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Document 61955CJ0008

Acórdão do Tribunal de 16 de Julho de 1956.
Fédération Charbonnière de Belgique contra Alta Autoridade da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
Processo 8-55.

Edição especial inglesa 1954-1961 00043

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1956:7

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

16 de Julho de 1956 ( *1 )

No processo 8/55,

Fédération Charbonnière de Belgique, representada por Louis Dehasse e Léon Canivet, assistidos por Paul Tschoffen, advogado na cour d'appel de Liège, e por Henri Simont, advogado na Cour de cassation da Bélgica, professor na Universidade Livre de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo, 6, rue Henri Heine,

recorrente,

contra

Alta Autoridade da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, representada pelo seu consultor jurídico Walter Much, na qualidade de agente, assistido por G. Van Hecke, advogado na cour d'appel de Bruxelas, professor na Universidade de Lovaina, com domicílio escolhido no Luxemburgo no seu gabinete, 2, place de Metz,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão n.o 22/55 da Alta Autoridade, de 28 de Maio de 1955, e de certas decisões da Alta Autoridade que resultam da carta por esta dirigida em 28 de Maio de 1955 ao Governo do Reino da Bélgica, relativa à adaptação do sistema de perequação (Jornal Oficial da Comunidade de 31.5. 1955, p. 753-758),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: M. Piloti, presidente, J. Rueff e O. Riese, presidentes de secção, P. J. S. Serrarens, L. Delvaux, Ch. L. Hammes e A. van Kleffens, juízes,

advogado-geral: M. Lagrange

secretário: A. Van Houtte

profere o presente.

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

A — Quanto à admissibilidade do recurso

O recurso pretende a anulação:

1)

Da Decisão n.o 22/55 da Alta Autoridade, de 28 de Maio de 1955, e da tabela anexa, publicadas no Jornal Oficial da Comunidade de 31.5.1955, na medida em que fixam reduções de preços para certas espécies de carvão.

2)

Das decisões contidas na carta dirigida pela Alta Autoridade ao Governo belga em 28 de Maio de 1955 e no quadro das taxas de perequação anexo a esta carta:

a)

na medida em que a supressão ou redução da perequação em relação a certas empresas exploradoras das minas de carvão provoca uma discriminação entre produtores de espécies idênticas de carvão;

b)

na medida em que, nos termos da referida carta, os pagamentos da perequação serão ou poderão ser retirados a certas empresas, se estas não realizarem o esforço de reequipamento julgado possível e necessário ou recusarem efectuar as cessões ou trocas de jazigos julgadas indispensáveis a uma melhor adaptação dos campos de exploração.

No que diz respeito à Decisão n.o 22/55, a recorrente pretende que esta é uma decisão individual; a recorrida sustenta, pelo contrário, que se trata de uma decisão geral. Para a recorrente, o carácter individual da decisão deduz-se do facto de, devido ao nexo indissolúvel entre a perequação e a fixação dos preços, os efeitos da tabela de preços serem diferentes para as três empresas exploradoras das minas de carvão de Campine e para as outras minas belgas, na medida em que a perequação concedida às três empresas não é idêntica à que recebem as outras minas.

Sem negar que os efeitos da tabela de preços variarão na medida em que a própria perequação varia, o Tribunal rejeita a tese da recorrente segundo a qual estas variações dos efeitos da tabela de preços condicionam a qualificação da Decisão n.o 22/55. Com efeito, esta decisão foi adoptada no âmbito de um regime especial previsto pelo artigo 26.o da convenção para a Bélgica, durante o período de transição, e aplicável, segundo modalidades concretas, por muito detalhadas e variadas que sejam, à totalidade das empresas e a quaisquer transacções abrangidas pelo referido regime.

No âmbito deste regime, a decisão aplica-se às empresas apenas devido à sua característica de serem produtoras de carvão, e sem qualquer especificação. No caso de um novo jazigo vir a ser descoberto na Bélgica, o seu explorador teria a obrigação de vender aos preços fixados pela decisão. Por outro lado, a limitação territorial não implica qualquer especificação individual e justifica-se pelo facto de a indústria belga necessitar da perequação.

O facto de a Decisão n.o 22/55 incluir uma regulamentação detalhada e concreta, aplicável a situações diferentes, não está em contradição com o carácter geral da decisão. Com efeito, o Tratado, no artigo 50.o, n.o 2, diz que as condições de incidência e de cobrança serão fixadas por uma decisão geral da Alta Autoridade, o que demonstra que as consequências concretas, detalhadas e variadas, de uma decisão geral não prejudicam o seu carácter geral.

O facto de a associação recorrente agrupar todas as empresas a que se aplica a decisão — e só estas — também não conduz a um resultado diferente. Porque, a ser de outra forma, era necessário negar o carácter geral mesmo a uma decisão aplicável a todas as empresas da Comunidade, se estas se agrupassem numa única e mesma associação. O carácter individual ou geral de uma decisão deve resultar de critérios objectivos, de maneira que não seja possível proceder a distinções consoante o recorrente seja uma associação ou uma empresa.

Quanto às decisões contidas na carta de 28 de Maio de 1955, as partes entendem que a primeira, relativa à redução e à supressão da perequação, tem carácter individual, e que a segunda, relativa à ameaça de retirar a perequação, tem carácter geral; sobre este ponto, o Tribunal adere à posição das partes.

No decurso da audiência, a recorrida suscitou a questão de saber se é permitido considerar esta última declaração uma decisão susceptível de ser objecto de um recurso de anulação nos termos do artigo 33.o do Tratado. Ora, na sua carta de 28 de Maio de 1955, a Alta Autoridade reconheceu que a ajuda de perequação deve obrigatoriamente ser acompanhada de um conjunto de medidas que incumbem ao Governo belga; entende, além disso, que o Governo belga deveria aplicar quatro medidas, indicadas nas alíneas a), b), c) e d). O enunciado da alínea d) faz pois parte do conjunto das medidas que o Governo belga seria obrigado a tomar, se necessário. A Alta Autoridade determinou assim, de forma inequívoca, a atitude que adoptaria a partir de então no caso de as condições indicadas no n.o 2, alínea d), da carta se encontrarem satisfeitas. Noutros termos, estabeleceu uma regra susceptível de ser aplicada, se for caso disso. É portanto necessário ver nela uma decisão no sentido do artigo 14.o do Tratado.

Tendo sido provado o carácter individual ou geral de cada uma das decisões, a recorrente tem legitimidade para pedir a anulação da redução e da supressão da perequação — decisão individual contida na carta de 28 de Maio de 1955 — invocando todos os fundamentos referidos no artigo 33o do Tratado; tem legitimidade para interpor recurso de anulação das duas outras decisões, na medida em que as considere viciadas de desvio de poder que a afecte, sendo estas decisões gerais.

Para que o recurso de anulação de uma decisão geral seja admissível, basta que a recorrente alegue formalmente um desvio de poder que a afecte, indicando de forma pertinente as razões das quais, em sua opinião, decorre esse desvio de poder.

O recurso satisfaz as condições acima mencionadas e, assim sendo, é admissível.

No entanto, a opinião das partes difere sobre o alcance exacto do artigo 33. o do Tratado quanto à admissibilidade de certos fundamentos invocados pela recorrente contra as decisões gerais.

A recorrida pretende que uma empresa só pode invocar o fundamento de desvio de poder que a afecte se a Alta Autoridade camuflou sob a aparência de uma medida regulamentar e geral uma decisão individual «que afecte» esta empresa.

Esta tese deve ser rejeitada; com efeito, uma decisão individual camuflada continua a sê-lo, não dependendo o carácter de uma decisão da sua forma mas do seu alcance. Além disso, uma tal interpretação do artigo 33. o, e designadamente das palavras «que as afecte», não poderia ser aceite, não tendo essa expressão outro sentido senão o das palavras que a exprimem, ou seja, que se trata de uma empresa que é o objecto ou pelo menos a vítima do desvio de poder que alega. O Tribunal entende que o artigo 33. o diz claramente que as associações e as empresas podem impugnar não só as decisões individuais mas também decisões gerais, no sentido próprio do termo.

A título subsidiário, a recorrida sustenta que os fundamentos que a recorrente tem legitimidade para invocar estão limitados ao fundamento de desvio de poder, devendo ser afastados todos os outros. A recorrente, pelo contrário, entende não só que tem legitimidade para invocar todos os fundamentos de anulação, desde que invoque fundamentadamente um desvio de poder, mas ainda que pode carrear a prova dos outros vícios para apoiar o de desvio de poder; em sua opinião, o Tratado estabelece um sistema jurídico onde as empresas privadas só dispõem, para que os seus recursos sejam admissíveis, do fundamento de desvio de poder que as afecte; por este motivo, seria ilógico conferir a este fundamento apenas um carácter excepcional e subsidiário.

Esta tese deve ser rejeitada; se o Tratado prevê que as empresas privadas dispõem do direito de requerer a anulação de uma decisão geral com fundamento em desvio de poder que as afecte, isso significa que não lhes é conferido um direito de recurso com outros fundamentos.

Se a tese da recorrente fosse exacta, as empresas teriam um direito de recurso tão completo como o dos Estados e do Conselho, e seria inexplicável que o artigo 33.o, em vez de equiparar muito simplesmente os recursos das empresas aos dos Estados ou do Conselho, tenha introduzido uma distinção muito clara entre as decisões individuais e as decisões gerais, limitando, no caso das empresas, a anulação das decisões gerais ao fundamento de desvio de poder que as afecte. O incisivo «nas mesmas condições» não pode ser interpretado no sentido de que as empresas, após terem provado um caso de desvio de poder que as afecte, têm o direito de invocar ainda os outros fundamentos de anulação, porque, estando provado o desvio de poder que as afecte, a anulação da decisão em causa é certa, sem que seja necessário declará-la de novo, com outros fundamentos.

Estas considerações contradizem claramente o ilogismo em que incorre a recorrente ao supor que é preciso subordinar a interpretação do Tratado ao desejo de facultar às empresas privadas um direito de recurso praticamente idêntico ao dos Estados e do Conselho. Esse desejo é compreensível, mas o Tratado não contém qualquer indicação que permita concluir pela concessão às empresas privadas de um direito ao controlo da «constitucionalidade» das decisões gerais, isto é, da sua conformidade com o Tratado, uma vez que se trata de actos quase legislativos emanados de uma autoridade pública e com efeito normativo erga omnes.

Se é certo que o artigo 33 o admite um direito de recurso de anulação de uma decisão geral com fundamento em desvio de poder que afecte uma empresa, trata-se de uma excepção justificada pelo facto de, neste caso, ser ainda o elemento individual que prevalece.

Assim, a recorrente só tem legitimidade para invocar contra as decisões gerais o fundamento de desvio de poder que a afecte; no que diz respeito à decisão individual, estando as partes de acordo sobre esta qualificação, a recorrente tem legitimidade para invocar todos os fundamentos indicados no primeiro parágrafo do artigo 33.o

B — Quanto ao mérito

Antes de examinar as questões relativas à Decisão n.o 22/55, designadamente as de saber se a Alta Autoridade dispõe do poder de fixar os preços de venda, assim como as acusações relativas à carta de 28 de Maio de 1955, convém proceder, antes de mais, à análise da determinação do nível dos custos de produção previsíveis.

Quanto à avaliação deste nível, a recorrente sustentou em primeiro lugar que a Alta Autoridade não tem legitimidade para modificar a avaliação inicial dos custos de produção previsíveis, porque se trata da fixação de um «patamar de espera», a determinar no início do período de transição e devendo permanecer imutável, salvo rectificação efectuada de comum acordo.

Esta tese da recorrente deve ser rejeitada, uma vez que o artigo 26.o da convenção estipula que a baixa inevitável dos preços belgas é determinada pelo nível dos custos de produção previsíveis para o termo do período de transição. Por conseguinte, em caso de modificação de nível previsível dos custos de produção, é necessário proceder a uma nova avaliação que a tenha em conta.

Em segundo lugar, as partes estão em desacordo quanto ao método a seguir para avaliar o nível dos custos de produção previsíveis. O Tribunal entende que, antes de se pronunciar, é necessário decidir qual era o nível, razoavelmente calculado, dos «custos de produção previsíveis para o termo do período de transição», com base nas previsões que os factos e circunstâncias conhecidos no momento desta avaliação permitiam fixar para cada uma das espécies e categorias de carvão.

As respostas dadas pelas partes às perguntas formuladas pelo juiz-relator não são suficientes para este fim.

Tendo as partes declarado na sua resposta comum que uma tal especificação não podia ser apresentada ao Tribunal nos prazos fixados, é conveniente conceder-lhes um novo prazo para esse efeito.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

ouvidas as alegações das partes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

vistos os artigos 2o, 3o, alínea c), 4.o, 8.o, 14.o, 33o, 34.o, 36.o, 50.o, 60.o e 61.o do Tratado CECA, assim como os artigos 1o, 8.o, 24.o, 25.o e 26.o da convenção,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal,

visto o Regulamento do Tribunal, assim como o Regulamento do Tribunal relativo às despesas de justiça,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

O recurso é admissível.

 

2)

É reaberta a fase oral do processo. Esta incidirá exclusivamente sobre o nível, por espécies e categorias, dos custos de produção dos carvões belgas previsíveis para o termo do período de transição e sobre a sua posição relativa face aos preços fixados pela Decisão n.o 22/55.

 

3)

A data na qual as partes terão de depositar na Secretaria do Tribunal de Justiça as informações e esclarecimentos suplementares indicados no presente acórdão é fixada em 1 de Setembro de 1956 e a audiência é marcada para 20 de Setembro de 1956, às 10 horas e 30 minutos.

 

4)

Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

 

Pilotti

Rueff

Riese

Serrarens

Delvaux

Hammes

Van Kleffens

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Julho de 1956.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

M. Pilotti


( *1 ) Língua do processo: francês.

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