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Document 52022IE0726

Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O novo Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA em ação: prioridades para as empresas, os trabalhadores e os consumidores e salvaguardas necessárias (parecer de iniciativa)

EESC 2022/00726

JO C 443 de 22.11.2022, p. 37–43 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

22.11.2022   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 443/37


Parecer do Comité Económico e Social Europeu — O novo Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA em ação: prioridades para as empresas, os trabalhadores e os consumidores e salvaguardas necessárias

(parecer de iniciativa)

(2022/C 443/05)

Relator:

Timo VUORI

Correlatora:

Tanja BUZEK

Decisão da Plenária

21.10.2021

Base jurídica

Artigo 52.o, n.o 2, do Regimento

 

Parecer de iniciativa

Competência

Secção das Relações Externas

Adoção em secção

9.6.2022

Adoção em plenária

14.7.2022

Reunião plenária n.o

571

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

173/0/4

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Criar uma agenda transatlântica positiva. O Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA (CCT) pode constituir o cerne de uma agenda para relançar a nossa parceria através de canais de cooperação de confiança. Embora as nossas economias transatlânticas representem cerca de metade do PIB mundial e uma grande parte dos fluxos de comércio e investimento a nível mundial, as nossas relações continuam a enfrentar entraves ao comércio, ao trabalho, às viagens e aos estudos nos dois lados do Atlântico.

1.2

Assumir a liderança para proteger os nossos valores e o comércio assente em regras. Em tempos conturbados no plano geopolítico, cabe às principais economias mundiais, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA), assim como a outros parceiros que partilham da mesma visão, a grande responsabilidade de promover um quadro de cooperação moderno para o comércio e a tecnologia que apoie uma economia aberta e sustentável, bem como o comércio livre e justo, e respeite os valores democráticos, o trabalho digno e os direitos humanos.

1.3

A necessidade de dar resposta às perturbações do mercado. Na sequência de uma série de crises que ainda persistem, os parceiros transatlânticos devem encontrar rapidamente formas de reforçar a resiliência das nossas sociedades democráticas abertas, nomeadamente assegurando as nossas cadeias de valor e de abastecimento mundiais e, em especial, a segurança energética, dada a urgência de encontrar uma alternativa à energia e às matérias-primas fornecidas pela Rússia. Além disso, a UE e os EUA devem envidar novos esforços no sentido de reforçar o multilateralismo e de solucionar os desafios relacionados com as alterações climáticas, para assegurar que o comércio livre e justo não é posto em risco e para impedir a perturbação do mercado por parte de Estados autoritários.

1.4

Promover a confiança com base numa cooperação mútua e estável. Ambas as partes devem empenhar-se na criação de uma estrutura de diálogo permanente no âmbito do CCT, a fim de alcançar resultados concretos a curto e longo prazo, para além dos ciclos políticos das eleições e das mudanças de governo. Além disso, ao abrigo do CCT, a UE e os EUA devem visar uma abordagem mais estratégica e horizontal em matéria de comércio e tecnologia. Os dez grupos de trabalho do CCT devem visar uma abordagem holística e eficazmente coordenada da cooperação que não crie compartimentações desnecessárias.

1.5

Reforçar o empenho das partes interessadas. O CCT só alcançará os seus objetivos se houver transparência e uma forte participação das partes interessadas de ambos os lados do Atlântico, a fim de evitar os fracassos das anteriores negociações comerciais ambiciosas. Por conseguinte, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) participará ativamente nas estruturas do CCT e procura ser associado às reuniões ministeriais do CCT enquanto parte interessada sui generis da sociedade civil. Neste contexto, o CESE lamenta, mais uma vez, que o grupo de peritos sobre acordos comerciais não tenha sido renovado e que não tenha sido criada uma estrutura permanente comparável para a consulta das partes interessadas.

1.6

Diálogo Transatlântico sobre o Trabalho específico. No passado, o CESE expressou o seu apoio aos diálogos transatlânticos relativos às empresas e aos consumidores, pelo que acolhe favoravelmente o anúncio recente na reunião ministerial de Paris da criação de um Diálogo Transatlântico sobre o Trabalho tripartido, abrindo um canal formal para que os parceiros sociais de ambos os lados do Atlântico possam influenciar o processo do CCT e contribuir para configurar as relações comerciais e de investimento transatlânticas. Neste contexto, o CESE insta a Comissão Europeia a abordar o desequilíbrio da democracia laboral devido à não ratificação de seis convenções fundamentais da OIT e o seu impacto nas condições de concorrência equitativas no comércio.

2.   Observações na generalidade — a necessidade crescente de uma parceria mais estreita entre a UE e os EUA

2.1

O CESE no diálogo transatlântico: há anos que o CESE acompanha as questões políticas e comerciais transatlânticas e formula as posições da sociedade civil organizada da UE. Além disso, o CESE mantém um diálogo regular tanto com as instituições da UE como com o Governo dos EUA e, em especial, com a sociedade civil do outro lado do Atlântico. O lançamento de um novo Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA (CCT), com dez grupos de trabalho e audições regulares, exige que o CESE atualize a sua posição no que diz respeito às prioridades do CCT.

2.2

Responsabilidade das principais economias mundiais: o CESE sublinha que a UE e os EUA continuam a ter a maior relação bilateral de comércio e investimento e a relação económica mais integrada do mundo. Embora a sua posição enquanto maior importador de bens da UE tenha sido ultrapassada pela China em 2021, os EUA continuam a ser, de longe, o maior parceiro comercial e de investimento da UE. A relação transatlântica define a economia mundial, num sistema comercial multilateral que tem sido duramente afetado pela crise da Organização Mundial do Comércio (OMC), pelos dois anos da pandemia de COVID-19 ainda em curso e, agora, pela guerra na Ucrânia. A UE e os EUA são, ora um ora outro, o maior parceiro comercial e de investimento de quase todos os outros países da economia mundial. A parceria transatlântica não constitui um objetivo em si, devendo assentar em valores, interesses e numa responsabilidade comum. A UE e os EUA devem ser uma âncora da democracia, da paz e da segurança no mundo, do Estado de direito e dos direitos humanos para todos (1).

2.3

Dinâmica necessária para uma parceria estratégica mais estreita entre a UE e os EUA: o CESE observa que, tendo em conta o grande número de crises inesperadas que estão a abalar o mundo, é agora altura de as principais economias mundiais (a UE e os EUA, em conjunto com outros Estados democráticos com a mesma visão e economias de mercado abertas e assentes em regras) aprofundarem a sua cooperação política e económica, a fim de proteger os nossos valores universais e reforçar a prosperidade, a democracia e o Estado de direito, bem como a segurança e os direitos humanos. Entre todas as prioridades na condução da política internacional, a paz afirmou-se como imperativa. Ao mesmo tempo, não devemos continuar a tolerar as ações de um Estado que atentem à ordem internacional, nem os «aproveitadores» no comércio internacional.

2.4

O papel fundamental do comércio e da tecnologia na geopolítica: o CESE reitera que o comércio e a tecnologia não são meras questões regulamentares, mas antes instrumentos essenciais para proteger e promover estes valores universais em todo o mundo. A UE e os EUA devem aprofundar a sua cooperação e alcançar resultados concretos a nível multilateral e bilateral. O CCT representa uma oportunidade única para essa cooperação estratégica de alto nível em matéria de comércio e tecnologia, que ultrapassa os atuais acordos de cooperação ad hoc e vai além das eleições da UE e dos EUA e das mudanças institucionais de governo.

2.5

Plataforma de diálogo e cooperação: o CCT não é nem deve ser visto como uma repetição da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (PTCI), embora seja possível retirar ensinamentos úteis do fracasso dessa negociação. Os objetivos e procedimentos do CCT não devem pôr em causa as instituições e os processos de decisão da UE, e a participação das partes interessadas deve ser reforçada. As normas da UE que refletem os nossos valores não devem ser postas em causa, sendo o princípio da precaução, em especial, fundamental na abordagem da UE de fixação de normas. O CESE entende que a cooperação em matéria de normas está também associada a diversos enquadramentos jurídicos e requer uma análise aprofundada das questões técnicas, bem como uma avaliação dos impactos económicos, sociais e ambientais, a realizar numa base casuística. Por exemplo, o novo acordo-quadro relativo aos fluxos de dados indica, em princípio, que a UE e os EUA podem empreender esforços no sentido de um consenso sobre questões sensíveis.

2.6

Forte apoio das partes interessadas: o CESE observa que as empresas e outras partes interessadas da sociedade civil, tanto na UE como nos EUA, já se mostraram, em geral, favoráveis ao CCT e aos temas identificados no âmbito dos dez grupos de trabalho. Os parceiros transatlânticos parecem reconhecer o valor acrescentado de uma parceria transatlântica estratégica e de uma cooperação regulamentar mais estreita. Ainda existem barreiras desnecessárias ao comércio, ao investimento e ao trabalho. Além disso, os parceiros transatlânticos poderiam, em conjunto, reforçar a sua competitividade no mercado mundial, em sintonia com os objetivos de desenvolvimento sustentável, justiça social, respeito pelos direitos humanos e normas laborais e ambientais rigorosas. Contudo, a fim de alcançar resultados, é preciso que cada parte esteja ciente dos objetivos, das abordagens e dos meios da outra, a fim de desenvolver um novo quadro comum para o comércio.

2.7

Maior participação das partes interessadas após o fracasso de anteriores diálogos da sociedade civil UE-EUA: o CESE salienta que o reforço do diálogo com a sociedade civil constitui um elemento vital no contexto transatlântico, nomeadamente no âmbito do CCT. Neste contexto, assume especial relevância a necessidade de um diálogo conjunto sobre os direitos civis, a resiliência à desinformação, a liberdade dos meios de comunicação social, a ação climática, os direitos sociais e a defesa do consumidor, bem como o apoio à democracia (2). A parceria transatlântica pode dar lugar a uma integração transatlântica ainda mais estreita nas nossas economias, nomeadamente um quadro comum para o comércio, a tecnologia e os investimentos.

3.   Observações na especialidade — prioridades essenciais para as empresas, os trabalhadores e os consumidores

3.1

O CESE considera que o CCT demonstra a interligação das duas maiores economias do mundo, além de constituir um fórum único para a construção de uma maior cooperação em matéria de política comercial e de regulamentação do mercado transatlântico. Por conseguinte, o CESE considera que o CCT se deve centrar em determinadas prioridades essenciais na perspetiva das empresas, dos trabalhadores e dos consumidores.

3.2

Comércio multilateral moderno assente em regras: a UE e os EUA devem demonstrar responsabilidade e liderança conjuntas na OMC e defender um modelo multilateral eficaz, com uma política comercial progressista que tenha em conta os aspetos ambientais e sociais (3). Tanto a UE como os EUA enfrentam desafios decorrentes de práticas de distorção do mercado por parte de economias centralizadas, nomeadamente medidas desleais e discriminatórias relacionadas com empresas estatais, subsídios estatais, taxas e impostos.

3.3

Liderar a reforma da OMC: o CCT deve centrar-se em formas de melhorar o sistema comercial multilateral da OMC e o seu mecanismo de resolução de litígios, dado o seu papel central na criação de uma matriz multilateral eficaz para uma agenda comercial progressista que integra questões ambientais e sociais. A UE e os EUA devem impulsionar uma reforma ambiciosa da OMC e promover a modernização da agenda da OMC, sem tabus (ou seja, integrando os aspetos sociais do comércio), e superando de forma sustentável os desafios atuais e futuros. Para o efeito, o CESE insta a UE e os EUA a celebrarem acordos de cooperação estratégica com os principais parceiros comerciais sobre questões multilaterais prioritárias (4).

3.4

Trabalho digno no comércio internacional (5): o CESE insta a UE e os EUA a promoverem uma cooperação mais estreita entre a OMC e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com vista a promover o trabalho digno e as normas laborais através de instrumentos comerciais. A recente eleição de novos diretores-gerais em ambas as organizações deverá contribuir para dar um novo ímpeto neste domínio. A garantia do respeito pelas normas laborais internacionais, tal como estabelecido e controlado pela OIT, deve fazer parte de um debate sobre a reforma da OMC liderado pela UE e pelos EUA. Enquanto exemplo positivo e oportunidade para reforçar esta nova forma de pensar ambiciosa, o CESE congratula-se com a proposta dos EUA de abordar o problema global do trabalho forçado nos navios de pesca no âmbito das negociações em curso na OMC sobre os subsídios à pesca (6). Os parceiros transatlânticos devem continuar a envidar esforços, através da cooperação, no sentido de uma base jurídica mais forte para a inclusão dos direitos laborais fundamentais da OIT na OMC (7). As questões laborais bilaterais de interesse comum devem incluir abordagens comparativas dos capítulos relativos ao comércio e desenvolvimento sustentável e da sua aplicabilidade efetiva nos acordos de comércio livre (ACL) (8). Há muito que o CESE preconiza uma abordagem renovada da verificação da execução, incluindo sanções, para os capítulos relativos ao comércio e desenvolvimento sustentável, e o CESE louvou os instrumentos inovadores de garantia da execução previstos no Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC) (9).

3.5

Trabalho conjunto em fóruns internacionais: o CCT poderia constituir um fórum de discussão para preparar uma cooperação mais estreita em matéria de trabalho e emprego em fóruns internacionais, nomeadamente no âmbito da OIT e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE). Essa cooperação mais estreita deve incluir a promoção e aplicação do dever de diligência. O CCT deve incentivar o reforço conjunto das capacidades, nomeadamente para efeitos de promoção da saúde e segurança no trabalho (SST) a nível mundial, e desenvolver projetos conjuntos, por exemplo, sobre o recurso à inspeção do trabalho em países terceiros. A inclusão esperada das convenções em matéria de SST nas normas laborais fundamentais da OIT representaria um terreno fértil para a cooperação. O trabalho forçado constitui uma preocupação comum central, cabendo coordenar as abordagens da UE e dos EUA, nomeadamente no que respeita à importação de bens produzidos através de tais práticas na China. A generalização de novas formas de emprego a nível mundial, nomeadamente o trabalho em plataformas digitais, liderado por empresas dos EUA e da UE, deve ser debatida nos grupos de trabalho competentes do CCT, incluindo o contributo dos trabalhadores.

3.6

Resiliência e sustentabilidade nas cadeias de abastecimento mundiais: o CCT deve criar estratégias para reforçar a resiliência, assegurando a sustentabilidade das cadeias de abastecimento mundiais e o seu bom funcionamento. A UE e os EUA devem identificar vulnerabilidades comuns e colaborar, por exemplo, no domínio da disponibilidade de matérias-primas críticas e produtos críticos, como semicondutores. Os parceiros transatlânticos devem também chamar de imediato a atenção para uma abordagem normalizada da segurança do aprovisionamento energético que seja inteiramente consentânea com uma agenda de sustentabilidade ambiciosa, como o Pacto Ecológico Europeu. Além disso, devem ponderar ações conjuntas para reforçar a capacidade de produção, os investimentos e a logística pertinentes. O CCT deve envidar esforços no sentido de um dever de diligência obrigatório comum nas cadeias de abastecimento, assente em boas práticas, a fim de estabelecer um modelo para os requisitos de sustentabilidade mundial nas cadeias de valor.

3.7

Apoio à economia verde: o CCT deve centrar-se na cooperação em matéria de clima e tecnologias verdes, bem como em políticas para uma transição justa. A UE e os EUA devem promover um quadro e normas internacionais em matéria de atenuação das alterações climáticas, economia circular, financiamento sustentável, tecnologias de poupança energética, normas ecológicas e sociais na contratação pública, rotulagem ecológica e comunicação de informações relativas à sustentabilidade. Além disso, os parceiros transatlânticos devem envidar esforços em prol de um quadro multilateral de liberalização do comércio de bens ambientais no âmbito das iniciativas em curso, nomeadamente o Acordo em matéria de Bens Ambientais, os Debates Estruturados sobre Comércio e Sustentabilidade Ambiental (Environmental Sustainability Structured Discussions) e o Diálogo Informal sobre Poluição Causada por Plásticos (Informal Dialogue on Plastics Pollution). O CCT deve centrar-se em mecanismos de ajustamento carbónico fronteiriço (MACF) eficazes e coordenados, a fim de estabelecer um modelo para um quadro mundial e evitar conflitos comerciais entre a UE e os EUA.

3.8

Digitalização e novas economias: o CCT deve centrar-se na cooperação em matéria de normas tecnológicas, de investigação e de políticas nos domínios da inteligência artificial (IA), da Internet das coisas, da 6G e das tecnologias de baterias, quânticas e de cadeia de blocos. O quadro deve fomentar a inovação e a normalização, mas deve incorporar considerações políticas subjacentes essenciais. Os novos domínios tecnológicos, como a IA, têm também, amiúde, uma componente que diz respeito ao local de trabalho, o que requer estratégias robustas de IA e de dados que assegurem, em primeiro lugar, um quadro jurídico e de capacitação europeu assente nos direitos humanos e, por conseguinte, que integre normas éticas e direitos laborais e sindicais. Embora não seja possível ter exatamente as mesmas regras em ambos os lados, deve visar-se a interoperabilidade dos quadros. Além disso, é necessário clarificar os requisitos regulamentares comuns aplicáveis às tecnologias com impacto neutro no clima, à biotecnologia e às tecnologias da saúde. A UE e os EUA devem promover princípios assentes em valores para as normas internacionais, a fim de manter a liderança mundial no domínio destas novas economias. O CCT deve também reforçar a resiliência das nossas sociedades democráticas, com vista a prevenir campanhas de desinformação direcionadas com recurso à IA, nomeadamente através do reforço da segurança das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a fim de combater os ciberataques apoiados por Estados.

3.9

Dados e privacidade: o CCT deve centrar-se na cooperação a fim de assegurar que, no futuro, a partilha de tecnologia e dados digitais entre os EUA e a UE proporcionará um ecossistema aberto e internacional de investigação, desenvolvimento e inovação, com a tecnologia mais avançada ao serviço dos clientes e dos cidadãos a nível mundial, protegendo ao mesmo tempo o direito fundamental destes à proteção dos dados e preservando a margem de intervenção política em matéria de acesso e controlo dos dados públicos e a capacidade de regulamentar as empresas multinacionais digitais. Além disso, a UE e os EUA devem estabelecer rapidamente um novo quadro para as transferências de dados, resolvendo os problemas que conduziram à anulação do Escudo de Proteção da Privacidade, e defender a partilha de valores comuns no que respeita à privacidade e à segurança.

3.10

Controlo das exportações: o CCT deve envidar esforços no domínio das tecnologias emergentes e fundamentais, assegurando o papel determinante dos regimes multilaterais de controlo das exportações, uma vez que estes assumem especial relevância tanto para a UE como para os EUA na promoção da democracia, dos direitos humanos e de uma sociedade aberta com uma economia de mercado. Por exemplo, a eficácia das sanções comerciais requer um controlo eficaz das exportações face aos Estados que estão a utilizar indevidamente o comércio e a tecnologia e a comprometer a paz, a segurança e os direitos humanos. A UE e os EUA devem colaborar na construção de alianças com parceiros que partilham a mesma visão, a fim de enfrentar os desafios e assegurar condições de concorrência equitativas.

3.11

Normalização: o CCT deve centrar-se na cooperação entre os organismos de normalização, bem como na aplicação limitada dos princípios do reconhecimento mútuo. Os sistemas de normalização dos EUA e da UE diferem entre si. Em particular, o princípio de «um produto e uma norma aceites em toda a parte», que constitui um pilar do mercado único da UE, não existe nos Estados Unidos. Na Europa, quando uma nova norma é adotada, as normas nacionais incompatíveis são revogadas. Nos EUA, vigoram simultaneamente diferentes normas no mercado e, por esse motivo, é difícil para as pequenas e médias empresas (PME) determinarem qual será a mais adequada para as suas linhas de produtos. Trata-se frequentemente de pequenas empresas que, apesar dos seus recursos limitados, têm um elevado nível de especialização em determinados nichos de mercado, sendo essa a base da sua competitividade.

3.12

PME: a cooperação regulamentar no âmbito do CCT pode desempenhar um papel importante no domínio da facilitação do comércio e do investimento, bem como no reforço da competitividade, nomeadamente das pequenas empresas. As PME, em particular, têm a expectativa de que surjam novas oportunidades, dado que, ao contrário das empresas de grande dimensão, não dispõem de recursos para lidar com os diferentes quadros regulamentares em cada margem do Atlântico. Ao mesmo tempo, o reforço da compatibilidade entre os regimes regulamentares criaria oportunidades para que as grandes empresas tirassem partido de economias de escala entre a UE e os EUA (10).

3.13

Alimentação e agricultura: o CESE reconhece a importância de, além do trabalho do CCT, a UE e os EUA terem criado a nova plataforma de colaboração transatlântica relativa à agricultura, concebida para enfrentar os desafios mundiais da sustentabilidade, das alterações climáticas e da segurança alimentar. A colaboração internacional para fazer face às alterações climáticas e promover a sustentabilidade é primordial para atenuar as dificuldades que nos esperam no futuro enquanto sociedade global. A guerra na Ucrânia e o seu impacto imediato no abastecimento alimentar a nível mundial exacerbou este desafio. As alterações climáticas já estão a afetar profundamente os meios de subsistência dos agricultores, refletindo-se, nomeadamente, na extrema volatilidade do clima, nas secas graves, em inundações e incêndios, bem como noutros acontecimentos catastróficos que ameaçam os nossos municípios, cidades e comunidades. A UE e os EUA têm de estar à altura do desafio.

3.14

Consumidores: no âmbito do trabalho do CCT, é importante estabelecer medidas de salvaguarda para assegurar que o processo de cooperação regulamentar não é utilizado em prejuízo das normas sociais, laborais, ambientais e de defesa dos consumidores, mas antes tendo em vista a sua harmonização e melhoria. Se essas condições forem satisfeitas, os benefícios extravasarão a esfera económica, podendo inclusivamente facilitar a tarefa das autoridades responsáveis pela regulamentação ao realizar os objetivos das políticas. Além disso, a cooperação transatlântica pode ser desenvolvida através da partilha de análises, de sistemas de alerta precoce contra produtos e serviços de países terceiros e do diálogo sobre uma melhor verificação do cumprimento da legislação. Ao afastarem-se da convergência obrigatória, que era um objetivo formal da PTCI, a UE e os EUA devem assegurar a adequação desta nova agenda de cooperação voluntária, a fim de ajudarem os seus cidadãos a enfrentar os novos desafios desta conjuntura crítica.

4.   Dar resposta às preocupações e estabelecer as salvaguardas necessárias

4.1

O CCT representa a melhor oportunidade para demonstrar que a UE e os EUA podem tomar medidas concretas em prol de uma cooperação efetiva nos domínios do comércio e da tecnologia e que a sua relação assenta numa parceria significativa. No entanto, para ter êxito, o CCT deverá enfrentar determinadas questões críticas:

um compromisso estratégico forte dos dirigentes da UE e dos EUA;

uma visão partilhada clara dos objetivos e processos do CCT;

a necessidade de criar valor acrescentado através da cooperação, alcançando resultados positivos e concretos;

a necessidade de envidar alguns esforços para desenvolver abordagens conjuntas relativamente a normas conjuntas;

a necessidade de estabelecer um processo claro de resolução de questões técnicas específicas;

a criação de mecanismos eficazes de sensibilização no que diz respeito à tomada de decisões políticas, tanto na UE como nos EUA;

a criação de um processo de colaboração ativa e estruturada das partes interessadas com as empresas, os sindicatos e outras partes interessadas da sociedade civil;

a criação de uma coordenação fluida, coerência e uma abordagem holística de todo o processo de trabalho; o aproveitamento das lições aprendidas com as negociações da PTCI e com outras atividades bilaterais sobre o processo, a transparência e a sensibilização dos cidadãos;

a responsabilidade para a sociedade civil dos dois lados do Atlântico pelo acompanhamento deste processo de modo informado.

4.2

A salvaguarda dos elevados níveis de interesses públicos da UE na cooperação transatlântica em matéria de regulamentação sempre foi fundamental para o CESE. O CESE reitera firmemente que é imprescindível salvaguardar as normas rigorosas atualmente em vigor. Além do objetivo de reforçar as oportunidades comerciais, a cooperação regulamentar deverá também melhorar a segurança, a saúde e o bem-estar económico e social dos cidadãos de ambos os lados do Atlântico. O CESE solicita mais garantias de que, por exemplo, a legislação da UE no domínio alimentar não será alterada e de que a UE manterá as suas restrições em matéria de hormonas, estimuladores de crescimento e organismos geneticamente modificados (11).

4.3

O CESE insta a Comissão Europeia a solucionar, no quadro do CCT, o desequilíbrio de que sofre a democracia laboral e o seu impacto nas condições de concorrência equitativas no comércio. O CESE reitera que os EUA só ratificaram duas das oito convenções laborais fundamentais da OIT, estando em falta, nomeadamente, a Convenção n.o 87, sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical, e a Convenção n.o 98, sobre o direito de organização e negociação coletiva (12).

5.   Participação significativa das partes interessadas na sequência dos ensinamentos retirados do processo da PTCI

5.1

O CESE sublinha que o processo do CCT deve ser transparente, escrutável e associar os grupos de interesses públicos de forma significativa. Deve ainda ser acompanhado de uma política de comunicação melhorada e ativa sobre a natureza do CCT. Acima de tudo, a agenda de cooperação deve continuar a ser uma plataforma para a informação e o intercâmbio de boas práticas, e não uma ferramenta automática destinada a influenciar os processos legislativos e de decisão da outra parte ou a dissuadi-la de reforçar as proteções.

5.2

As partes interessadas devem poder dar o seu contributo a todos os dez grupos de trabalho, a fim de evitar uma abordagem compartimentada. Embora o grupo de trabalho para os desafios do comércio mundial seja de natureza mais transversal e constitua o principal fórum de debate sobre as questões laborais, há motivos de preocupação quanto à esfera de competências de vários outros grupos de trabalho, nomeadamente no que diz respeito a questões relativas à cadeia de abastecimento, à IA e outras tecnologias emergentes, bem como à proteção de dados.

5.3

O CESE considera que a proteção e o bem-estar dos consumidores se enquadram nos objetivos desta cooperação. Os diversos diálogos no âmbito do CCT devem ser transparentes para as partes interessadas. Os reguladores e especialistas do setor pertinentes devem assumir um papel de liderança no desenvolvimento da cooperação regulamentar.

5.4

Além das reuniões de diálogo temáticas com a sociedade civil, cabe planear reuniões preparatórias e de informação das partes interessadas antes e depois de cada reunião do CCT. O antigo Grupo Consultivo para a PTCI, criado pela DG Comércio, constituiu um exemplo valioso de consulta das partes interessadas, de que o CESE devia ter feito parte. Foi também um fórum que permitiu às organizações participantes compreender melhor os desafios e as oportunidades do comércio para os diversos interesses representados pelas outras partes, o que contribuiu para a construção de pontes entre as várias organizações.

5.5

Neste contexto, o CESE lamenta, mais uma vez, que o grupo de peritos sobre acordos comerciais não tenha sido renovado. O reforço da participação da sociedade civil no âmbito da política comercial e o aumento da transparência constituíram medidas muitos positivas na estratégia da Comissão. Teria igualmente sido o sucessor lógico do Grupo Consultivo para a PTCI.

5.6

No passado, o CESE manifestou o seu apoio aos diálogos transatlânticos relativos às empresas e aos consumidores e defendeu o reconhecimento de um diálogo transatlântico equivalente sobre o trabalho.

Bruxelas, 14 de julho de 2022.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 56.

(2)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 56.

(3)  JO C 152 de 6.4.2022, p. 56.

(4)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73.

(5)  O CESE formulou recomendações concretas no seu Parecer JO C 429, 11.12.2020, p. 197; Parecer SOC/727 — Trabalho digno em todo o mundo, relatora: Maria del Carmen Barrera Chamorro, adotado em setembro de 2022.

(6)  JO C 374 de 16.9.2021, p. 73.

(7)  As eventuais vias a seguir poderiam incluir uma declaração interpretativa ao abrigo do artigo IX, n.o 2, do Acordo que Cria a Organização Mundial do Comércio, estabelecendo uma interpretação da reserva de «moralidade pública» (artigo XX do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 e artigo XIV do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), a fim de ter em atenção os direitos laborais fundamentais da OIT e delinear o possível papel das determinações da OIT em qualquer processo judicial nessa matéria.

(8)  O relatório «Comparative Analysis of Trade and Sustainable Development Provisions in Free Trade Agreements» [Análise comparativa das disposições em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável nos acordos de comércio livre], da London School of Economics, de fevereiro de 2022, encomendado pela UE, constitui um bom exemplo a seguir, nomeadamente no que diz respeito ao mecanismo de resposta rápida do Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC), https://www.lse.ac.uk/business/consulting/assets/documents/TSD-Final-Report-Feb-2022.pdf.

(9)  JO C 105 de 4.3.2022, p. 40.

(10)  JO C 487 de 28.12.2016, p. 30.

(11)  JO C 487 de 28.12.2016, p. 30.

(12)  As Convenções n.o 29, sobre o trabalho forçado ou obrigatório, n.o 100, sobre a igualdade de remuneração, n.o 111, sobre a discriminação (emprego e profissão), e n.o 138, sobre a idade mínima, completam a lista de convenções laborais fundamentais não ratificadas.


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