-membros e não. regras dotadas de um efeito directo interno.

    Foi em conformidade com este sistema que, no âmbito de uma jurisdição supranacional, foi organizada a repressão das infracções ao Tratado. Segundo o artigo 169.o, a Comissão fixa ao Estado-membro que não cumpre as obrigações decorrentes do Tratado um prazo para proceder em conformidade com o seu parecer. Nos termos do artigo 171.o, esse Estado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. Se os redactores do Tratado tivessem concebido como regra geral de direito comunitário o princípio da aplicabilidade directa das regras do Tratado no sentido de estas prevalecerem sobre o direito nacional, o mecanismo de sanção poderia limitar-se a declarar a nulidade das medidas contrárias ao Tratado. A regra do artigo 171.o, pelo menos, seria supérflua se não fosse a fixação do prazo mencionado no artigo 169.o

    Se reflectirmos sobre qual a posição que, nesta escala de possibilidades jurídicas, corresponde ao artigo 12.o, deve começar por recordar-se a sua redacção:

    «Os Estados-membros abster-se-ão de introduzir entre si novos direitos aduaneiros de importação e de exportação ou encargos de efeito equivalente e de aumentar aqueles que já aplicam nas suas relações comerciais mútuas.»

    Parece-nos seguro que a forma escolhida — o que, aliás ninguém põe em dúvida — não afasta a ideia de uma obrigação jurídica, mais do que o fazem outros artigos do Tratado que recorreram à mesma fórmula.

    Atribuir-lhe uma condição jurídica inferior não corresponderia à sua importância no âmbito do Tratado. Além disso, consideramos que a possibilidade de execução da obrigação não depende de outros actos jurídicos das instituições da Comunidade, o que nos permite, num certo sentido, falar de efeitos jurídicos directos do artigo 12.o

    Contudo, o elemento decisivo da questão da Tariefcommissie é o de saber se este efeito se limita aos Governos dos Estados-membros ou se deve penetrar na ordem jurídica nacional a fim de aí provocar uma aplicação directa pelas administrações e pelos tribunais. É aqui que começam as verdadeiras dificuldades de interpretação.

    Antes de mais, há que assinalar que o artigo 12.o designa os Estados-membros como destinatários, tal como noutras disposições que, manifestamente, se destinam a criar obrigações unicamente para os Estados-membros (artigos 13.o, 14.o, 16.o, 17.o, etc). Os Estados-membros deverão abster-se de introduzir novos direitos aduaneiros e não aumentarão aqueles que já aplicam. Daqui deve concluir-se que o artigo 12o não tem em vista a prática administrativa, isto é, o comportamento das administrações nacionais.

    Mas, independentemente da natureza do destinatário, o artigo 12.o está redigido de forma análoga a outras disposições que, em nosso entender, se limitam a criar obrigações para os Estados-membros, uma vez que mencionam expressamente obrigações, mesmo que apenas nos números ulteriores (v. designadamente os artigos 31.o e 37.o).

    Além do mais, seria conveniente citar aqui o artigo 95.o, que determina que nenhum Estado-membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre os produtos nacionais similares, determinando no parágrafo terceiro que: «Os Estados-membros eliminarão ou corrigirão, o mais tardar no início da segunda fase, as disposições existentes à data da entrada em vigor do presente Tratado que sejam contrárias às disposições precedentes».

    Note-se igualmente que da redacção do artigo 12.o não constam termos como «proibição»«proibido», «incompatível»«sem efeito», que se encontram noutras disposições do Tratado. É precisamente quando uma disposição se destina a ser aplicada directamente, isto é, a ser aplicada pelas administrações dos Estados-membros, que é impossível renunciar a uma indicação precisa dos efeitos jurídicos pretendidos.

    Mas, antes do mais, é necessário perguntar se, pelo seu conteúdo, o artigo 12.o é susceptível de ser aplicado directamente. Sublinhe-se que, pelo menos na fase actual, os Estados-membros ainda conservam, em grande parte, poderes legislativos em matéria aduaneira, que, nalguns Estados-membros, resultam em leis formais. Portanto, a aplicação directa do artigo 12.o resultaria frequentemente num controlo dos actos legislativos pelas administrações e pelos tribunais dos Estados-membros.

    Examinando o seu objecto, afigura-se que, contrariamente às primeiras impressões, este preceito tem uma natureza muito complexa. Uma aplicação sem problemas não parece, pois, possível.

    O artigo 12.o aplica-se, designadamente, aos encargos de efeito equivalente. Observámos recentemente noutro processo as dificuldades que a delimitação exacta deste conceito pode levantar. Além disso, o artigo 12.o refere-se aos direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente aplicados num determinado momento. A prática deste Tribunal tem demonstrado que mesmo o termo «aplicado» pode criar sérias dificuldades de aplicação. Finalmente, este processo revela os problemas que podem surgir com a verificação de um aumento das pautas aplicadas quando esse aumento deriva de uma modificação da nomenclatura pautal.

    Estas dificuldades são ainda mais evidentes se se considerar que, em matéria de legislação aduaneira, os Estados não se encontram apenas sujeitos a uma obrigação de abstenção. Com efeito, o Tratado, obriga-os a adaptar continuamente a sua legislação aduaneira à evolução do mercado comum. Ora, se o sistema aduaneiro se modifica continuamente, o controlo do respeito da claúsula suplementar de standstill do artigo 12.o não é seguramente fácil.

    Posto isto, dificilmente compreendemos de que forma a Comissão pode esperar que a aplicação directa do artigo 12.o venha a aumentar a segurança jurídica.

    Poderá realmente supor-se que, no plano comercial, as empresas se baseiam numa determinada interpretação e aplicação das disposições do Tratado, ou não será que se baseiam, mais seguramente, no direito aduaneiro nacional em vigor?

    Estas considerações, por si só, já fornecem bastantes motivos para se rejeitar a aplicação interna directa do artigo 12.o Mas é necessário acrescentar ainda o seguinte.

    A posição do direito constitucional nos Estados-membros e, mais concretamente, a apreciação das relações entre o direito supranacional ou internacional e a legislação nacional posterior estão longe de ser uniformes.

    Se se admitisse que o artigo 12.o tem um efeito interno directo, daí resultaria que só em determinados Estados-membros as infracções ao artigo 12.o acarretariam a nulidade e a inaplicabilidade da respectiva legislação aduaneira. Parece-nos ser este o caso dos Países Baixos, cuja Constituição (artigo 66.o) atribui às convenções internacionais que contenham regras gerais obrigatórias e directamente aplicáveis um estatuto superior ao das leis nacionais; do Luxemburgo (onde a jurisprudência, na falta de disposição expressa da Constituição, no essencial chegou ao mesmo resultado ( 3 ); e talvez a França (talvez, porque o artigo 55.o da Constituição de 4 de Outubro de 1958 não é muito claro a propósito das leis posteriores e contém, além disso, uma reserva de reciprocidade ( 4 ).

    Por outro lado, é certo que a Constituição belga não contém disposições sobre a força jurídica dos tratados internacionais em relação ao direito nacional. Jurisprudencialmente, parecem ter o mesmo estatuto que o direito nacional.

    Da mesma forma, o texto da Constituição italiana não contém qualquer disposição da qual se possa inferir que os tratados internacionais prevalecem sobre o direito nacional.

    Tanto a jurisprudência como a doutrina dominante não atribuem aos tratados um estatuto superior, pelo menos em relação a leis nacionais posteriores.

    Finalmente, no que respeita ao direito constitucional alemão, o artigo 24.o da Lei Fundamental determina que a Federação pode, através de uma medida legislativa, delegar direitos de soberania em instituições internacionais. O artigo 25.o determina que as regras gerais do jus gentium fazem parte integrante do direito federal, prevalecendo sobre as leis e criando directamente direitos e obrigações para os habitantes do território federal. No entanto, a jurisprudência, contrariamente a certos autores, não conclui que os tratados internacionais prevalecem sobre as leis nacionais promulgadas posteriormente ( 5 ).

    Os autores do Tratado estavam a par desta situação do direito constitucional quando redigiram os textos jurídicos comunitários. Perante esta situação, parece-nos pouco pro vável que, no que respeita a uma disposição tão importante para a legislação aduaneira, os autores tenham podido aceitar voluntariamente as consequências de uma evolução desigual do direito, implícitas no princípio da aplicação directa, quando é certo que tais consequências não estão em harmonia com um dos objectivos essenciais da Comunidade.

    Mas uma evolução uniforme do direito também não estaria garantida nos Estados cujo direito constitucional atribui às convenções internacionais primazia sobre o direito nacional.

    O Tratado não prevê um instrumento seguro para afastar este risco. O artigo 177.o apenas prevê a possibilidade de um reenvio a título prejudicial e a obrigação de se efectuar sempre que se trate de uma questão de interpretação do Tratado, e não do problema da compatibilidade do direito nacional com o direito comunitário. Poder-se-ia, pois, pensar que os tribunais nacionais deixam de proceder a um reenvio a título prejudicial para o Tribunal, porque não encontram dificuldades de interpretação, mas que chegam a resultados diferentes na sua própria interpretação do Tratado. Desta forma poder-se-iam criar divergências na aplicação do direito, não só entre os tribunais dos diferentes Estados, mas também entre os tribunais de um só Estado.

    Depois de todas estas considerações, que assentam numa apreciação da estrutura do Tratado, na redacção, no conteúdo e no contexto da disposição a interpretar, chegamos à conclusão de que o artigo 12.o deve ser juridicamente qualificado da mesma forma que as outras normas relativas à união aduaneira, para as quais o artigo 11.o tem uma importância fundamental ao referir expressamente «obrigações… em matéria de direitos aduaneiros», o que exclui um efeito directo interno na acepção da primeira questão. Assim, é a nossa convicção que a questão n.o 1 da Tariefcommissie deve receber resposta negativa.

    III — Segunda questão

    Esta sugestão significa que a segunda questão do reenvio não deve ser tratada no vosso acórdão nem nestas conclusões. O Tribunal a quo, referindo-o expressamente, colocou esta questão subsidiariamente para o caso de o Tribunal de Justiça decidir que o juiz nacional deve aplicar directamente o artigo 12.o do Tratado. Mas, mesmo prescindindo desta reserva, a segunda questão perde a sua relevância depois de ter sido dada resposta negativa à primeira.

    No entanto, apercebemo-nos de que a tentativa de resolução dos problemas abordados neste processo pode dar lugar a respostas sensivelmente divergentes. Referimo-nos não só às divergências entre as observações apresentadas pelas partes no processo, mas também à multiplicidade de opiniões que encontramos sobre o problema suscitado por este processo na teoria e na prática do direito público e do jus gentium. Por isso, submeteremos a segunda questão da Tariefcommissie a uma apreciação subsidiária partindo da hipótese de que, quanto à primeira questão, o Tribunal teria declarado que o artigo 12.o vincula o juiz nacional.

    Quanto à segunda questão, apenas o Governo neerlandês e o Governo belga, a Comissão da CEE e a recorrente no processo neerlandês apresentaram observações.

    1. Admissibilidade

    Tal como para a primeira questão, os Governos belga e neerlandês começaram por suscitar alguns problemas de admissibilidade. Sustentam designadamente que:

    1)

    A segunda questão é inadmissível porque diz respeito à aplicação do Tratado e não à sua interpretação.

    2)

    A segunda questão procura contornar o mecanismo dos artigos 169. o e 170.o do Tratado; os particulares não podem criticar indirectamente o comportamento dos Estados-membros; nâo é admissível, com base no artigo 177.o, impugnar perante o Tribunal uma alegada violação do Tratado.

    Quanto ao ponto 1

    Pela leitura da segunda questão, não se pode esconder a impressão de que o que se espera do Tribunal é a aplicação do Tratado.

    O artigo 177.o, tanto quanto aqui nos interessa, refere-se apenas à interpretação do Tratado. Por interpretação entende-se a definição do sentido e do significado de uma disposição quando a sua redacção não é clara. Isto é diferente da aplicação de uma norma a um caso concreto, ou seja, a análise da questão de saber se determinados factos podem estar abrangidos por uma disposição legal, e a apreciação dos factos que daí resulta. Os limites entre interpretação e aplicação são por vezes difíceis de traçar, sobretudo quando a interpretação se limita a um determinado aspecto e quando o problema de interpretação é ilustrado pela exposição dos factos a que procede o tribunal a quo, o que se pode mostrar útil para facilitar a tarefa do Tribunal de Justiça. No entanto, não queremos afirmar que, neste caso, o tribunal neerlandês solicita ao Tribunal de Justiça um controlo da aplicação do Tratado. Podemos referir aqui o primeiro processo de reenvio a título prejudicial (13/61), no qual o Tribunal declarou que era permitido ao tribunal nacional formular, de forma concreta e simples, o objecto das questões de reenvio (Colect. 1962-1964, p. 11).

    Com base em todo o conteúdo da decisão de reenvio, o Tribunal tem a possibilidade de deduzir a substância e o objecto da questão colocada e de lhe responder de forma genérica sem sair dos limites da sua competência. Em todo o caso, ficar-nos-emos pelos limites da competência do Tribunal e não nos alargaremos quanto à aplicação do Tratado a um caso concreto. A este propósito não será necessário proceder a apreciações de facto. Mas, contrariamente ao que é admitido pelo Governo neerlandês, tais apreciações não seriam de excluir num processo de reenvio a título prejudicial (v. artigo 103. o, n.o 2, do Regulamento Processual, que remete para os artigos 44.o e segs). Consequentemente, não é, seguramente, inadmissível no seu todo.

    Quanto ao ponto 2

    As dúvidas acerca da relação entre o presente processo e o previsto nos artigos 169.o e 170.o do Tratado levam, correndo o risco de contornar este processo, a suscitar as seguintes observações:

    O artigo 169o regula a declaração jurisdicional das violações do Tratado cometidas pelos Estados-membros. Esta declaração pode ser exigida pela Comissão quando o Estado-membro em causa nâo agir em conformidade com o parecer da Comissão. O artigo 170.o contempla um processo análogo, promovido por um Estado-membro e, sendo caso disso, sem parecer prévio da Comissão.

    No caso em análise, se o Tribunal resolver a segunda questão dentro dos limites da sua competência, deve limitar-se a dar uma interpretação genérica do significado e finalidade do artigo 12.o, deixando ao juiz nacional a possibilidade de extrair as respectivas conclusões. Nem na parte decisória nem nos fundamentos do acórdão há que fazer referência ao comportamento de um Estado-membro nem que declarar se esse comportamento é compatível com o Tratado ou se constitui uma violação deste.

    O Tribunal não deve, portanto, pronunciar-se sobre uma matéria reservada ao processo previsto nos artigos 169.o e 170.o

    Sustentar que os artigos 169-o e 170.o pretendem impedir que tribunais nacionais declarem que certas medidas adoptadas por um Estado-membro a que pertencem são nulas por violarem as regras do Tratado significaria negar a existência de regras do Tratado que podem ser aplicadas directamente pelos tribunais nacionais. Com efeito, a aplicabilidade directa deve ter por efeito que as regras dotadas dessa qualidade possam produzir os seus efeitos sem qualquer restrição, mesmo em caso de conflito com normas nacionais que disponham em sentido contrário. Não existe aplicabilidade directa quando é necessária uma declaração prévia deste Tribunal.

    Devemos concluir que os artigos 169.o e 170.o dizem respeito, em primeiro lugar, aos casos em que uma regra do Tratado não é directamente aplicável, contendo apenas uma obrigação para os Estados-membros. Neste caso, legal e logicamente, há lugar a um mecanismo de imposição, isto é, um mecanismo destinado a modificar a situação jurídica, o mesmo não acontecendo numa situação de conflito na qual o direito comunitário, devido à sua aplicabilidade directa, se imporia, por si, ao direito nacional.

    Dado que a segunda questão só foi colocada prevendo a eventualidade de uma resposta afirmativa à primeira, isto é, na hipótese de o artigo 12.o ter efeito directo interno, a vossa resposta não pode constituir a forma de o Tribunal contornar ilegalmente o artigo 169.o

    Não vislumbramos outros problemas no quadro da admissibilidade. Podemos, portanto, dedicar-nos imediatamente à análise propriamente dita da segunda questão.

    2. Análise da segunda questão

    Tendo em conta as observações sobre a admissibilidade, nesta questão devem ter-se unicamente em conta os aspectos puramente interpretativos.

    Nos termos da exposição feita pelo tribunal neerlandês, isso significa que o Tribunal deve definir os critérios que permitam determinar se existe um aumento relevante dos direitos aduaneiros, na acepção do disposto no artigo 12.o Com base na redacção do preceito, pretende-se, antes de tudo, no âmbito do processo neerlandês, obter uma interpretação dos termos «aplicado» e «aumentar».

    Nas suas observações escritas, a Comissão esforçou-se por estabelecer de modo sistemático os numerosos aspectos secundários em que a segunda questão se pode decompor.

    No que respeita à proibição de aumentar os direitos à importação, os problemas especiais são os seguintes:

    1)

    A proibição é válida para cada produto isoladamente, ou é aplicável ao nível geral dos direitos à importação?

    2)

    A proibição é absoluta ou permite algumas excepções que resultem, de acordo com o seu sentido e objectivo, do próprio artigo 12.o ou das suas relações com outras disposições do Tratado?

    O termo «aplicado» suscita igualmente algumas questões secundárias:

    1)

    Trata-se de saber quais as taxas efectivamente aplicadas na prática aduaneira?

    2)

    Deve ter-se em conta uma prática aduaneira determinada por falsas declarações na fronteira?

    3)

    Como se devem apreciar, na prática aduaneira, as decisões da Tariefcommissie?

    4)

    Deve ter-se em conta a prática aduaneira dos Países Baixos ou dos países do Benelux em geral?

    Para o primeiro grupo de problemas, a Comissão sublinha, em primeiro lugar, que a proibição do artigo 12.o é válida para cada produto, facto que, aliás, nenhuma das partes pôs em dúvida. O texto da norma não fornece qualquer indício em contrário; designadamente, a utilização do plural («direitos aduaneiros») é eloquente. Da mesma forma, pode deduzir-se de outras disposições aduaneiras deste capítulo que elas são aplicáveis a cada produto (artigo 14.o), excepto se for expressamente mencionado um cálculo de conjunto para as medidas aduaneiras (receita aduaneira total, artigo 14.o).

    Além disso, não se pode negar que o artigo 12.o tem um valor absoluto, isto é, que não admite qualquer excepção. A sua função corresponde, em matéria de direitos aduaneiros, à do artigo 31.o para as restrições quantitativas. No acórdão 7/6l, o Tribunal pronunciou-se sobre o artigo 31o e declarou, com força obrigatória, que o seu efeito absoluto não admite qualquer excepção.

    A Comissão conclui deste facto, quanto a nós correctamente, que mesmo as dificuldades que a reestruturação da nomenclatura pautal pode ocasionar não permitem, em princípio, qualquer desvio à proibição contida no artigo 12.o A Comissão assinala que, mesmo antes da conclusão do Tratado, os Estados-membros se ocuparam dos problemas da transferência das pautas aduaneiras para a nomenclatura de Bruxelas. Tinham, portanto, consciência das suas dificuldades. Se, apesar disso, omitiram a formulação, no artigo 12.o, de uma reserva nesse sentido, tal omissão apenas pode ser vista como um indício do efeito absoluto deste artigo.

    Como resulta do texto da Convenção de Bruxelas sobre a Nomenclatura para a classificação das mercadorias nas pautas aduaneiras (de 15 de Dezembro de 1950), as partes contratantes têm a possibilidade de, no interior das posições da nomenclatura pautal, criar subposições para classificação de produtos e manter, desta forma, uma diferenciação das pautas aduaneiras. A Nomenclatura de Bruxelas não tem necessariamente como consequência a supressão de determinados direitos aduaneiros.

    Os Estados-membros da CEE podem, além disso, eliminar determinadas dificuldades resultantes da modificação da Nomenclatura, reduzindo os seus direitos aduaneiros intracomunitários para determinadas posições abaixo da medida prescrita pelo Tratado, evitando assim a violação da regra do artigo 12.o

    Se se pudesse imaginar que em certos casos podem, no entanto, subsistir dificuldades intransponíveis, deveríamos ter em atenção que as explicações genéricas e pouco consistentes dos Governos interessados neerlandês e belga, não revelam a existência dessas dificuldades. Além disso, a sua força persuasiva está atenuada pelas declarações do secretário de Estado neerlandês das Finanças no debate parlamentar sobre o Protocolo Benelux ( 6 ), que fazem crer que para o produto aqui em causa já existiam, segundo a antiga lei aduaneira de 1947, algumas dificuldades de técnica administrativa aduaneira ligadas à determinação exacta da composição deste produto e das suas possibilidades de utilização. Daqui se poderia concluir que as dificuldades relativas à transferência da Nomenclatura dos direitos aduaneiros não foram factores determinantes no tratamento previsto pelo Protocolo de Bruxelas.

    Mas, afinal, podemos ignorar estas questões de facto. Verificamos simplesmente, pelo menos no que respeita ao caso em análise, que não é possível reconhecer a existência de qualquer possibilidade legal de derrogar a proibição absoluta do artigo 12.o, com o pretexto de modificar a nomenclatura aduaneira.

    Da mesma forma, o artigo 233.o, que determina expressamente que o Tratado CEE não se opõe à existência e ao aperfeiçoamento das uniões regionais entre a Bélgica e o Luxemburgo, bem como entre a Bélgica, o Luxemburgo e os Países Baixos, não permite atenuar a cláusula de standstill do artigp 12.o Como resulta da inserção da frase «na medida em que os objectivos dessas uniões regionais não sejam atingidos pela aplicação do presente Tratado», a ideia principal desta disposição é a de permitir aos Estados do Benelux que acelerem e intensifiquem a integração regional, independentemente do Tratado. Isso não pode, contudo, servir para justificar uma violação das disposições fundamentais do direito comunitário que foram igualmente impostas a todos os Estados-membros e que podem ser respeitadas sem pôr em causa os objectivos da união regional que tivesse adoptado uma pauta exterior comum antes da entrada em vigor do Tratado CEE.

    A noção de «direito aduaneiro aplicado» está no centro do segundo grupo de questões.

    Também aqui podemos remeter para um acórdão do Tribunal. No processo 10 /61, o Tribunal declarou que quer em relação ao artigo 12.o, quer em relação ao artigo 14.o, é o direito aduaneiro efectivamente aplicado e não o direito legalmente aplicável que constitui o elemento decisivo. Esta concepção assenta na constatação de que seria difícil para o Tribunal controlar o direito nacional (a legalidade da prática aduaneira existente), bem como no facto de que é frequente no Tratado a distinção entre pauta «legalmente aplicável» e «pauta aplicada de facto», como o demonstra o artigo 19.o

    Não vemos qualquer razão para questionar o princípio contido nesta decisão. Mas, no processo sub judice, existem ainda alguns aspectos especiais do problema que merecem ser tomados em consideração.

    Foi afirmado que, em certos casos, só foi aplicado um direito aduaneiro de 3 % a produtos do género dos que constituem objecto da decisão aduaneira em litígio, com base em falsas declarações na fronteira. Estes casos não apresentam qualquer dificuldade. Parece-nos evidente que tal prática não deve ser tomada em consideração, mesmo que se assente que não é necessário ter em conta os direitos aduaneiros legalmente aplicáveis, mas sim a prática de facto, uma vez que a ratio legis, segundo a qual é a prática da administração das alfândegas que é decisiva para as medidas comerciais, não exige a protecção das pessoas cujo comportamento está na origem da aplicação incorrecta da pauta aduaneira. Portanto, falsas declarações na fronteira jamais podem fundamentar uma prática determinante para o regime aduaneiro do Tratado.

    Além disso, foi suscitada a questão da importância das decisões da Tariefcommissie adoptadas depois da entrada em vigor do Tratado e que determinaram a aplicação aos produtos em causa de um direito aduaneiro de 3 % e não de 10 % e que, consequentemente, consideraram ilegal a prática do fisco neerlandês. Para esclarecer o problema, o Tribunal, na audiência, pediu explicações escritas às partes. Como o seu conteúdo não deixa qualquer dúvida, nada se opõe à sua utilização no presente caso. Eis o quadro que nos fornecem.

    Segundo as explicações da recorrente no processo neerlandês, à importação de ureia formaldeído pura (portanto do produto aqui em causa), até Setembro de 1956, foi aplicado um direito aduaneiro de 3 %. A partir dessa data, a administração das alfândegas passou a cobrar um direito de 10 % sobre este mesmo produto. A primeira modificação da prática aduaneira levou a recorrente a instaurar um processo administrativo que motivou a decisão atrás mencionada da Tariefcommissie de 6 de Maio de 1958. Esta decisão deu lugar, para as importações posteriores a Setembro de 1956, à restituição da parte do direito aduaneiro paga em excesso, mantendo-se o direito nos 3 %. Uma outra consequência desta decisão foi que até Setembro de 1959 foi aplicada uma taxa de 3 %. Nessa data, verificou-se uma nova modificação da prática aduaneira, caracterizada pela aplicação de uma taxa de 10 %, o que deu origem a um novo recurso administrativo. Em 2 de Maio de 1960, a Tariefcommissie proferiu segunda decisão de conteúdo idêntico ao da decisão de 6 de Maio de 1958, e que teve por efeito a restituição parcial do direito pago relativamente às importações efectuadas entre Setembro de 1959 e 1 de Março de 1960 (entrada em vigor da nova pauta aduaneira).

    Se todas estas informações forem correctas — e não existe qualquer razão para disso duvidar — deve observar-se que todas as importações de ureia formaldeído feitas pela recorrente e que, segundo as suas próprias informações, teriam constituído a maior parte deste tipo de importações para os Países Baixos, foram provisoriamente sujeitas a um direito de 10 %; porém, na sequência de decisões judiciais procedeu-se a uma rectificação que reintroduziu o direito aduaneiro de 3 % até 1 de Março de 1960.

    Impõe-se perguntar agora se, aplicando os princípios enunciados no seu acórdão de 10/61, o Tribunal só pode ter em conta a prática aduaneira seguida até 1 de Janeiro de 1958. Em nossa opinião, isso não é possível. Com efeito, não pode esquecer-se que, se o papel da prática aduaneira é posto em relevo, é sobretudo, porque o Tribunal não queria proceder ao controlo da legalidade da prática efectiva.

    No nosso caso, a situação foi esclarecida juridicamente por um tribunal nacional, e isso pouco tempo depois da entrada em vigor do Tratado: aconteceu num recurso interposto alguns meses antes da entrada em vigor do Tratado e cujo resultado final se traduziu na rectificação retroactiva a 1 de Janeiro de 1958 da prática aduaneira em benefício dos meios económicos interessados.

    Surge, assim uma distinção de facto que não podemos negligenciar. O objectivo essencial da regra de standstill do artigo 12.o consiste em impedir a criação de obstáculos às trocas comerciais entre os Estados-membros. Esta regra baseia-se na prática, já que, geralmente, as relações económicas regulam-se em função da prática administrativa. No caso sub judice, a prática aduaneira foi durante bastante tempo contestada. Porém, o conflito resolveu-se a favor dos importadores. A rectificação da prática com base na situação jurídica não pôde, portanto, prejudicar, de nenhuma forma, a prática comercial.

    Portanto, se ao aplicar o artigo 12.o for tida em conta uma modificação retroactiva da prática aduaneira, provocada por uma decisão proferida pouco tempo depois da entrada em vigor do Tratado, tal modificação não pode ser vista como uma violação da regra de standstill, mas sim como uma aplicação que responde ao espírito geral do Tratado.

    Finalmente, colocou-se ainda a questão de saber qual a prática aduaneira que é necessário ter em conta: se a neerlandesa, ou a que em 1 de Janeiro de 1958 era seguida pelo conjunto dos Estados do Benelux. Para solucionar esta questão, pode-se, quanto a nós, deixar em aberto a questão de saber se na união aduaneira dos Estados do Benelux existia, quanto à pauta exterior comum, um meio que garantisse uma prática aduaneira uniforme. Da mesma forma, pode-se deixar em aberto o problema de saber se, além dos Países Baixos, existia nos Estados do Benelux uma prática para o produto em questão e, em caso afirmativo, se tal prática evoluiu em sentido diferente, ou se as importações se limitaram aos Países Baixos. Com efeito, parece-nos que não dispomos de qualquer liberdade na apreciação jurídica. Diversamente do artigo 19.o, que fala em quatro zonas aduaneiras, incluindo, portanto, a zona Benelux, o artigo 12.o refere-se a Estados-membros. Daqui devemos concluir que, para efeitos da regra de standstill do artigo 12.o, que, aliás, se aplica à prática aduaneira e não à situação jurídica, é a situação de facto em cada Estado-membro que é determinante. Cada um dos Estados-membros do Tratado é responsável perante os seus parceiros e as instituições da Comunidade pelo cumprimento do Tratado.

    Em nosso entender, no âmbito dó artigo 177.o, o Tribunal não pode, sobre esta segunda questão, dar mais do que estas orientações de interpretação, as quais, no entanto, são suficientes para permitir ao orgão jurisdicional neerlandês aplicar correctamente ao caso que tem em apreciação, as disposições do Tratado, tendo presente a aplicabilidade directa do artigo 12.o

    Resumindo, podemos afirmar o seguinte, no que respeita à segunda questão:

    O artigo 12.o tem efeito absoluto e aplica-se a cada produto isoladamente. Não admite excepções seja para suprimir as dificuldades que comporta a adopção da nomenclatura, seja em benefício de uniões regionais no interior da Comunidade. A questão de saber se a introdução de uma nova pauta aduaneira provoca um aumento de direitos deve ser resolvida de acordo com a pauta aduaneira aplicada de facto a cada produto em data de 1 de Janeiro de 1958. A prática aduaneira determinante deve ser estabelecida sem ter em conta casos de falsas declarações prestadas na alfândega. Em contrapartida, há que ter em conta as rectificações obrigatórias da prática aduaneira verificadas nos Países Baixos pouco tempo depois da entrada em vigor do Tratado, resultantes de decisões de um tribunal administrativo. Finalmente, é determinante a prática aduaneira seguida em cada Estado-membro.

    IV — Conclusão

    Propomos ao Tribunal que se limite, no seu acórdão, a responder à primeira questão e que declare que o artigo 12.o apenas contém uma obrigação para os Estados-membros.


    ( *1 ) Língua original: alemão.

    ( 1 ) Entrada em vigor nos três países do Benelux em 1948 ao abrigo da Convenção Aduaneira de 5 de Setembro de 1944.

    ( 2 ) Constante do acordo de 15 de Dezembro de 1950 sobre a nomenclatura pautal para a classificação das mercadorias nas pautas aduaneiras.

    ( 3 ) Pescatore: «L'autorité en droit interne des traités internationaux», Pasicrisie luxembourgeoise, 1962, p. 99 e seguintes.

    ( 4 )

    ( 5 ) Gerhard Bebr: «The Relationship between Community Law and the Law of the Member States» (Restrictive Practices, Patents, Trade Marks and Unfair Competitlon in the Common Market).

    ( 6 ) Anexo IV do pedido.

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