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Document 52011PC0275

Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade

/* COM/2011/0275 final - 2011/0129 (COD) */

52011PC0275

Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade /* COM/2011/0275 final - 2011/0129 (COD) */


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1.           CONTEXTO DA PROPOSTA

A presente proposta insere-se num pacote de medidas legislativas cujo objectivo é reforçar os direitos das vítimas na UE e que inclui também os dois instrumentos seguintes: uma comunicação intitulada «Reforçar os direitos das vítimas na UE» e uma proposta de regulamento sobre o reconhecimento mútuo de medidas de protecção em matérias civis.

A Comissão Europeia identificou como prioridade estratégica[1] a protecção das vítimas da criminalidade e o estabelecimento de normas mínimas, com base no Programa de Estocolmo e no seu Plano de Acção[2]. Estes documentos atribuem às vítimas um lugar de destaque na agenda da UE e consagram a necessidade e a intenção de adoptar uma abordagem integrada e coordenada neste domínio, que se coadune com as Conclusões do Conselho JAI de Outubro de 2009[3].

A União Europeia fixou o objectivo de manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça, cuja pedra angular é o princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e outras decisões das autoridades judiciais adoptadas no domínio civil e penal na UE. O Relatório sobre a Cidadania, publicado pela Comissão em 27 de Outubro de 2010[4], visa o desmantelamento dos obstáculos ao exercício dos direitos dos cidadãos, assegurando a concretização dos direitos individuais concedidos a nível da UE. Reforçar os direitos das vítimas, juntamente com o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou arguidos em processos penais enquadra-se nesta abordagem.

A União Europeia já tomou medidas a este respeito na Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Embora se tenham registado melhorias neste domínio, os objectivos da Decisão do Conselho não foram ainda plenamente atingidos.

O Parlamento Europeu também apelou ao Conselho para adoptar um quadro normativo completo que propicie a maior protecção possível às vítimas da criminalidade[5]. Na sua Resolução de 26 de Novembro de 2009[6] sobre a eliminação da violência contra as mulheres, o Parlamento Europeu solicitou aos Estados-Membros que melhorassem as respectivas legislações e políticas de luta contra todas as formas de violência contra as mulheres e que tomassem medidas para combater as causa desta violência, nomeadamente através de medidas de prevenção, exortando a União a assegurar o direito à assistência, à protecção e ao apoio a todas as vítimas de violência. A Declaração 19.ª dos Protocolos ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia convida igualmente os Estados-Membros a tomarem todas as medidas necessárias para prevenir e punir actos de violência doméstica, bem como apoiar e proteger as vítimas deste tipo de violência.

A cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais. O reconhecimento mútuo só pode funcionar eficazmente num clima de confiança, em que não só as autoridades judiciárias como todos os intervenientes no processo penal e outras pessoas com um interesse legítimo no mesmo estão confiantes na adequação das regras vigentes em todos os Estados-Membros e na aplicação correcta dessas regras. Ora, se as vítimas da criminalidade não beneficiarem de normas mínimas idênticas em toda a UE, essa confiança pode ser comprometida devido a preocupações quanto ao tratamento das vítimas ou à existência de disparidades nas regras processuais.

Regras mínimas comuns deverão assim contribuir para o reforço da confiança nos sistemas de justiça penal de todos os Estados-Membros, o que, por seu turno, conduzirá a uma cooperação judiciária mais eficaz num clima de confiança mútua e promoverá uma cultura de direitos fundamentais na União Europeia. Estas regras mínimas devem igualmente contribuir para reduzir os obstáculos à livre circulação dos cidadãos, uma vez que serão aplicáveis a todas as vítimas da criminalidade no seu conjunto.

Coerência com outras políticas e os objectivos da União

A presente proposta visa garantir que o conjunto das necessidades das vítimas da criminalidade, que afectam transversalmente outros domínios de intervenção da UE, sejam respeitadas e preenchidas. Em especial, a protecção dos direitos das vítimas é uma vertente essencial de uma série de políticas e/ou instrumentos da UE relacionados com o tráfico de seres humanos, o abuso sexual e a exploração sexual das crianças, a violência contra as mulheres, o terrorismo, a criminalidade organizada e a repressão das infracções rodoviárias.

A proposta irá reforçar e complementar os instrumentos existentes, nomeadamente a Directiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas[7], a directiva do Conselho, actualmente objecto de negociação, relativa ao abuso e à exploração sexual das crianças e a pornografia infantil[8] ou a Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho, relativa à luta contra o terrorismo[9], com a última redcção que lhe foi dada pela Decisão-Quadro 2008/919/JАI do Conselho, de 28 de Novembro de 2008[10]. Estabelecerá normas mínimas relativas aos direitos das vítimas, o que melhorará o quadro geral de protecção das vítimas na legislação e na acção da UE. Enquanto os instrumentos específicos que incidem, por exemplo, sobre os actos de terrorismo, o tráfico de seres humanos, o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, dão resposta às necessidades específicas de determinados grupos de vítimas de crimes bem identificados, a presente proposta definirá o quadro horizontal que permitirá responder às necessidades de todas as vítimas da criminalidade, independentemente do tipo de crime em causa ou das circunstâncias ou do local em que foi cometido. As disposições da presente proposta coadunam-se com a abordagem adoptada nos domínios acima referidos.

A presente directiva não afectará as disposições constantes de outros actos da UE, que respondem de forma mais selectiva às necessidades específicas das vítimas particularmente vulneráveis. Em especial, os adultos que sejam vítimas do tráfico de seres humanos beneficiarão das medidas previstas pela Directiva 2011/36/UE, que correspondem às medidas estabelecidas no artigo 12.º, no artigo 20.º, alínea b), e no artigo 21.º, n.º 3, alíneas a), c) e d), da presente directiva; as crianças que sejam vítimas do tráfico de seres humanos beneficiarão das medidas previstas pela Directiva 2011/36/UE, que correspondem às medidas estabelecidas nos artigos 12.º, 20.º, 21.º, n.º 2), alíneas a), b) e c), 21.º, n.º 3, e 22.º da presente directiva; as crianças que sejam vítimas de abuso e exploração sexual e pornografia infantil beneficiarão das medidas estabelecidas na Directiva [….]/[..]/UE do Conselho [relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual das crianças e a pornografia infantil], que correspondem às medidas estabelecidas nos artigos 12.º, 20.º, 21.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 21.º, n.º 3, e 22.º da presente directiva.

As vítimas do terrorismo beneficiarão de melhores mecanismos de identificação das suas necessidades, serão informadas do desenrolar do processo e ser-lhes-á assegurada uma protecção adequada durante o mesmo. De igual forma, em relação às vítimas de acidentes rodoviários, muito embora o presente instrumento não assegure especificamente a cobertura do conjunto das suas necessidades específicas, a maior sensibilização de todos os profissionais forenses e o melhoramento das suas atitudes culturais, associadas a avaliações adequadas, contribuirão para garantir a satisfação dessas necessidades, nomeadamente no que respeita ao tratamento concedido antes da identificação de qualquer crime específico.

Além disso, em consonância com a abordagem adoptada no que se refere às vítimas do tráfico de seres humanos, do abuso sexual e exploração sexual das crianças e da pornografia infantil, a proposta será consentânea com a tomada em consideração das necessidades específicas das vítimas vulneráveis.

Numa perspectiva de futuro, prevê-se igualmente a adopção de medidas relativas a categorias específicas de vítimas, designadamente as vítimas do terrorismo e da criminalidade organizada. Deverá ser realizada nomeadamente uma análise das lacunas existentes em matéria de protecção das vítimas do terrorismo com vista a melhorar a sua situação na Europa.

Disposições em vigor no domínio da proposta

– Tráfico de seres humanos: a protecção dos direitos das vítimas foi introduzida pela Directiva 2011/36/UE, que prevê uma tónica específica a colocar nas crianças, que se encontram particularmente vulneráveis ao risco deste tráfico[11];

– Abuso sexual e exploração sexual das crianças e pornografia infantil: uma nova proposta de directiva responde às necessidades específicas das crianças que sejam vítimas destas formas de criminalidade[12];

– O Programa da UE para os direitos da criança, que estabelece como objectivo primordial tornar os sistemas de justiça mais adaptados à criança. Impõe-se evitar impor qualquer experiência negativa às crianças, vítimas da criminalidade, que participam em processos penais e deve ser-lhes facultada a possibilidade de desempenhar um papel activo nestes processos[13];

– Directiva 2004/80/CE do Conselho relativa à indemnização das vítimas da criminalidade, que visa facilitar o acesso à indemnização em situações transfronteiras[14];

– Combate à violência contra as mulheres: trata-se de uma prioridade da Estratégia 2010‑2015 para a igualdade entre homens e mulheres e está no centro do programa Daphne III[15];

– Protecção dos direitos das vítimas do terrorismo[16].

2.           RESULTADOS DAS CONSULTAS ÀS PARTES INTERESSADAS E AVALIAÇÕES DE IMPACTO

As normas da Comissão em matéria de consultas foram respeitadas. Peritos de diversos meios, provenientes nomeadamente das administrações nacionais, das instâncias policiais e judiciárias, das ONG, de organizações internacionais e das universidades, tomaram parte em discussões aprofundadas sobre os projectos legislativos no quadro da elaboração da avaliação de impacto que acompanha a presente proposta.

A Comissão encomendou um estudo externo para apoiar a preparação da avaliação de impacto, bem como um estudo complementar destinado a analisar as opções relacionadas com o objectivo específico de garantir que a protecção adquirida através de uma medida de protecção não seja perdida quando o beneficiário viaja ou se instala noutro Estado-Membro[17]. Foram igualmente tidos em conta os resultados de dois inquéritos: no âmbito do estudo externo, foram consultados 384 representantes dos sectores público e privado, tendo sido obtidas 119 respostas, e no quadro do projecto «Victims in Europe» (Vítimas na Europa)[18] foram recebidas 97 respostas ao questionário relativo à aplicação jurídica e 218 ao questionário relativo à organização.

Durante a elaboração da avaliação de impacto, a Comissão lançou uma consulta pública, aberta ao grande público, bem como às organizações governamentais e não governamentais, a fim de recolher as suas opiniões sobre as medidas a tomar pela UE para melhorar a situação das vítimas da criminalidade. A Comissão recebeu 77 respostas no prazo fixado para a apresentação das respostas.

Uma reunião de peritos do meio académico, das ONG e dos Estados-Membros teve lugar em 18 e 19 de Fevereiro de 2010 e foi seguida por uma nova sessão do Fórum da Justiça em 14 de Abril de 2010.

Para além das consultas directas, a Comissão apoiou-se numa série de estudos e publicações[19].

A avaliação de impacto concluiu que era necessário substituir a decisão-quadro de 2001 por uma nova directiva com obrigações concretas relativamente aos direitos das vítimas, devendo o instrumento legislativo ser acompanhado de medidas práticas destinadas a facilitar a sua aplicação. Tal representaria também um primeiro passo neste domínio, sendo previstos outros estudos e acções, nomeadamente no que respeita à indemnização das vítimas da criminalidade e ao apoio judiciário a ser-lhes prestado.

3.           ELEMENTOS JURÍDICOS DA PROPOSTA

Diversas disposições da Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho relativa ao estatuto da vítima em processo penal foram mantidas de acordo com a sua redacção inicial ou foram alteradas apenas na medida do necessário, para assegurar uma redacção clara. Por exemplo, os artigos 9.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º e 25.º da proposta de directiva correspondem aos artigos 3.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º da decisão-quadro. As observações em seguida formuladas centram-se nos artigos que introduziram alterações substanciais na decisão-quadro.

Artigo 2.º – Definições

A presente directiva tem como objectivo garantir que todas as vítimas da criminalidade beneficiem de normas mínimas em toda a UE. Prevê nomeadamente a concessão de apoio e protecção aos familiares da vítima, dado ser frequente que estes também sejam afectados pelo crime, podendo enfrentar o risco de vitimização secundária ou actos de retaliação ou intimidação por parte do autor do crime ou seus cúmplices. Todas as disposições da presente directiva são igualmente aplicáveis aos familiares de uma vítima cuja morte tenha sido provocada por uma infracção penal, uma vez que estes têm um interesse específico e legítimo no processo que transcende o interesse dos familiares das vítimas sobreviventes, sendo geralmente reconhecidas como representantes da vítima.

Artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º — Direitos em matéria de informação e direito de compreender e ser compreendido

Estes artigos visam assegurar que as vítimas recebem informações suficientes de forma inteligível, de modo a permitir-lhes exercer plenamente os seus direitos e garantir-lhes um tratamento respeitoso. Tais informações devem ser facultadas a partir do momento em que a vítima apresenta uma denúncia relativa a um crime, bem como regularmente durante todo o processo penal e em função do desenrolar do processo. As vítimas devem receber informações suficientes para tomar decisões fundamentadas quanto à sua participação no processo e à forma de exercer os seus direitos, nomeadamente quando se trata de decidir se devem ou não solicitar o reexame da decisão de não deduzir acusação.

Por uma série de razões, as vítimas podem ter dificuldade em compreender as informações fornecidas por escrito num formato normalizado. Pode suceder, nomeadamente, que as vítimas não compreendam a língua em que estas informações são fornecidas ou pode haver outros factores como a sua idade, o grau de maturidade, a capacidade intelectual e psicológica, o grau de alfabetização ou qualquer tipo de deficiência, como por exemplo visual ou auditiva, que entravam a compreensão destas informações ou a impedem completamente. Por conseguinte, tanto quanto possível, tais informações devem ser fornecidas nos mais diversos formatos, a fim de ter em conta estes factores.

Artigo 7.º — Direito de acesso aos serviços de apoio às vítimas

O objectivo deste artigo consiste em garantir o acesso das vítimas aos serviços de apoio que prestam informações e conselhos, apoio emocional e psicológico, bem como uma assistência prática, serviços esses que são frequentemente determinantes para a recuperação das vítimas e que as ajudam a enfrentar as consequências do crime e a pressão resultante de qualquer processo penal.

Este apoio deve ser disponibilizado o mais rapidamente possível após a ocorrência de um crime, independentemente deste ter sido denunciado. Tais serviços podem revelar-se particularmente importantes em derradeira instância para levar uma vítima a decidir denunciar um crime. De igual forma, as vítimas podem necessitar de apoio tanto durante o processo como a mais longo prazo. Os serviços de apoio podem ser fornecidos por organizações governamentais ou não governamentais e não devem comportar demasiados procedimentos e formalidades, susceptíveis de reduzir o acesso efectivo a tais serviços. O apoio pode ser prestado de diversas formas, como em encontros directos ou através de contactos estabelecidos por telefone ou outros meios à distância, de modo a optimizar a sua cobertura geográfica e a disponibilização dos serviços. Determinadas categorias de vítimas, nomeadamente as vítimas de violência sexual, de crimes de ódio, como os crimes em função do género e os crimes racistas, bem como as vítimas do terrorismo necessitam frequentemente de serviços de apoio especializados, devido às características especiais do crime de que foram vítimas. Tais serviços devem ser disponibilizados na medida do possível.

Apesar de a concessão de apoio não dever estar subordinada à apresentação de uma denúncia pela vítima junto da polícia ou outras autoridades competentes, estas últimas são frequentemente as instâncias em melhores condições de informar as vítimas quanto à possibilidade de beneficiarem de apoio. Os Estados-Membros são assim instados a estabelecer as condições adequadas para que as vítimas sejam orientadas para os serviços de apoio, velando nomeadamente para que os requisitos em matéria de protecção de dados possam ser respeitados.

Artigo 8.º — Direito de as vítimas receberem uma confirmação da recepção da sua denúncia

Este artigo tem como objectivo garantir que, aquando da apresentação de uma denúncia de um crime, a vítima recebe uma confirmação da recepção oficial, que lhe servirá de referência em qualquer comunicação futura.

Artigo 9.º — Direito a ser ouvido

Este artigo tem como objectivo garantir que a vítima tem a possibilidade de fornecer, durante o processo penal, informações iniciais e complementares, bem como opiniões e elementos de prova. O âmbito exacto deste direito deve ser deixado ao critério do legislador nacional e pode variar entre o direito básico de comunicar com uma autoridade competente e de lhe fornecer elementos de prova até direitos mais alargados, como o direito de admissibilidade dos elementos de prova apresentados, o direito de determinados elementos de prova serem considerados ou o direito de intervir durante o julgamento.

Artigo 10.º — Direitos na eventualidade de uma decisão de não ser deduzida acusação

Este artigo visa permitir que a vítima possa comprovar que os procedimentos e regras estabelecidos foram respeitados e que foi adoptada uma decisão correcta no sentido de arquivar um processo relativamente a uma dada pessoa. Incumbirá ao direito nacional definir os mecanismos precisos em matéria de reexame. No entanto, esse reexame deve, no mínimo, ser realizado por uma pessoa ou entidade que não tomou a decisão inicial de não deduzir acusação.

Artigo 11.º — Direito a garantias no contexto dos serviços de mediação e outros serviços de justiça reparadora

A justiça reparadora engloba uma série de serviços, que podem estar relacionados com o processo penal ou ser prestados prévia, paralela ou posteriormente ao mesmo. Podem ser prestados no que se refere a determinados tipos de crimes ou somente a adultos ou crianças e incluir, por exemplo, a mediação entre a vítima e o autor do crime, as conferências em grupo familiar e os círculos de determinação da pena.

Este artigo tem como objectivo assegurar, aquando da prestação de tais serviços, que sejam previstas salvaguardas destinadas a garantir que a vítima não seja novamente vitimizada em consequência do processo. Por conseguinte, esses serviços devem atribuir prioridade aos interesses e às necessidades das vítimas, à reparação dos danos causados à vítima e prevenir a ocorrência de novos danos. A participação da vítima deve ser voluntária, o que pressupõe que esta deve dispor de um conhecimento suficiente dos riscos e dos benefícios em causa a fim de efectuar uma escolha fundamentada. Significa igualmente que factores como o desequilíbrio de forças, a idade, a maturidade ou a capacidade intelectual da vítima, susceptível de limitar ou reduzir a sua capacidade de decidir com conhecimento de causa ou de comprometer um resultado positivo para a vítima, devem ser tomados em consideração em qualquer decisão de remeter um caso para a justiça reparadora ou durante a respectiva tramitação. Apesar de os processos privados deverem, em geral, ser confidenciais, salvo acordo em contrário entre as partes, certos elementos como as ameaças proferidas durante o processo podem ter de ser divulgados no interesse público. Em última análise, qualquer acordo entre as partes deve ser alcançado numa base voluntária.

Artigo 13.º — Direito ao reembolso das despesas

Esta disposição coaduna-se com a decisão-quadro de 2001, na medida em que concede às vítimas que participam no processo penal o direito ao reembolso das duas despesas. Prevê igualmente este reembolso quando a vítima assiste ao julgamento, sem participar no processo enquanto tal. O objectivo é assegurar que as vítimas não sejam impedidas de assistir ao julgamento e de comprovar que é feita justiça, por falta de recursos financeiros.

Artigo 18.º — Identificação das vítimas vulneráveis

Este artigo tem como objectivo garantir que as vítimas beneficiem de tratamento personalizado e a criação de um mecanismo coerente para identificar as vítimas vulneráveis, que podem ter de ser objecto de medidas especiais durante o processo penal.

Todas as vítimas da criminalidade são vulneráveis per se, devendo consequentemente beneficiar de um tratamento que denote sensibilidade e prudência. Contudo, algumas vítimas encontram-se particularmente expostas ao risco de novos actos de vitimização ou intimidação por parte do arguido, suspeito ou seus cúmplices. Além disso, algumas vítimas enfrentam nomeadamente o risco de novos traumas ou danos devido à sua participação no processo penal, quer na qualidade de testemunhas, quer mediante outras formas. Tais vítimas devem ser objecto de medidas especiais de molde a minorar as probabilidades de sofrerem novos danos.

Este artigo prevê que a vulnerabilidade das vítimas face a tais danos deve ser determinada através de uma avaliação das características pessoais da vítima, bem como da natureza ou do tipo de crime cometido. A maioria das crianças e das pessoas com deficiência são particularmente vulneráveis devido às suas características pessoais. Enquanto grupo, podem imediatamente ser identificados como vulneráveis e, na maioria dos casos, requerem medidas especiais. As vítimas pertencentes a outras categorias definidas em função da natureza ou do tipo de crime, como as vítimas de violência sexual, incluindo a exploração sexual, e as vítimas do tráfico de seres humanos também são, na maioria dos casos, mais vulneráveis face ao risco de nova vitimização durante o processo.

Paralelamente, este artigo reconhece que as vítimas são pessoas que reagem de forma diferente a um crime, apresentando necessidades e graus de vulnerabilidade distintos. Deste modo, uma vítima pode ser vulnerável, apesar de não se inserir numa categoria específica de vítimas vulneráveis. Prevê-se, por conseguinte, a criação de um mecanismo de avaliação individual para garantir a identificação e a protecção adequada de todas as vítimas vulneráveis. Esta abordagem pode ser crucial para facilitar a recuperação de uma vítima e assegurar que beneficia de uma assistência e protecção adequadas durante o processo e ulteriormente. Tal maximiza a prevenção da vitimização secundária ou repetida e dos actos de intimidação, para além de permitir um acesso eficaz à justiça por parte da vítima. Todavia, essa abordagem deve ser aplicada numa medida proporcional à probabilidade de ser instaurado um processo penal e das medidas específicas exigidas pelas vítimas. Em especial, a gravidade do crime e o grau dos danos aparentemente sofridos pela vítima constituem indicadores úteis do âmbito a assumir por qualquer avaliação individual.

Esta avaliação individual deverá determinar as necessidades da vítima durante o processo e a eventual necessidade de orientá-la para os serviços de apoio às vítimas. Os agentes dos serviços públicos que estabelecem os primeiros contactos com a vítima aquando da denúncia de um crime devem beneficiar de formação e ter acesso a orientações, instrumentos ou protocolos adequados, a fim de lhes permitir avaliar as necessidades das vítimas de uma forma coerente.

As avaliações individuais devem ter em conta qualquer elemento susceptível de aumentar a probabilidade de uma vítima sofrer uma nova vitimização ou actos de intimidação durante o processo. Em particular, há que ter em conta os seguintes factores: idade, sexo e identidade sexual, origem étnica, raça, religião, orientação sexual, estado de saúde, deficiência, problemas de comunicação, grau de parentesco ou dependência em relação ao suspeito ou arguido, experiência prévia no que respeita ao crime cometido ou sua natureza, por exemplo, crime de ódio, criminalidade organizada ou terrorismo. As vítimas do terrorismo exigem especial atenção aquando de uma avaliação, atendendo à natureza divergente destes actos, que compreendem desde actos de terrorismo em massa até actos de terrorismo orientados contra indivíduos específicos.

Artigo 19.º — Direito a evitar o contacto entre a vítima e o autor do crime

Este artigo reflecte a abordagem descrita no artigo 8.º da decisão-quadro de 2001 com vista a assegurar que, sempre que uma vítima tiver de assistir a uma audiência em consequência da sua participação num processo penal, são adoptadas medidas adequadas para evitar qualquer contacto entre a vítima e os arguidos ou suspeitos. Diversos meios podem ser utilizados para o efeito: por exemplo, criação de salas de espera separadas e supervisão da chegada das vítimas e dos arguidos. As melhores práticas e as orientações fornecidas aos membros dos serviços públicos podem igualmente constituir uma fonte de informação importante quanto aos meios de evitar os contactos entre as partes.

Artigo 20.º — Direito das vítimas a protecção durante os interrogatórios nos inquéritos penais

Este artigo visa prevenir a vitimização secundária, garantindo que a vítima seja ouvida quanto antes e que a interacção com as autoridades seja tão fácil quanto possível, limitando simultaneamente o número de contactos desnecessários entre a vítima e estas últimas. As decisões quanto ao momento de realizar quaisquer entrevistas deve ter em conta, na medida do possível, as necessidades da vítima, bem como a eventual urgência de recolher os elementos de prova. As vítimas podem ser acompanhadas de uma pessoa de confiança à sua escolha. Esta possibilidade só deve ser limitada em circunstâncias excepcionais e apenas em relação a uma dada pessoa. A vítima deve, nesse caso, ser autorizada a estar acompanhada de outra pessoa à sua escolha.

Artigos 21.º e 22.º — Direito de as vítimas vulneráveis, nomeadamente as crianças, beneficiarem de protecção durante o processo penal

O objectivo destes artigos consiste em assegurar a adopção de medidas adequadas para evitar novos danos, se as vítimas forem identificadas como vulneráveis face ao risco de nova vitimização ou actos de intimidação. Tais medidas devem ser aplicadas durante todo o processo penal, tanto no decurso da fase inicial de investigação ou de instrução como durante o próprio julgamento. As medidas necessárias variarão consoante a fase do processo.

Durante as investigações penais, as entrevistas à vítima devem assegurar-lhe níveis mínimos de protecção. Devem ser realizadas com tacto e os agentes devem ter beneficiado de formação adequada para o efeito. Esta formação deve garantir que têm conhecimento de métodos de entrevista adequados, atendendo à situação específica da vítima, reduzindo ao mínimo qualquer trauma possível e maximizando a recolha de elementos de prova de elevada qualidade. Para o efeito, pode ser necessário, consoante o grau de vulnerabilidade das vítimas, realizar as entrevistas unicamente em instalações adequadas. Pode tratar-se de instalações que permitem entrevistas em vídeo ou simplesmente equipadas de mobiliário adaptado, por exemplo, às crianças ou às pessoas com deficiência.

As vítimas vulneráveis podem considerar o processo de entrevista extremamente traumatizante, sobretudo quando o crime assume uma natureza muito pessoal. Estabelecer um clima de confiança com o entrevistador pode ser importante e exigir um certo período de tempo. Por isso, estes artigos prevêem que, na maioria dos casos, uma vítima vulnerável deve ser sempre entrevistada pela mesma pessoa. São permitidas excepções por razões relacionadas com a boa administração da justiça, como a necessidade urgente de entrevistar um terceiro ou a não disponibilidade do entrevistador habitual. Por razões semelhantes, nos casos de violência sexual, as vítimas devem dispor do direito de ser entrevistadas por uma pessoa do mesmo sexo.

Durante o julgamento em si, a protecção contra a intimidação, seja esta intencional ou não, constitui também um elemento pertinente a ter em conta para determinar as medidas de protecção adequadas. Estes artigos definem medidas mínimas para o efeito e visam minimizar o sofrimento, nomeadamente aquando do depoimento. São previstas medidas para que a vítima possa evitar o contacto visual com o arguido, bem como medidas para excluir os membros do público e a imprensa. Em especial, no intuito de garantir o respeito dos direitos fundamentais de um arguido ou suspeito, a decisão quanto à adopção ou não de tais medidas é deixada ao critério do tribunal. Todavia, o facto de a vítima ser um menor, uma pessoa com deficiência, uma vítima de violência sexual ou do tráfico de seres humanos deve, após uma avaliação individual, constituir um forte indicador da necessidade de medidas de protecção.

Dada a especial vulnerabilidade das crianças, devem igualmente ser previstas e aplicadas medidas adicionais em circunstâncias normais. O artigo 22.º prevê que as entrevistas podem ser gravadas em vídeo e servir de prova perante o tribunal e que, caso necessário, quando uma criança não dispõe de um representante legal, a autoridade judiciária pode proceder à sua designação.

Artigo 24.º — Formação dos profissionais

Este artigo tem como objectivo definir as obrigações em matéria de formação dos funcionários que entram em contacto com as vítimas. O nível, o tipo e a frequência de formação, incluindo qualquer formação especializada, devem ser determinados em função do âmbito e da natureza dos contacto destes funcionários com as vítimas, tendo nomeadamente em conta o facto de entrarem ou não em contacto com certas categorias de vítimas.

A formação deve abranger questões que ajudarão os funcionários a tratar as vítimas com respeito, a identificar as suas necessidades em matéria de protecção e a fornecer-lhe informações adequadas, a fim de as ajudar a fazer face ao processo e a exercer os seus direitos. Essa formação deve abranger aspectos como a consciencialização dos efeitos nefastos do crime sobre as vítimas e o risco de uma vitimização secundária, as competências e o saber-fazer, incluindo certas medidas e técnicas especiais necessárias para assistir as vítimas e minimizar eventuais situações traumáticas para a mesma, em especial as decorrentes de uma vitimização secundária, a identificação e a prevenção de actos de intimidação, ameaças e danos às vítimas, a disponibilização de serviços que prestem informações e uma assistência adaptada às necessidades das vítimas e os meios de aceder a esses serviços.

Além disso, este artigo assegura que todos aqueles que prestam apoio às vítimas ou serviços de justiça reparadora devem igualmente dispor de um nível de formação suficiente para que possam tratar as vítimas com respeito e imparcialidade e os seus serviços sejam consentâneos com as normas profissionais em vigor.

4.           Princípio da subsidiariedade

O objectivo da presente proposta não pode ser suficientemente alcançado apenas pelos Estados-Membros, uma vez que consiste em promover a confiança entre eles, sendo por conseguinte importante adoptar normas mínimas comuns que sejam aplicáveis em toda a União Europeia. A proposta assegurará uma aproximação das regras substantivas dos Estados-Membros em matéria de direitos, apoio e protecção às vítimas da criminalidade, com vista a reforçar a confiança mútua.

Além disso, a vitimização assume uma importante dimensão transfronteiras, atendendo ao grande número de cidadãos da UE que vivem, trabalham e viajam em todo o seu território e que se tornam vítimas da criminalidade quando se encontram no estrangeiro. Nesse tipo de situações, os cidadãos podem enfrentar dificuldades particulares para exercer os seus direitos e o processo penal pode representar uma sobrecarga adicional neste contexto. Os cidadãos devem poder contar com o acesso a um nível mínimo de direitos em toda a UE.

Por conseguinte, a proposta respeita o princípio da subsidiariedade.

5.           Princípio da proporcionalidade

A proposta respeita o princípio da proporcionalidade na medida em que se limita ao mínimo exigido para alcançar os objectivos definidos a nível europeu, não excedendo o necessário para o efeito.

2011/0129 (COD)

Proposta de

DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente

o artigo 82.º, n.º 2,

Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

Após transmissão do projecto de acto legislativo aos parlamentos nacionais,

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu[20],

Tendo em conta o parecer do Comité das Regiões[21],

Deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário,

Considerando o seguinte:

(1) A União Europeia estabeleceu como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça, cuja pedra angular é o reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria civil e penal.

(2) A União está empenhada em assegurar a protecção das vítimas da criminalidade e em estabelecer normas mínimas, tendo adoptado a Decisão‑Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal. No âmbito do programa de Estocolmo, adoptado pelo Conselho Europeu na sua reunião de 10 e 11 de Dezembro de 2009, a Comissão e os Estados-Membros foram convidado a analisar a forma de melhorar a legislação e as medidas de apoio concretas para a protecção das vítimas.

(3) A Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Novembro de 2009, sobre a eliminação da violência contra as mulheres, convidou os Estados-Membros a melhorarem as respectivas legislações e políticas de luta contra todas as formas de violência contra as mulheres e a tomarem medidas para combater as causa desta violência, nomeadamente através de medidas de prevenção, exortando a União a assegurar o direito à assistência e ao apoio a todas as vítimas da violência.

(4) O artigo 82.º, n.º 2, do Tratado prevê o estabelecimento de regras mínimas aplicáveis nos Estados-Membros para facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e judiciária em matérias penais com dimensão transfronteiras. O artigo 82.º, n.º 2, alínea c), designa os «direitos das vítimas da criminalidade» como um dos domínios em que podem ser estabelecidas regras mínimas.

(5) A criminalidade constitui um atentado contra a sociedade, bem como uma violação dos direitos individuais das vítimas. Como tal, as vítimas devem ser reconhecidas e tratadas com respeito, tacto e profissionalismo em todos os contactos estabelecidos com qualquer entidade pública, serviço de apoio às vítimas ou de justiça reparadora, tendo em conta a sua situação pessoal e necessidades imediatas, idade, sexo, deficiência eventual e grau de maturidade e no pleno respeito da sua integridade física, mental e moral. Devem ser protegidas de vitimização secundária e repetida, bem como da intimidação, e beneficiar de um apoio adequado para facilitar a sua recuperação, para além de lhes ser facultado acesso suficiente à justiça.

(6) A presente directiva visa alterar e alargar as disposições da Decisão-Quadro 2001/220/JAI. Dado que as alterações a introduzir são numerosas e substanciais, importa substituir na íntegra a decisão-quadro, por razões de clareza.

(7) A presente directiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Visa nomeadamente promover o direito à dignidade, à vida, à integridade física e mental e à vida privada e familiar, o direito à propriedade e os direitos da criança, dos idosos e das pessoas com deficiência, bem como o direito a um julgamento equitativo.

(8) A presente directiva estabelece normas mínimas. Os Estados-Membros podem alargar os direitos previstos na presente directiva a fim de proporcionar um nível de protecção mais elevado.

(9) Uma pessoa deve ser reconhecida como vítima, independentemente de o autor do crime ter sido identificado, detido, acusado ou condenado e independentemente do vínculo de parentesco entre este último e a vítima. Os familiares das vítimas são igualmente afectados de forma negativa em consequência do crime cometido, nomeadamente os familiares de uma vítima que tenha falecido, tendo um interesse legítimo no processo penal. Por conseguinte, essas vítimas indirectas devem igualmente beneficiar da protecção assegurada ao abrigo da presente directiva. As vítimas necessitam de assistência e de apoio adequados, mesmo antes de denunciarem um crime. Este apoio pode ser crucial tanto para a recuperação da vítima como para a decisão de denunciar, em última análise, o crime.

(10) Sempre que sejam prestadas informações às vítimas, deve ser tomado cuidado suficiente para garantir que as vítimas sejam tratadas com respeito e permitir-lhes tomar decisões fundamentadas quanto à sua participação no processo e à forma de exercer os seus direitos. A este respeito, as informações que permitem às vítimas tomar conhecimento do avanço do processo e do desenrolar do mesmo assumem particular importância. É igualmente importante que as informações permitam às vítimas decidir se devem ou não solicitar o reexame da decisão de não deduzir acusação.

(11) As informações e os conselhos prestados pelas autoridades públicas, serviços de apoio às vítimas e serviços de justiça reparadora devem, na medida do possível, ser prestados através de diferentes meios, de molde a poderem ser entendidos pelas vítimas. Deve ser igualmente assegurado que a vítima possa ser compreendida durante o processo. A este respeito, é de ter em conta o seu conhecimento da língua utilizada para transmitir as informações, a sua idade, maturidade, capacidades intelectuais e emocionais, grau de alfabetização e qualquer deficiência física ou mental, por exemplo visual ou auditiva. De igual modo, é de tomar em consideração qualquer deficiência eventual da vítima em matéria de capacidade de comunicação durante o processo penal.

(12) A justiça só pode ser assegurada de forma eficaz se a vítima puder explicar correctamente as circunstâncias do crime cometido e fornecer o seu depoimento de uma forma compreensível para as autoridades competentes. É igualmente importante assegurar o tratamento respeitoso da vítima e garantir que possa exercer os seus direitos. Por conseguinte, deve ser sempre disponibilizado um serviço de interpretação gratuito durante os interrogatórios da vítima e durante a sua participação nas audiências no tribunal. No que se refere a outros aspectos do processo penal, a necessidade de interpretação e tradução pode variar em função de questões específicas, como o estatuto da vítima, a sua participação no processo e os eventuais direitos específicos de que beneficia. Nestes casos, a interpretação e a tradução devem apenas ser assegurados na medida do necessário para que as vítimas possam exercer os seus direitos.

(13) Independentemente de ser prestado por organizações governamentais ou não governamentais, o apoio deve ser disponibilizado a partir do momento em que o crime é cometido, bem como durante todo o processo penal e após o mesmo, consoante as necessidades da vítima. Deve ser prestado através dos mais diversos meios, sem formalidades excessivas e a sua cobertura geográfica deve ser suficiente, a fim de permitir a todas as vítimas dispor de acesso a tais serviços. Algumas categorias de vítimas, como as vítimas de violência sexual, de crimes em função do género, racistas ou outros crimes de ódio, ou as vítimas do terrorismo podem ter necessidade de serviços de apoio especializados, devido às características específicas do crime de que foram vítimas.

(14) Embora a concessão de apoio não deva ser subordinada à apresentação de uma denúncia pela vítima junto das autoridades competentes, como os serviços policiais, estas autoridades são frequentemente as mais bem colocadas para informar as vítimas acerca da possibilidade de apoio. Os Estados-Membros são assim instados a estabelecer as condições adequadas para que as vítimas sejam orientadas para os serviços de apoio, velando nomeadamente para que os requisitos em matéria de protecção de dados possam ser respeitados.

(15) Qualquer reexame de uma decisão de não deduzir acusação deve ser realizado por uma pessoa ou autoridade diferente daquela que proferiu a decisão inicial. Os mecanismos ou procedimentos que regem esse reexame devem ser aplicados em conformidade com o direito nacional.

(16) Os serviços de justiça reparadora, incluindo por exemplo a mediação entre a vítima e o autor do crime, as conferências em grupo familiar e os círculos de determinação das penas podem igualmente reverter em benefício da vítima, mas exigem a aplicação de salvaguardas para evitar qualquer nova vitimização. Por conseguinte, esses serviços devem atribuir prioridade aos interesses e às necessidades das vítimas, à reparação dos danos causados às mesmas e prevenir a ocorrência de novos danos. Devem ser tomados em consideração factores como o desequilíbrio de forças, a idade, a maturidade ou a capacidade intelectual da vítima, susceptíveis de limitar ou reduzir a sua capacidade de decidir com conhecimento de causa ou que possam comprometer um resultado positivo a seu favor sempre que se trate de remeter um caso para a justiça reparadora ou durante a respectiva tramitação. Apesar de os processos privados deverem, em geral, ser confidenciais, salvo acordo em contrário entre as partes, elementos como as ameaças proferidas durante o processo podem ter de ser divulgados no interesse público.

(17) Algumas vítimas são particularmente vulneráveis durante o processo penal ao risco de vitimização secundária e repetida, bem como a actos de intimidação por parte do autor do crime ou seus cúmplices. Essa vulnerabilidade pode ser, em grande medida, identificada em função das características pessoais da vítima e do tipo ou da natureza do crime. Nesta base, algumas vítimas, como as crianças, as pessoas com deficiência, as vítimas de violência sexual e as vítimas de tráfico de seres humanos encontram-se, na maioria dos casos, mais expostas ao risco de nova vitimização e têm necessidade de medidas de protecção específicas. O acesso a estas medidas de protecção só deve ser restringido em circunstâncias excepcionais, por exemplo quando são ponderados os direitos fundamentais dos arguidos ou suspeitos ou quando a vítima assim o desejar. No caso das vítimas do tráfico de seres humanos, das vítimas de abuso sexual, da exploração sexual e da pornografia infantil, a presente directiva não aborda quaisquer questões neste contexto que tenham sido já objecto de disposições mais específicas e pormenorizadas, constantes de outros instrumentos adoptados ou em vias de negociação.

(18) Para além destas categorias, qualquer pessoa pode ser vulnerável em função das suas características pessoais e do crime cometido. Somente uma avaliação individual, realizada o mais rapidamente possível pelas pessoas em condições de formular recomendações relativamente às medidas de protecção, permitirá identificar essa vulnerabilidade. Esta avaliação deve ter nomeadamente em conta a idade, o sexo, a identidade sexual, a origem étnica, a raça, a religião, a orientação sexual, o estado de saúde, a deficiência, as dificuldades de comunicação, o grau de parentesco ou a dependência face ao suspeito ou arguido, a experiência prévia em matéria de criminalidade, o tipo ou a natureza do crime, como a criminalidade organizada, o terrorismo, os crimes de ódio ou o facto de a vítima ser estrangeira. As vítimas do terrorismo exigem especial atenção aquando de uma avaliação, dada a diversidade destes actos, que vão desde actos de terrorismo em massa até aos actos de terrorismo orientados contra indivíduos específicos.

(19) As vítimas que tenham sido identificadas como vulneráveis devem beneficiar de medidas de protecção adequadas durante o processo penal. A natureza e o âmbito exactos dessas medidas devem ser determinados através de uma avaliação individual, em diálogo com a vítima e no respeito do poder discricionário dos tribunais. As preocupações e os receios da vítima relativamente ao processo devem constituir um factor fundamental para determinar se necessita de eventuais medidas específicas.

(20) Na aplicação da presente directiva, o superior interesse da criança deve constituir a principal consideração, nos termos da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989.

(21) Aquando da aplicação das disposições da presente directiva, os Estados-Membros devem velar para que as pessoas com deficiência beneficiem plenamente dos direitos nela previstos, em condições de igualdade com as demais e em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência, em especial as suas disposições sobre o reconhecimento do direito à igualdade perante a lei, a igualdade de acesso à justiça, o direito de acesso à informação e de acessibilidade às instalações, bem como o direito de não ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes nem ser sujeito a violência e a abusos.

(22) O risco de uma nova vitimização quer pelo autor do crime, quer em resultado da participação no processo penal deve ser limitado, mediante um processo de forma coordenada, que assegure um tratamento respeitoso das vítimas e lhes permita estabelecer um clima de confiança com as autoridades. A interacção com as autoridades deve ser facilitada tanto quanto possível, limitando simultaneamente o número de contactos desnecessários entre estas e as vítimas, por exemplo, recorrendo a gravações em vídeo das entrevistas e autorizando a sua utilização nos processos judiciais. Os profissionais devem poder recorrer a um leque o mais alargado possível de medidas a fim de evitar que seja causado qualquer sofrimento às vítimas durante o processo judicial, nomeadamente em consequência dos contacto visual com o autor do crime, a sua família, cúmplices ou membros do público. Para o efeito, os Estados‑Membros são instados a introduzir, caso necessário, medidas exequíveis e práticas, a fim de permitir integrar nos tribunais zonas de espera separadas, reservadas às vítimas. A protecção da vida privada da vítima pode ser um importante meio de prevenir qualquer nova vitimização e pode ser assegurada através de uma série de medidas, incluindo a não divulgação ou a divulgação limitada de informações relativas à identidade e ao paradeiro da vítima. Essa protecção assume particular importância para as vítimas que sejam menores, nomeadamente a não divulgação do seu nome.

(23) Se, nos termos da presente directiva, tiver de ser nomeado um tutor e/ou um representante da criança, estas funções podem ser desempenhadas pela mesma pessoa ou por uma pessoa colectiva, uma instituição ou uma autoridade.

(24) Qualquer funcionário interveniente no processo penal susceptível de entrar em contacto com as vítimas, deve receber uma formação adequada para identificar e satisfazer as necessidades das vítimas, tanto no quadro de uma formação inicial como contínua, até alcançar um nível adequado em função do contacto que mantém com as vítimas. Deve neste caso incluir uma formação específica, se for caso disso.

(25) Os Estados-Membros devem incentivar e trabalhar em estreita colaboração com as organizações da sociedade civil, nomeadamente as organizações não governamentais reconhecidas e activas, que colaboram com as vítimas da criminalidade, em particular no quadro de iniciativas de definição das políticas, de campanhas de informação e sensibilização, de programas de investigação e educação e em matéria de formação, bem como no domínio do acompanhamento e da avaliação do impacto das medidas destinadas a apoiar e a proteger as vítimas da criminalidade.

(26) Uma vez que o objectivo de estabelecer normas mínimas comuns não pode ser alcançado pelos Estados-Membros agindo individualmente, seja a nível nacional, regional ou local, e pode ser melhor realizado a nível da União, em virtude da escala e dos efeitos potenciais daí decorrentes, a União pode adoptar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade, a que se refere o artigo 5.º do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade enunciado no mesmo artigo, a presente directiva não excede o necessário para atingir esse objectivo.

(27) O tratamento dos dados pessoais no âmbito da execução da presente directiva deve obedecer aos princípios da Decisão-Quadro 2008/977/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, relativa à protecção dos dados pessoais tratados no âmbito da cooperação policial e judiciária em matéria penal[22], e aos princípios estabelecidos na Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, que foi ratificada por todos os Estados-Membros,

(28) A presente directiva não afecta disposições de âmbito mais vasto constantes de outros instrumentos da UE que abordam de forma mais selectiva as necessidades específicas das vítimas particularmente vulneráveis.

(29) [Em conformidade com os artigos 1.°, 2.º, 3.º e 4.º do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o Reino Unido e a Irlanda notificaram o desejo de participar na adopção e aplicação da presente directiva] OU [Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, o Reino Unido e a Irlanda não participam na adopção da presente directiva, não ficando por ela vinculados nem sujeitos à sua aplicação][23].

(30) Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Dinamarca não participa na adopção da presente directiva, não ficando por ela vinculada nem sujeita à sua aplicação,

ADOPTARAM A PRESENTE DIRECTIVA:

Capítulo 1

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Artigo 1º. Objectivos

A presente directiva tem por objecto garantir que todas as vítimas da criminalidade beneficiam de protecção e de apoio adequados, podendo participar no processo penal e ser reconhecidas e tratadas com respeito, tacto e profissionalismo, sem qualquer tipo de discriminação, em todos os contactos estabelecidos com qualquer autoridade pública, serviço de apoio às vítimas ou serviço de justiça reparadora.

Artigo 2.º Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a)      «Vítima»:

i)        qualquer pessoa singular que tenha sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, sofrimento psicológico ou perda material, directamente causados por um crime;

ii)       os familiares de uma pessoa cuja morte tenha resultado de um crime;

b)      «Familiares», o cônjuge, concubino, parceiro registado, familiares em linha directa, irmãos e irmãs e as pessoas a cargo da vítima;

c)      «Concubino», uma pessoa que vive com a vítima no quadro de uma relação estável e contínua, não registada junto de uma autoridade;

d)      «Parceiro registado», o parceiro com o qual a vítima celebrou uma parceria registada, em conformidade com a legislação de um Estado-Membro;

e)      «Serviços de justiça reparadora», os serviços que têm por objectivo reunir a vítima e o arguido, com vista a alcançar um acordo voluntário entre as partes sobre o modo de reparação dos danos causados pelo crime;

e)      «Criança», qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade;

f)       «Pessoa com deficiência», uma pessoa que apresenta uma incapacidade física, mental, intelectual ou sensorial que, em interacção com diversas barreiras, pode obstar à sua participação plena e efectiva na sociedade, em igualdade de condições com as outras pessoas.

Capítulo 2

PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E APOIO

Artigo 3.º Direito de receber informações a partir do primeiro contacto com uma autoridade competente

Os Estados-Membros velarão para que as vítimas recebam as seguintes informações, sem atrasos desnecessários, a partir do seu primeiro contacto com as autoridades competentes para receberem uma denúncia relativa a um crime:

a)      Onde e como apresentar uma denúncia de um crime;

b)      Informações pormenorizadas sobre os serviços ou organizações a que podem dirigir‑se para obter apoio;

c)      O tipo de apoio que podem receber;

d)      Os procedimentos subsequentes à apresentação de uma denúncia de um crime e o papel da vítima nestes procedimentos;

e)      Como e em que condições podem obter protecção;

f)       Em que medida e condições a vítima tem direito a beneficiar de aconselhamento jurídico, apoio judiciário ou qualquer outro tipo de aconselhamento;

g)      Em que medida e condições a vítima tem o direito a uma indemnização, incluindo os prazos para apresentação de um pedido;

h)      Se for residente noutro Estado-Membro, quais os mecanismos especiais de defesa dos seus interesses a que pode recorrer;

i)       Procedimentos para apresentação de uma queixa sempre que os seus direitos não forem respeitados;

j)       Coordenadas de contacto para o envio de comunicações relativas ao processo.

Artigo 4.º Direito de receber informações relativas ao processo

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas são notificadas do seu direito de receber as seguintes informações relativas ao processo e que as recebem se o desejarem:

a)      Qualquer decisão, incluindo os respectivos motivos, de arquivar o processo penal instaurado na sequência da denúncia de um crime apresentada pela vítima, como uma decisão de não prosseguir ou encerrar uma investigação ou de não deduzir acusação ou uma sentença final proferida num julgamento, incluindo qualquer condenação;

b)      Informações que permitem à vítima tomar conhecimento do andamento do processo penal instaurado na sequência da denúncia de um crime apresentada pela vítima, salvo se, em casos excepcionais, tal for susceptível de afectar adversamente o bom desenrolar do processo;

c)      A data e o local do julgamento.

2. Os Estados-Membros asseguram a opotunidade às vítimas de serem informadas do momento em que a pessoa acusada ou condenada por crimes que lhes digam respeito é libertada. As vítimas devem receber esta informação sempre que o desejarem.

3. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas que declararam não pretender receber as informações a que se referem os n.ºs 1 e 2 não as recebem.

Artigo 5.º Direito de compreender e de ser compreendido

Os Estados-Membros tomam medidas para garantir que, aquando dos contactos com as autoridades públicas durante o processo penal, as vítimas são compreendidas e compreendem o que lhes é comunicado, nomeadamente quando essa informação é fornecida pelas referidas autoridades.

Artigo 6.º Direito a interpretação e a tradução

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas que não compreendem nem falam a língua do processo penal beneficiam, se assim o desejarem, de interpretação gratuita durante o processo penal e aquando das entrevistas ou interrogatórios realizados pelas autoridades de investigação e autoridades judiciais, nomeadamente durante os interrogatórios policiais, bem como de interpretação durante todas as audiências no tribunal e eventuais audiências intercalares necessárias.

2. A fim de garantir que as vítimas possam exercer os seus direitos em processo penal, os Estados-Membros asseguram que, nos demais casos e a pedido da vítima, é disponibilizada interpretação gratuita, de acordo com as necessidades das vítimas e o seu papel no processo.

3. Pode recorrer-se a técnicas de comunicação à distância, como a videoconferência, o telefone ou a Internet, se for adequado, a menos que a presença física do intérprete seja necessária para que a vítima exercça correctamente os seus direitos ou compreenda o processo.

4. Os Estados-Membros asseguram que uma vítima que não compreende nem fala a língua do processo penal em causa recebe gratuitamente, se assim o desejar, uma tradução das informações seguintes, na medida em que estas lhe sejam fornecidas:

a)      A denúncia do crime apresentada à autoridade competente;

b)      Qualquer decisão de arquivamento do processo penal relativo ao crime denunciado pela vítima, incluindo pelo menos um resumo das razões dessa decisão;

c)      Qualquer informação indispensável ao exercício dos direitos da vítima durante o processo penal, de acordo com as suas necessidades e o seu papel no processo;

5. Os Estados-Membros asseguram a existência de um procedimento ou mecanismo para comprovar se a vítima compreende e fala a língua do processo penal e se necessita de tradução e da assistência de um intérprete.

6. Os Estados-Membros asseguram que, em conformidade com os procedimentos previstos pelo direito nacional, as vítimas têm o direito de contestar qualquer decisão que negue a necessidade de interpretação ou tradução e, quando estes serviços tiverem sido prestados, a possibilidade de apresentar queixa quanto à qualidade insuficiente da interpretação para exercer os seus direitos ou compreender o processo.

Artigo 7º. Direito de acesso aos serviços de apoio às vítimas

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas e os seus familiares têm gratuitamente acesso aos serviços confidenciais de apoio às vítimas, em função das suas necessidades.

2. Tais serviços fornecem, no mínimo:

a)      Informações, aconselhamento e apoio pertinentes para o exercício dos direitos das vítimas, nomeadamente no que respeita ao acesso a regimes de indemnização pública das vítimas de crimes e ao seu papel no processo penal, incluindo uma preparação para assistirem ao julgamento;

b)      Informações sobre serviços especializados para os quais as vítimas podem ser enviadas, se for caso disso;

c)      Apoio moral e psicológico;

d)      Conselhos sobre questões financeiras e práticas na sequência do crime.

3. Os Estados-Membros facilitam o encaminhamento das vítimas pela autoridade que recebeu a denúncia e outras instâncias competentes para os serviços de apoio às vítimas.

4. Os Estados-Membros promovem a criação ou o desenvolvimento de serviços de apoio especializados, para além dos serviços gerais de apoio às vítimas.

Capítulo 3

Participação no processo penal

Artigo 8.º Direito das vítimas de receberem uma confirmação da sua denúncia

Os Estados-Membros asseguram que as vítimas recebem uma confirmação por escrito de qualquer denúncia por elas apresentada junto de uma autoridade competente do Estado-Membro.

Artigo 9.º Direito de ser ouvido

Os Estados-Membros asseguram que as vítimas podem ser ouvidas durante o processo penal e podem apresentar elementos de prova.

Artigo 10.º Direitos no caso de uma decisão de não deduzir acusação

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas têm o direito de solicitar o reexame de qualquer decisão de não deduzir acusação.

2. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas dispõem de informações suficientes para decidir se solicitam ou não o reexame de qualquer decisão de não deduzir acusação.

Artigo 11.º Direito a garantias no âmbito dos serviços de mediação e outros serviços de justiça reparadora

1. Os Estados-Membros estabelecem normas para garantir a protecção da vítima contra qualquer intimidação ou nova vitimização, aplicáveis em caso de recurso a serviços de mediação ou outros serviços de justiça reparadora. Estas normas devem, no mínimo, prever o seguinte:

a)      Os serviços de mediação ou de justiça reparadora são utilizados apenas no interesse da vítima, com base no seu consentimento livre e informado; este consentimento é revogável a qualquer momento;

b)      Antes de aceitar participar no processo, a vítima recebe informações completas e imparciais sobre o processo e potenciais resultados, bem como informações sobre as modalidades de supervisão da aplicação de qualquer acordo eventual;

c)      A pessoa suspeita ou acusada ou o autor do crime deve ter assumido a responsabilidade pelo acto cometido;

d)      Qualquer acordo deve ser concluído a título voluntário e tido em conta em qualquer processo penal ulterior;

e)      As discussões não públicas no quadro do processo de mediação ou de justiça reparadora são confidenciais e o seu teor não será subsequentemente divulgado, salvo com o acordo das partes ou se o direito nacional assim o exigir devido a um interesse público superior.

2. Os Estados-Membros facilitam o reenvio dos processos aos serviços de mediação ou de justiça reparadora, nomeadamente através do estabelecimento de protocolos sobre as condições de reenvio.

Artigo 12.º Direito a apoio judiciário

Os Estados-Membros asseguram que as vítimas têm acesso a apoio judiciário, em conformidade com os procedimentos previstos na legislação nacional, sempre que forem partes no processo penal.

Artigo 13.º Direito ao reembolso das despesas

Os Estados-Membros, em conformidade com os procedimentos previstos no direito nacional, asseguram às vítimas que participam no processo penal a possibilidade de serem reembolsadas das despesas que suportaram devido à sua participação no processo penal, incluindo as incorridas por assistirem ao julgamento.

Artigo 14.º Direito à restituição de bens

Os Estados-Membros asseguram que os objectos restituíveis pertencentes às vítimas e apreendidos durante o processo penal lhes são devolvidos sem demora, salvo se forem necessários para efeitos do processo penal.

Artigo 15.º Direito a uma decisão de indemnização por parte do autor do crime durante o processo penal

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas têm o direito de obter, num prazo razoável, uma decisão relativa a uma indemnização por parte do autor da infracção no decurso do processo penal.

O disposto no primeiro parágrafo não se aplica quando o direito nacional prevê que a restituição ou a indemnização será assegurada de outra forma.

2. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para incentivar os autores do crime a assegurarem uma indemnização adequada às vítimas.

Artigo 16.º Direitos das vítimas residentes noutro Estado-Membro

1. Os Estados-Membros asseguram que as suas autoridades competentes podem tomar as medidas adequadas para minorar as dificuldades que se deparam às vítimas residentes num Estado que não aquele em que ocorreu o crime, em especial no que se refere à tramitação do processo penal. Para o efeito, as autoridades do Estado-Membro em que o crime foi cometido devem, nomeadamente, estar em condições de:

– Recolher um depoimento da vítima imediatamente após a apresentação da denúncia do crime à autoridade competente;

– Recorrer, na medida do possível, às disposições relativas à videoconferência e à teleconferência previstas na Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados-Membros da União Europeia, de 29 de Maio de 2000, para efeitos de audição das vítimas residentes no estrangeiro.

2. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas de um crime cometido noutro Estado-Membro que não aquele em que residem podem apresentar uma denúncia às autoridades competentes do Estado-Membro de residência sempre que não o possam fazer no Estado-Membro onde o crime foi cometido ou, em caso de crime grave na acepção do direito nacional, se não o desejarem fazer.

3. Sem prejuízo da competência do Estado-Membro que recebe a denúncia, a autoridade competente a que a denúncia foi apresentada deve transmiti-la sem demora à autoridade competente no território em que o crime foi cometido.

Capítulo 4

Reconhecimento dA vulnerabilidade e protecção das vítimas

Artigo 17.º Direito à protecção

1. Os Estados-Membros asseguram a aplicação de medidas para proteger as vítimas e seus familiares de eventuais actos de retaliação, intimidação e vitimização repetida ou adicional.

2. Entre as medidas a que se refere o n.º 1, figuram nomeadamente os procedimentos que permitem a protecção física das vítimas e seus familiares, medidas destinadas a evitar qualquer contacto entre os autores dos crimes e as vítimas nas instalações em que se desenrola o processo penal e medidas para reduzir ao mínimo o risco de danos psicológicos ou morais às vítimas durante o seu interrogatório ou depoimento, garantindo a sua segurança e respeito da sua dignidade.

Artigo 18.º Identificação das vítimas vulneráveis

1. Para efeitos da presente directiva, as seguintes categorias de vítimas são consideradas vulneráveis devido às suas características pessoais :

a)      Crianças;

b)      Pessoas com deficiência.

2. Para efeitos da presente directiva, as seguintes categorias de vítimas são consideradas vulneráveis devido à natureza ou ao tipo de crime de que foram objecto:

a)      Vítimas de violência sexual;

b)      Vítimas de tráfico de seres humanos.

3. Os Estados-Membros asseguram que todas as outras vítimas beneficiam de uma avaliação atempada e individual, em conformidade com os procedimentos nacionais, para determinar se são vulneráveis, devido às suas características pessoais ou ainda às circunstâncias, tipo ou natureza do crime ou ao risco de vitimização secundária ou repetida ou de intimidação.

4. Os Estados-Membros asseguram que todas as vítimas vulneráveis, tal como definidas nos n.ºs 1, 2 e 3, beneficiam de uma avaliação atempada e individual, em conformidade com procedimentos nacionais, para determinar as medidas especiais, previstas nos artigos 21.° e 22.°, de que devem beneficiar. Esta avaliação terá em conta a vontade das vítimas vulneráveis, nomeadamente quando não pretendam beneficiar de medidas especiais.

5. O âmbito da avaliação pode variar em função da gravidade do crime e do grau de danos aparentes sofridos pela vítima.

Artigo 19.º Direito a evitar qualquer contacto entre a vítima e o autor do crime

Os Estados-Membros adoptam progressivamente as condições necessárias para permitir evitar o contacto entre as vítimas e as pessoas acusadas ou suspeitss em qualquer local em que as vítimas podem ter contacto com as autoridades públicas devido à sua qualidade de vítima e, nomeadamente, nas instalações em que decorre o processo penal.

Artigo 20.º Direito das vítimas a protecção durante os interrogatórios nas investigações penais

Os Estados-Membros asseguram que:

a)      As vítimas são entrevistadas sem atrasos injustificados após a apresentação de uma denúncia de um crime às autoridades competentes;

b)      O número de entrevistas às vítimas é reduzido ao mínimo, devendo apenas ser realizadas em caso de estrita necessidade para efeitos do processo penal;

c)      As vítimas podem ser acompanhadas, se for adequado, pelo seu representante legal ou por uma pessoa à sua escolha, salvo decisão fundamentada em contrário relativamente a essa pessoa.

Artigo 21.º Direito das vítimas vulneráveis a protecção durante o processo penal

1. Os Estados-Membros asseguram que as vítimas vulneráveis a que se refere o artigo 18.º beneficiam das medidas previstas nos n.ºs 2 e 3, em conformidade com uma avaliação individual, tal como prevista no artigo 18.º, n.º 4, e no respeito do poder discricionários dos tribunais.

2. Durante a investigação penal, as vítimas vulneráveis beneficiam das seguintes medidas :

a)      As entrevistas com a vítima são realizadas em instalações concebidas ou adaptadas para o efeito;

b)      As entrevistas com a vítima são realizadas por profissionais qualificados para o efeito ou com a sua assistência;

c)      Todas as entrevistas com a vítima são realizadas pelas mesmas pessoas, salvo se tal for contrário à boa administração da justiça;

d)      Todas as entrevistas com as vítimas de violência sexual são realizadas por uma pessoa do mesmo sexo.

3. Durante o processo judicial, as vítimas vulneráveis beneficiam do seguinte:

a)      Medidas destinadas a evitar o contacto visual entre as vítimas e os arguidos, nomeadamente durante o depoimento, mediante recurso a meios adequados, designadamente as tecnologias de comunicação;

b)      Medidas que permitam à vítima ser ouvida na sala de audiências sem estar presente, nomeadamente através do recurso às tecnologias de comunicação adequadas;

c)      Medidas destinadas a evitar qualquer interrogatório desnecessário sobre a vida privada da vítima, não relacionado com o crime; e ainda

d)      Medidas que permitam a realização de uma audiência à porta fechada.

Artigo 22.º Direito das crianças vítimas a protecção durante o processo penal

Para além das medidas previstas no artigo 21.º, os Estados-Membros asseguram, no caso de a vítima ser uma criança, o seguinte:

a)      Nas investigações penais, todas as entrevistas com a vítima podem ser gravadas em vídeo e estas gravações podem, em conformidade com o direito nacional, servir de meio de prova em processo penal;

b)      Nas investigações penais e processos judiciais, as autoridades judiciais designam um representante especial da vítima quando, de acordo com o direito nacional, um conflito de interesses entre os titulares da responsabilidade parental e a vítima os impede de representar a criança ou quando a criança não está acompanhada ou está separada da sua família.

Artigo 23.º Direito à protecção da vida privada

1. Os Estados-Membros asseguram que as autoridades judiciais adoptam, durante o processo judicial, as medidas adequadas para a protecção da vida privada e para impedir as imagens fotográficas das vítimas e seus familiares.

2. Os Estados-Membros tomam medidas destinadas a incentivar os meios de comunicação social a adoptar e a respeitar medidas de auto-regulação a fim de proteger a vida privada das vítimas, a sua integridade pessoal e os seus dados pessoais.

Capítulo 6

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 24.º Formação dos profissionais

1. Os Estados-Membros asseguram que os agentes policiais, os procuradores e o pessoal dos tribunais recebem formação geral e especializada, de nível consentâneo com o seu contacto com as vítimas, a fim de os sensibilizar para as suas necessidades e de as tratarem com imparcialidade, respeito e profissionalismo.

2. Os Estados-Membros asseguram que os profissionais dos serviços judiciários têm acesso a formação geral e especializada, a fim de os sensibilizar para as necessidades das vítimas e de as tratarem com imparcialidade, respeito e profissionalismo.

3. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que todos aqueles que prestam apoio às vítimas ou serviços de justiça reparadora recebem formação adequada, de um nível consentâneo com o seu contacto com as vítimas, e respeitam as normas profissionais em vigor com vista a assegurar que tais serviços sejam prestados com imparcialidade, respeito e profissionalismo.

4. Consoante as funções exercidas e a natureza e o nível dos contactos que o profissional mantém com as vítimas, a formação abrange pelo menos as questões relacionadas com as repercussões do crime sobre as vítimas, os riscos de intimidação, vitimização repetida e secundária e os meios de os evitar e ainda a disponibilidade e a pertinência do apoio às vítimas.

Artigo 25.º Cooperação e coordenação dos serviços

1. Os Estados-Membros cooperam para favorecer uma protecção mais eficaz dos direitos e dos interesses das vítimas no processo penal, quer sob a forma de redes directamente ligadas ao sistema judiciário, quer através de ligações entre organizações de apoio às vítimas, nomeadamente com o apoio das redes europeias que se ocupam das questões relacionadas com as vítimas.

2. Os Estados-Membros velam para que as autoridades que trabalham ou prestam apoio às vitimas colaborem no sentido de assegurar uma resposta coordenada e minorar as repercussões nefastas do crime, os riscos de vitimização secundária ou repetida e o ónus que recai sobre a vítima devido aos seus contactos com os serviços de justiça penal.

Capítulo 7

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 26.º Transposição

1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar [dois anos após a data de adopção].

2. Os Estados-Membros devem comunicar imediatamente à Comissão o texto das disposições do direito nacional que adoptarem no domínio abrangido pela presente directiva, bem como um quadro de correspondência entre as mesmas e a presente directiva.

3. As disposições adoptadas pelos Estados-Membros devem fazer referência à presente directiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades da referência são adoptadas pelos Estados-Membros.

Artigo 27.º Comunicação de dados e estatísticas

Os Estados-Membros comunicam à Comissão Europeia dados relativos à aplicação dos procedimentos nacionais sobre as vítimas da criminalidade o mais tardar [dois anos após a data de adopção].

Artigo 28.º Substituição

A Decisão-Quadro 2001/220/JAI é substituída em relação aos Estados-Membros que participam na adopção da presente directiva, sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros no que respeita aos prazos de transposição para o direito nacional.

No que diz respeito aos Estados-Membros que participam na adopção da presente directiva, as remissões para a decisão-quadro devem entender-se como sendo feitas para a presente directiva.

Artigo 29.º Entrada em vigor

A presente directiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

Artigo 30.º Destinatários

Os destinatários da presente directiva são os Estados-Membros em conformidade com os Tratados.

Feito em Bruxelas, em

Pelo Parlamento Europeu                             Pelo Conselho

O Presidente                                                  O Presidente

[1]               COM(2010) 623.

[2]               JO C 115 de 4.5.2010, p.1; COM(2010) 171.

[3]               2969.ª reunião do Conselho JAI de 23.10.2009, 14936/09 (Presse 306).

[4]               Relatório de 2010 sobre a Cidadania da União – Eliminar os obstáculos ao exercício dos direitos dos cidadãos da UE, COM(2010) 603.

[5]               Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de Maio de 2009, referente ao desenvolvimento de um espaço de justiça penal na União Europeia (INI/2009/2012).

[6]               P_TA (2009)0098.

[7]               JO L 101 de 15.4.2011, p.1.

[8]               JO L […]

[9]               JO L 164 de 22.6.2002, p.3.

[10]             JO L 330 de 9.12.2008, pp.21-23.

[11]             Directiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas e que substitui a Decisão‑Quadro 2002/629/JAI do Conselho.

[12]             Proposta de directiva relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil e que revoga a Decisão-Quadro 2004/68/JAI.

[13]             Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, intitulada «Programa da UE para os direitos da criança», COM (2011) 60 final de 15.2.2011.

[14]             Directiva 2004/80/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade (JO L 261 de 6.8.2004, p. 15).

[15]             Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões intitulada «Estratégia para a igualdade entre homens e mulheres (2010-2015)», COM (2010) 491.

[16]             Decisão-Quadro 2002/475/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo, com a última redacção que lhe foi dada pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI, de 28 de Novembro de 2008 (JO L 330 de 9.12.2008, pp. 21-23).

[17]             Burkhard Hess, «Feasibility Study: The European Protection Order and the European Law of Civil Procedure» (Estudo de viabilidade: a decisão de protecção europeia e o direito europeu de processo civil), disponível dentro em breve no seguinte endereço:http://ec.europa.eu/justice/index_pt.htm.

[18]             Relatório «Victims in Europe» de 2009, resultante do projecto apoiado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) em nome da rede Victim Support Europe (« relatório APAV»).

[19]             Ver, por exemplo, o relatório APAV intitulado «The Implementation of the EU Framework Decision on the standing of victims in the criminal proceedings in the Member States of the European Union» (Aplicação da decisão‑quadro da UE relativa ao estatuto da vítima em processo penal nos Estados‑Membros da União Europeia), Lisboa 2009; relatório do centro búlgaro para o estudo da democracia, projecto ONE: «Member States' legislation, national policies, practices and approaches concerning the victims of crime» (Legislação, políticas, práticas e abordagens dos Estados-Membros relativas às vítimas da criminalidade), Sofia 2009.

[20]             JO C […] de […], p. […].

[21]             JO C […] de […], p. […].

[22]             JO L 350 de 30.12.2008, p. 60.

[23]             O texto final deste considerando da directiva depende da posição adoptada pelo Reino Unido e pela Irlanda, em conformidade com as disposições do Protocolo n.º 21.

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