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Document 52018AA0004

    Parecer n.° 4/2018 (apresentado nos termos do artigo 325.°, n.° 4, do TFUE) sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção das pessoas que denunciam infrações ao direito da União

    ECA_OPI_2018_4

    JO C 405 de 9.11.2018, p. 1–7 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, GA, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    9.11.2018   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 405/1


    PARECER N.o 4/2018

    (apresentado nos termos do artigo 325.o, n.o 4, do TFUE)

    sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção das pessoas que denunciam infrações ao direito da União

    (2018/C 405/01)

    O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EUROPEIA,

    Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 325.o, n.o 4,

    Tendo em conta a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção das pessoas que denunciam infrações ao direito da União [COM(2018) 218 final],

    Tendo em conta os pedidos de parecer sobre a proposta mencionada, apresentados pelo Parlamento e pelo Conselho em 29 de maio de 2018,

    ADOTOU O SEGUINTE PARECER:

    OBSERVAÇÕES GERAIS

    1.

    Na sequência de uma série de denúncias de elevada visibilidade e de várias iniciativas a nível dos Estados-Membros (1) e a nível internacional (2), em 23 de abril de 2018 a Comissão propôs uma diretiva sobre a proteção das pessoas que denunciam infrações ao direito da União (a «proposta»). A diretiva foi acompanhada de uma comunicação sobre o reforço da proteção dos denunciantes à escala da UE (3).

    2.

    O Tribunal regista que, atualmente, os Estados-Membros tratam de forma muito variada a denúncia de infrações (4). Nota ainda que o acervo da União contempla a comunicação de infrações de um modo fragmentado. Uma diretiva abrangente, bem concebida e de fácil utilização pode ser um instrumento eficaz para assegurar que as pessoas são dissuadidas de infringir o direito da União e que as eventuais infrações que efetivamente ocorram não fiquem impunes. Dado que as infrações podem afetar os interesses financeiros da UE, o seu impedimento através de uma comunicação atempada e eficaz pode contribuir para a proteção do orçamento da UE, a boa gestão financeira e a prestação de contas.

    3.

    O Tribunal acolhe favoravelmente a proposta, já que considera que a introdução ou a ampliação dos sistemas de denúncia em todos os Estados-Membros, tal como previsto na proposta, contribui para melhorar a gestão ascendente das políticas da UE através das ações dos cidadãos e dos trabalhadores, em complemento da garantia da aplicação descendente, como os procedimentos de infração iniciados pela Comissão contra os Estados-Membros nos termos do artigo 258.o do TFUE (5). Neste sentido, a diretiva pode aumentar a consciencialização dos cidadãos quanto aos seus direitos legais e ao facto de poderem desempenhar um papel crucial na aplicação do direito da UE. Quando uma infração específica revela um problema mais sistémico, a sua comunicação pode ajudar a Comissão a iniciar um procedimento contra um Estado-Membro.

    4.

    Além disso, se uma infração comunicada disser respeito aos interesses financeiros da UE, a sua denúncia é suscetível de gerar poupanças para o respetivo orçamento através da recuperação dos montantes pagos indevidamente. A mais longo prazo, sempre que a denúncia chamar a atenção para lacunas ou falhas na gestão financeira dos programas da UE, o legislador da União poderá adotar as alterações necessárias às normas na sequência de uma proposta da Comissão.

    5.

    Enquanto auditor externo da UE, o Tribunal não desempenha um papel direto no sistema de comunicação previsto pela proposta. No cumprimento do seu mandato previsto no artigo 287.o do TFUE, o Tribunal não inicia automaticamente auditorias ou inquéritos com base em informações recebidas de terceiros. No entanto, na fase de planeamento dos seus trabalhos de auditoria, tem seriamente em consideração todas as informações pertinentes comunicadas através de canais externos. Quando um dos auditores do Tribunal é alertado para um incumprimento por parte de um denunciante, quaisquer informações reservadas podem contribuir para os trabalhos de auditoria (6). Eventuais informações resultantes de denúncias podem igualmente ser úteis para a determinação das futuras prioridades de trabalho de Tribunal (7).

    6.

    O Tribunal regista que a proposta não abrange a denúncia de irregularidades pelo pessoal da UE sobre as atividades das instituições, órgãos e organismos da UE, que é atualmente regida pelo Estatuto dos Funcionários (8).

    TRABALHOS PREPARATÓRIOS DA COMISSÃO

    7.

    O Tribunal constata que a Comissão realizou uma grande quantidade de trabalhos preparatórios no decurso de 2017. Organizou uma consulta pública de 12 semanas, que obteve 5 707 respostas, bem como três consultas em linha dirigidas às partes interessadas, dois workshops com peritos nacionais e um workshop com peritos académicos e da área da advocacia. Além disso, encomendou um estudo externo e procedeu a uma avaliação de impacto (9): após um parecer negativo inicialmente, a avaliação foi aprovada pelo Comité de Controlo da Regulamentação (10).

    8.

    Na sua avaliação de impacto, a Comissão estima que o risco atual na UE devido à fraude e à corrupção se situa entre 179 mil milhões e 256 mil milhões de euros por ano (11). Calcula que a proposta irá dar direito a proteção em termos de denúncias a 40 % da mão de obra da UE e melhorar o nível de proteção de cerca de 20 %. Por último, estima que a proposta custará aos setores público e privado um total de 747,8 milhões de euros em custos únicos e 1 336,6 milhões de euros anuais em custos operacionais.

    OBSERVAÇÕES ESPECÍFICAS

    A presente secção abrange apenas os artigos da proposta que suscitam observações específicas por parte do Tribunal.

    Artigo 1.o — Âmbito de aplicação material

    9.

    A proposta visa proteger as pessoas que comuniquem infrações de quatro categorias principais:

    infrações no âmbito de aplicação dos atos da União num número limitado de domínios (12). Os atos em causa são indicados num anexo, cuja segunda parte contém atos que já incluem regras específicas em matéria de comunicação de infrações. Os considerandos 19 e 82 permitem que se pondere uma alteração (ou seja, um alargamento) do anexo sempre que a proteção dos denunciantes for pertinente para um novo ato da União;

    infrações às regras em matéria de concorrência;

    infrações lesivas dos interesses financeiros da União, definidas no artigo 325.o do TFUE (luta contra a fraude) e especificadas, em particular, na Diretiva PIF (13) e no Regulamento do OLAF (14);

    infrações relacionadas com o mercado interno, respeitantes às normas que regem o imposto sobre as sociedades, ou expedientes cujo objetivo seja a obtenção de vantagens fiscais que contrariem o objetivo ou a finalidade da legislação aplicável em matéria de imposto sobre as sociedades.

    10.

    Uma vez que muitos atos jurídicos da UE já contêm elementos relativos a procedimentos de denúncia de infrações, a proposta estabelece que as regras específicas do setor (por exemplo, as da Diretiva Abuso de Mercado (15)) terão precedência. No entanto, a proposta deveria aplicar-se a todas as matérias não regulamentadas num ato jurídico setorial.

    Análise do Tribunal

    11.

    O Tribunal saúda a intenção da Comissão de garantir que a diretiva abrange muitos domínios de atividade da União, o que reflete a recomendação do Conselho da Europa no sentido de criar um quadro normativo abrangente e coerente (16).

    12.

    No entanto, reconhecendo embora a necessidade de respeitar a repartição de competências entre a União e os seus Estados-Membros, e admitindo as limitações intrínsecas da diretiva como instrumento jurídico, o Tribunal manifesta a sua preocupação com a complexidade do âmbito de aplicação material e as implicações que esta situação poderá ter na prática para a proteção efetiva dos autores de denúncias. Na sua comunicação que acompanha a proposta, a Comissão incentiva expressamente os Estados-Membros a «ponderarem […] alargar o seu âmbito de aplicação a outros domínios e […] a assegurarem um enquadramento abrangente e coerente a nível nacional» (17). Se não existir esse alargamento voluntário do âmbito de aplicação no direito nacional, os utilizadores finais poderão ser confrontados com apreciações complexas exigindo conhecimentos especializados que podem nem sempre possuir. Um potencial denunciante teria de apurar se a infração que está a pensar comunicar diz respeito a um ato indicado no anexo (eventualmente alterado e consolidado entretanto), para poder beneficiar da proteção conferida pela diretiva e pela legislação nacional que a transpõe. Esta complexidade poderá reduzir a segurança jurídica para os potenciais autores de denúncias e, por conseguinte, dissuadi-los de comunicar infrações ao direito da União.

    13.

    No entender do Tribunal, a complexidade do âmbito de aplicação é parcialmente atenuada pelas diferentes disposições da proposta destinadas a auxiliar os potenciais autores de denúncias com informações claras e facilmente acessíveis (18), aconselhamento e assistência, e pelo facto de ser suficiente que tenham motivos razoáveis para crer que as informações comunicadas caem no âmbito de aplicação (19).

    14.

    O Tribunal saúda a intenção da Comissão de abranger todas as infrações lesivas dos interesses financeiros da UE, tal como estabelecido no artigo 325.o do TFUE, sendo a proteção desses interesses considerada como um «domínio essencial em que a aplicação do direito da União tem de ser reforçada» (20). A Diretiva PIF define os «interesses financeiros da União» como sendo «todas as receitas, despesas e ativos cobertos por, adquiridos através de ou devidos a: i) o orçamento da União; ii) os orçamentos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União criados nos termos dos Tratados, ou os orçamentos por eles geridos e controlados direta ou indiretamente» (21). Esta definição incluiria, por exemplo, todos os fundos da UE, o IVA e os direitos aduaneiros, mas excluiria instrumentos que não foram estabelecidos ao abrigo do direito da União e que não implicam receitas ou despesas da UE, como o Mecanismo Europeu de Estabilidade.

    Artigo 2.o — Âmbito pessoal

    15.

    A proposta aplica-se aos denunciantes que, trabalhando nos setores público e privado, tenham obtido informações sobre infrações em contexto profissional, incluindo voluntários, estagiários não remunerados e pessoas na fase de recrutamento.

    Análise do Tribunal

    16.

    O Tribunal congratula-se com o alcance desta disposição, nomeadamente o facto de ter em conta infrações que afetam os interesses financeiros da UE em projetos complexos que envolvem uma grande variedade de intervenientes (contratantes, subcontratantes, consultores, voluntários, etc.) que são todos potenciais autores de denúncias.

    Artigo 4.o — Obrigação de estabelecer canais e procedimentos internos para denúncias e seu seguimento

    17.

    A proposta obriga os Estados-Membros a assegurar que as entidades jurídicas dos setores público e privado estabelecem canais e procedimentos internos para as denúncias. A utilização desses canais internos deve estar aberta aos empregados e poderá estar aberta a outras categorias, como os acionistas, os contratantes ou os estagiários.

    18.

    Seriam excluídas as entidades jurídicas privadas com menos de 50 empregados ou com um volume de negócios ou um balanço total inferior a 10 milhões de euros, com exceção das entidades que operam em determinados domínios sensíveis.

    19.

    As entidades jurídicas públicas são definidas como as administrações nacionais e regionais, os municípios com mais de 10 000 habitantes e outras entidades de direito público.

    Análise do Tribunal

    20.

    O Tribunal compreende a vontade da Comissão de isentar certas entidades privadas e públicas da obrigação de estabelecerem canais internos de comunicação que, como afirma a Comissão na sua avaliação de impacto, têm um custo financeiro e administrativo. É igualmente claro que esta isenção não impediria os denunciantes de recorrerem aos canais externos.

    21.

    Considera, porém, que isentar certos municípios dessa obrigação poderia reduzir significativamente a proteção oferecida aos autores de denúncias, uma vez que a dimensão média dos municípios na UE é de 5 887 habitantes, com grandes variações entre os Estados-Membros (22). O Tribunal está consciente de que o limiar proposto já está a ser utilizado em vários Estados-Membros (Bélgica, França e Espanha) para definir os municípios mais pequenos. Pensa, no entanto, que a Comissão deve justificar os motivos desse limiar ao Parlamento e ao Conselho, explicando em que medida reflete os limites em termos de trabalhadores e volume de negócios que servirão para isentar as entidades do setor privado.

    Artigo 5.o — Procedimentos e seguimento de denúncias internas

    22.

    A proposta fornece pormenores sobre os procedimentos de denúncias internas, em especial a criação de canais confidenciais e a designação de uma pessoa ou serviço competente para dar seguimento às denúncias de forma diligente, e fixa um prazo razoável, não superior a três meses, para informar o denunciante sobre o seguimento dado.

    Análise do Tribunal

    23.

    As obrigações pormenorizadas relativas às denúncias internas incluem a prestação de «informações claras e facilmente acessíveis» sobre os procedimentos e as denúncias, o que é de louvar. Contudo, no entender do Tribunal, não abrangem suficientemente a sensibilização ou a formação do pessoal. O Tribunal insiste na importância, tanto no setor público como no setor privado, de promover um ambiente positivo e de confiança no qual a denúncia seja aceite como parte integrante da cultura empresarial (23).

    Artigo 13.o — Condições para a proteção dos denunciantes

    24.

    Este artigo estabelece as condições para os denunciantes poderem beneficiar de proteção ao abrigo da diretiva. Seja qual for o canal utilizado (interno, externo ou público), devem ter motivos razoáveis para crer que as informações comunicadas eram verdadeiras à data da denúncia e que caíam no âmbito de aplicação da diretiva.

    25.

    Para as pessoas poderem beneficiar da proteção dos denunciantes quando comunicam informações externamente (ou seja, fora da sua empresa/escritório a uma autoridade nacional competente), deve verificar-se uma das seguintes condições:

    terem os denunciantes, antes, efetuado a denúncia internamente e não terem sido tomadas medidas adequadas no «prazo razoável» (não superior a três meses);

    não estarem os denunciantes em condições de fazer a denúncia internamente, ou não ser razoável esperar que tivessem conhecimento dessa possibilidade;

    pertencerem os denunciantes a uma categoria que não obriga à utilização dos canais internos (por exemplo, contratantes, estagiários não remunerados);

    não ser razoável esperar que os denunciantes utilizassem os canais internos, atendendo ao «conteúdo das suas denúncias»;

    terem os denunciantes motivos razoáveis para considerar que a utilização dos canais internos poderia comprometer a eficácia das diligências de inquérito a efetuar pelas autoridades competentes;

    terem os denunciantes direito, ao abrigo do direito da União, a utilizar os canais para denúncias externas.

    26.

    As pessoas que divulguem publicamente informações sobre infrações beneficiam da proteção dos denunciantes se, alternativamente:

    tiverem, antes, efetuado a denúncia interna e/ou externamente, nos termos da diretiva;

    não for razoável esperar que utilizassem os canais internos e/ou externos devido ao risco iminente ou manifesto para o interesse público, ou às circunstâncias concretas, ou se houver risco de dano irreversível.

    Análise do Tribunal

    27.

    O Tribunal considera que o fator determinante deve ser o interesse público das informações reveladas pela denúncia. Os Estados-Membros devem, por conseguinte, ser impedidos de aplicar qualquer exclusão da proteção com base nas intenções subjetivas ou nas motivações específicas dos denunciantes.

    28.

    O Tribunal entende que a regra geral que impõe um recurso prévio a canais internos é válida, em princípio, e propícia a uma cultura de aceitação da denúncia de irregularidades. Importa, porém, ressalvar que as exceções a esta regra, que estão formuladas de maneira muito ampla, exigirão uma interpretação adicional (no plano administrativo e judicial), para não suscitarem incertezas nos possíveis autores de denúncias. Além disso, deve ter-se o cuidado de garantir que o sistema em cascata proposto, devido à acumulação de prazos, não cria obstáculos à prevenção das infrações, o que comprometeria o objetivo da diretiva.

    29.

    Por último, apesar de, atendendo embora à especificidade do quadro institucional da UE, as duas situações não serem diretamente comparáveis, o Tribunal observa que o tratamento atual dado no Estatuto dos Funcionários à denúncia de irregularidades pelo pessoal da UE é diferente das regras aqui propostas pela Comissão. Ao abrigo do Estatuto dos Funcionários, os funcionários da UE podem, sem exceção, beneficiar da proteção dos denunciantes quando se dirigem diretamente ao OLAF sem terem de previamente esgotar os canais internos (24).

    30.

    No que respeita às exceções que permitem evitar os canais internos, seria de esperar que o artigo 13.o, n.o 2, previsse essa possibilidade para os autores de denúncias que tenham motivos razoáveis para crer que uma denúncia interna colocaria a sua segurança pessoal ou os seus interesses legítimos em risco.

    31.

    O Tribunal de Contas Europeu recebe regularmente da parte de terceiros várias denúncias espontâneas de suspeitas de fraude (29 em 2017), incluindo casos que podem enquadrar-se no âmbito de aplicação pessoal e material da proposta. Após exame, o Tribunal remete os casos pertinentes ao OLAF (25). O Tribunal congratula-se com o facto de a proposta (26) garantir a estes denunciantes a mesma proteção concedida caso comunicassem os casos às autoridades competentes do respetivo Estado-Membro.

    32.

    Por último, o Tribunal está convicto de que não se deve recusar a proteção dos denunciantes a pessoas que tenham denunciado de forma anónima e cuja identidade seja posteriormente revelada. Esta prática seria coerente com o incentivo dado pela União à denúncia anónima ao OLAF, inter alia, a partir de um Estado-Membro (27) e com a política da Comissão em matéria de direito da concorrência (28). No âmbito dos trabalhos do Tribunal sobre o presente parecer, a Comissão confirmou que, de facto, a proteção seria alargada a denunciantes anónimos cuja identidade fosse posteriormente revelada.

    Artigo 15.o — Medidas de proteção [dos] denunciantes contra retaliações

    33.

    A proposta obriga os Estados-Membros a tomarem as medidas necessárias contra atos de retaliação e apresenta uma lista não exaustiva de sete medidas:

    acesso do público às informações;

    apoio das autoridades competentes;

    não aplicabilidade ao denunciante das cláusulas contratuais e não contratuais relativas a restrições à divulgação de informações (por exemplo, uma cláusula de confidencialidade num contrato);

    inversão do ónus da prova nos processos judiciais relativos a um prejuízo sofrido por um denunciante (ou seja, o empregador tem de provar que o despedimento não é consequência da denúncia, antes decorre exclusivamente de outras causas devidamente justificadas);

    acesso a medidas corretivas, inclusivamente a medidas provisórias;

    isenção das medidas, procedimentos e vias de recurso estabelecidos pela Diretiva relativa aos segredos comerciais (29) e a possibilidade de invocar a denúncia para pedir a declaração de improcedência das ações;

    apoio judiciário, bem como apoio judiciário e financeiro.

    Análise do Tribunal

    34.

    De um modo geral, o Tribunal está de acordo com a Comissão e congratula-se com a proposta de diretiva. Acolhe com especial agrado a lista exaustiva de exemplos de medidas contra a retaliação, que contudo não impede os empregadores de tomarem decisões devidamente justificadas relacionadas com o emprego, mesmo contra os denunciantes. O Tribunal insiste em particular na importância, tanto no setor público como no setor privado, de promover um ambiente positivo no qual a denúncia seja aceite como parte integrante da cultura empresarial. É igualmente de referir que a diretiva é omissa quanto à questão dos limites temporais, o que significa que os Estados-Membros não podem introduzir ou manter limites desse tipo quanto à proteção dos denunciantes.

    Artigo 21.o — Apresentação de relatório, avaliação e revisão

    35.

    Os Estados-Membros devem comunicar à Comissão todas as informações pertinentes à transposição e aplicação da diretiva. A proposta estabelece uma abordagem em duas fases. Até 15 de maio de 2023, ou seja, dois anos após 15 de maio de 2021, data do termo do prazo de transposição, a Comissão deve apresentar ao Parlamento e ao Conselho um relatório sobre a transposição e a aplicação da diretiva.

    36.

    Os Estados-Membros são também obrigados a transmitir anualmente certos dados estatísticos à Comissão, «se estiverem disponíveis ao nível central dos Estados-Membros em causa». Os dados estatísticos em questão referem-se ao número de comunicações recebidas pelas autoridades competentes, ao número de inquéritos e de processos instaurados na sequência dessas comunicações e o seu resultado final e à estimativa do prejuízo financeiro e aos montantes recuperados. Na sua exposição de motivos, a Comissão afirma que este conjunto de dados irá, por sua vez, integrar os relatórios do OLAF em curso e poderá ser complementado por relatórios anuais da Procuradoria Europeia e do Provedor de Justiça Europeu.

    37.

    Até 15 de maio de 2027, tendo em conta estas estatísticas, a Comissão deve apresentar ao Parlamento e ao Conselho um outro relatório em que avalie o impacto da legislação nacional de transposição da diretiva. Entre outros aspetos, no relatório deve avaliar-se a necessidade de eventuais alterações destinadas a alargar o âmbito de aplicação material da diretiva.

    Análise do Tribunal

    38.

    O Tribunal considera que é possível aumentar a transparência e a extensão dos requisitos de apresentação de relatórios propostos. Em seu entender, o facto de o envio das estatísticas ser facultativo para determinados Estados-Membros (aqueles sem estatísticas já disponíveis ao nível central) e de as estatísticas não serem repartidas por domínio de intervenção irá reduzir a eficácia desta disposição. Além disso, será necessário esperar seis anos após o prazo de transposição e oito anos após a entrada em vigor da diretiva para beneficiar publicamente de quaisquer informações contidas nas estatísticas. Este prazo parece ser desproporcionadamente longo e em contradição com o disposto no artigo 21.o, n.o 2, que obriga os Estados-Membros a apresentarem à Comissão «todas as informações pertinentes» à transposição e aplicação da diretiva.

    39.

    O Tribunal regista que a natureza facultativa das comunicações dos Estados-Membros tem um precedente, nomeadamente na Diretiva PIF (30). No entanto, não considera que esta coerência, por si só, obrigue a perpetuar disposições tão frágeis em matéria de apresentação de relatórios. Embora reconhecendo as implicações em termos de custos de uma obrigação mais ampla, gostaria de chamar a atenção do Parlamento e do Conselho para o facto de que a disponibilização destas estatísticas pode ser crucial, numa fase posterior, para medir o desempenho dos investimentos financeiros e administrativos muito mais avultados que os Estados-Membros e as entidades públicas e privadas terão de efetuar para aplicar a diretiva. Nos seus trabalhos preparatórios, a Comissão pôde tirar partido das lições aprendidas em diferentes jurisdições em todo o mundo, o que se deve, em parte, à disponibilidade de dados provenientes dessas jurisdições sobre a execução das suas disposições em matéria de denúncias. Se necessário, a Comissão poderá examinar as várias possibilidades de concessão de financiamento da UE para auxiliar os Estados-Membros na recolha de dados.

    40.

    O Tribunal está convicto de que as informações estatísticas sobre a denúncia de irregularidades nos Estados-Membros deve ser da mais elevada qualidade possível e, em especial, deve estar disponível por país, por ato jurídico e por área temática, devendo ainda incluir os resultados finais dos processos cíveis e penais. O Tribunal partilha a opinião do Tribunal de Contas do Reino Unido, segundo a qual a publicação de estatísticas abrangentes sobre os inquéritos às denúncias, incluindo os respetivos resultados, é um meio de aumentar a confiança dos trabalhadores nas disposições nesta matéria, dado que lhes permite ver que a comunicação de irregularidades é levada a sério (31).

    O presente parecer foi adotado pela Câmara V, presidida por Lazaros S. LAZAROU, membro do Tribunal de Contas, no Luxemburgo, na sua reunião de 26 de setembro de 2018.

    Pelo Tribunal de Contas

    Klaus-Heiner LEHNE

    Presidente


    (1)  Ver a análise dos quadros legislativos dos Estados-Membros realizada pela Comissão, disponível no anexo 6 da seguinte lista https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/1-11_annexes.pdf.

    (2)  Ver inter alia: Conselho da Europa, Convenção Penal sobre a Corrupção, Série de Tratados Europeus n.o 173, Estrasburgo, 27.1.1999; Conselho da Europa, Protection of whistleblowers (Proteção dos Denunciantes), Recomendação CM/Rec(2014)7 e exposição de motivos; Resolução 58/04 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 31 de outubro de 2003: United Nations Convention against Corruption (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção); Plano de ação anti-corrupção do G-20 para a proteção de denunciantes, Study on whistle blower protection frameworks, compendium of best practices and guiding principles for legislation (Estudo sobre quadros de proteção dos denunciantes, compêndio de boas práticas e princípios orientadores para legislação), 2011.

    (3)  COM(2018) 214 final.

    (4)  Ver a análise dos quadros legislativos dos Estados-Membros realizada pela Comissão, disponível no anexo 6 da seguinte lista https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/1-11_annexes.pdf.

    (5)  Sobre esta matéria, ver o exame panorâmico do Tribunal, publicado em 3 de setembro de 2018, «Aplicação do direito da União: as responsabilidades de controlo da Comissão Europeia nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia».

    (6)  Norma Internacional de Auditoria (ISA) 250 (revista), «Consideração de Leis e Regulamentos numa Auditoria de Demonstrações Financeiras», A17: O auditor pode tomar conhecimento de informações respeitantes a um caso de incumprimento de leis e regulamentos que não resultem da execução dos procedimentos estabelecidos nos parágrafos 13-17 (por exemplo, quando o auditor é alertado para o incumprimento por parte de um denunciante).

    (7)  Para o ano em curso, ver o programa de trabalho para 2018.

    (8)  Artigo 22.o-C do Regulamento n.o 31 (CEE) e 11 (CEEA) que fixa o Estatuto dos Funcionários e o Regime Aplicável aos Outros Agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, com a última redação que lhe foi dada (JO 45 de 14.6.1962, p. 1385); ver também o inquérito da Provedora de Justiça Europeia sobre estas regras, encerrado em 27.2.2015 (Processo OI/1/2014/PMC).

    (9)  SWD(2018) 116.

    (10)  SEC(2018) 198.

    (11)  SWD(2018) 116, página 46.

    (12)  Contratos públicos, serviços financeiros, prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança dos produtos, segurança dos transportes, proteção do ambiente, segurança nuclear, segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, saúde e bem-estar animal, saúde pública, defesa do consumidor, proteção da privacidade e dos dados pessoais e ainda segurança da rede e dos sistemas de informação.

    (13)  Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (JO L 198 de 28.7.2017, p. 29).

    (14)  Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO L 248 de 18.9.2013, p. 1).

    (15)  Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO L 173 de 12.6.2014, p. 179).

    (16)  CM/Rec(2014)7, ponto 7.

    (17)  COM(2018) 214 final, p. 14.

    (18)  Artigo 5.o, n.o 1, alínea e), para as entidades jurídicas do setor privado e público, artigo 10.o para as autoridades competentes e artigo 15.o, n.os 2 e 3, para os Estados-Membros.

    (19)  Artigo 13.o, n.o 1.

    (20)  Considerando 16.

    (21)  Artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva (UE) 2017/1371.

    (22)  OCDE, Subnational governments in OECD Countries: Key Data (Governos infranacionais nos países da OCDE: principais dados), edição de 2018, páginas 5-6.

    (23)  Ver o relatório do Presidente do Tribunal de Contas do Reino Unido, Making a whistleblowing policy work (Para o bom funcionamento da política de denúncia de irregularidades), Câmara dos Comuns 1152, Sessão 2013-14, 18 de março de 2014; e o documento do Chartered Institute of Internal Auditors, Whistleblowing and corporate governance, the role of internal audit in whistleblowing (Denúncia de irregularidades e o governo das sociedades, o papel da auditoria interna na denúncia de irregularidades), janeiro de 2014.

    (24)  Artigo 22.o-A, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários alterado.

    (25)  Decisão 43-2017 do Tribunal de Contas Europeu sobre a cooperação entre o Tribunal de Contas Europeu e o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) relativa a casos de suspeita de fraude detetados pelo Tribunal no âmbito dos seus trabalhos de auditoria ou levados ao seu conhecimento por meio de denúncias espontâneas provenientes de terceiros.

    (26)  Artigo 13.o, n.o 3.

    (27)  Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013, artigo 5.o (Abertura dos inquéritos), n.o 1: «O diretor-geral pode abrir um inquérito quando existam suspeitas suficientes, que também podem ter como base informações facultadas por terceiros ou informações anónimas, da existência de fraude ou corrupção ou de quaisquer outros atos ilegais lesivos dos interesses financeiros da União.» (itálico do Tribunal)

    (28)  Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO C 298 de 8.12.2006, p. 17).

    (29)  Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais (JO L 157 de 15.6.2016, p. 1).

    (30)  Artigo 18.o, n.o 2, da Diretiva (UE) 2017/1371.

    (31)  Ver o relatório do presidente do Tribunal de Contas do Reino Unido Making a whistleblowing policy work (Para o bom funcionamento da política de denúncia de irregularidades), Câmara dos Comuns 1152, Sessão 2013-14, 18 de março de 2014, ponto 4.18.


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