Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52018DC0483

    RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO sobre as restrições aos pagamentos em numerário

    COM/2018/483 final

    Bruxelas, 12.6.2018

    COM(2018) 483 final

    RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

    sobre as restrições aos pagamentos em numerário


    1.Introdução

    1 Em 2 de fevereiro de 2016, a Comissão publicou uma comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre um Plano de Ação para reforçar a luta contra o financiamento do terrorismo. O plano de ação baseia-se nas regras da UE em vigor, assegurando a adaptação às novas ameaças e visando atualizar as políticas da UE em conformidade com as normas internacionais. Foram debatidas várias questões e soluções em diferentes domínios relacionadas com o financiamento do terrorismo.

    2 No âmbito da ação da Comissão no sentido de alargar o âmbito de aplicação do regulamento relativo ao controlo da entrada e saída de numerário da União Europeia, foi feita referência à pertinência de se explorar a possibilidade de submeter os pagamentos em numerário a limites máximos. O plano de ação salientava ainda que “Vários Estados-Membros preveem a interdição de pagamentos em numerário acima de um certo montante”. Contudo, essa interdição não tem sido considerada a nível da UE.

    Nas suas conclusões sobre a luta contra o terrorismo, o Conselho Assuntos Económicos e Financeiros («ECOFIN») de 12 de fevereiro de 2016 instou a Comissão «(...) a analisar a necessidade de impor restrições adequadas aos pagamentos em numerário que excedam determinados limiares».

    Na sequência do plano de ação e do apoio prestado pelo ECOFIN, os serviços da Comissão iniciaram contactos informais com os Estados-Membros para recolher informações sobre as suas práticas neste domínio, as experiências nacionais com as restrições aos pagamentos em numerário e as suas opiniões sobre uma eventual iniciativa neste domínio.

    3 No ECOFIN de 17 de junho de 2016, a Comissão apresentou um relatório sobre este estudo rápido e informal e anunciou que deveria ser realizada uma avaliação de impacto pormenorizada, incluindo uma análise dos custos e benefícios de uma eventual ação da UE. Esta avaliação deveria também incluir uma consulta pública.

    4 A Comissão encomendou um estudo de impacto a um contratante externo e procedeu a uma consulta pública entre março e maio de 2017.

    As conclusões do estudo apresentado pelo contratante sugeriram que as restrições aos pagamentos em numerário não preveniriam de forma significativa o financiamento do terrorismo, mas indicavam que poderiam ser úteis no combate ao branqueamento de capitais. O estudo salientou também que a existência de restrições divergentes a nível nacional teve um impacto negativo considerável no mercado interno, devido à distorção da concorrência e à criação de situações de desigualdade entre algumas empresas.

    O objetivo do presente relatório é apresentar as conclusões do estudo e da consulta pública. O relatório deve ser lido em articulação com o estudo, que contém informações mais pormenorizadas.

    2.Contexto

    2.1.Características do numerário

    Para efeitos do presente relatório, entende-se por numerário as notas e moedas emitidas pelos bancos centrais.

    O estudo disponibiliza informações pormenorizadas sobre a utilização de numerário nos vários países 5 . A publicação do Banco Central Europeu intitulada The use of cash by households in the euro area fornece também informações importantes sobre a utilização de numerário nos pontos de venda, com base num inquérito realizado em 2016 6 . De acordo com o relatório do Banco Central Europeu, o numerário continua a ser o meio de pagamento mais comum na área do euro e continua a representar uma reserva de valor significativa.

    Na sua avaliação quanto ao possível estabelecimento de um limite para os pagamentos em numerário, a Comissão concentrou-se nos pagamentos de valor elevado, que representam uma pequena parte de todas as transações em numerário 7 . Não foi analisada a utilização de numerário em termos gerais.

    2.2.Quadro jurídico

    2.2.1.A nível da UE

    Atualmente, não existe legislação a nível da UE que restrinja os pagamentos em numerário 8 . Contudo, dois instrumentos jurídicos impõem obrigações em matéria de utilização de numerário.

    O Regulamento Controlo do Dinheiro Líquido estabelece um sistema de controlos aplicável às pessoas singulares que entrem ou saiam da União e que transportem divisas ou meios de pagamento ao portador de valor igual ou superior a 10 000 EUR. Em 21 de dezembro de 2016, a Comissão emitiu uma nova proposta legislativa destinada a reforçar ainda mais estes controlos, que está atualmente a ser negociada pelos colegisladores.

    A Quarta Diretiva Antibranqueamento de Capitais impõe obrigações de diligência devida às pessoas que comercializam bens, na medida em que efetuem ou recebam pagamentos em numerário de valor igual ou superior a 10 000 EUR, independentemente de a transação ser efetuada numa única operação ou através de várias operações que pareçam estar associadas 9 .

    2.2.2.A nível nacional

    A maior parte dos Estados-Membros da UE aplicam restrições aos pagamentos em numerário 10 . Os limiares estabelecidos variam entre 500 EUR e 15 000 EUR. As medidas são bastante heterogéneas, com diferenças no que se refere ao tipo de medidas, aos limiares e à cobertura. Além disso, importa salientar que o número de Estados-Membros da UE que aplicam restrições ao numerário aumentou rapidamente nos últimos anos, tendo passado de 4 em 2008 para 17 em setembro de 2017.

    3.Medidas tomadas na sequência do ECOFIN de 17 junho de 2016

    A fim de assegurar uma mobilização eficiente dos recursos, foi encomendado um estudo a um contratante privado, um consórcio formado pela Ecorys e pelo Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS). O objetivo principal do estudo foi avaliar o potencial impacto das restrições aos pagamentos em numerário nas atividades ilícitas e no mercado interno 11 .

    Em conformidade com as Orientações «Legislar Melhor», realizou-se uma consulta pública entre 1 de março e 31 de maio de 2017. Os resultados desta consulta são apresentados na secção 4 e indicam que uma grande maioria dos inquiridos se opunha claramente a quaisquer restrições aos pagamentos em numerário.

    O contratante concluiu o estudo em fevereiro de 2018. As principais conclusões foram que as restrições aos pagamentos em numerário teriam um impacto positivo reduzido sobre o financiamento do terrorismo ou a fraude fiscal. Contudo, o estudo concluiu também que as restrições aos pagamentos em numerário seriam úteis no combate ao branqueamento de capitais e que a existência de restrições divergentes a nível nacional tinha um impacto negativo considerável no mercado interno, devido à distorção da concorrência e à criação de situações de desigualdade entre algumas empresas.

    4.Consulta pública

    Entre 1 de março e 31 de maio de 2017, foi realizada uma consulta pública, através de um inquérito pela Internet, que convidava os inquiridos a responder a várias perguntas sobre a questão das restrições aos pagamentos em numerário 12 .

    Foram identificados três objetivos para a consulta das partes interessadas.

    Em primeiro lugar, foi reconhecido que o numerário continua a ser o meio de pagamento mais acessível e que em alguns Estados-Membros estava profundamente enraizado na imagem pública da liberdade pessoal. Qualquer potencial alteração política seria, portanto, sensível e afetaria todos os cidadãos. Perante este cenário, o primeiro e principal objetivo da consulta foi recolher as opiniões do público em geral no que se refere à potencial introdução de restrições aos pagamentos em numerário.

    Em segundo lugar, uma vez que o numerário ainda é amplamente utilizado, mesmo para pagamento de montantes mais elevados, em particular em determinados setores económicos e por um grande número de pequenas e médias empresas, foi reconhecido que esses setores e agentes económicos poderiam sofrer um impacto significativo se fossem introduzidas restrições aos pagamentos em numerário. Por esta razão, o segundo objetivo da consulta consistia em recolher as opiniões dos interessados envolvidos nos setores ou atividades que dependem consideravelmente do numerário e, em particular, a sua avaliação sobre o impacto que tais restrições teriam nas suas atividades.

    Por último, à luz do objetivo de luta contra o financiamento do terrorismo e de outras atividades ilícitas, foi também pedida a opinião de especialistas em matéria penal e de aplicação da lei sobre a pertinência de restrições aos pagamentos em numerário no que se refere a este objetivo específico.

    Embora existissem três categorias de inquiridos, deve sublinhar-se que a primeira dessas categorias – o público em geral – constituiu o principal grupo-alvo do inquérito eletrónico, que foi realizado através de uma ferramenta eletrónica que permitiu a recolha de um número considerável de respostas. As questões foram elaboradas com esta categoria em mente, mas outras categorias, como por exemplo os profissionais do setor económico e da aplicação da lei, não foram excluídas do inquérito e tiveram também a sua oportunidade de contribuir para o mesmo. Estas partes interessadas foram também consultadas, no entanto, através de um inquérito mais qualitativo, no quadro do estudo externo. O inquérito público não foi concebido especificamente para dar resposta às especificidades destas partes interessadas.

    A consulta pública incluiu diversas questões. Todos os detalhes relacionados com estas questões e as respetivas respostas foram publicados 13 .

    A principal mensagem do inquérito foi que uma maioria substancial (94,94%) respondeu negativamente à pergunta “Concordaria com a introdução de restrições aos pagamentos em numerário ao nível da UE?” Este foi uma opinião partilhada pela maior parte inquiridos, independentemente de existirem ou não restrições em vigor no seu próprio país de residência.

    Essa reação negativa pode ser explicada pelo facto de a questão estar relacionada com a introdução de uma proibição geral, sendo potencialmente aplicável a todos os cidadãos (ao contrário, por exemplo, de uma proibição da produção de determinados produtos químicos, que se aplicaria exclusivamente aos potenciais produtores industriais). Além disso, é evidente que as consultas públicas apenas refletem a opinião dos inquiridos que se respondem espontaneamente ao inquérito, ao contrário das sondagens de opinião, nas quais os inquiridos são contactados de forma proactiva e sistemática.

    Neste contexto, cumpre esclarecer que a maioria dos inquiridos provém de três Estados-Membros: Áustria, Alemanha e França. Esse facto resulta da publicidade feita à consulta nos meios de comunicação social nacionais nesses países. A Comissão não realizou qualquer comunicação direcionada. Contudo, os resultados dos outros países não diferiram significativamente da tendência geral observada nesses três países.

    5.Conclusões do estudo

    5.1.Conclusões do estudo relativamente ao financiamento do terrorismo

    O numerário é amplamente utilizado por terroristas e criminosos, porque lhes permite minimizar as possibilidades de serem apanhados 14 . O numerário permite o anonimato e tem a capacidade de encobrir não só atividades ilícitas como também transações legais acessórias que de outra forma poderiam ser detetadas pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Em muitas atividades terroristas, o numerário desempenha um papel significativo.

    Contudo, a análise pormenorizada de uma seleção de ataques terroristas recentes apresentada no estudo também sublinhou que as restrições aos pagamentos em numerário teriam tido muito pouco impacto sobre a capacidade de preparação desses ataques.

    Em primeiro lugar, foi detetada uma tendência para a diminuição dos custos dos ataques terroristas desde os ataques do 11 de setembro, custos esses que foram muitas vezes inferiores a 10 000 EUR, muito abaixo do orçamento que se pensa terá sido necessário para os ataques do 11 de setembro, que terá oscilado entre 400 000 USD e 500 000 USD.

    Em segundo lugar, com um orçamento tão limitado, os montantes das transações individuais são muitas vezes inferiores, pelo que a imposição de restrições apenas aos pagamentos de valor elevado não teria tido impacto. A análise de estudos de casos apresentada 15 demonstra esse facto de forma exaustiva.

    Por último, cumpre observar que, na avaliação do impacto de uma proibição dos pagamentos em numerário sobre o terrorismo e outras atividades criminosas, deve ser feita uma distinção entre o impacto sobre as transações ilícitas e lícitas.

    As transações ilícitas englobam tanto as transações ilegais (como a aquisição de explosivos) como aquelas transações que são aparentemente lícitas mas que ambas as partes sabem que se destinam a uma atividade ilegal. Na medida em que essas transações já sejam ilegais e em que as partes corram voluntariamente o risco de medidas repressivas ou de aplicação da lei, afigura-se duvidoso que uma proibição dos pagamentos em numerário seja respeitada ou tenha qualquer efeito dissuasor. É improvável que os criminosos, que estão por definição dispostos a violar deliberadamente a lei, sejam dissuadidos por uma proibição adicional no que respeita ao pagamento da transação. Tal será particularmente válido quando as sanções associadas a essa proibição adicional forem insignificantes em comparação com as sanções associadas à atividade criminosa principal.

    Há transações lícitas acessórias da atividade criminosa principal mas que não são, em si, criminosas (como alugar um automóvel) e sobre as quais se pode presumir que a contraparte (p. ex.: a empresa de aluguer de automóveis) não tem conhecimento da intenção criminosa subjacente (p. ex.: o transporte de explosivos). Nesse contexto, uma proibição do pagamento em numerário poderia ser respeitada por iniciativa da contraparte honesta, conduzindo ao pagamento da transação por outro meio ou à não realização da mesma. Infelizmente, nesse caso, pode suspeitar-se que, uma vez que estas transações são lícitas e comuns, o pagamento das mesmas através de meios rastreáveis não permitiria necessariamente identificar uma atividade suspeita. Cumpre observar que muitas dessas transações comuns foram efetivamente pagas através de meios rastreáveis na preparação de ataques terroristas recentes, sem ativarem os sistemas de alerta 16 .

    Em conclusão, as proibições de pagamentos de valor elevado em numerário não dificultariam diretamente, de forma significativa, o financiamento de atividades terroristas ou outras atividades criminosas. A maioria das transações não seriam afetadas e a proibição seria provavelmente ignorada ou só seria respeitada em transações que são em si tão comuns que não é provável que levantem quaisquer suspeitas.

    5.2.Conclusões do estudo relativamente à fraude fiscal

    Embora a fraude fiscal 17 e a utilização de numerário estejam frequentemente associadas, o estudo demonstra que a relação entre as duas nem sempre é inequívoca 18 .

    Em primeiro lugar, embora se verifique alguma correlação entre a utilização de numerário numa economia e o nível de fraude fiscal, existem aparentemente outros fatores que também desempenham um papel importante nesse processo, o que explicaria a existência de valores atípicos (como a Áustria, onde o nível de fraude fiscal é baixo mas o numerário é muito utilizado).

    Em segundo lugar, embora o numerário seja amplamente utilizado para o financiamento do terrorismo e de outras atividades criminosas, uma forma significativa de fraude fiscal é conduzida através de transações que não são feitas em numerário, com base em estruturas e operações jurídicas complexas que assumem muitas vezes uma natureza internacional e não envolvem qualquer utilização de numerário. Nestes casos, a proibição dos pagamentos em numerário seria totalmente ineficaz.

    Por último, quando o numerário é efetivamente utilizado para efeitos de fraude fiscal, podem distinguir-se dois casos. Em ambos esses casos, não parece provável que a proibição da utilização de numerário cumprisse o objetivo de limitar a fraude. O primeiro caso envolve transações em que ambas as partes estão envolvidas na fraude fiscal, como acontece com o trabalho não declarado. Estas transações podem ser de valor elevado (como pagamentos de salários), mas como ambas as partes já se encontram expostas às sanções associadas à fraude fiscal, uma proibição dos pagamentos em numerário teria um efeito dissuasor reduzido. O segundo caso envolve transações em que apenas uma parte depende da natureza pecuniária da transação para cometer a fraude fiscal (geralmente um vendedor), enquanto a outra parte permanece alheia e sem conhecimento da fraude. Na opinião da Comissão, a proibição da utilização de numerário poderia ter algum impacto nesses casos. Contudo, uma vez que os montantes envolvidos nestes tipos de transações são frequentemente baixos (p. ex.: contas de restaurantes), não seriam em geral abrangidos por uma proibição dos pagamentos em numerário de valor elevado 19 .

    Em jeito de conclusão, afigura-se que uma restrição dos pagamentos em numerário de valor elevado só teria um impacto limitado sobre a fraude fiscal, salvo se o limiar for fixado num nível muito baixo.

    5.3.Conclusões do estudo relativamente ao branqueamento de capitais

    Muitos atos criminosos são perpetrados com o objetivo de gerar lucros para o indivíduo ou o grupo que realiza o ato. O branqueamento de capitais é o processamento do produto dessas atividades criminosas 20 por forma a dissimular a sua origem ilegal, para que o capital resultante seja aparentemente legal e possa ser aplicado na economia real 21 . Conforme indicado no estudo 22 , é evidente que as transações em numerário desempenham um papel importante no branqueamento de capitais, principalmente porque, apesar do crescimento constante dos métodos de pagamento não pecuniários e da evolução da criminalidade (com um aumento da cibercriminalidade, da fraude em linha e dos mercados em linha ilícitos), algumas atividades criminosas continuam a gerar lucros sob a forma de grandes quantias em numerário. O numerário é assim, frequentemente, o ponto de partida para o branqueamento de capitais, que exige portanto algumas transações em numerário, muitas vezes através da aquisição de bens de valor elevado. O relatório da Comissão Europeia sobre a avaliação supranacional dos riscos 23 também sublinha o importante papel desempenhado pelo numerário no branqueamento de capitais (ver, em especial, os capítulos 2.1.4 e 2.2.1).

    Embora nem todas as transações em numerário viessem a ser afetadas por uma proibição da utilização de numerário, as transações relacionadas com o branqueamento de capitais são frequentemente transações de valor elevado. Uma proibição ou obrigação de declaração eliminaria o anonimato da transação e dificultaria o branqueamento de capitais através da aquisição de bens de valor elevado. O valor global destas transações e o impacto de uma restrição à utilização de numerário sobre o branqueamento de capitais em termos gerais não podem, contudo, ser quantificados com precisão. Neste contexto, uma obrigação de declaração já disponibilizaria informações para efeitos de aplicação da lei. Contudo, a eficácia de uma obrigação de declaração dependeria dos níveis de cumprimento dos negociantes de bens de valor elevado e da medida em que as comunicações fossem efetivamente utilizadas e eficazmente analisadas enquanto informação, dados ou provas em investigações de branqueamento de capitais. Os custos de conformidade deverão ser superiores aos que decorreriam de uma simples proibição da utilização de numerário 24 .

    Uma característica específica do branqueamento de capitais é o seu aspeto internacional e o facto de os criminosos explorarem as diferenças entre as legislações nacionais em matéria de comunicação de transações em numerário e de limites aos pagamentos em numerário 25 . As diferenças entre as legislações dos Estados-Membros da UE em matéria de limitações à utilização de numerário não só dificultam o funcionamento adequado do mercado interno (ver abaixo) como também proporcionam oportunidades para contornar os controlos nos países de origem, investindo em atividades que envolvam transações em numerário de forma intensiva noutro Estado-Membro da UE sem controlo ou com um controlo reduzido das despesas em numerário. Por outras palavras, a existência de limitações aos pagamentos em numerário em alguns Estados-Membros e a sua ausência noutros Estados-Membros cria a possibilidade de contornar as restrições mudando para outro Estado-Membro da UE.

    Em conclusão, afigura-se que restrições homogéneas aos pagamentos em numerário de valor elevado, quer na forma da sua proibição quer de obrigações de declaração, teriam um impacto positivo no combate ao branqueamento de capitais, que não pode contudo ser quantificado com exatidão. Uma vez que o branqueamento de capitais é geralmente um subproduto de outras atividades criminosas ou ilícitas, esse impacto positivo teria efeitos indiretos no combate às mesmas, apesar de as restrições não afetarem as atividades propriamente ditas.

    5.4.Conclusões do estudo relativamente ao mercado interno, às distorções da concorrência e às restrições aos pagamentos em numerário

    A existência de restrições nacionais divergentes suscita a questão de estas restrições induzirem ou não a deslocação de atividades para outros países. O estudo confirma essa deslocação.

    O bom funcionamento do Mercado Interno exige a manutenção de condições de concorrência equitativas entre os Estados-Membros da UE, o que não será possível com legislações muito variáveis entre os Estados-Membros. As distorções do funcionamento do Mercado Interno podem afetar tanto os consumidores como as empresas.

    A aplicação de restrições não uniformes aos pagamentos em numerário poderá levar a que os consumidores e as empresas passem a utilizar métodos de pagamento alternativos, não realizem as transações ou relocalizem essas mesmas transações para jurisdições onde essas restrições não existam.

    Este aspeto foi examinado no estudo 26 , que analisou o comportamento transnacional de compradores e vendedores e conduziu a uma avaliação econométrica de alguns setores específicos onde a utilização de numerário é significativa.

    De modo geral, os resultados, em particular para os países da área do euro, justificam o pressuposto de que as restrições à utilização de numerário têm um impacto na deslocação do volume de negócios de um país para outro, se existirem divergência nas restrições aplicáveis ao numerário. Tal é válido tanto para as restrições a nível nacional como para as restrições à utilização de numerário em países vizinhos, tendo as primeiras um impacto negativo e as segundas um impacto positivo no volume de negócios dos setores que envolvem transações em numerário de forma intensiva. Neste contexto, o estudo conclui que as restrições nacionais à utilização de numerário distorcem o mercado interno 27 .

    É de salientar que a deslocação do volume de negócios em causa se aplica tanto às transações legítimas como às transações realizadas com o objetivo de branquear capitais. Estas últimas transações não são necessariamente ilícitas de per se, sendo que o que está muitas vezes em causa são transações regulares exclusivamente realizadas para efeitos ilegítimos de branqueamento de capitais nas quais a outra parte (geralmente um vendedor) não é cúmplice ou não tem conhecimento da finalidade ilegítima da transação. Contudo, os dois tipos de deslocação das transações têm um impacto na integridade do mercado interno e conduzem a uma desigualdade de condições que poderá distorcer a concorrência. Importa contudo considerar que, além de afetar o mercado interno, a deslocação transnacional de transações com o objetivo de branquear capitais diminui também a eficácia das restrições nacionais no combate ao branqueamento de capitais.

    Com base no estudo, pode constatar-se que a existência de restrições divergentes entre os Estados-Membros conduz a deslocações artificiais de atividades comerciais transnacionais 28 . Esta situação afeta tanto a integridade do mercado interno como a eficiência das medidas nacionais na realização dos seus objetivos de ordem pública.

    6.Conclusões

    Com base no estudo, pode concluir-se que as restrições aos pagamentos em numerário não resolveriam de forma significativa o problema do financiamento do terrorismo. A ineficácia da medida deriva do facto de que as transações visadas ao abrigo destes objetivos apresentam muitas vezes um valor demasiado baixo para estarem abrangidas ou já são por si só transações ilícitas, nas quais uma proibição adicional teria um impacto reduzido, existindo casos em que ambos esses argumentos são aplicáveis.

    Contudo, as conclusões preliminares do estudo indicam que uma proibição dos pagamentos em numerário de valor elevado poderia ter um impacto positivo no combate ao branqueamento de capitais. Uma vez que o branqueamento de capitais está geralmente relacionado com fundos provenientes de atividades criminosas ou de fraude fiscal, as restrições aos pagamentos em numerário poderiam ter um impacto indireto sobre essas atividades.

    Contudo, seria necessária uma avaliação mais direcionada para esta matéria, uma vez que o foco da presente iniciativa era o combate ao financiamento do terrorismo.

    Outra conclusão importante é que a existência de disposições nacionais divergentes em matéria de pagamentos em numerário distorce a concorrência no mercado interno, conduzindo à potencial relocalização transnacional de certas atividades, em particular em determinados setores específicos onde a utilização de numerário é significativa, como os negociantes de joias ou de automóveis. Essas restrições nacionais divergentes poderão também resultar em lacunas que permitam contornar os limites nacionais para os pagamentos em numerário, diminuindo assim a sua eficácia.

    Por último, cumpre observar que as restrições aos pagamentos em numerário constituem uma questão sensível para os cidadãos europeus e que muitos desses cidadãos consideram a possibilidade de pagar em numerário como uma liberdade fundamental, que não deve ser restringida de forma desproporcionada.

    Tendo em conta os aspetos relativos ao mercado interno e a importância e a sensibilidade desta potencial medida, será necessária uma análise mais aprofundada. Nesta fase, a Comissão não está a considerar qualquer iniciativa legislativa nesta matéria.

    (1)      COM(2016) 50
    (2)      O plano de ação referia que «Os pagamentos em numerário são amplamente utilizados no financiamento de atividades terroristas […]. Neste contexto, a relevância de submeter os pagamentos em numerário a limites máximos também poderia ser estudada. Vários Estados-Membros preveem a interdição de pagamentos em numerário acima de um certo montante».
    (3)      A iniciativa foi validada em dezembro de 2016, no quadro do planeamento da agenda da Comissão, e, em 23 de janeiro de 2017, foi publicada uma Avaliação de Impacto Inicial que expunha os motivos para uma análise mais aprofundada http://ec.europa.eu/smart-regulation/roadmaps/docs/plan_2016_028_cash_restrictions_en.pdf .
    (4)      Hiperligação HTML para o relatório Ecorys.
    (5)      Ver estudo, pp. 18-21.
    (6)       https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/scpops/ecb.op201.en.pdf  
    (7)      Ver a publicação do BCE, página 25.
    (8)      Cumpre observar que, nesta fase, não se avaliaram os aspetos jurídicos de potenciais medidas da UE no sentido da restrição dos limites aos pagamentos em numerário.
    (9)      A diretiva foi recentemente atualizada através da Quinta Diretiva Antibranqueamento de Capitais.
    (10)      O estudo apresenta uma visão geral pormenorizado da legislação nacional em vigor até ao final de 2017 (pp. 25-29).
    (11)      Para uma descrição pormenorizada da metodologia seguida, ver o estudo, pp. 31-35.
    (12)      Os resultados brutos estão disponíveis em: https://ec.europa.eu/eusurvey/publication/CashPayments?language=PT&surveylanguage=PT .
    (13)      https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/statistical_overview.pdf
    (14)      Estudo, p. 21.
    (15)      Ver estudo, pp. 38-54.
    (16)      Ver estudos de casos referidos no estudo.
    (17)      A fraude fiscal tem de ser diferenciada da evasão fiscal, que consiste na utilização de formas sofisticadas mas legais de evitar ou reduzir a fatura fiscal.
    (18)      Estudo, pp. 64-67.
    (19)      Estudo, p. 133.
    (20)      O produto das atividades criminosas deve ser entendido no sentido mais lato, incluindo em particular os lucros provenientes da fraude fiscal.
    (21)      Esta é uma diferença importante relativamente ao terrorismo, cujo objetivo não é o enriquecimento do indivíduo ou do grupo, mas o terror. No caso do terrorismo, o rendimento não é um objetivo mas um meio para atingir o objetivo. Os terroristas estão, em geral, menos preocupados com o branqueamento dos seus fundos, porque não planeiam gastá-los de forma legal. Os planos terroristas mais recentes não demonstraram ter qualquer intenção criminosa lucrativa. Geralmente, os criminosos obtêm fundos ilegalmente com o objetivo de os introduzir no sistema financeiro legítimo. Os terroristas obtêm fundos legalmente (salários, empréstimos, venda de bens, etc.) e utilizam-nos numa atividade criminosa.
    (22)      Estudo, pp. 57-64.
    (23)      COM(2017) 340
    (24)      Estudo, p. 10.
    (25)      Estudo, pp. 67-70.
    (26)      Estudo, pp. 70-77.
    (27)      Estudo, p. 77.
    (28)      Estudo, pp. 70-77.
    Top