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Document 52024XC05684

    Publicação de um pedido de registo de um nome em conformidade com o artigo 50.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios

    C/2024/6635

    JO C, C/2024/5684, 24.9.2024, ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/5684/oj (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/5684/oj

    European flag

    Jornal Oficial
    da União Europeia

    PT

    Série C


    C/2024/5684

    24.9.2024

    Publicação de um pedido de registo de um nome em conformidade com o artigo 50.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios

    (C/2024/5684)

    No seguimento desta publicação, as autoridades de um Estado-Membro ou de um país terceiro, ou uma pessoa singular ou coletiva com um interesse legítimo e estabelecida ou residente num país terceiro, podem, nos termos do artigo 61.o do Regulamento (UE) 2024/1143 do Parlamento Europeu e do Conselho (1), declarar oposição junto da Comissão no prazo de três meses a contar desta data.

    «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima»

    TSG-PT-02975 - 12.7.2023

    Portugal

    1.   Nome a registar

    «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima»

    2.   Tipo de produto [em conformidade com o Anexo XI]

    Ponto 2.21. Pratos cozinhados

    3.   Justificação do registo

    3.1.   Indicar se o produto

    é o resultado de um modo de produção, transformação ou composição que correspondem a uma prática tradicional para esse produto ou género alimentício,

    é produzido a partir de matérias-primas ou ingredientes utilizados tradicionalmente.

    Diversos documentos atestam a preparação ancestral deste prato gastronómico, nomeadamente o registo de uma receita do arroz de sarrabulho, semelhante à atual, num copiador de correspondência da Casa de Bertiandos (Ponte de Lima), entre 1844 e 1850 (Arquivo Municipal de Ponte Lima, PT-AMPL-Casa de Bertiandos-Copiadores de Correspondência_1844-1850-16-17), ou ainda nas referências feitas pelo Conde D’Aurora, autor limiano, no seu livro de 1935, O Pinto: infância, paixões e morte de um cacique eleitoral (Ed. Livraria Tavares Martins, Porto, p. 57), relativamente à sua composição e preparação.

    Segundo reza a história, a partir de 1916, este prato extravasa as cozinhas particulares (Couto Viana, A. M., O Anunciador das Feiras Novas, 2000), preservando os ingredientes específicos tradicionalmente utilizados na região de Ponte de Lima, designadamente a beloura, a chouriça de verde, a tripa branca e os rojões, mas também o vinho e/ou o vinagre de vinho verde tinto. A forma de preparação de cada um dos produtos e a apresentação do prato cozinhado atualmente mantêm as suas características tradicionais.

    3.2.   Indicar se o nome

    é tradicionalmente utilizado para fazer referência ao produto específico,

    identifica o caráter tradicional ou a especificidade do produto.

    O nome «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima», já referenciado na publicidade de diversos restaurantes locais na publicação Feira Novas de 1951 («Festas do Concelho de Ponte de Lima», Feiras Novas, Tipografia Guimarães, 1951) e em número da revista O Anunciador das Feiras Novas de 1986 (ano 3, série 2, n.o 3, Ponte de Lima, 1986) e de 1987 (ano 4, série 2, n.o 3, Ponte de Lima, 1987, p. 41), designa um prato cozinhado constituído por arroz cozido num caldo de carnes variadas, acompanhado por pedaços de carne e enchidos preparados especificamente para o efeito. Neste prato é tradicional a aromatização com especiarias e com vinagre e/ou com vinho verde tinto. O começo da preparação deste prato fora do âmbito familiar deu-se no início do século XX, pela mão da famosa cozinheira Clara Penha (1836-1924), tendo-se desde então afirmado nas ementas diárias de Ponte de Lima pela mão de familiares e seguidores fiéis, perpetuando-se até hoje tanto em restaurantes famosos como em pequenas tabernas que preparam e servem diariamente este prato cozinhado seguindo sempre a receita historicamente consolidada.

    4.   Descrição

    4.1.   Descrição do produto identificado com o nome inscrito no ponto 1, incluindo as principais características físicas, químicas, microbiológicas ou organoléticas que demonstram a especificidade do produto [artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2014 da Comissão de 13 de junho de 2014]

    «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» designa um prato cozinhado que se apresenta com duas partes distintas:

    um arroz malandro, não empapado, com bastante calda, de cor castanha escura, sem coágulos, e onde sobressai a presença de carne desfiada. O aroma é perfumado com notas de cominhos, louro e limão; o sabor é intenso, ligeiramente ácido, com notas pronunciadas de cominhos, cravinho e louro;

    um conjunto de carnes e enchidos em que são obrigatórios: a beloura, apresentada às rodelas, de massa homogénea e de cor castanha uniforme, com aroma e sabor moderado a louro e alho; a chouriça de verde, de massa moderadamente homogénea, em que se nota a presença da cebola, com aroma e sabor ligeiramente adocicado, e em que se distingue a presença dos cominhos, alho e louro; a tripa branca, de cor clara homogénea, com aroma a alho e louro e sabor levemente picante também a alho, louro e cominhos; os rojões de porco, que se apresentam sob a forma de pequenos cubos de carne da perna de porco, macios e suculentos, com uma cor dourada homogénea, refletindo, quer no aroma, quer no sabor, a vinha de alhos em que foram temperados; e em que são facultativos: o bucho, o fígado, o coração, os bofes e o sangue de porco, devidamente cozinhados e apresentados em pequenos pedaços fritos em banha de porco, e batatas ou castanhas devidamente preparadas.

    Caracterização físico-química dos componentes [arroz, rojões, chouriça de verde, beloura e tripa, prontos a consumir (valores em g/100 g de parte edível)].

     

    Humidade

    Proteína

    Gordura

    Sal, expresso em cloretos

    Arroz

    73,90 – 80,71

    3,04 – 7,09

    0,90 – 2,40

    0,78 – 1,52

    Rojões

    50,20 – 58,00

    27,04 – 34,17

    6,46 – 12,77

    0,55 – 1,50

     (*1) Chouriça de Verde

    54,36 – 81,85

    6,10 – 14,80

    0,35 – 14,75

    1,17 – 2,33

     (*1) Beloura

    41,92 – 58,41

    5,03 – 8,94

    0,20 – 3,26

    0,26 – 1,59

    Tripa

    43,56 – 62,79

    6,97 – 11,18

    16,32 – 20,92

    0,67 – 1,60

    4.2.   Descrição do método de obtenção do produto identificado com o nome inscrito no ponto 1, incluindo, se pertinente, a natureza e características das matérias-primas ou ingredientes utilizados e o método de preparação do mesmo [artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2014 da Comissão, de 13 de junho de 2014)

    A preparação do «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» compreende as seguintes fases de elaboração dos diferentes componentes do prato:

    Arroz

    Ingredientes para a preparação da calda do arroz:

    ½ kg de carne de vaca (preferencialmente ganso redondo);

    ½ kg de carne de porco (costeletas e um osso da suã, preferencialmente de porco da raça bísara ou de cruzado de bísaro);

    ½ kg de carne de galinha (preferencialmente gorda); poderá também ser usada uma chouriça de carne (150 g) e um pouco de entrecosto de porco fresco;

    1 kg de arroz carolino;

    ¼ l de sangue de porco, ao qual foi adicionado vinagre de vinho verde tinto ou vinagre de vinho tinto misturado com vinho verde tinto da região.

    Condimentos de base:

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares, 1-1,5 % (10-15 g por kg de arroz);

    folha de louro (Laurus nobilis), quanto baste;

    pimenta (Piper nigrum), quanto baste;

    cravinho (Syzygium aromaticum), quanto baste;

    noz-moscada (Myristica fragrans), quanto baste;

    cominhos (Cuminum cyminum), quanto baste;

    sumo de um limão (Citrus limonum).

    Confeção do arroz

    Num tacho, põem-se as carnes todas a cozer em água fria (aproximadamente três litros) e junta-se um pouco de louro e cravinho, noz-moscada, sal e pimenta. Deixam-se cozer as carnes muito bem, retirando a espuma que se forma à superfície. Logo que as carnes estejam bem cozidas, retira-se tudo do lume. As carnes, depois de arrefecidas, são desfiadas. À calda de cozer as carnes, depois de retificados os temperos, é retirada a gordura que porventura esteja a mais, levando-se novamente ao lume, e deixa-se levantar fervura tendo-se já acrescentado a água necessária. Junta-se o arroz. Quando estiver meio cozido, juntam-se as carnes desfiadas e o sangue de porco liquefeito. Retificam-se os temperos e deixa-se ferver até o arroz estar completamente cozido. Junta-se-lhe então o sumo de limão, o cravinho e os cominhos em pó e serve-se de imediato.

    Beloura

    As matérias-primas tradicionalmente utilizadas na confeção da beloura são:

    farinha de milho (40-60 %, podendo compreender até 80 % no caso de não utilização de farinha de trigo);

    farinha de trigo (20-30 %), de utilização facultativa e a substituir por igual proporção de farinha de milho;

    farinha de centeio (20-30 %);

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares, 1,3 % [13 g (valor médio) de sal por kg de mistura de farinhas];

    pimenta branca (Piper nigrum), quanto baste;

    cominhos (Cuminum cyminum), quanto baste;

    1 folha de louro (Laurus nobilis);

    1 ramo de salsa (Petroselinum crispum);

    1 dente de alho (Allium sativum L.), seco, não germinado, de utilização facultativa;

    pimentão vermelho (Capsicum annuum), quanto baste, de utilização facultativa;

    sangue de porco (14 % vol/massa farinha);

    banha de porco, quanto baste;

    água de cozer o bucho, as chouriças ou, preferencialmente, os molhinhos (tripas de porco), quanto baste.

    Método de preparação e confeção

    As farinhas são peneiradas e escaldadas numa bacia ou alguidar com um pouco de água quente ou com a água em que se cozeram as chouriças. Em seguida, juntam-se num alguidar todos os ingredientes (farinha escaldada, sal, pimenta e cominhos) e amassam-se com o sangue de porco. Quando a massa se soltar do alguidar, molda-se com as mãos em forma de bola, cilindro ou rolos em cima de uma mesa polvilhada com farinha. Depois leva-se a cozer na água em que foram cozidas as chouriças ou os molhinhos (tripas de porco) ou em água com sal, louro, salsa e/ou um pouco de banha de porco.

    Quando as belouras vêm à superfície é sinal de que estão cozidas. Deixam-se arrefecer e acondicionam-se em alguidar de barro separadas por folhas de louro. Por fim, cortam-se em rodelas finas e fritam-se em pingue (banha de porco).

    Chouriça de verde

    ½ kg de redenho de porco picado;

    2 cebolas (Allium cepa) picadas;

    200 g de salsa (Petroselinum crispum) picada;

    pimenta branca (Piper nigrum), quanto baste, de utilização facultativa;

    pimentão vermelho (Capsicum annuum), quanto baste, de utilização facultativa;

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares, 1,6 % [16 g (valor médio) de sal por litro de sangue];

    1 folha de louro (Laurus nobilis), de utilização facultativa;

    cominhos (Cuminum cyminum), quanto baste;

    água de cozer o bucho, as chouriças ou, preferencialmente, os molhinhos (tripas de porco);

    tripa fina de porco, fresca;

    sumo de limão (Citrus limonum), quanto baste, de utilização facultativa;

    mistura de vinagre com o tradicional vinho verde da região (branco ou tinto, ou mistura dos dois), pela acidez característica, de utilização facultativa;

    farinha de milho («farinha milha»), de utilização facultativa;

    1 l de sangue de porco;

    fio do norte (fio de linho polido), para atar;

    banha de porco.

    Método de preparação e confeção

    O processo de preparação da «Chouriça de Verde» começa pela lavagem da tripa fina de porco fresca em água com limão, sal e/ou vinagre e um pouco de farinha milha, para que fique bem esfregada. A tripa fica em repouso várias horas ou de um dia para o outro. Depois de esfregada e lavada, a tripa é virada do avesso.

    Uma vez preparada a tripa de porco, juntam-se os ingredientes numa bacia ou alguidar. Adiciona-se a cebola picada, o redenho picado, a salsa picada, o sal, os cominhos, a pimenta (facultativo), a folha de louro (facultativo) e o sangue de porco. Mistura-se tudo muito bem e enche-se a tripa com a ajuda de um funil. A tripa ata-se com um nó na ponta com fio do norte. A tripa não se enche totalmente, ficando «meia cheia, meia vazia».

    De seguida, leva-se a cozer a «Chouriça de Verde» em água com folha de louro e/ou um pouco de banha. Para se verificar se o processo de cozedura da «Chouriça de Verde» está completo, pica-se com uma agulha ou garfo. Se esta não apresentar sangue, está cozida. Depois de cozida, a «Chouriça de Verde» é frita em banha de porco. Depois de frita, corta-se em doses individuais, serve-se de imediato, quente, com os rojões e restantes acompanhamentos do prato. A «Chouriça de Verde» não é fumada.

    Tripa branca

    farinhas de milho (de 50 a 100 %), trigo (até 25 %) e centeio (até 25 %), preferencialmente de milho (100 %);

    pimentão vermelho (Capsicum annuum), quanto baste, de utilização facultativa;

    pimenta branca (Piper nigrum), quanto baste;

    alho (Allium sativum L.), seco, não germinado, de utilização facultativa;

    1 folha de louro (Laurus nobilis);

    cominhos (Cuminum cyminum), quanto baste;

    água de cozer o bucho ou as chouriças, quanto baste, preferencialmente;

    2 limões (Citrus limonum);

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares, 0,7-1,6 % (0,7 -1,6 g de sal por 100 g de tripa de porco);

    tripa de porco fresca.

    Método de preparação e confeção

    Lavam-se bem as tripas e deixam-se a repousar umas horas em água e limão. Juntam-se os restantes ingredientes e um pouco da água de cozer o bucho. Mistura-se bem e amassa-se. Enchem-se as tripas com a massa obtida e, depois de cheias, colocam-se a cozer na água de cozedura do bucho. Quando estiverem cozidas, retiram-se da panela e cortam-se em pedaços (3-5 cm de comprimento) que se levam a fritar. Servem-se de imediato.

    Rojões

    1,5 kg de carne de porco (perna, preferencialmente de porco da raça bísara ou de cruzado de bísaro);

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares; 0,5-1,5 % (5-15 g de sal por kg de carne de porco);

    alho (Allium sativum L.), seco, não germinado, quanto baste;

    pimenta branca (Piper nigrum), quanto baste;

    1 folha de louro (Laurus nobilis);

    ½ l de vinho verde branco da região, pela acidez característica;

    banha de porco, quanto baste.

    Método de preparação e confeção

    Corta-se a perna de porco em pedaços e coloca-se a marinar em vinho verde branco, alho, sal, pimenta e louro. A carne é depois cozinhada nesta vinha de alhos e num pouco de gordura, preferencialmente banha de porco.

    O «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» poderá também ser acompanhado, nomeadamente, de bucho, fígado, coração, bofes e sangue cozido e frito.

    Bucho

    bucho de porco;

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares;

    alho (Allium sativum L.), seco, não germinado, de utilização facultativa;

    folha de louro (Laurus nobilis);

    água;

    banha de porco.

    Confeção

    Coze-se o bucho em água temperada com sal, louro e alho. Quando estiver cozido, retira-se e reserva-se a água de cozedura. Corta-se o bucho em tiras que, de seguida, se fritam em banha de porco. Serve-se de imediato juntamente com os restantes acompanhamentos do prato.

    Fígado

    fígado de porco;

    banha de porco.

    Corta-se o fígado em tiras, que se fritam em banha de porco e se juntam às restantes frituras.

    Coração e bofes

    Cozem-se ambos na calda que se prepara para o arroz. Quando estiveram cozidos, retiram-se, cortam-se em pedaços, fritam-se em banha de porco e juntam-se às restantes frituras.

    Sangue de porco

    sangue de porco;

    sal (NaCl) próprio para fins alimentares;

    alho (Allium sativum L.), seco, não germinado, de utilização facultativa;

    folha de louro (Laurus nobilis);

    água;

    banha de porco.

    Confeção

    Coze-se o sangue de porco em água temperada com sal, louro e alho. Estando cozido, corta-se em pedaços que se fritam em banha de porco e se juntam à travessa das frituras.

    Batatas/castanhas

    Assam-se ou alouram-se em gordura, preferencialmente banha de porco.

    A carne de porco usada na preparação de qualquer um dos componentes do «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» deve provir, preferencialmente, de porcos da raça bísara, explorada em linha pura, ou de animais resultantes dos seus cruzamentos.

    4.3.   Descrição dos principais elementos que determinam o caráter tradicional do produto [artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2014 da Comissão de 13 de junho de 2014)

    O Alto Minho é uma região rica em cultura e tradições, que apresenta uma gastronomia muito própria e povoada de rituais. Em Ponte de Lima, a gastronomia tem o seu ex-líbris no «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima», servido com rojões de porco, um prato rico em sabores e tradição.

    Existem muitas referências históricas ao arroz de sarrabulho, com particular destaque para Clara Penha, a cozinheira que «comandava um regimento de mulheres na preparação do repasto para o jovem padre, fidalgos, clero e ricos-homens do Vale do Lima. Cozia-se o arroz, fritava-se a beloura, alouravam-se os rojões, enfim preparava-se o sarrabulho enquanto a pequena sobrinha, vaidosa nos socos novos, namoriscava o leite-creme e a aletria […]» (Brito, N. V. e Vale, A. P., Sarrabulho de Ponte de Lima: A Gastronomia da Tradição, Município de Ponte de Lima e Associação Concelhia das Feiras Novas, 2011).

    Esta pioneira do «Arroz de Sarrabulho à Moda de Ponte de Lima» teve enorme relevo. Maria de Lurdes Modesto cita-a no acervo da sua Cozinha Tradicional Portuguesa ao dar nota do seu encontro e aprendizagem em novembro de 1977, no Casino do Estoril, precisamente numa homenagem a esta divulgadora desta receita tradicional. Maria de Lurdes Modesto escreveria, aliás, sobre a génese da receita: «E que rico mortório de porco é o sarrabulho! Um nunca acabar de pratos fartos e saborosos que reúnem a família e os amigos em torno de uma toalha de linho. Que manancial de boas comezainas não é o porco (com sua licença!)» (Modesto, M. L., Praça, A., Calvet, N., Festas e Comeres do Povo Português, vol. I, Editorial Verbo, 1999).

    Reconhecida como receita de tempos imemoriais, está associada à criação do porco enquanto principal fonte da subsistência alimentar das famílias, por ser mais económico e mais fácil de produzir. Desde a nobre família de Bertiandos, em cujo arquivo familiar se descreve o método de confeção do arroz de sarrabulho, passando pelos seus parentes, os Condes D’Aurora, que se descrevem os costumes de tempos antigos, a mesa farta e fidalguia: «Já viera o arroz de sarrabulho, rodeado de costeletas e tiras de morcela. Apareceram e ficara tudo limpo, as tripas com o bucho. Da cozinha chegava pela porta aberta forte alarido e cheirinho de belos petiscos [...]. O fidalgo pedia mais rojões com fígado [...]» (Aurora, Conde d’, O Pinto: infância, paixões e morte de um cacique eleitoral, Livraria Tavares Martins, Porto, 1935).

    No entanto, com o aumentar do número de feiras e tascas em Ponte de Lima, como bem descreve Franclim Castro Sousa em As Feiras e Tascas de Ponte 1960-2000 (edição Fundação Caixa Agrícola do Noroeste, 2019), surgem diversas referências aos novos estabelecimentos e ao «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima», nomeadamente com a abertura, em 1951, do restaurante Casalina, propriedade da mãe daquele autor, «uma catedral de boa gastronomia, no que toca a vinhos e petiscos, que merece ser recordada». O arroz de sarrabulho era então anunciado «em restaurantes e tabernas como poderoso chamariz» nos diferentes periódicos locais, em particular no Anunciador das Feiras Novas, nas décadas de 40 e 50 do século passado, que, posteriormente, Couto Viana (O Anunciador das Feiras Novas, Ano 17, série 2, n.o 17, Ponte de Lima, 2000, p. 177-179) tão bem caracteriza.

    O sarrabulho começa, pois, a surgir nos anos 30 nas casas de pasto e tascas, em dias de feira de Ponte de Lima, como um prato composto por «arrozinho a fugir em caçoila tortulho» e, ao lado, numa travessa, os rojões, as frituras de belouras, chouriça de verde e tripa enfarinhada, acompanhados de batatas louras salteadas. São deste tempo as referências ao sarrabulho na primeira metade do século XX, na Pensão Barros, de Dores Petiscas, como um prato típico que fazia a diferença: a Petiscas servia o «prato composto» que, no dizer de José Rosa de Araújo, «era um prato individual para cada um, contendo arroz de sarrabulho, com dois rijões e uma chouriça de verde» (Araújo, J. R., «Ponte de Lima – Pátria do Sarrabulho», Revista Limiana, n.o 17, Ponte de Lima, 2010).

    O «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» generalizou-se na restauração de Ponte de Lima pelas mãos da famosa cozinheira Clara Penha e, mais tarde, da sua sobrinha, Belozinda Varela, herdeira ciosa dos seus saberes e fiel perpetuadora deste prato único. Desta ancestral «família do arroz de sarrabulho» provêm numerosas cozinheiras, que ainda hoje perpetuam na restauração o «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» (Faria. A., «Homenagem a D. Belozinda Varela. Elogio […] e Segredo das Grandes Cozinheiras Minhotas», IV Congresso de Gastronomia de Viana do Castelo, A Caça e a Mesa, 23-25 de outubro, Viana do Castelo, 1987).

    Esta receita, que se foi alargando à restauração nas primeiras décadas do século XX com o aparecimento dos restaurantes/residenciais, manteve as características do saber-fazer e dos produtos tradicionais, tendo sido valorizada com a introdução de carnes desfiadas e de miudezas para acompanhar os rojões, bem como de castanhas.

    Para proteger esta importante receita, inicia-se, em março de 2004, o Projeto «Confraria Gastronómica do Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima», em cujo seminário de apresentação Francisco Sampaio considerou que, por fim, se estava a «fazer a História do Arroz de Sarrabulho em Ponte de Lima, como prato de excelência e bem merecedor da sua elevação a confraria, enquanto i) cozinha étnica (pelo menos a partir de 1860), ii) cozinha familiar, iii) cozinha caseira e iv) cozinha tradicional».

    «O arroz de sarrabulho distinguiu-se a partir de Ponte de Lima e difundiu-se a sua receita, revelando na atualidade uma elevada notoriedade. As matérias-primas utilizadas, o “saber-fazer” dos produtores da região, que seguem uma tradição histórica transmitida de geração em geração, têm permitido preservar a qualidade e a identidade do “Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima” e respetivos acompanhamentos A habilidade, experiência e gosto, aliados ao esmero e dedicação de cada cozinheira(o), permitiram difundir o “Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima”, mantendo a originalidade e autenticidade dos seus vários componentes: a escolha minuciosa das carnes para o arroz, a preparação cuidadosa da calda do arroz com as carnes desfiadas, a qualidade do sangue (o inicial, “logo a escorrer do porco” para as belouras, o seguinte para os enchidos e o final para o arroz); a “mão certa” para os temperos; o uso da água de cozer o bucho na preparação dos enchidos e das belouras; a vinha de alhos dos rojões; e “as frituras”, tudo é feito com um saber próprio que se aprende e aperfeiçoa» (Sampaio, F., A Boa Mesa do Alto Minho. Editorial Notícias, 2003).

    O «Arroz de Sarrabulho à moda de Ponte de Lima» manteve, pois, até à atualidade, na sua composição, o arroz, as belouras (preferencialmente «Beloura de Ponte de Lima»), a chouriça de verde (preferencialmente «Chouriça de Verde de Ponte de Lima»), a tripa branca e os rojões, aos quais se acrescentam por vezes as vísceras e o sangue cozido e frito. Por regra, o arroz de sarrabulho é servido numa caçarola e os restantes elementos em travessa separada. Atualmente é o ex-líbris da gastronomia limiana, a verdadeira alavanca da sua atividade, atração final para milhares de visitantes que, durante o ano, elegem Ponte de Lima como local do seu roteiro.


    (1)  Regulamento (UE) 2024/1143 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de abril de 2024, relativo às indicações geográficas para o vinho, as bebidas espirituosas e os produtos agrícolas, bem como às especialidades tradicionais garantidas e às menções de qualidade facultativas para os produtos agrícolas, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1308/2013, (UE) 2019/787 e (UE) 2019/1753 e que revoga o Regulamento (UE) n.o 1151/2012 (JO L, 2024/1143, 23.4.2024, ELI: http://data.europa.eu/eli/reg/2024/1143/oj).

    (*1)  Valores obtidos antes da confeção


    ELI: http://data.europa.eu/eli/C/2024/5684/oj

    ISSN 1977-1010 (electronic edition)


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