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Document 52018AE3992

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «a) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.° 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial» [COM(2018) 378 final — 2018/203 (COD)] e sobre «b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos)» [COM(2018) 379 final — 2018/204 (COD)]

EESC 2018/03992

JO C 62 de 15.2.2019, p. 56–62 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

15.2.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 62/56


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «a) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial»

[COM(2018) 378 final — 2018/203 (COD)]

e sobre «b) Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos)»

[COM(2018) 379 final — 2018/204 (COD)]

(2019/C 62/09)

Relator:

Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Consulta

a)

Parlamento Europeu, 10.9.2018

b)

Parlamento Europeu, 10.9.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

2.10.2018

Adoção em plenária

17.10.2018

Reunião plenária n.o

538

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

184/0/9

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE toma boa nota das propostas de alteração do Regulamento Obtenção de Provas e do Regulamento Citação e Notificação de Atos, apresentadas pela Comissão.

1.2.

O CESE solicita à Comissão que tenha em conta as observações formuladas no presente parecer a respeito das suas propostas, nomeadamente as constantes dos pontos 5.2, 5.3, 5.4, 5.5, 5.9, 5.10, 6.3, 6.4. e 6.6, uma vez que, sem um verdadeiro espaço judiciário, não é possível tirar pleno partido das liberdades que estão na base do mercado único.

2.   Antecedentes

2.1.

Com vista à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União Europeia (UE), o artigo 81.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) cria os alicerces para o desenvolvimento da denominada «cooperação judiciária em matéria civil» para os processos com implicações transnacionais, atribuindo à UE competências para a adoção de medidas de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros.

2.2.

É prevista a adoção de medidas destinadas a assegurar o reconhecimento mútuo — entre os Estados-Membros — das decisões judiciais e extrajudiciais, bem como a sua execução e a cooperação no domínio da obtenção de provas, quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno.

2.3.

Para regular a assistência judiciária entre os Estados-Membros, a UE substituiu os sistemas abrangidos pelas Convenções da Haia, aprovando os instrumentos jurídicos seguintes:

2.3.1.

O Regulamento (CE) n.o 1206/2001 (1) do Conselho relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, adotado por iniciativa da República Federal da Alemanha (a seguir designado «Regulamento Obtenção de Provas»), aplicável em todos os Estados-Membros à exceção da Dinamarca.

2.3.2.

Este regulamento estabelece, à escala da UE, um sistema de transmissão rápida e direta de pedidos de obtenção de provas entre tribunais e também normas precisas sobre a forma e o conteúdo desses pedidos. Criou um sistema de contacto direto entre os tribunais, que substituiu o anterior, em que os pedidos eram transmitidos pelo tribunal de um Estado-Membro para a entidade central de outro Estado-Membro.

2.3.3.

O Regulamento (CE) n.o 1393/2007 (2) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (a seguir designado «Regulamento Citação e Notificação de Atos»), aplicável em todos os Estados-Membros (3).

2.3.4.

Este regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um ato judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objeto de citação ou notificação. No entanto, não abrange matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício do poder público (acta iure imperii).

2.4.

O CESE sempre se mostrou favorável à criação de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça na UE, o que comporta, nomeadamente, adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, para que os cidadãos e as empresas não se vejam impedidos nem se sintam desencorajados de exercer os seus direitos, devido à incompatibilidade ou à complexidade dos sistemas de justiça dos Estados-Membros.

2.5.

Em todo o caso, para a criação do espaço judiciário europeu, é imperativo melhorar a cooperação entre os tribunais e, por conseguinte, simplificar e acelerar as formalidades para eliminar falhas e atrasos.

3.   Propostas da Comissão

3.1.

As propostas da Comissão visam alterar os regulamentos existentes em matéria de obtenção de provas e de citação e notificação de atos.

3.2.   Proposta de alteração do Regulamento Obtenção de Provas

3.2.1.

A proposta tem como objetivo melhorar o funcionamento do espaço de liberdade, segurança e justiça e do mercado interno, melhorando e tornando mais célere o processo de obtenção transnacional de provas.

3.2.2.

Pretende adaptar o regulamento à evolução tecnológica, explorando as vantagens da digitalização, obrigando a que a comunicação e o intercâmbio de documentos sejam efetuados por defeito através de meios eletrónicos, e respeitando as normas de proteção de dados e de privacidade, sem que tal prejudique os direitos processuais das partes. Para tal, o sistema deverá instituir uma estrutura descentralizada, que permita a comunicação direta entre os utilizadores finais.

3.2.3.

A proposta promove o recurso aos meios modernos de obtenção de provas, como a videoconferência, se for necessário ouvir pessoas que se encontram noutro Estado-Membro. Visa garantir que o recurso à obtenção direta de provas é mais adequado, mais frequente e mais rápido na audição de testemunhas ou de peritos ou no interrogatório de uma parte nos casos em que estas pessoas residam noutro Estado-Membro.

3.2.4.

Elimina as barreiras legais à aceitação de provas eletrónicas (digitais). A proposta prevê o reconhecimento mútuo das provas digitais. Tal reduzirá os encargos para os cidadãos e as empresas no processo e limitará o número de casos em que as provas eletrónicas são rejeitadas.

3.2.5.

Propõe sanar as divergências de interpretação do termo «tribunal», que atualmente não se encontra definido no Regulamento Obtenção de Provas. A proposta procura eliminar a incerteza a este respeito.

3.2.6.

A proposta é coerente com outros instrumentos da UE no domínio da cooperação judiciária em matéria civil e não representa um obstáculo ao eventual intercâmbio de informações entre autoridades no contexto do reconhecimento e da execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (4) nem em matéria de obrigações alimentares (5), inclusivamente nos casos em que essas informações têm valor probatório, sendo possível à autoridade requerente escolher o método mais adequado.

3.2.7.

Prevê a possibilidade de obtenção de provas por agentes diplomáticos ou consulares de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro e no espaço em que exercem funções, sem necessidade de pedido prévio à entidade central ou à autoridade competente do referido Estado-Membro.

3.2.8.

Para garantir o reconhecimento mútuo das provas digitais, a prova digital produzida num Estado-Membro em conformidade com as normas nacionais não deverá ser recusada como prova noutros Estados-Membros apenas devido à sua natureza digital.

3.2.9.

Para a introdução de alterações nos formulários dos anexos ou para a atualização dos mesmos, está prevista a delegação de poderes na Comissão nos termos do artigo 290.o do TFUE.

3.3.   Regulamento Citação e Notificação de Atos

3.3.1.

O principal objetivo das disposições deste regulamento é criar efetivamente vias uniformes para a transmissão de atos de um Estado-Membro para outro, para efeitos de citação e de notificação dos mesmos nesse outro Estado-Membro. Para tal, a experiência de aplicação do regulamento em vigor e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a matéria revelou-se particularmente útil.

3.3.1.1.

O âmbito de aplicação do regulamento é alterado, embora seja mantida a redação atual da parte relativa aos atos extrajudiciais. Em contrapartida, no que diz respeito aos atos judiciais, o regulamento será aplicável em todas as situações em que o domicílio do destinatário se situe noutro Estado-Membro.

3.3.1.2.

Esta nova exigência, segundo a qual todas as situações de citação/notificação de atos são obrigatoriamente abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento quando o destinatário esteja domiciliado noutro Estado-Membro, só se aplica à citação/notificação da petição inicial. Quanto à citação/notificação de atos judiciais em fases posteriores do processo judicial, a proteção suplementar já não é tão importante.

3.4.

A comunicação e o intercâmbio de documentos entre as autoridades de origem e as autoridades requeridas devem ser efetuados por via eletrónica, através de um sistema informático descentralizado constituído por sistemas informáticos nacionais interligados por uma infraestrutura de comunicação segura e fiável, apesar de existir a possibilidade de utilização de meios de comunicação alternativos (tradicionais) em caso de perturbação imprevisível e excecional do sistema informático.

3.5.

Estabelece-se o dever dos Estados-Membros de prestarem assistência para determinar o paradeiro de um destinatário que se encontre noutro Estado-Membro. Para o efeito, são apresentadas três possibilidades alternativas:

prestar assistência judiciária através das autoridades designadas pelos Estados-Membros,

conceder acesso aos registos públicos com informação domiciliária através do Portal Europeu da Justiça,

fornecer informações pormenorizadas através do Portal Europeu da Justiça sobre os instrumentos disponíveis para localizar pessoas nos respetivos territórios.

3.6.

Uma parte estrangeira num processo judicial pode ser obrigada a nomear um mandatário para efeitos de citação/notificação dos atos no âmbito do processo no Estado-Membro em que este corre.

3.7.

É melhorado o procedimento através do qual o destinatário pode exercer o direito de recusar a receção do ato quando este não esteja redigido ou traduzido numa língua adequada.

3.8.

A proposta obriga os prestadores de serviços postais a utilizarem um modelo de aviso de receção específico quando efetuam a citação ou notificação de atos por via postal ao abrigo do regulamento. É também introduzida uma norma mínima quanto às pessoas que podem receber a citação ou notificação em lugar do destinatário, caso o prestador de serviços postais não possa entregar o ato pessoalmente ao destinatário.

3.9.

A proposta introduz a citação/notificação de atos por via eletrónica como mais um método alternativo de citação/notificação ao abrigo do regulamento.

3.10.

No que respeita às situações de não comparência do demandado, são introduzidas duas inovações importantes:

a)

O tribunal responsável será obrigado a enviar uma mensagem de alerta sobre o início do processo ou sobre sentença proferida à revelia para a conta de utilizador disponível do demandado;

b)

É uniformemente fixado em dois anos, a contar da data da sentença à revelia, o prazo durante o qual se pode proceder à relevação a título extraordinário dos efeitos do termo do prazo para interpor recurso no âmbito da impugnação do reconhecimento e da execução da decisão noutro Estado-Membro.

4.   Observações gerais

4.1.

O CESE acolhe com satisfação as propostas de alteração do Regulamento Obtenção de Provas e do Regulamento citação e Notificação de atos, apresentadas pela Comissão, uma vez que estas facilitam a integração judicial dos Estados-Membros mediante a criação de vias uniformes nos respetivos âmbitos de aplicação.

4.2.

Ambas as propostas contribuem para melhorar a cooperação judiciária na UE, com base no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais (artículo 81.o do TFUE), reforçar o espaço de liberdade, segurança e justiça (artigo 3.o, n.o 2, e artigo 67.o do TFUE) e criar o mercado interno (artigo 26.o do TFUE).

4.3.

Em suma, a adoção e aplicação do quadro regulamentar proposto pela Comissão deverá contribuir objetivamente para eliminar diversos obstáculos invisíveis que afetam diretamente a vida de todos os cidadãos — tanto nacionais dos Estados-Membros como pessoas residentes na UE — e as trocas comerciais das empresas que operam na União.

4.4.

Para garantir o acesso à justiça e a um julgamento equitativo, é indispensável que as disposições contidas nas duas propostas em apreço se apliquem aos processos judiciais com implicações transnacionais e que sejam concretizadas de forma adequada.

4.5.

As propostas estão igualmente em consonância com a estratégia para o mercado digital em matéria de administração pública em linha, em especial no que respeita à necessidade de adotar medidas para modernizar a administração pública e alcançar a interoperabilidade transfronteiras, o que facilita a interação com os cidadãos.

4.6.

As propostas aumentam a segurança jurídica, contribuindo assim para evitar atrasos e custos injustificados para os cidadãos, as empresas e a administração pública, e vêm colmatar lacunas na proteção dos direitos processuais das partes, dado que procuram evitar a impossibilidade de defesa de acordo com o «princípio da igualdade de armas».

4.7.

Importa assinalar que a disposição relativa à adoção de atos delegados para atualizar e alterar o anexo das duas propostas de regulamento não está em consonância com a posição do CESE (6) a esse respeito, uma vez que a proposta prevê que a delegação tenha uma duração indeterminada, apesar da exigência de que o exercício de adoção de atos delegados seja limitado no tempo.

4.8.

Em conclusão, o CESE considera que, sem um verdadeiro espaço judiciário, não é possível tirar pleno partido das liberdades que estão na base do mercado único.

5.   Observações gerais sobre o Regulamento Obtenção de Provas

5.1.

A proposta de alteração do Regulamento Obtenção de Provas visa promover a comunicação eletrónica entre as autoridades competentes, em detrimento da comunicação em suporte papel, mais morosa e com custos mais elevados, bem como o recurso à videoconferência, para ouvir pessoas que se encontrem noutro Estado-Membro, sem qualquer prejuízo para os direitos processuais das partes.

5.2.

Embora esta proposta assente no pressuposto da conduta diligente e eficiente dos tribunais em causa e de um respeito escrupuloso dos princípios da cooperação leal e do reconhecimento mútuo — este último invocado expressamente para impedir que seja negado valor probatório às provas digitais (quarto considerando e artigo 18.o-A da proposta) —, não é prevista qualquer disposição para situações de rejeição pelo tribunal requerido por:

atraso injustificado;

falta de fundamentação; ou

insuficiente fundamentação.

Estas situações correspondem, na prática, à impossibilidade de aceder a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que cabe encontrar uma solução para evitar que se verifiquem.

5.2.1.

Esta circunstância assume relevância no atual estado do direito da UE, em que a simples rejeição de um tribunal obrigado a submeter uma questão prejudicial ao TJUE numa matéria em que é competente poderia ser considerada uma violação grave das obrigações do Estado decorrentes da legislação da UE (7).

5.2.2.

São numerosas as situações em que o tribunal requerido pode violar gravemente os direitos dos sujeitos de direito se não cooperar com diligência, nomeadamente no que respeita à proteção cautelar, invocando motivos de defesa da soberania nacional, segurança nacional, ordem pública, etc. (ver artigo 4.o, n.o 2, do TUE) ou nos casos em que haja divergências decorrentes da existência de práticas processuais diferentes nos Estados-Membros.

5.2.3.

Esta última situação ocorre, por exemplo, no procedimento de averiguação pré-processual, uma vez que o artigo 23.o da Convenção da Haia, de 18 de março de 1970, sobre a obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil ou comercial, permite que os Estados parte invoquem motivos de defesa da soberania nacional para recusar o cumprimento de cartas rogatórias emitidas na fase preliminar do processo (após a interposição da ação, mas antes do início do julgamento).

5.2.4.

O Regulamento (CE) n.o 1206/2001 em vigor, embora não aborde expressamente esta questão, exclui-a do seu âmbito de aplicação, tal como se pode concluir pela Declaração 54/01 do Conselho, de 4 de julho de 2001 (doc. 10571/01, p. 1).

5.2.5.

Em alguns casos, os atrasos injustificados podem dever-se à insuficiente qualificação técnica das autoridades requeridas ou ao mau funcionamento das infraestruturas tecnológicas. Para prevenir e evitar, na medida do possível, estas situações, deveria ser contemplada na proposta a exigência de os Estados-Membros assegurarem a atualização digital dos seus tribunais e a adequação das infraestruturas tecnológicas.

5.3.

Por outro lado, é conveniente clarificar determinadas disposições da proposta. Por exemplo, o artigo 1.o, n.o 4, estabelece uma noção restritiva de «tribunal», ao defini-lo como «qualquer autoridade judiciária de um Estado-Membro que seja competente para obter provas ao abrigo do presente regulamento».

5.3.1.

Embora esta definição possa abranger os agentes públicos (por exemplo, os notários), exclui os tribunais arbitrais privados, seja no domínio da arbitragem de investimento, comercial ou de consumo, ou qualquer tribunal arbitral que resolva outra matéria.

5.3.2.

Ignora-se, assim, a grande importância dos tribunais arbitrais na atividade comercial e económica dos Estados-Membros e de países terceiros.

5.3.3.

Em relação a estes últimos, podem surgir situações de litispendência ou problemas relacionados com a execução das suas decisões pelos tribunais requeridos dos Estados-Membros (por exemplo, uma anti suit injunction), que poderiam provocar insegurança jurídica.

5.3.4.

Esta definição restritiva de «tribunal» está certamente em consonância com a jurisprudência do TJUE, que, regra geral, nega aos tribunais arbitrais privados a condição de «tribunal» (8).

5.3.5.

O CESE considera que aplicar automaticamente esta jurisprudência do TJUE ao domínio em apreço poderia conduzir à falta de reconhecimento das decisões dos tribunais arbitrais ou à recusa de cooperação do tribunal requerido, o que — em algumas situações — poderia prejudicar os direitos de defesa dos interessados.

5.3.6.

Não obstante, devem ser excluídas desta apreciação as cláusulas arbitrais entre o investidor e o Estado incluídas nos acordos bilaterais de investimento, visto que são incompatíveis com o direito da UE e não produzem efeitos jurídicos, dada a sua ilegalidade por se sobreporem às normas do mercado único e discriminarem entre investidores na UE, em conformidade com o estabelecido pela jurisprudência do TJUE no acórdão «Achmea» (9).

5.4.

Por seu turno, o artigo 17.o-B reconhece a possibilidade de os agentes diplomáticos ou consulares de um Estado-Membro realizarem diligências de obtenção de provas sem necessidade de pedido prévio no território de outro Estado-Membro em que estejam acreditados. Este poder está limitado à audição ou interrogatório, sem coação, de nacionais do Estado-Membro que representem no contexto de processos judiciais em curso nos tribunais desse Estado-Membro.

5.5.

Seria pertinente alargar o âmbito das tarefas de assistência judiciária destes funcionários previstas na proposta, por forma a adequá-las à realidade atual da UE, especialmente no domínio da livre circulação e residência dos cidadãos nacionais dos Estados-Membros e da liberdade de estabelecimento de empresas por parte destes. A realização de diligências por parte destes funcionários poderia, assim, estender-se aos cidadãos estrangeiros, sem necessidade de solicitar previamente autorização, ou aos próprios nacionais do Estado recetor se este assim o autorizar.

5.6.

O CESE concorda que é muito importante estabelecer a obrigação de prestar assistência ao Estado-Membro transmissor no sentido de descobrir o endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada de um ato judicial ou extrajudicial noutro Estado-Membro, quando o mesmo seja desconhecido.

5.7.

Por outro lado, no contexto da proposta em análise, assume relevância o programa da UE em matéria de justiça para 2020, que visa reforçar os direitos fundamentais, incluindo os direitos processuais civis.

5.8.

Neste sentido, as medidas relativas à digitalização da proposta têm em conta os requisitos de proteção de dados e da privacidade do sistema para o intercâmbio eletrónico entre os tribunais envolvidos, tais como o estabelecimento de um conjunto predefinido de utilizadores do sistema (limitado aos tribunais e às autoridades judiciárias dos Estados-Membros).

5.9.

No entanto, embora se preveja que, no futuro, se multipliquem os ataques às referidas infraestruturas eletrónicas — risco que poderá aumentar com a interligação dos sistemas informáticos em causa —, não é estabelecida qualquer disposição sobre o modo como seria imputada a responsabilidade se, em resultado de ciberataques, avarias ou colapsos do sistema informático, fossem divulgadas informações sensíveis ou até mesmo destruídos elementos de prova de um processo.

5.10.

Por conseguinte, podem ocorrer violações graves dos direitos das pessoas, sem que exista uma via previsível para a responsabilização dos seus autores, ou mesmo situações em que as próprias pessoas, face à invocação de motivos de força maior pelos autores das violações, tenham de suportar os danos.

6.   Observações gerais sobre a proposta de Regulamento Citação e Notificação de Atos

6.1.

O CESE considera que a proposta de Regulamento de Citação e Notificação de Atos melhorará e acelerará os processos judiciais mediante a simplificação e aceleração dos mecanismos de cooperação para a citação e notificação de atos. Tal melhorará a administração da justiça nos processos judiciais com implicações transnacionais, reforçará os direitos processuais civis e aumentará a confiança mútua entre os sistemas de justiça dos Estados-Membros.

6.2.

Esta proposta visa pôr termo à morosidade e ao frequente incumprimento dos prazos estabelecidos — situações que se devem ao processo de transmissão de documentos pelos organismos competentes —, obrigando a que a citação de atos seja efetuada por meios eletrónicos. Além disso, reforça os direitos de defesa do destinatário mediante diversas intervenções específicas dos organismos competentes perante a incerteza decorrente da não aceitação de um ato ou no caso de decisões proferidas à revelia.

6.3.

É de assinalar a ampla margem de aplicação subjetiva e material da proposta, uma vez que abrange todas as pessoas, tanto singulares como coletivas, o que inclui todos os comerciantes, ou seja, também as microempresas, e que só admite as exceções expressamente estabelecidas (artigo 1.o, n.os 1 e 3).

É necessário alinhar todas as versões linguísticas para deixar claro que a proposta de regulamento diz respeito não só à petição inicial, mas a todos os atos judiciais do processo.

6.4.

O CESE concorda com as garantias e salvaguardas estabelecidas para a «recusa de receção do ato» por parte do destinatário e a obrigação da entidade requerida de informar a esse respeito. Por outro lado, para equilibrar os direitos das partes no processo, é necessário que o demandado tome pleno conhecimento da petição que dá origem ao processo, pelo que se afigura pertinente que o regime linguístico inclua uma língua que o destinatário compreenda ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efetuada a citação ou notificação.

6.5.

Afiguram-se adequadas as disposições relativas aos meios complementares de citação ou notificação de atos por via postal, diretamente por oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado-Membro requerido, e por meios eletrónicos.

6.6.

Em todo o caso, é fundamental salvaguardar e garantir a integridade e a finalidade do ato, seja judicial ou extrajudicial.

Bruxelas, 17 de outubro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Regulamento (CE) n.o 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001 (JO L 174 de 27.6.2001, p. 1).

(2)  Regulamento (CE) n.o 1393/2007, de 13 de novembro de 2007, que revoga o Regulamento (CE) n.o 1348/2000 (JO L 324 de 10.12.2007, p. 79).

(3)  Em virtude do chamado «acordo paralelo» com a Dinamarca (JO L 300 de 17.11.2005, p. 55). Por seu lado, o Reino Unido e a Irlanda, nos termos do artigo 3.o do Protocolo n.o 21 do Tratado, notificaram a intenção de participar na adoção e aplicação de ambos os regulamentos.

(4)  Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003 (JO L 338 de 23.12.2003, p. 1).

(5)  Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008 (JO L 7 de 10.1.2009, p. 1).

(6)  JO C 288 de 31.8.2017, p. 29; JO C 345 de 13.10.2017, p. 67.

(7)  Ver as conclusões do advogado-geral Melchior Wathelet no processo C-416/17, Comissão Europeia contra a República Francesa, pontos 95-103.

(8)  Por exemplo, nos processos seguintes: Nordsee, 102/81(1982), pontos 10-13; Eco Swiss, C-126/97(1999), ponto 34; Denuit e Cordenier, C-125/04(2005), ponto 13; Gazprom, C-536/13(2015), ponto 36; Achmea C-284/16(2018), pontos 45-49, etc.

(9)  Acórdão «Achmea», processo C-284/16, proferido em 6 de março de 2018 (ECLI:EU:C:2018:158).


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