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Document 52020AE5719

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um procedimento comum de proteção internacional na União e que revoga a Diretiva 2013/32/UE» [COM(2020) 611 final — 2016/224(COD)], a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que introduz uma triagem dos nacionais de países terceiros nas fronteiras externas e que altera os Regulamentos (CE) n.° 767/2008, (UE) 2017/2226, (UE) 2018/1240 e (UE) 2019/817» [COM(2020) 612 final — 2020/278(COD)] e a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de dados biométricos para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento (UE) XXX/XXX [Regulamento Gestão do Asilo e da Migração] e do Regulamento (UE) XXX/XXX [Regulamento Reinstalação], da identificação de nacionais de países terceiros ou apátridas em situação irregular, e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados-Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei e que altera os Regulamentos (UE) 2018/1240 e (UE) 2019/818» [COM(2020) 614 final — 2016/132(COD)]

EESC 2020/05719

JO C 155 de 30.4.2021, p. 64–72 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

30.4.2021   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 155/64


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um procedimento comum de proteção internacional na União e que revoga a Diretiva 2013/32/UE»

[COM(2020) 611 final — 2016/224(COD)]

a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que introduz uma triagem dos nacionais de países terceiros nas fronteiras externas e que altera os Regulamentos (CE) n.o 767/2008, (UE) 2017/2226, (UE) 2018/1240 e (UE) 2019/817»

[COM(2020) 612 final — 2020/278(COD)]

e a «Proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de dados biométricos para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento (UE) XXX/XXX [Regulamento Gestão do Asilo e da Migração] e do Regulamento (UE) XXX/XXX [Regulamento Reinstalação], da identificação de nacionais de países terceiros ou apátridas em situação irregular, e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados-Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei e que altera os Regulamentos (UE) 2018/1240 e (UE) 2019/818»

[COM(2020) 614 final — 2016/132(COD)]

(2021/C 155/10)

Relator: Panagiotis GKOFAS

Consulta

Comissão Europeia, 27.11.2020

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

Adoção em secção

8.2.2021

Adoção em plenária

25.2.2021

Reunião plenária n.o

558

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

210/9/28

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE toma conhecimento do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, que visa dar resposta a um fenómeno multifacetado e complexo. O CESE considera que os novos regulamentos contribuem positivamente para uma proteção mais eficaz das fronteiras da UE. O que se pretende instaurar é um processo melhor e mais seguro para controlar as pessoas que entram na UE. No entanto, uma estratégia comum e integrada da UE, que seja resiliente e orientada para o futuro, é altamente necessária, e há muito que deveria ter sido adotada. Infelizmente, no que diz respeito à questão da migração e do asilo no seu conjunto, as propostas atuais não podem ser definidas como o claro passo em frente que é muito necessário. Mais, os quatro ou cinco Estados-Membros em causa tornar-se-ão «centros fechados» com base no princípio da não entrada (1) , por um período de até seis ou sete meses, se não mais, até que seja conhecido o resultado dos procedimentos, levando a situações que serão muito piores do que até agora.

1.2

A Comissão Europeia e os Estados-Membros da UE devem envidar mais esforços. Alguns pareceres recentes do CESE (SOC/649 (2) e SOC/669 (3)) criticam os aspetos principais tanto do Regulamento Gestão do Asilo e da Migração como do Regulamento Procedimentos de Asilo. O CESE salienta ainda que, na sequência da análise dos nove regulamentos e dos contactos estabelecidos com a Comissão, as perspetivas de aplicação destes nove regulamentos se afiguram problemáticas em vários aspetos. É necessária uma estratégia mais abrangente em matéria de migração para assegurar melhores sinergias entre os diferentes regulamentos da UE e para garantir respostas a questões importantes nos Estados-Membros mais afetadas pela migração.

1.3

O CESE manifesta a sua preocupação com os novos procedimentos de fronteira, especialmente no que se refere à necessidade de proteger o direito de requerer asilo e às seguintes questões:

o conceito errado de «países com baixas taxas de reconhecimento de asilo»;

a utilização de conceitos jurídicos mal definidos («ameaça contra a segurança», «ordem pública») que dão origem a insegurança jurídica;

crianças estrangeiras com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, que também são consideradas «crianças» de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989;

os locais onde as pessoas serão mantidas durante o procedimento de fronteira, e em que condições, e como evitar o limbo jurídico, garantindo o direito de tutela jurisdicional efetiva.

1.4

O CESE reconhece o valor acrescentado e a necessidade de procedimentos de asilo uniformes, abrangentes e eficazes que respeitem as convenções internacionais e as normas jurídicas, bem como a necessidade de confiança por parte da UE e dos seus Estados-Membros graças a mecanismos de solidariedade concretos e de uma partilha equitativa das responsabilidades e dos compromissos. Contudo, a proposta da Comissão em apreço não inclui um sistema de asilo uniforme desse género, um sistema que seja abrangente, demonstre solidariedade e reparta as responsabilidades de forma equitativa entre os Estados-Membros. O mecanismo de solidariedade deve também ser aplicado no procedimento de asilo, imediatamente após a triagem, e com o apoio informático do Eurodac. Se a «solidariedade obrigatória» não assumir a forma de «recolocação obrigatória» ao abrigo das disposições do Regulamento Procedimentos de Asilo, ou se não forem criados procedimentos que permitam às pessoas requerer asilo nos Estados-Membros da UE sem necessidade de atravessar as fronteiras da UE, em termos práticos, o regulamento não estará operacional. Devem também existir incentivos e desincentivos à recolocação e, em qualquer caso, o procedimento de asilo ao abrigo do Regulamento Procedimentos de Asilo deve poder ser executado noutros Estados-Membros e não exclusivamente no país de primeira entrada.

1.5

O CESE realça que a eficácia dos novos procedimentos propostos terá de ser constantemente avaliada através de sistemas de monitorização do respeito dos direitos humanos, em especial no que diz respeito aos direitos das pessoas vulneráveis e das crianças, à apreciação dos diferentes requerimentos de asilo e a soluções eficazes. Surge entretanto a questão de quando e como o novo pacto melhorado e as propostas que o acompanham serão aplicados, e quais serão as disposições em matéria de solidariedade, recolocação e reinstalação.

1.6

O CESE defende um sistema informático de gestão da migração mais integrado e equilibrado, assente numa base de dados Eurodac melhorada e centrada nos pedidos e nos requerentes. O CESE estava convicto de que a Comissão reconhecia a necessidade de uma abordagem comum do rastreio obrigatório dos dados dactiloscópicos e dos riscos para a saúde e a segurança antes da entrada, mas apesar do sistema sofisticado proposto, não há, infelizmente, qualquer possibilidade de apresentar um pedido de asilo num Estado-Membro diferente do país de primeira entrada, o que deveria ser possível. As regras relativas à determinação do Estado-Membro responsável pelo tratamento de um pedido de asilo, atualmente estabelecidas no Regulamento Gestão do Asilo e da Migração, devem constar do Regulamento Procedimentos de Asilo, abrindo a possibilidade de que os pedidos sejam tratados por outros Estados-Membros através do Eurodac.

1.7

Embora o CESE seja a favor de procedimentos de decisão novos e mais céleres nas fronteiras da UE, no respeito de todos os direitos fundamentais, dos direitos humanos e dos procedimentos jurídicos, continua a haver uma série de questões a tratar, como, por exemplo: como aplicar e garantir tais procedimentos? Como organizar os regressos? Onde está a solidariedade no Regulamento Procedimentos de Asilo, para não mencionar no Regulamento Gestão do Asilo e da Migração, se, de facto, prevê alguma solidariedade? Quando um requerente obtém asilo, pode ir para um Estado-Membro que não o de primeira entrada (4)? Os Estados-Membros podem conceder asilo para proteger pessoas necessitadas ou começarão a rejeitá-las? Assim, o CESE solicita que a Comissão verifique exaustivamente e explique cada parte da proposta, e esclareça em especial de que modo o novo pacto melhora o procedimento comum de asilo e respeita o direito a pedir asilo.

1.8

O CESE manifesta a sua preocupação com a aplicação dos novos procedimentos de triagem de nacionais de países terceiros nas fronteiras externas. Este novo mecanismo aumenta a pressão sobre os Estados-Membros da UE situados nas fronteiras marítimas externas da UE e promove a criação de centros fechados nas fronteiras externas ou nas suas imediações. Centros semelhantes suscitaram sérias preocupações em termos de proteção dos direitos humanos e de garantia de condições de vida aceitáveis para os residentes.

1.9

O resultado dos procedimentos nas fronteiras será ou a concessão de asilo ou a rejeição e o regresso. Se for concedido asilo, o Estado-Membro que o concede será responsável pela integração das pessoas em causa. Com o novo pacto, porém, isso significa integrá-los nos países do sul da Europa, sem qualquer possibilidade de recolocação noutros Estados-Membros ou de solidariedade por parte destes. Se não for concedido asilo, o Estado-Membro é responsável pelo regresso do requerente de asilo recusado. Esta abordagem implica a procura de formas de concluir acordos da UE com os países terceiros de origem e de trânsito, bem como de assegurar procedimentos eficazes, como previsto no direito internacional e nos instrumentos em matéria de direitos humanos. Não podem ser estabelecidos acordos entre os Estados-Membros individualmente, e a Comissão tampouco faz a mínima referência a esse tipo de procedimento.

1.10

Os desafios da gestão da migração, relacionados, sobretudo, com a garantia de uma identificação rápida das pessoas que necessitam de proteção internacional ou dos regressos efetivos (para as pessoas que não necessitam de proteção), devem ser geridos de uma forma uniforme por toda a UE no seu conjunto, mas o que se propõe não é «uniforme». Na realidade, trata-se de uma questão a tratar apenas pelo Estado-Membro de primeira entrada e não existe uma repartição equitativa dos encargos, por exemplo, através da recolocação obrigatória dos requerentes de asilo durante o procedimento de asilo ao abrigo do Regulamento Procedimentos de Asilo e do tratamento do pedido de asilo.

1.11

Em especial, importa criar um procedimento melhorado que permita identificar as pessoas pouco suscetíveis de beneficiar de proteção na UE (5). A proposta da Comissão introduz uma triagem antes da entrada que deve ser aplicável a todos os nacionais de países terceiros que se apresentam nas fronteiras externas sem preencherem as condições de entrada ou após o desembarque, na sequência de uma operação de busca e salvamento. Infelizmente, porém, esta «triagem antes da entrada» é efetuada na fronteira do território do país de primeira entrada na UE. A palavra «antes» significa que a pessoa em causa irá para um «centro de detenção fechado» e lá ficará, sem qualquer possibilidade de se deslocar até que as autoridades do Estado-Membro decidam conceder-lhe asilo (6) ou impor o seu regresso ao país de origem ou de trânsito, e apenas se esse regresso for possível, o que não acontece na maioria dos casos.

1.12

O CESE apoia o quadro da UE que aplica regras uniformes para a triagem dos migrantes em situação irregular que forem detidos no território e que escaparam aos controlos das fronteiras no momento de entrada no espaço Schengen. O objetivo é proteger o espaço Schengen e garantir uma gestão eficaz da migração ilegal ou irregular.

1.13

O CESE insta as instituições, as agências e os parceiros sociais da UE a participarem na elaboração dos programas e das políticas futuros (tais como as parcerias para atração de talentos), em intercâmbios de boas práticas e em programas de geminação multilaterais para os «corredores humanitários» existentes. Solicita igualmente que sejam desenvolvidos novos quadros jurídicos, que sejam introduzidos novos procedimentos acelerados que permitam conceder de forma mais geral e a mais pessoas um visto humanitário [mediante uma alteração do artigo 25.o do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho (7)] e que o «patrocínio» também seja incluído entre as vias legais ordinárias de entrada nas políticas de imigração, aplicável a nacionais de países terceiros exteriores à UE. O CESE chama a atenção dos colegisladores para o facto de a legislação da UE já em vigor, como o Acordo de Schengen e o Tratado de Lisboa, já prever a «proteção subsidiária e temporária» para quem foge da guerra ou de catástrofes naturais. Tal demonstra que é possível garantir a entrada regular das pessoas vulneráveis que necessitam de proteção internacional recorrendo a instrumentos legislativos já disponíveis aos Estados-Membros.

2.   Preocupações e observações na generalidade

2.1

O novo pacto europeu defende uma elaboração integrada das políticas, a reunião das políticas nos domínios do asilo, da migração, do regresso, da proteção das fronteiras externas, do combate à introdução clandestina de migrantes e das relações com países terceiros estratégicos que refletem uma abordagem governamental completa. No entanto, em última análise, os regulamentos propostos ora em apreço representarão um enorme encargo para os Estados-Membros do sul da Europa, com a consequência inevitável de que não será possível aplicá-los e de que o resultado esperado não poderá ser alcançado. Após um período de tempo razoável, os Estados-Membros ver-se-ão forçados a rejeitar na prática muitos requerimentos de asilo, mesmo os que cumprem as condições para a concessão de asilo, a fim de evitar que números cada vez maiores de pessoas se encontrem concentradas em condições desumanas.

2.2

Os Estados-Membros do sul da Europa não terão outra escolha senão serem convertidos em centros de detenção ou em centros pré-partida.

2.3

O presente parecer concentrar-se-á em três dos nove instrumentos do novo pacto: i) um novo Regulamento relativo à triagem; ii) uma proposta alterada de revisão do Regulamento Procedimentos de Asilo; iii) uma proposta alterada de reformulação do Regulamento Eurodac.

3.   Observações na especialidade sobre o novo Regulamento relativo à triagem

3.1

O novo Regulamento relativo à triagem propõe um procedimento de triagem antes da entrada no território do país de primeira entrada que deve ser aplicável a todos os nacionais de países terceiros que se apresentam nas fronteiras externas sem preencherem as condições de entrada ou após o desembarque, na sequência de uma operação de busca e salvamento.

3.2

Os dados disponíveis revelam que a chegada de nacionais de países terceiros com claras necessidades de proteção internacional, conforme observado nos anos de 2015 e 2016, foi substituída, em parte, pelas chegadas mistas de pessoas.

3.3   Observações na especialidade sobre os objetivos e principais elementos do procedimento de triagem

3.3.1

O objetivo da triagem é contribuir para a nova abordagem global da migração e dos fluxos mistos, assegurando que a identidade das pessoas e os eventuais riscos para a saúde e a segurança são determinados rapidamente e que todos os nacionais de países terceiros que se apresentam nas fronteiras externas sem preencherem as condições de entrada ou após o desembarque, na sequência de uma operação de busca e salvamento, são rapidamente encaminhados para o procedimento aplicável. O objetivo deve ser igualmente a criação de um instrumento útil que permita que os outros Estados-Membros participem e avaliem também eles os requerentes durante o procedimento de asilo ao abrigo do Regulamento Procedimentos de Asilo.

3.3.2

A proposta prevê que os direitos fundamentais das pessoas em questão sejam protegidos por um mecanismo a criar pelos Estados-Membros.

3.3.3

Em particular, a triagem deverá consistir:

a)

num controlo preliminar da saúde e da vulnerabilidade;

b)

num controlo de identidade mediante consulta das bases de dados europeias;

c)

num registo dos dados biométricos (isto é, dados dactiloscópicos e dados de imagens faciais) nas bases de dados adequadas, na medida em que esse registo ainda não tenha sido efetuado; assim como

d)

num controlo de segurança através de uma consulta das bases de dados nacionais e da União pertinentes, sobretudo o Sistema de Informação de Schengen (SIS), para verificar que a pessoa não constitui uma ameaça para a segurança interna.

3.3.4

A triagem deveria ser obrigatória e deveria ser efetuada não apenas nos países de primeira entrada e sim em todos os Estados-Membros, em sintonia com o princípio da solidariedade da UE. Como referido no novo pacto, o procedimento de asilo só será executado nos países de primeira entrada. Se a «solidariedade obrigatória» não assumir a forma de «recolocação obrigatória» ao abrigo das disposições do Regulamento Procedimentos de Asilo, ou se não forem criados procedimentos que permitam às pessoas requerer asilo nos Estados-Membros da UE sem necessidade de atravessar as fronteiras da UE, em termos práticos, o regulamento não estará operacional. Devem também existir incentivos e desincentivos à recolocação e, em qualquer caso, o procedimento de asilo ao abrigo do Regulamento Procedimentos de Asilo deve ser executado noutros Estados-Membros e não exclusivamente no país de primeira entrada.

3.3.5

Espera-se que a triagem proposta traga valor acrescentado aos procedimentos atuais e, exceto em caso de questões sanitárias, não seja efetuada apenas nos países situados nas fronteiras externas da UE.

3.3.6

Um mecanismo independente, eficaz e contínuo de acompanhamento deve abranger sobretudo o respeito dos direitos fundamentais relativos à triagem, bem como o respeito das regras nacionais aplicáveis em caso de detenção e o cumprimento do princípio da não repulsão. Além disso, deve assegurar que as queixas são tratadas com celeridade e de forma apropriada.

3.3.7

A proposta reconhece o papel das agências da UE — Frontex e Agência da União Europeia para o Asilo —, que podem acompanhar e apoiar as autoridades competentes no exercício das suas funções em matéria de triagem, mas não é suficientemente clara. Também confere um papel importante, ainda que totalmente opaco, à Agência dos Direitos Fundamentais no apoio ao desenvolvimento pelos Estados-Membros de mecanismos independentes de acompanhamento dos direitos fundamentais relativos à triagem, bem como no respeito das regras nacionais aplicáveis em caso de detenção e o cumprimento do princípio da não repulsão.

4.   Proposta alterada de revisão do Regulamento Procedimentos de Asilo

4.1

O CESE considera acertada a opção por um regulamento da UE para a proposta legislativa alterada, em vez de uma diretiva, como é atualmente o caso. Não obstante, para o CESE levanta-se claramente a questão da forma como o regulamento pode ser imposto e aplicado em todos os Estados-Membros, em especial os que foram objeto de procedimentos de infração. O CESE só poderá apoiar esta proposta se ela não transformar os Estados-Membros do sul da Europa em centros de detenção de seres humanos ou em centros pré-partida.

4.2

O CESE saúda a intenção da proposta da Comissão de melhorar a coordenação e os procedimentos conjuntos para a concessão e retirada de proteção internacional, bem como de promover uma maior harmonização das decisões de asilo e regresso. Contudo, lamenta que tenham sido apresentadas mais propostas para coordenar a criação de centros de detenção fechados nos países de primeira entrada do que para o sistema comum de asilo, impondo exclusivamente aos países de primeira entrada a obrigação de gerir os requerentes de asilo. A impressão geral é que não existem interesses e ações comuns nas propostas e que estas não respondem de forma suficiente às necessidades dos países do sul da Europa.

4.3

Além disso, o CESE lamenta que a proposta não tenha identificado devidamente potenciais problemas na execução dos programas de regresso, sobretudo no que toca à disponibilidade dos países terceiros, dos países de origem ou dos países de trânsito para cooperar com a UE.

4.4

O CESE frisa a urgência de uma estratégia mais abrangente baseada num sistema de equilíbrio e partilha das responsabilidades pela gestão dos fluxos migratórios entre a UE e os países exteriores à UE.

4.5

O CESE salienta igualmente a necessidade de assegurar uma proteção adequada das famílias com crianças e exorta a Comissão a prestar especial atenção aos menores não acompanhados, à eficácia global dos procedimentos de orientação em matéria de asilo, aos indicadores sobre as normas operacionais e à recolha de exemplos de boas práticas (publicados pelo Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo). Não é aceitável que uma criança só seja considerada como tal se tiver menos de 12 anos, e não menos de 18 anos, em conformidade com o direito internacional. De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, entende-se por criança qualquer ser humano com menos de 18 anos de idade.

4.6

Em consultas recentes, as organizações da sociedade civil propuseram a revisão de algumas das regras relativas à determinação da responsabilidade e a criação de um mecanismo de solidariedade obrigatório, incluindo para as pessoas desembarcadas na sequência de uma operação de busca e salvamento. As organizações não governamentais defenderam também um entendimento comum da responsabilidade entre os Estados-Membros e apelam para que o Regulamento de Dublim revisto inclua um mecanismo de recolocação mais permanente (8) . O CESE pergunta-se de que forma um mecanismo funcional de solidariedade entre os Estados-Membros poderia ser instaurado de forma realista ao abrigo da proposta em apreço. As regras relativas à determinação do Estado-Membro responsável pelo tratamento de um pedido de asilo, atualmente estabelecidas no Regulamento Gestão do Asilo e da Migração, devem constar do Regulamento Procedimentos de Asilo, abrindo a possibilidade de que os pedidos sejam tratados por outros Estados-Membros através do Eurodac.

5.   Proposta alterada de reformulação do Regulamento Eurodac de 2016

5.1

A proposta que altera a proposta de 2016 de reformulação do Regulamento Eurodac estabelece uma ligação entre indivíduos específicos e os procedimentos aos quais são sujeitos para garantir um melhor apoio do controlo da migração ilegal e da deteção de movimentos não autorizados.

5.2

O principal objetivo do Eurodac é identificar os requerentes de asilo e facilitar, através de dados dactiloscópicos e da imagem facial (dados biométricos), a recolha de provas para contribuir para determinar o Estado-Membro responsável pela tratamento de um requerimento de asilo apresentado na UE.

5.3

O CESE não está convencido de que o Eurodac (9) seja o instrumento adequado para combater a migração ilegal ou apoiaria efetivamente o acompanhamento pelos Estados-Membros da prestação de assistência para o regresso voluntário e a reintegração (10).

5.4

A proposta que altera a proposta de 2016 assenta no acordo provisório entre os colegisladores, complementa estas alterações e visa transformar o Eurodac numa base de dados europeia comum para apoiar as políticas da União em matéria de asilo, reinstalação e migração ilegal.

5.5

Além disso, visa recolher dados mais exatos e completos para fundamentar a formulação de políticas e, assim, garantir um melhor apoio ao controlo da migração ilegal e à deteção de movimentos não autorizados através da contabilização dos requerentes individuais para além da contabilização dos pedidos. No entanto, o CESE considera que este sistema sofisticado também deve dar ao migrante a possibilidade de requerer asilo noutro Estado-Membro sem estar limitado ao país de primeira entrada.

5.6

O Eurodac visa igualmente apoiar a identificação de soluções estratégicas adequadas neste domínio ao permitir a elaboração de estatísticas com dados combinados de diferentes bases de dados.

5.7

O CESE concorda que as normas comuns sobre a recolha de dados dactiloscópicos e da imagem facial dos nacionais de países terceiros para efeitos do Eurodac devem ser aplicadas de modo uniforme em todos os Estados-Membros.

5.8

O CESE apoia a criação de um instrumento que proporcionará à União Europeia informações sobre o número de nacionais de países terceiros que entram irregularmente no território da UE ou na sequência de operações de busca e salvamento e nele solicitam proteção internacional, as quais são indispensáveis para elaborar políticas sustentáveis e baseadas em dados comprovados no domínio da política de migração e dos vistos.

5.9

Outro objetivo do Eurodac consiste em prestar apoio adicional às autoridades nacionais que lidam com requerentes de asilo cujos pedidos já tenham sido rejeitados noutro Estado-Membro, assinalando os pedidos rejeitados. As autoridades nacionais devem ter o direito de reexaminar um pedido tratado por outro Estado-Membro.

Bruxelas, 25 de fevereiro de 2021.

A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Christa SCHWENG


(1)  O conceito de não entrada existe tanto no acervo de Schengen como no acervo em matéria de asilo (artigo 43.o da Diretiva Procedimentos de Asilo).

(2)  JO C 123 de 9.4.2021, p. 15.

(3)  Ver página 58 do presente Jornal Oficial.

(4)  Em conformidade com as disposições do Regulamento Condições de Asilo, os direitos e benefícios decorrentes do estatuto de refugiado ou de pessoa elegível para proteção subsidiária estão vinculados ao Estado-Membro que concedeu o estatuto.

(5)  A percentagem de migrantes provenientes de países com taxas de reconhecimento inferiores a 25 % aumentou de 14 % em 2015 para 57 % em 2018.

(6)  No que diz respeito ao recurso à detenção durante o procedimento de fronteira, ver n.os 179 e 183 do Acórdão do TJUE no processo C-808/18: «… os Estados-Membros estão, com efeito, autorizados a colocar em “detenção”, na aceção do artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2013/33, os requerentes de proteção internacional que se apresentem nas suas fronteiras, antes de lhes conceder um direito de entrada no respetivo território, nas condições que o referido artigo 43.o enuncia e a fim de garantir a efetividade dos procedimentos que o mesmo artigo 43.o»; «resulta do artigo 43.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 que uma detenção baseada nesta disposição só é justificada a fim de permitir ao Estado-Membro em questão examinar, antes de reconhecer ao requerente de proteção internacional o direito de entrar no seu território, se o seu pedido não é inadmissível […], ou se não deve ser indeferido […]».

(7)  Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos) (JO L 243 de 15.9.2009, p. 1):

(8)  Relatório de projeto do CEPE, Search and rescue, disembarkation and relocation arrangements in the Mediterranean. Sailing Away from Responsibility? [Disposições de busca e salvamento, desembarque e recolocação no Mediterrâneo. Estaremos a fugir da responsabilidade?], junho de 2019.

(9)  Melhorará as capacidades de controlo dos Estados-Membros neste domínio e evitará o «comércio da assistência ao regresso voluntário e à reintegração», uma vez que os Estados-Membros terão acesso imediato a estas informações e uma pessoa que tenha recebido assistência num Estado-Membro não necessitará de se deslocar a outro Estado-Membro com o objetivo de obter outro tipo de assistência ou uma assistência melhor. Atualmente, os Estados-Membros não dispõem de uma base de dados comum nem de qualquer forma de descobrir se um repatriado já beneficiou de apoio ao regresso e à reintegração. Esta informação é importante para combater a utilização indevida e a duplicação do apoio.

(10)  O Sistema de Entrada/Saída permite aos Estados-Membros detetar nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular apesar de terem entrado legalmente na UE. No entanto, não existe um sistema deste tipo para identificar os nacionais de países terceiros em situação irregular que entram na UE de modo irregular através das fronteiras externas. O atual sistema Eurodac é a base de dados ideal para acolher estas informações, uma vez que já contém esses dados. De momento, a finalidade da recolha desses dados limita-se a contribuir para a determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo. A identificação dos nacionais de países terceiros em situação irregular e dos que entraram de modo irregular na União Europeia através das fronteiras externas ajudará, em especial, os Estados-Membros a emitir novos documentos a um nacional de país terceiro, a fim de o fazer regressar ao seu país de origem.


ANEXO

A seguinte proposta de alteração foi rejeitada durante o debate, tendo recolhido, contudo, pelo menos um quarto dos sufrágios expressos (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento):

Ponto 2.2

Alterar.

2.2

Os Estados-Membros do sul da Europa não terão outra escolha senão criarem serem convertidos em centros de detenção ou em centros para aguardar a pré-partida fechados, nos quais a situação dos requerentes de asilo é particularmente problemática em termos de condições de vida e de direitos.

Justificação

A formulação atual é muito difícil de interpretar, dado que os países não são eles próprios convertidos nem em centros de detenção nem em qualquer outra coisa. Os países criam, isso sim, centros pré-partida.

Resultado da votação

Votos a favor:

96

Votos contra:

100

Abstenções:

47

Os seguintes pontos do parecer da secção foram alterados para refletir a alteração aprovada pela Assembleia, embora mais de um quarto dos votos expressos se tenham pronunciado a favor do texto na sua forma inicial (artigo 43.o, n.o 2, do Regimento).

1.1

O CESE toma conhecimento do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, que visa dar resposta a um fenómeno multifacetado e complexo. O CESE considera que os novos regulamentos contribuem positivamente para uma proteção mais eficaz das fronteiras da UE. O que se pretende instaurar é um processo melhor e mais seguro para controlar as pessoas que entram na UE. No entanto, uma estratégia comum e integrada da UE, que seja resiliente e orientada para o futuro, é altamente necessária, e há muito que deveria ter sido adotada. Infelizmente, no que diz respeito à questão da migração e do asilo no seu conjunto, a Comissão limita-se a apresentar as mesmas medidas de sempre, as quais, como é infelizmente habitual, prejudicam sobretudo os países do sul da Europa. Mais, os quatro ou cinco Estados-Membros em causa tornar-se-ão «centros de detenção fechados»  (1) por um período de pelo menos seis ou sete meses, se não mais, até que seja conhecido o resultado dos procedimentos, levando a situações que serão vinte vezes piores do que até agora.

Resultado da votação

Votos a favor:

105

Votos contra:

99

Abstenções:

43

1.2

O CESE salienta que parece haver falta de boa vontade por parte da Comissão relativamente às suas sugestões. Todos os seus pareceres (SOC/649, SOC/669 e SOC/670) criticam a adoção tanto do Regulamento Gestão do Asilo e da Migração como do Regulamento Procedimentos de Asilo. O CESE salienta ainda que, na sequência da análise dos nove regulamentos e dos contactos estabelecidos com a Comissão, as perspetivas de aplicação destes nove regulamentos se afiguram problemáticas. É típico da Comissão não tratar a imigração como uma questão única, mas dizer que qualquer proposta ou sugestão é abrangida por outras regras. Consequentemente, não é possível estabelecer uma relação entre as diferentes questões, o que significa que cada questão é tratada individualmente no âmbito de cada regulamento específico. Por outras palavras, para cada comentário, a Comissão remete para uma outra regra, ou rejeita simplesmente todos os comentários por estarem sujeitos a regras diferentes.

Resultado da votação

Votos a favor:

101

Votos contra:

97

Abstenções:

41


(1)  O conceito de não entrada existe tanto no acervo de Schengen como no acervo em matéria de asilo (artigo 43.o da Diretiva Procedimentos de Asilo).


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