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Document 52012IE2063

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Abuso do estatuto de trabalhador por conta própria» (parecer de iniciativa)

JO C 161 de 6.6.2013, p. 14–19 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

6.6.2013   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 161/14


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema «Abuso do estatuto de trabalhador por conta própria» (parecer de iniciativa)

2013/C 161/03

Relator: Martin SIECKER

Em 19 de janeiro de 2012, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:

Abuso do estatuto de trabalhador por conta própria

(parecer de iniciativa).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo, que emitiu parecer em 7 de março de 2013.

Na 488.a reunião plenária de 20 e 21 de março de 2013 (sessão de 21 de março), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 157 votos a favor, 17 votos contra e 35 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

Atualmente não existe uma definição exata a nível da UE que permita fazer uma distinção clara entre trabalhador por conta própria de boa-fé e falso trabalhador por conta própria. Cada autoridade competente e cada órgão individual utiliza o seu próprio quadro jurídico ou regulamentar, que pode variar de acordo com a sua competência e o seu domínio político (legislação fiscal, segurança social, direito empresarial, mercado de trabalho, seguros). Os abusos vão desde o não pagamento das contribuições para a segurança social até à evasão fiscal, passando pela diminuição dos direitos dos trabalhadores e pelo trabalho não declarado. Trata-se de uma distorção grave da concorrência para os autênticos trabalhadores por conta própria, as microempresas e as PME.

1.2

No seu Livro Verde de 2006 sobre o tema «Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI», a Comissão Europeia perguntava se se deviam tornar mais claras as definições jurídicas dos Estados-Membros sobre o trabalho assalariado e o trabalho por conta própria, para facilitar as transições de boa-fé de trabalhador assalariado para trabalhador por conta própria e vice-versa. Na consulta que se seguiu ao Livro Verde, reconheceu-se que a ausência de uma definição a nível da UE pode levantar problemas, em particular, em situações de trabalho (e prestação de serviços) transfronteiriços.

1.3

A recomendação da OIT de 2006 define de modo demasiado amplo a noção de «relação de trabalho» para permitir lutar contra o falso trabalhador por conta própria. Para determinar se existe ou não uma relação de trabalho, importa centrar principalmente a atenção nos factos relativos às atividades e à remuneração do trabalhador, independentemente da forma como se caracteriza a relação, por exemplo, em termos contratuais. Existe uma relação de trabalho oculta quando o empregador trata o trabalhador de forma a encobrir o seu verdadeiro estatuto jurídico como empregado, e quando os termos contratuais podem defraudar os trabalhadores da proteção a que têm direito.

1.4

Vários Estados-Membros tentaram já encontrar uma definição exaustiva para determinar a diferença entre trabalhadores por conta própria e assalariados segundo uma série de critérios preestabelecidos. Mas, na prática, deparam-se frequentemente com dificuldades dada a complexidade das situações objetivas existentes. Ciente desse facto, o CESE propõe que se avalie as diversas experiências acumuladas pelos Estados-Membros neste âmbito e se extraia daí conclusões e se formule recomendações que servirão de base a uma abordagem mais incisiva.

1.5

Uma regulamentação fiável e uma definição de falso trabalho por conta própria ajudariam o trabalhador por conta própria de boa-fé e as microempresas. Importa combater o falso trabalho por conta própria através de um melhor registo e controlo da situação efetiva no mercado de trabalho. A dependência económica de um cliente (muitas vezes o empregador anterior) aponta para a continuação de uma relação de trabalho.

1.6

O desenvolvimento de uma boa segurança social para os trabalhadores por conta própria em todos os Estados-Membros que tenha em conta a especificidade do estatuto desses trabalhadores contribuirá para combater e prevenir eventuais abusos.

1.7

Os trabalhadores por conta de outrem que se tornam autênticos trabalhadores por conta própria são um fenómeno normal do mercado de trabalho e da economia. Por conseguinte, há que ter em consideração a forma como estes podem beneficiar de disposições comuns como o ingresso em organizações de PME, organizações empresariais, câmaras e organizações do mercado de trabalho existentes, bem como da inclusão em diferentes partes dos sistemas de segurança social e de pensões. Importa também assegurar que tenham pleno acesso à saúde e à segurança no local de trabalho, assim como à formação profissional.

1.8

O CESE realça o valor social e socioeconómico, bem como a importância do estatuto de trabalhador por conta própria. É, todavia, importante que os cidadãos tenham a possibilidade de optar ou não por esse estatuto numa base voluntária e com conhecimento de causa.

1.9

Alguns dos regimes criados nos Estados-Membros para desenvolver o empreendedorismo podem criar distorções na concorrência para os autênticos trabalhadores por conta própria, as microempresas e as PME. É importante efetuar um estudo de impacto destes regimes nestes trabalhadores e nestas empresas. O CESE propõe recomendar aos Estados-Membros que identifiquem os setores mais problemáticos e que, através do diálogo social, fixem uma remuneração mínima por hora de trabalho, a qual pode variar inclusive entre as regiões de um mesmo Estado-Membro.

É essencial que a adjudicação de contratos públicos a nível nacional respeite uma ação neste sentido, a fim de dar o exemplo e continuar a resolver situações injustas.

2.   Evolução do mercado de trabalho

2.1

Ser trabalhador por conta própria é um estatuto legítimo no mercado de trabalho e cada indivíduo tem o direito a usufruir deste estatuto. O CESE defendeu esta posição em vários pareceres que adotou sobre este tipo de trabalho. Mas há também um lado oposto a este fenómeno que ainda não foi abordado pelo Comité. O último parecer refere explicitamente: «o parecer não aborda a questão do trabalho não declarado, nem a do "falso trabalho por conta própria", ainda que estes dois fenómenos possam, em alguns casos, ter aparente ou realmente uma ligação com os trabalhadores autónomos economicamente dependentes» (1). O presente parecer aborda, finalmente, estes temas.

2.2

Nas últimas décadas, ocorreram grandes mudanças na composição da categoria de trabalhadores por conta própria, a par dos «clássicos» independentes e pequenos empresários. No atual período, tornou-se necessário avaliar se o quadro operacional oferece proteção suficiente aos trabalhadores por conta própria. O CESE remete para um parecer anterior (2) em que recomendava as seguintes medidas:

recolher dados sobre o chamado «trabalho autónomo economicamente dependente» na UE;

identificar os elementos comuns à definição de «trabalhador por conta de outrem» nos diferentes Estados-Membros;

promover a realização de estudos que analisem em profundidade as diferentes experiências nacionais, em particular nas regiões transfronteiriças.

2.3

A noção de trabalho por conta própria difere de um Estado-Membro para outro. Em alguns países (por exemplo, nos Países Baixos), é definido como uma pessoa que trabalha por sua própria conta, principalmente, como um subcontratante para outra empresa. Em outros Estados-Membros (por exemplo, em França), o estatuto de trabalhador por conta própria é reservado a um empresário que não é empregado da sua própria empresa e que pode ter ou não empregados. O trabalho por conta própria não se limita à subcontratação, uma vez que pode ter consumidores como clientes. As diferentes definições de trabalho por conta de outrem e de trabalho por conta própria têm muitas implicações não só para o direito do trabalho mas também para a legislação fiscal e em matéria de segurança social.

2.4

A criação do mercado único e a correspondente introdução da livre circulação têm contribuído para a evolução referida no ponto 2.2 e permitiram a utilização de trabalhadores por conta própria nos domínios mais vulneráveis dos nossos mercados de trabalho. Atualmente, alguns trabalhadores são contratados (através de todos os tipos de agências) não como trabalhadores, mas como «prestadores de serviços por conta própria». A pessoa envolvida não é contratada, porque presta um serviço especial por conta própria com o seu trabalho independente. Pode-se dispor assim de trabalho barato, declarado, sem a observância das normas nacionais de trabalho (3). É legítimo perguntar se este novo tipo de estatuto de trabalho por conta própria é genuíno.

2.5

É possível identificar muitos problemas nas relações de trabalho, em particular em casos transfronteiriços (4). Há semelhanças entre tais relações e a posição do trabalhador tradicional ocasional ou jornaleiro, um tipo de trabalho que recorre à utilização de «engajadores» que todos consideravam pertencer ao passado (5). Assim, em alguns países, um trabalhador por conta própria pode, de um dia para o outro, passar a exercer atividades que normalmente exigem anos de formação profissional para as pessoas com um emprego permanente. Surgiram «engajadores» e agências de recrutamento especiais, que oferecem serviços de trabalhadores por conta própria e permitem às empresas passar facilmente para contratos em que um trabalhador por conta própria faz o mesmo trabalho que antes era feito por trabalhadores assalariados. São necessários mais dados fiáveis para avaliar o número de trabalhadores afetados e as fronteiras mais importantes. Para isso é preciso mais investigação profissional.

2.6

Além das empresas privadas, cada vez mais as grandes empresas e o setor público utilizam regularmente o trabalho por conta própria. Um quarto das empresas que contratam trabalhadores por conta própria afirma como motivo mais importante para os contratar o seu conhecimento e a sua experiência. Utilizam estes trabalhadores para lidar com picos no processo de produção e colmatar a falta de pessoal qualificado. Outro motivo importante, de acordo com os empregadores, é a flexibilidade nos acordos em matéria de pessoal.

2.7

Se os trabalhadores por conta própria decidem de livre e espontânea vontade criar a sua própria empresa, não há qualquer problema. No entanto, se o estatuto de trabalhador por conta própria não se basear numa escolha verdadeiramente voluntária, os riscos sociais são, na prática, transferidos da empresa para o trabalhador individual. Isto leva a abusos que vão desde o não pagamento das contribuições para a segurança social até à evasão fiscal, passando por abusos nos direitos dos trabalhadores e pelo trabalho não declarado (6). Trata-se de uma distorção grave da concorrência para os autênticos trabalhadores por conta própria, as microempresas e as PME. Além disso, alguns dos regimes criados nos Estados-Membros para desenvolver o empreendedorismo (por exemplo, o caso dos «autoempresários» em França) podem criar distorções na concorrência entre os autênticos trabalhadores por conta própria e esta nova categoria de trabalho por conta própria.

2.7.1

O CESE propõe recomendar aos Estados-Membros que identifiquem os setores mais problemáticos e que, através do diálogo social, fixem uma remuneração mínima por hora de trabalho, a qual pode variar inclusive entre as regiões de um mesmo Estado-Membro.

É essencial que a adjudicação de contratos públicos a nível nacional respeite uma ação neste sentido, a fim de dar o exemplo e continuar a resolver situações injustas.

2.8

A percentagem de trabalhadores por conta própria aumentou em toda a Europa na década de 1980, antes de diminuir um pouco na década de 1990. Porém, nas últimas décadas, a situação tornou-se diferente entre os Estados-Membros. Em alguns países, o trabalho por conta própria voltou a aumentar, enquanto noutros se manteve estável ou teve tendência a decrescer (Perspetivas de Emprego da OCDE de 2005 e OECD Factbook 2006). Desde o início da crise financeira, a percentagem de trabalhadores por conta própria não aumentou em geral. Parte do trabalho por conta própria constitui agora a chamada «camada flexível» da mão de obra: relações de trabalho pouco estáveis e que podem ser rapidamente dissolvidas em tempos de recessão económica e restabelecidas à medida que as perspetivas de crescimento começam a reaparecer.

2.9

A segurança e a saúde no trabalho e as regras em matéria de proteção ambiental são geralmente respeitadas em menor grau pelos trabalhadores por conta própria do que pelos assalariados. Uma forma de colmatar esta lacuna seria a criação de centros de serviços para os trabalhadores por conta própria que assegurariam estas tarefas e estes atos em seu nome.

3.   Definição de trabalho por conta própria

3.1

Não existe na legislação ou na regulamentação nenhuma referência uniforme ao trabalho por conta própria (7). O termo refere-se por vezes a profissões liberais, outras vezes a todas as pessoas que trabalham por conta própria de forma independente. O estatuto implica que estes trabalhadores não têm um contrato de trabalho, mas prestam serviços a clientes ou fornecedores com base num contrato comercial.

3.2

A categoria dos trabalhadores por conta própria está muitas vezes dividida entre dois extremos (Fundação Europeia, 1996). Num extremo estão profissionais altamente qualificados e experientes, que estão bem conscientes da sua posição no mercado, sabem o que valem e desejam trabalhar por conta própria. Este primeiro grupo consiste principalmente em trabalhadores de idade avançada e bem pagos que planeiam e organizam o seu próprio trabalho. O outro extremo é composto de trabalhadores por conta própria cujo estatuto tem apenas por finalidade reduzir os encargos administrativos e financeiros do cliente. As pessoas nesta situação são falsos trabalhadores por conta própria, que têm pouca ou nenhuma liberdade de escolha e estão, do ponto de vista económico, totalmente dependentes do seu cliente. De publicações científicas sobre esta matéria infere-se que esta situação acontece frequentemente para duas das cinco categorias de trabalhadores por conta própria, que foram definidas num estudo recente (8).

3.3

Do ponto de vista jurídico, os trabalhadores por conta própria não estão todos numa posição igualmente boa em comparação com os assalariados. Um estudo realizado nos Países Baixos em 2010 pela EIM para o Ministério dos Assuntos Sociais e do Emprego mostra como os trabalhadores por conta própria gerem os riscos que correm. Não podem beneficiar de seguros coletivos para trabalhadores e devem, por conseguinte, assegurar-se eles próprios contra os riscos. Em muitos casos, isto não acontece. Estes trabalhadores têm com muita frequência seguro de responsabilidade civil (72 %), mas menos frequentemente seguro de doença (20 %) ou de incapacidade de trabalho (36 %). Apenas um em cada dois trabalhadores por conta própria faz poupanças para a reforma. Por conseguinte, correm o risco de se encontrar em situação de pobreza quando passam à reforma. Os trabalhadores por conta própria dos setores agrícola e da construção estão, em média, mais assegurados contra os riscos, e os dos setores da construção e dos serviços às empresas têm mais tendência para ter um plano de pensão de reforma. O CESE recomenda que os trabalhadores por conta própria, quando requerem esse estatuto, sejam devidamente informados sobre as repercussões de baixas contribuições para a segurança social e o seguro de doença e sobre outras condições e obrigações associadas ao arranque da sua empresa.

4.   Atritos e abusos do estatuto

4.1

Nos últimos anos, a questão de saber se há ou não uma relação de trabalho e que direitos e proteção estão associados a este estatuto tem sido alvo de interesse renovado em vários países europeus. Isto deve-se a mudanças significativas na forma como as empresas operam, com um aumento da externalização e da subcontratação, enquanto os legisladores deram ouvidos aos apelos para maior flexibilidade e redução do encargos «administrativos», levando a uma desregulamentação e a uma política destinada a acabar com as formas «tradicionais» de garantia do posto de trabalho.

4.2

Do ponto de vista jurídico, vários países europeus tentaram delimitar este conceito através da evolução da definição de «relação de trabalho» com base em vários critérios. Uma tal relação caracteriza-se pelo desempenho de uma atividade em troca de remuneração, com todo o lucro do trabalho remunerado para o cliente. Indicadores importantes de uma tal relação são o facto de o trabalho ser realizado sob o controlo de uma outra parte e de o trabalhador dever estar disponível. Também é importante o facto de a remuneração ser a única ou a principal fonte de rendimento do trabalhador e a ausência de risco económico para este último.

4.3

O CESE limita-se a orientar os Estados-Membros, sugerindo modelos de melhores práticas. Um bom exemplo é o modelo maltês que tem dado provas de funcionar muito bem.

Ao examinar o estatuto profissional de uma pessoa que oficialmente trabalha por conta própria e que, à primeira vista, não é considerada assalariada, deverá/poderá presumir-se que existe uma relação laboral e que a pessoa para quem o serviço é prestado é o empregador se a pessoa que executa o trabalho preenche pelo menos cinco dos seguintes critérios:

(a)

depende de uma única pessoa a quem o serviço é fornecido em pelo menos 75 % do seu rendimento anual;

(b)

depende da pessoa a quem o serviço é fornecido para determinar o trabalho a realizar, onde e como será realizado;

(c)

executa o trabalho utilizando equipamentos, ferramentas ou materiais fornecidos pela pessoa a quem o serviço é fornecido;

(d)

está sujeita a um horário de trabalho ou períodos de trabalho mínimos estabelecidos pela pessoa a quem o serviço é fornecido;

(e)

não pode subcontratar o seu trabalho a outros indivíduos para que a substituam no desempenho da tarefa;

(f)

está integrada na estrutura do processo de produção, na organização do trabalho ou na hierarquia da empresa ou da organização;

(g)

a sua atividade é um elemento central na organização e na prossecução dos objetivos da pessoa a quem se fornece o serviço;

(h)

realiza tarefas semelhantes aos assalariados da empresa ou, caso o trabalho seja externalizado, executa tarefas semelhantes às realizadas anteriormente pelos assalariados.

4.4

Existem diversas definições não apenas em vários países europeus (9), mas também na legislação da UE. Esta falta de clareza gera grandes problemas em situações transfronteiriças. A ausência de uma ligação entre os quadros jurídicos nacionais e europeu no que diz respeito à distinção entre o trabalho assalariado e a prestação de serviços faz com que o conceito de trabalho por conta própria seja um assunto problemático, especialmente quando se trata de trabalho transfronteiriço.

4.5

Do ponto de vista internacional, torna-se cada vez mais difícil determinar se existe ou não uma relação de trabalho. Isto surge em situações em que os direitos e as obrigações das partes contratantes não são claros e inequívocos, ou quando uma maior flexibilidade e desregulamentação tornam difícil verificar a possível existência de uma relação de trabalho. Surge igualmente quando os legisladores criam várias formas intermédias ou consideram simplesmente que a possibilidade de passar de um dia para o outro para o trabalho por conta própria é uma das novas formas de empresa.

4.6

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou em devido tempo para o potencial abuso do trabalho por conta própria, que leva a contornar os direitos dos trabalhadores e a proteção jurídica que está normalmente associada à relação de trabalho. A OIT refere a possibilidade de o abuso resultar de uma combinação de fatores: a legislação é demasiado limitada ou é interpretada de forma demasiado restritiva; a legislação está redigida de tal forma que o seu alcance e os seus efeitos são mínimos; embora haja de facto uma relação de trabalho, não é claro quem é o empregador; várias formas de falso trabalho por conta própria não estão abrangidas; e, de forma geral, não se controla o cumprimento da legislação.

4.7

A definição estabelecida na Classificação Internacional da Situação no Emprego refere o trabalho por conta própria como o trabalho em que a remuneração depende diretamente dos lucros derivados dos bens produzidos e dos serviços prestados. Do ponto de vista histórico, importa distinguir três grandes grupos de trabalhadores por conta própria: as microempresas, as pequenas empresas e as profissões liberais. Na Assembleia Geral de junho de 2006, foi adotada uma recomendação sobre a relação de trabalho (Recomendação 198) (10). O objetivo principal desta recomendação é melhorar a política nacional de proteção dos direitos dos trabalhadores que estão numa relação de trabalho (artigo 1.4).

4.8

Ao mesmo tempo, entre 2005 e 2007, a OIT envidou esforços para desenvolver os conceitos utilizados. Além da recomendação já mencionada, elaborou vários documentos que dão, em particular, uma visão geral das legislações nacionais existentes. Neste contexto, torna-se evidente a necessidade crescente de elaborar definições claras, de modo a permitir a diferenciação entre formas legítimas de trabalho por conta própria e práticas fraudulentas, cujo único objetivo é o de evitar ou contornar o direito do trabalho e outras disposições jurídicas.

4.9

O CESE recomenda que a resolução dos problemas específicos dos trabalhadores por conta própria deve ser objeto de análise no âmbito do diálogo social, a nível europeu e nacional, e que as organizações que representam os seus interesses tenham a oportunidade de participar no diálogo social.

Bruxelas, 21 de março de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  JO C 18 de 19.1.2011, p. 44.

(2)  JO C 18 de 19.1.2011, p. 44.

(3)  Numa recente publicação, demonstra-se que o estatuto de trabalhador por conta própria também é utilizado para contornar as restrições no mercado de trabalho relacionadas com o processo de alargamento. De acordo com Béla Galgóczi «Uma das questões mais controversas no debate sobre a mobilidade de trabalho na UE, sobretudo no contexto das medidas transitórias impostas por alguns Estados-Membros, tem sido a possível substituição de assalariados por trabalhadores por conta própria, fazendo uso da liberdade de prestação de serviços para contornar as restrições impostas como medidas transitórias para o emprego assalariado». (p. 23). Não há um recurso excessivo a nível global ao (falso) trabalho por conta própria, mas em países com restrições devido a medidas transitórias «é claramente utilizado como uma estratégia de ajustamento» (p. 25). A taxa de trabalhadores por conta própria da Bulgária e da Roménia (países UE-2) aumentou desde 2008 e, em 2011, apresentava uma grande variação na Alemanha, Bélgica e Áustria, em comparação com a taxa de trabalhadores nacionais e a taxa de trabalhadores por conta própria da UE-8. Devido às restrições que continuam a aplicar-se aos trabalhadores romenos no Reino Unido, uma elevada percentagem entra no país utilizando o estatuto de trabalhador por conta própria (quase 45 %). Relativamente aos trabalhadores dos países UE-8 que já não precisam de autorização, estes apresentam atualmente, em média, uma percentagem de trabalhadores por conta própria que diminuiu para se situar na média nacional do Reino Unido. A prova deste fenómeno de contorno pode ser evidenciada com o exemplo da Itália. Sem restrições no setor dos cuidados e da construção, os trabalhadores migrantes dos países da UE-2, principalmente da Roménia, que trabalham predominantemente nestes setores apresentam, em média, índices mais baixos de trabalho por conta própria do que os nacionais ou outros migrantes da UE e de fora da UE (EU Labour Migration in Troubled Times - Skills Mismatch, Return and Policy Responses by Béla Galgóczi, Janine Leschke, Andrew Watt (Eds.), Ashgate, 2012).

(4)  Já no Relatório Supiot de 1999 se observa o aparecimento de um «novo» tipo de trabalhador por conta própria em vários Estados-Membros da UE, referindo que esta questão era problemática por dois motivos: o trabalho por conta própria pode funcionar como um meio para escapar às obrigações do empregador; e, ao escolher a via empresarial, os trabalhadores mais jovens e bem formados não participam no sistema de solidariedade dos regimes de segurança social dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, há também um lado positivo para o «novo» fenómeno do trabalho por conta própria, que pode oferecer mais possibilidades para o desenvolvimento das capacidades dos trabalhadores genuinamente independentes, geralmente altamente qualificados, podendo, por conseguinte, contribuir para o aumento da qualidade do trabalho e da inovação na organização do trabalho. Designações como «falso» e «dependente» são utilizadas para destacar o lado obscuro deste tipo de trabalho independente. «Falso» porque o tipo de trabalhadores por conta própria a que se refere dificilmente pode ser qualificado como tal, «dependente» porque os chamados trabalhadores por conta própria não são independentes, nem economicamente, nem no que diz respeito ao controlo dos seus termos e das suas condições de trabalho (M. Westerveld, http://www.uva-aias.net/news_agenda/agenda/522).

(5)  Em França, este tipo arcaico de trabalho é denominado «marchandage de main-d'œuvre» [regateio de mão de obra]. Os primeiros atos jurídicos para proibir este tipo de recrutamento destinado apenas a trabalho foram adotados em França já em meados do século XIX.

(6)  A Comissão Europeia descreve alguns tipos de abusos: «Em França, alguns empregadores abusaram do estatuto do novo "auto-entrepreneur" [autoempresário] para poderem pagar menos impostos pelos trabalhadores, que são forçados a aceitar o novo estatuto. Em diversos Estados-Membros, incluindo os Países Baixos e a Bélgica, existe o «falso trabalho por conta própria» relativo a trabalhadores supostamente por conta própria cujo estatuto (independentes ou empregados) não está claro. Em teoria, eles são trabalhadores por conta própria (o empregador paga apenas uma quantia fixa da qual o trabalhador tem de pagar o seu próprio seguro e outras despesas), mas, na prática, não há diferença entre eles e os outros empregados que fazem o mesmo trabalho» (Comissão Europeia, European Employment Observatory Review, Self-employment in Europe 2010, p. 29).

(7)  A Comissão Europeia assinala (ibid p. 6) que existem diversas interpretações e definições do termo «trabalho por conta própria» nos diferentes países, com várias subcategorias diferentes identificadas, por exemplo, de acordo com o estatuto jurídico da empresa, quer a empresa tenha empregados ou não (empregadores ou trabalhadores por conta própria) e/ou o setor em que a empresa opera (por exemplo, agricultura). Alguns países também fazem a distinção entre o estatuto de trabalhador por conta própria e o estatuto de «dependente por conta própria» (por exemplo, Espanha e Itália), em que o trabalhador por conta própria trabalha para apenas um cliente. Outros distinguem o trabalho por conta própria que é realizado para além de um emprego remunerado (por exemplo, a Bélgica).

(8)  «Self employed workers: industrial relations and working conditions» [Trabalhadores por conta própria: relações laborais e condições de trabalho], EIRO, 2009.

(9)  Do ponto de vista jurídico, os Estados-Membros da UE estabeleceram vários critérios no que diz respeito à definição de uma relação de trabalho: subordinação a uma empresa de utilizadores, submissão a ordens e instruções de execução do trabalho, integração num sistema (coletivo) de planificação, execução e controlo projetado por outros, o trabalhador depende económica e socialmente do trabalho realizado por e para uma empresa que pertence a outra pessoa, dependência financeira de um (único) empregador (http://www.clr-news.org/CLR-News/CLR%20News%202-2007 %20ISSN.pdf, p. 35).

(10)  A recomendação foi adotada com 71 % dos votos expressos. De notar, que a delegação dos empregadores colaborou na elaboração da recomendação, tendo por fim decidido abster-se.


ANEXO

ao Parecer do Comité Económico e Social Europeu

As propostas de alteração seguintes, que obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos, foram rejeitadas durante o debate (artigo 54.o, n.o 3, do Regimento).

Ponto 1.3

Alterar.

«1.3

A recomendação da OIT de 2006 define de modo demasiado amplo a noção de «relação de trabalho» para permitir lutar contra o falso trabalhador por conta própria. Para determinar se existe ou não uma relação de trabalho, importa centrar principalmente a atenção nos factos relativos às atividades e à remuneração do trabalhador, independentemente da forma como se caracteriza a relação, por exemplo, em termos contratuais. Existe uma relação de trabalho oculta quando o empregador trata o trabalhador de forma a encobrir o seu verdadeiro estatuto jurídico como empregado, e quando os termos contratuais podem defraudar os trabalhadores da proteção a que têm direito. Cabe notar, porém, que as recomendações da OIT se dirigem aos governos nacionais e não à UE.»

e Ponto 4.6

Alterar.

«4.6

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou em devido tempo os governos nacionaispara o potencial abuso do trabalho por conta própria, que leva a contornar os direitos dos trabalhadores e a proteção jurídica que está normalmente associada à relação de trabalho. A OIT refere a possibilidade de o abuso resultar de uma combinação de fatores: a legislação é demasiado limitada ou é interpretada de forma demasiado restritiva; a legislação está redigida de tal forma que o seu alcance e os seus efeitos são mínimos; embora haja de facto uma relação de trabalho, não é claro quem é o empregador; várias formas de falso trabalho por conta própria não estão abrangidas; e, de forma geral, não se controla o cumprimento da legislação.»

Justificação

O relator fundamenta parte do seu argumento em prol de uma intervenção a nível europeu na recomendação de 2006 da OIT sobre a relação de trabalho. Porém, a OIT limita explicitamente o âmbito da sua recomendação às políticas e às leis nacionais. Ademais, vale a pena assinalar que esta recomendação esteve longe de obter aprovação por unanimidade (prática bastante comum na OIT); pelo contrário, só foi adotada com 71 % dos votos expressos e contou com a oposição de toda a delegação dos empregadores.

Em conformidade com o artigo 51.o, n.o 4, do Regimento, estas duas alterações foram examinadas em conjunto.

Resultado da votação

Votos a favor

:

73

Votos contra

:

122

Abstenções

:

12


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