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Document 52010DC0801

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho» (Segunda fase da consulta dos parceiros sociais a nível europeu ao abrigo do artigo 154.º do TFUE)

/* COM/2010/0801 final */

52010DC0801

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho» (Segunda fase da consulta dos parceiros sociais a nível europeu ao abrigo do artigo 154.º do TFUE) /* COM/2010/0801 final */


[pic] | COMISSÃO EUROPEIA |

Bruxelas, 21.12.2010

COM(2010) 801 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho»(Segunda fase da consulta dos parceiros sociais a nível europeuao abrigo do artigo 154.º do TFUE)

{SEC(2010) 1610 final}

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho»(Segunda fase da consulta dos parceiros sociais a nível europeuao abrigo do artigo 154.º do TFUE)

1. Introdução

A União Europeia tem em vigor normas comuns que regem o tempo de trabalho desde 1993. A partir do ano 2000, estas normas passaram a aplicar-se a todos os sectores da economia. A directiva relativa ao tempo de trabalho é um pilar da Europa social, ao garantir a todos os trabalhadores níveis mínimos de protecção contra horários de trabalho excessivamente longos e o desrespeito dos períodos de descanso. Prevê ainda vários mecanismos de flexibilidade concebidos para ter em conta as condições específicas de certos países, sectores ou trabalhadores. Nos últimos anos, contudo, a eficácia da legislação da UE em matéria de tempo de trabalho foi posta em causa por vários motivos. Algumas das suas disposições estão desactualizadas face às rápidas mudanças dos padrões laborais, o que torna a directiva menos capaz de responder às necessidades dos trabalhadores e das empresas. Acresce que as dificuldades encontradas na aplicação de algumas das suas disposições ou dos acórdãos do Tribunal de Justiça geraram situações de incerteza jurídica, quando não mesmo derrapagens no cumprimento de certos aspectos importantes dessa legislação. Daí a urgência da revisão da directiva, que a Comissão está determinada a levar a cabo em conformidade com os princípios de uma regulamentação mais inteligente.

Em conformidade com o artigo 154.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a presente comunicação visa conhecer as posições dos parceiros sociais a nível da UE sobre o conteúdo da acção que se pretende levar a cabo à escala da UE para alterar a Directiva Tempo de Trabalho[1], bem como apurar do seu interesse em encetar negociações, tal como disposto no artigo 155.º.

Em 24 de Março de 2010, a Comissão adoptou uma comunicação que lançava a primeira fase dessa consulta[2]. A comunicação relembrava a difícil situação decorrente do malogro na obtenção de acordo dos co-legisladores em relação a uma anterior revisão da directiva[3] e convidada os parceiros sociais da UE a darem conta da sua experiência com a directiva actual e a descreverem o tipo de regras em matéria de tempo de trabalho que seria necessário adoptar a nível da UE para fazer face às realidades económicas, sociais, tecnológicas e demográficas do século XXI.

A presente comunicação reúne os principais resultados da primeira fase da consulta dos parceiros sociais da UE, bem como os dados mais relevantes de estudos recentes sobre tendências e modelos de tempo de trabalho e o impacto económico e social da directiva. Apresenta ainda as principais opções para uma proposta legislativa de alteração. Deve ser considerada em conjunto com o relatório da Comissão sobre a aplicação da directiva (adoptado em simultâneo), o qual analisa o cumprimento pelos Estados-Membros das regras em matéria de tempo de trabalho e identifica os principais domínios em que se verificam situações de incumprimento ou de incerteza jurídica. A fim de facilitar o trabalho dos parceiros sociais na preparação das respectivas respostas à presente consulta, a Comissão vai publicar os resultados de todos os estudos e inquéritos[4] que utilizou para elaborar a presente comunicação.

2. A primeira fase da consulta dos parceiros sociais [5]

VERIFICA-SE AMPLO CONSENSO ENTRE OS PARCEIROS SOCIAIS EM TORNO DO FACTO DE SE TER ASSISTIDO, NOS ÚLTIMOS 20 ANOS, A IMPORTANTES MUDANÇAS NO MUNDO LABORAL QUE AFECTAM SIGNIFICATIVAMENTE A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO. NÃO OBSTANTE, HÁ FORTES DIVERGÊNCIAS QUANTO ÀS CONSEQUÊNCIAS DESTAS MUDANÇAS PARA A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO. OS EMPREGADORES TENDEM A CONSIDERAR QUE ESTAS MUDANÇAS EXIGEM ALTERAÇÕES NA ESFERA LEGISLATIVA NO SENTIDO DE UMA MAIOR FLEXIBILIDADE DO TEMPO DE TRABALHO, ENQUANTO OS SINDICATOS DEFENDEM UM REFORÇO DA PROTECÇÃO JURÍDICA DOS TRABALHADORES.

Os empregadores do sector privado evidenciam factores como a concorrência acrescida, a globalização, a passagem da indústria para os serviços, a volatilidade dos mercados e a evolução tecnológica, com particular relevo para a intensificação do uso das tecnologias da informação e comunicação.

Os empregadores do sector público sublinham, em especial, as suas obrigações de prestarem serviços permanentes de qualidade aos cidadãos vulneráveis, a procura galopante de serviços de saúde e de cuidados decorrente de factores demográficos, a dificuldade em conter custos em alta perante condicionalismos orçamentais exacerbados pela crise actual, e a escassez crónica de profissionais de saúde qualificados.

Os sindicatos evidenciam a intensificação do trabalho, o desenvolvimento do trabalho precário e os efeitos nefastos de horários de trabalho excessivos para a saúde e a segurança, assim como para a qualidade e a produtividade do trabalho. Destacam os problemas resultantes de horários de trabalho prolongados quando se trata de conciliar vida profissional e familiar e de fomentar a participação na vida activa. No tocante ao sector da saúde, os sindicatos argumentam que o recurso a horários de trabalho prolongados só agrava os problemas de recrutamento e fidelização de pessoal.

Vários parceiros sociais sectoriais evidenciam características distintivas dos respectivos sectores que devem ser consideradas na regulamentação do tempo de trabalho. Contudo, as opiniões divergem quanto ao tipo de alterações que devem ser introduzidas na directiva actual. São as seguintes as principais características salientadas: a sazonalidade, os padrões laborais especiais no sector das artes do espectáculo, a disponibilização de alojamento no local de trabalho, o trabalho autónomo e o trabalho do conhecimento ( knowledge work) , o trabalho em áreas remotas, a prestação de serviços permanentes, as funções críticas em termos de segurança, as flutuações rápidas da procura, o aumento do trabalho a tempo parcial, as pressões devidas aos custos e à concorrência global e a escassez de competências.

Em termos gerais, os empregadores concordam com a análise apresentada no documento de consulta da Comissão. Organizações como a Business Europe, a UEAPME e o CEEP acolheram favoravelmente a perspectiva mais vasta proposta para a actual revisão. Contudo, a Business Europe e a UEAPME argumentam que a importância da questão do tempo de permanência devia ser reconhecida tanto para o sector privado como para o sector público. Várias organizações de empregadores sublinham também que a flexibilidade podia ser benéfica tanto para os trabalhadores como para os empregadores e que lhe não deviam ser associadas conotações negativas.

Em contrapartida, a CES e outros sindicatos mostram-se críticos em relação à análise global da Comissão. Consideram que a Comissão não teve em devida conta a importância legal da regulamentação do tempo de trabalho, nem o objectivo do Tratado de preservar e melhorar a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores. Afirmam ainda que a directiva não está a funcionar eficazmente nos Estados-Membros porque a Comissão não cumpriu as suas obrigações de defender e fazer aplicar a legislação da UE. A CES e a EPSU (Federação Europeia de Sindicatos de Serviço Público) não aceitam a ideia que os empregadores ou os serviços públicos tenham de fazer face a obstáculos insuperáveis para aplicar os acórdãos SIMAP-Jaeger.

Os principais parceiros sociais interprofissionais concordam com a necessidade de rever a directiva. Contudo, há diferenças significativas entre empregadores e sindicatos em relação ao seu contexto, âmbito de aplicação e objectivos.

Enquanto a Business Europe é contrária a que se regulamente o tempo de trabalho à escala da UE, a UAPME considera que a legislação da UE é importante para garantir condições de igualdade para as pequenas e médias empresas. Todas as organizações interprofissionais de empregadores concordam que as regras actuais são demasiado rígidas e complexas e sublinham a necessidade de alterar, em particular, a jurisprudência SIMAP-Jaeger , assim como certos acórdãos recentes em matéria de férias anuais remuneradas[6].

A Business Europe considera que seria útil alargar para 12 meses o período de referência, mas acha que a revisão não deveria abranger mais nenhum aspecto; por outro lado, reputa de crucial que se mantenha o opt-out . O CEEP e a UEAPME poderiam aceitar que a revisão abranja outras questões e consideram que o alargamento a 12 meses do período de referência e uma alteração da jurisprudência SIMAP-Jaeger reduziriam substancialmente o recurso ao opt-out.

Os empregadores do sector público sublinham a necessidade de uma revisão «abrangente» das disposições relativas ao tempo de trabalho como questão prioritária, tendo em vista as imensas implicações para o funcionamento dos serviços públicos. Consideram que a jurisprudência SIMAP-Jaeger deve ser o principal alvo, mas estão também abertos a uma melhoria da protecção dos trabalhadores contra longos ou penosos períodos de trabalho e da conciliação da vida profissional e familiar. Todos manifestam reservas em relação a eventuais alterações ao opt-out, ainda que o CEEP lamente a sua rápida difusão nos serviços púbicos e considere que a sua utilização não serve os interesses dos empregadores, dos trabalhadores ou dos utentes dos serviços.

Por outro lado, os sindicatos sublinham que as disposições relativas ao tempo de trabalho assentam nos direitos sociais fundamentais consagrados no Tratado e na Carta da UE. Em consequência, qualquer revisão deverá, de um modo geral, respeitar esses direitos e tê-los por base, a fim de melhorar a protecção de que os trabalhadores actualmente dispõem. Há também que valorizar devidamente as posições assumidas pelo Parlamento e os sindicatos durante as discussões interinstitucionais relativas à anterior proposta de alteração.

Tanto a CES como a EPSU estão abertas a uma revisão global, mas defendem que as alterações só são desejáveis se tiverem por objectivo verdadeiro pôr fim ao opt-out. A revisão deve ir no sentido de fazer aplicar o limite de horas por trabalhador e de limitar a derrogação prevista para os «trabalhadores autónomos». Deve tentar encontrar soluções equilibradas e sustentáveis para o tempo de permanência, devendo estas respeitar e ter por base a jurisprudência SIMAP-Jaeger, sem alterar a definição de tempo de permanência ou de tempo de trabalho. Se a maior parte das organizações que representam os profissionais da saúde partilha desta opinião, remetendo para os estudos sobre a saúde e a segurança que estão na base da directiva, uma minoria de organizações de médicos defendem que estes devem poder, com base no consentimento individual, trabalhar até 65 horas por semana. A CES mostrou também interesse em que a problemática da conciliação da vida profissional e familiar seja abordada e que os trabalhadores possam ter maior influência nos padrões de tempo de trabalho.

As respostas dos parceiros sociais sectoriais tendem a reflectir as posições expressas pelas organizações interprofissionais de empregadores e pelos sindicatos, respectivamente. Contudo, alguns desses parceiros sociais sectoriais (organizações de empregadores dos sectores da hotelaria e restauração, pesca de mar, banca, plataformas petrolíferas, gasodutos e segurança privada) consideram que a directiva não necessita de ser alterada.

As organizações de bombeiros também apoiam a jurisprudência SIMAP-Jaeger . Contudo, defendem uma flexibilização das regras aplicáveis aos períodos de descanso, tendo em vista manter o modelo tradicional de turnos de 24 horas, considerado adequado às necessidades específicas dos serviços de bombeiros, ainda que sujeita a estudos posteriores dos possíveis efeitos para a segurança e a saúde. Algumas destas organizações dizem aceitar, sob certas condições, uma continuação temporária do opt-out. Alguns advogam que a alteração da directiva deveria excluir os bombeiros voluntários do seu âmbito de aplicação.

A EUROMIL, uma organização de trabalhadores em forças de defesa, argumentou que estes devem ser efectivamente abrangidos pela directiva e que a jurisprudência SIMAP-Jaeger deve ser aplicada.

No que se refere à necessidade de outras formas de acção à escala da UE, a CES e a EPSU defendem que a Comissão deve tomar todas as medidas necessárias contra os Estados-Membros não cumpridores, incluindo a instauração de processos por infracção. Apoiam também medidas que fomentem melhorias nos recursos humanos e materiais dos serviços nacionais de inspecção do trabalho. Em contrapartida, nove organizações europeias de médicos manifestaram-se, em resposta conjunta, contra a instauração de processos por infracção. Em várias respostas. a Comissão é instada a apoiar a análise e/ou o intercâmbio de boas práticas.

Os parceiros sociais interprofissionais da UE manifestam diversos graus de disponibilidade para encetar negociações ao abrigo do artigo 155.º do TEFU, antes ou durante a segunda fase da consulta. A Business Europe e a UEAPME mostram clara preferência por soluções interprofissionais, dado a natureza ampla das questões em jogo. Contudo, a CES exige que as posições patronais se aproximem significativamente das suas (em especial no que se refere à delicada questão do opt- out) antes de considerar qualquer hipótese de negociação.

No sector público, ao CEEP defende com vigor que sejam encontradas soluções para os serviços públicos através de negociações intersectoriais. O CEMR (Conselho dos municípios e regiões europeias) e a HOSPEEM (Associação Europeia de Empregadores Hospitalares e de Saúde), duas organizações filiadas no CEEP, têm posições compatíveis. Contudo, a EPSU insiste com os Estados-Membros ou com os empregadores do sector público para que suspendam todos os opt-out em curso antes que possam decidir encetar negociações.

Os parceiros sociais de outros sectores, com algumas excepções, não mostram interesse na negociação sectorial ou consideram que a mesma é prematura.

3. Principais padrões e tendências que caracterizam o tempo de trabalho [7]

Os padrões do tempo de trabalho evoluíram nos últimos vinte anos em resultado da influência combinada de factores como as mudanças tecnológicas, a globalização, a reestruturação das empresas e da organização do trabalho, a importância acrescida dos serviços, a maior diversidade da mão de obra e uma maior individualização dos estilos de vida e das atitudes perante as carreiras profissionais. Ainda que as prescrições mínimas da directiva favoreçam uma maior coerência na UE e tenham sido essenciais para reduzir a duração média do trabalho, a diversidade dos padrões do tempo de trabalho persiste e continuará a ser a regra entre Estados-Membros, entre actividades e entre grupos de trabalhadores.

Assiste-se a uma tendência geral para a redução gradual do tempo médio de trabalho na UE: das 40,5 horas em 1991 na CE-12, passou-se para 37,5 horas em 2010 na UE-27[8]. Contudo, esta situação fica em grande parte a dever-se a um aumento constante do número de pessoas a trabalhar a tempo parcial: de 15,9% da mão-de-obra em 1998 para 18,2% em 2008[9]. A média de horas trabalhadas a tempo inteiro na UE permaneceu praticamente inalterada desde 2000.

A média anual de horas trabalhadas varia ainda consideravelmente na Europa. Não há sinais de tendências convergentes e é pouco provável que este panorama se altere num futuro próximo. O número médio de horas trabalhadas oscila entre menos de 1 400 (Países Baixos) e mais de 2 100 (Grécia)[10]. Curiosamente, o número de horas trabalhadas parece ser clara e inversamente proporcional aos níveis de produtividade horária nos Estados-Membros. Enquanto a norma da semana de 40 horas prevalece ainda na maior parte dos Estados-Membros, alguns parecem estar a desenvolver perfis específicos com maior dispersão de horas trabalhadas por semana (em especial o Reino Unido, mas também a Irlanda, os Países Baixos, a Alemanha e os países nórdicos)[11]. Acresce que 9% dos trabalhadores por conta de outrem (em especial homens) ainda trabalham, em média, mais do que 48 horas por semana, ainda que esta percentagem tenha vindo a diminuir[12].

As principais alterações actualmente em curso estão mais relacionadas com a flexibilização da organização do tempo de trabalho do que com a sua duração. As últimas duas décadas testemunharam a expansão de formas flexíveis de organização do tempo de trabalho, tais como os horários desfasados, o flexitime¸ a capitalização do tempo de trabalho, o teletrabalho, para além do trabalho a tempo parcial. A adaptação a esta evolução pressupõe que se favoreçam as soluções individualizadas, muitas vezes negociadas ao nível de empresa, dentro dos limites de um quadro regulamentar comummente aceite. Contudo, esta passagem para modelos de trabalho mais flexíveis e para horários de trabalho individualizados está mais patente nos Estados-Membros setentrionais e ocidentais do que nos outros.

A flexibilidade acrescida em termos de tempo de trabalho tem sido, em grande parte, induzida pelas necessidades das empresas, em razão da maior volatilidade dos mercados, do aumento da concorrência global e de uma maior atenção prestadas às exigências do consumidor/cliente. A reestruturação da cadeia de valor por parte das empresas tenderá a deslocar as exigências de flexibilidade para subcontratantes ou unidades a jusante da cadeia de valor e respectivos trabalhadores, criando assim um processo dual, em que novas formas de knowledge work coexistem com técnicas de produção repetitivas e intensivas[13].

Contudo, uma maior flexibilidade do tempo de trabalho é tida por desejável por muitos trabalhadores, em especial aqueles que têm responsabilidades familiares e que procuram conciliar melhor as obrigações profissionais com a vida pessoal[14]. A crescente diversidade da força de trabalho (com mais trabalhadores nas faixas etárias superiores, mas sobretudo mais mulheres) constitui um importante impulso para uma maior individualização dos padrões do tempo de trabalho. Pode, por conseguinte, exercer uma influência positiva nas taxas de actividade das mulheres e dos trabalhadores mais velhos[15]. Contudo, o grau em que os trabalhadores podem controlar ou influenciar a organização do seu trabalho varia muito, não só consoante o Estado-Membro, mas também consoante os trabalhadores. Em particular, os trabalhadores altamente qualificados e intelectuais, assim como os que têm empregos intensivos em conhecimento e comunicação, parecem ser capazes de tirar mais vantagens dos horários flexíveis do que os trabalhadores manuais, já que podem controlar melhor o respectivo tempo de trabalho.

O trabalho a tempo parcial e as formas flexíveis de organização do trabalho são apenas dois exemplos de crescente diversidade dos modelos de tempo de trabalho. O número significativo de pessoas em regime de teletrabalho[16], trabalho por turnos (17%), trabalho tardio/nocturno (10% pelo menos três vezes por mês)[17], trabalho aos sábados/domingos (53% pelo menos uma vez por mês), assim como o fenómeno não quantificado mas em expansão, de «levar trabalho para casa» compõem um quadro geral de padrões de trabalho cada vez mais diversificados na Europa. O número de trabalhadores com vários empregos (3,8% da força de trabalho[18]) é outro exemplo de flexibilidade.

Esta tendência deverá reforçar-se no futuro, já que ambas as partes na relação de emprego procurarão uma organização do tempo de trabalho mais «à medida» e individualizada. As mudanças na organização do trabalho facilitadas pela generalização do uso de tecnologias digitais permitem que esta tendência se afirme. Ainda que potencialmente geradora de soluções vantajosas para todos, esta tendência pode contudo comportar riscos para os trabalhadores do século XXI, já que alguns serão mais vulneráveis às consequências negativas da intensificação do trabalho e da atenuação da fronteira entre a casa e o trabalho[19].

4. Os principais efeitos sociais e económicos da directiva [20]

O PRINCIPAL OBJECTIVO DA DIRECTIVA É PROTEGER OS TRABALHADORES CONTRA HORÁRIOS DE TRABALHO EXCESSIVOS E O DESRESPEITO PELOS PERÍODOS DE DESCANSO. HÁ INDÍCIOS SUFICIENTES E FIDEDIGNOS QUE DEMONSTRAM QUE RITMOS DE TRABALHO EXCESSIVAMENTE LONGOS, PERÍODOS MÍNIMOS DE DESCANSO NÃO RESPEITADOS E HORÁRIOS DE TRABALHO ATÍPICOS PODEM TER EFEITOS NEFASTOS PARA A SAÚDE E A SEGURANÇA TANTO DOS TRABALHADORES EM QUESTÃO COMO DO PÚBLICO EM GERAL. O EQUILÍBRIO DA VIDA PROFISSIONAL E FAMILIAR PODE SER PREJUDICADO POR HORÁRIOS IRREGULARES OU ATÍPICOS. EM ESPECIAL, A INTERACÇÃO DE FACTORES CUMULATIVOS COMO OS HORÁRIOS EXCESSIVOS E O TRABALHO POR TURNOS PODE TER EFEITOS GRAVES PARA A SAÚDE E A SEGURANÇA.

Este aspecto é particularmente relevante para o sector da saúde. Por um lado, a segurança dos doentes tem de ser preservada, garantindo que os serviços de saúde e de emergência não são prestados por trabalhadores cujas competências e aptidões estão diminuídas por cansaço e stress resultantes de horários prolongados. Por outro lado, o sector enfrenta já uma situação de escassez de profissionais qualificados que se acentuará no futuro, a não ser que sejam tomadas medidas adequadas para a corrigir. Para recrutar e fidelizar profissionais da saúde, é importante tornar mais aliciantes as condições de trabalho. Ritmos de trabalho razoáveis e equilíbrio da actividade profissional com a vida privada, são aspectos cruciais neste contexto.

Comparativamente há menos dados sobre o impacto da directiva na economia e nas empresas, uma questão que não deve ser negligenciada na actual situação dos mercados de trabalho. Assim é, provavelmente, porque os agentes económicos há muito que integraram as regras do tempo de trabalho no seu comportamento.

Estudos revelam que às empresas interessa o efeito que a regulamentação do tempo de trabalho pode ter na competitividade e na capacidade para fazer face a flutuações sazonais, entre outras, na respectiva actividade, em especial tendo em conta a dificuldade em recrutar pessoal em períodos de pico de actividade. Daí a necessidade de recorrer a esquemas de flexibilidade, como a consideração de uma média do tempo de trabalho (geralmente em períodos inferiores ou iguais a 4 meses, mas também superiores a 12 meses) que, segundo muitas das respostas recebidas, deveria ser alargada. Só uma minoria de empresas recorre ao trabalho em regime de permanência no local de trabalho, mas para aquelas que o fazem, a contagem integral do tempo de permanência como tempo de trabalho criaria grandes problemas.

As empresas de países onde o opt-out é de alguma forma usado pretendem que essa faculdade continue. Uma percentagem significativa de empresas têm pessoal a trabalhar mais do que 48 horas por semana, em especial para responder a flutuações sazonais e prestar serviços contínuos fora das horas normais de trabalho. Curiosamente, poucas são as empresas que pedem realmente o consentimento escrito dos respectivos trabalhadores para esse efeito, o que sugere lacunas a nível do conhecimento e do respeito pelas regras.

Nos serviços públicos (saúde, cuidados residenciais, serviços de combate a incêndios e polícia), os condicionalismos sobre as despesas públicas, a maior procura de serviços e a escassez, à escala mundial, de trabalhadores qualificados levou os empregadores a procurar formas de contornar as disposições da directiva relativamente ao tempo de permanência e ao descanso compensatório.

O actual quadro legislativo é considerado geralmente favorável aos trabalhadores, já que lhes dá meios de negociar ou usufruir de melhores condições de trabalho e de remuneração em mercados onde a oferta é incapaz de responder à procura adicional de pessoal especializado. Contudo, em alguns casos, sem a possibilidade do opt-out pode também haver perdas de rendimento. Esta faculdade pode agir também como catalisador de ganhos de eficiência e de medidas destinadas a melhorar o equilíbrio da vida profissional e familiar para os trabalhadores e a qualidade dos serviços para os cidadãos.

O opt-out é utilizado tanto no sector público como no privado, essencialmente quando a continuidade dos cuidados ou dos serviços é tornada necessária ou exigida por condições concorrenciais. O opt-out não é considerado uma opção fácil para escapar aos requisitos da directiva, mas tem sido utilizado como instrumento de flexibilidade, em especial no sector público, para adequar determinadas actividades, parcos recursos e formas específicas de trabalho atípico. Há também provas de que o opt-out tem sido utilizado em certos casos para as empresas se protegerem contra a escassez de pessoal em períodos críticos.

5. Opções para a revisão

As principais disposições da Directiva Tempo de Trabalho também estão consagradas na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a qual estabelece, no artigo 3.º, n.º 1:

«Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas» .

Acresce que o Tribunal de Justiça repetidas vezes deliberou que as prescrições da Directiva relativas ao tempo de trabalho máximo, às férias anuais remuneradas e aos períodos mínimos da descanso «constituem princípios do direito social comunitário que revestem especial importância e de que deve beneficiar cada trabalhador» [21].

A Comissão dá o devido peso a estas considerações[22]. Também a grande maioria dos parceiros sociais europeus pretende conservar um número mínimo de regras à escala da UE e reconhece que estas desempenham um importante papel social e económico. Com efeito, nenhuma das respostas apelou a alterações do quadro normativo actual, ainda que muitas defendessem maior flexibilidade no que respeita à sua aplicação.

Em consequência, a Comissão não irá enveredar pela opção de acabar com os requisitos mínimos ao nível da UE para regulamentar o tempo de trabalho à escala local e/ou nacional.

Amplo consenso emerge das respostas dos parceiros sociais da UE quanto à urgência de mudanças nas disposições actuais que regem o tempo de trabalho. Esta é também a posição da Comissão, já expressa no documento que lançou a primeira fase da consulta e no relatório de aplicação.

Em consequência, a Comissão não irá enveredar pela opção de manter o status quo.

Existe também um importante consenso quanto ao facto de as disposições da UE que regulam o tempo de trabalho permitirem maior flexibilidade aos parceiros sociais em questão para negociarem os detalhes da aplicação ao nível adequado. Algumas respostas consideram que a regulamentação à escala da UE devia ser mais clara, mais simples e aplicada de forma a proteger com maior eficácia a saúde e a segurança, reduzindo ao mesmo tempo encargos administrativos desnecessários (em especial para as PME)[23] e reforçando a competitividade.

Contudo, as opiniões dos parceiros sociais da UE continuam a divergir sobre os principais factores que devem determinar as mudanças a introduzir nas disposições relativas ao tempo de trabalho. Em consequência, não foi possível chegar a um consenso sobre quais deveriam ser as prioridades para a revisão ou sobre o conteúdo de qualquer futura directiva alterada.

A Comissão deve prosseguir, considerando duas grandes opções: uma revisão direccionada (5.1) ou um conjunto mais exaustivo de alterações (5.2) sobre as questões evidenciadas pelos parceiros sociais.

5.1. Revisão direccionada

A primeira opção consiste em propor novas soluções, centradas nas questões do tempo de permanência e períodos de descanso compensatório, e abordar as dificuldades encontradas na implementação do acórdão SIMAP-Jaeger[24] que muitos intervenientes referiram. Das respostas se depreende claramente que estas duas questões assumem particular importância para os serviços públicos que têm de assegurar a continuidade das prestações de modo permanente (por exemplo, os cuidados de saúde, os cuidados residenciais e os serviços de combate a incêndios e de emergência). Também é claro que estão na origem de um número considerável de casos de incumprimento ou de incerteza jurídica[25].

As soluções privilegiadas variam, de certo modo, consoante os parceiros sociais, os vários serviços públicos e os Estados-Membros. A ideia seria definir um quadro comum à escala da UE que permitisse soluções negociadas a nível local ou sectorial tendo em vista a protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores e dos utentes, assim como a prestação de serviços de elevada qualidade. Dado que o trabalho em regime de permanência (nos termos em que a jurisprudência do Tribunal o define) se concentra com elevada incidência em certos sectores, a Comissão poderia também considerar uma solução que passe por negociações sectoriais à escala europeia. Contudo, trata-se de uma questão a decidir de forma autónoma pelos parceiros sociais.

i) Tempo de permanência

Uma solução equilibrada para o tratamento do tempo de permanência poderia partir do reconhecimento do princípio de que todo o tempo de permanência em que o trabalhador deve estar disponível no local de trabalho para prestar serviço em caso de necessidade corresponde a tempo de trabalho na acepção da directiva e não pode ser considerado como tempo de descanso[26]. Esta solução manteria válidos os princípios decorrentes dos acórdãos SIMAP e Jaeger. Contudo, propõe-se introduzir uma derrogação, circunscrita a sectores em que é necessário garantir a continuidade dos serviços, que permitiria que os períodos de permanência fossem contabilizados de forma diferente (ou seja, nem sempre numa base horária, mas segundo o princípio da equivalência), com a consideração de certos limites semanais máximos e desde que aos trabalhadores em questão seja garantida protecção adequada.

Uma tal solução responderia a padrões de actividade muito diferentes durante o tempo de permanência em sectores e actividades distintos e nos vários Estados-Membros. Daria aos parceiros sociais a flexibilidade necessária para encontrar soluções a nível local ou sectorial e identificar o método mais apropriado para a contabilização do tempo de permanência. Partiria da interpretação do Tribunal no acórdão Dellas[27], mas não exigiria a introdução de uma nova distinção entre períodos «activos» e «inactivos» de tempo de permanência.

No que respeita ao tempo de permanência fora do local de trabalho, a situação jurídica manter-se-ia idêntica à que decorre do acórdão SIMAP [28]: só os períodos passados em resposta a uma chamada seriam contabilizados como tempo de trabalho, ainda que o tempo de espera em casa possa ter um tratamento mais favorável nas legislações nacionais ou nos acordos colectivos.

Importa esclarecer em que condições a derrogação resultante do principio da equivalência proposta supra se aplicaria a situações especiais, em que a residência do trabalhador é fornecida no local de trabalho, no quadro do seu emprego, a fim de que possa estar disponível para chamadas ocasionais[29].

ii) Descanso compensatório

Seriam necessário introduzir novas disposições para clarificar a programação do descanso compensatório diário e semanal. No acórdão Jaeger, o Tribunal considerou que os períodos mínimos de descanso diário perdidos deviam ser gozados imediatamente após o termo do turno de trabalho alargado e, sempre, antes do início do período de trabalho seguinte (descanso compensatório imediato). No que se refere à recuperação do descanso semanal perdido, a situação legal não é tão clara.

Muitas respostas defendem maior flexibilidade na programação do descanso compensatório. Contudo, estudos recentes confirmam os graves efeitos para a saúde e a segurança provocados pelo adiamento do gozo dos períodos mínimos de descanso diário ou semanal. Reconhece-se que é necessária maior flexibilidade para todo um conjunto de situações específicas. Contudo, esta flexibilidade deverá ser cuidadosamente limitada a situações em que é necessária por razões objectivas e estar condicionada à aplicação de medidas gerais de protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores em questão.

O Tribunal de Justiça considerou recentemente[30] que, em situações muito especiais em que a prestação de cuidados residenciais ao longo de um período limitado pressupõe uma relação de confiança com um dado indivíduo, poderá ser objectivamente impossível garantir a alternância de períodos de trabalho e de descanso diário com a regularidade normal. Contudo, sublinhou que uma tal excepção estaria condicionada ao facto de o trabalhador beneficiar de protecção alternativa adequada que garanta repouso e recuperação suficientes.

A questão de o descanso semanal dever ser gozado ao domingo e não noutro dia da semana é muito complexa e suscita interrogações quanto aos efeitos em termos de saúde, segurança e equilíbrio entre trabalho e vida familiar, para além de questões de natureza social, religiosa ou educativa. Todavia, não decorre necessariamente deste facto que o assunto constitua matéria adequada para legislação da UE, já que, atendendo às outras questões que suscita, parece aplicar-se o princípio da subsidiariedade.

5.2. Revisão exaustiva

A segunda opção consiste em propor um conjunto mais exaustivo de alterações e abordar as questões do tempo de permanência e dos períodos de descanso compensatório. Esta opção permitiria que a revisão tivesse mais em conta a mudança dos padrões e das tendências da organização do trabalho e atendesse aos problemas de saúde e segurança que resultam de períodos de trabalho excessivamente longos. Alguns parceiros sociais pretendem que sejam tratadas as questões a seguir referidas.

i) Maior flexibilidade para novos padrões de trabalho

As regras da UE devem responder à tendência continuada para formas mais flexíveis de organização do trabalho e para a individualização dos horários laborais. Com isto pretende-se conseguir uma flexibilidade bem direccionada e sustentável das regras em matéria de tempo de trabalho que promova a produtividade e a competitividade, ao mesmo tempo que garanta mais protecção contra riscos para a saúde e a segurança.

As opções detalhadas a seguir indicadas no que se refere aos trabalhadores autónomos, equilíbrio entre vida profissional e familiar e contratos de emprego múltiplos, dizem respeito sobretudo aos comentários dos parceiros sociais sobre estas questões.

Poderão ser igualmente consideradas as mudanças a seguir indicadas, sob reserva de garantias de protecção da saúde e da segurança:

- Maior flexibilidade para decidir disposições relativas a tempo de trabalho pelo processo de negociação colectiva, desde que sejam respeitadas certas exigências fundamentais;

- Derrogações para permitir períodos de referência superiores a 12 meses, em casos específicos, por acordo entre parceiros sociais;

- Alargar até 12 meses o período de referência para o cálculo da duração média do tempo de trabalho por via de legislação, depois de consulta dos parceiros sociais ao nível adequado, em sectores ou Estados-Membros que não fazem uso do opt-out, enquanto parte de um pacote equilibrado com outras opções indicadas mais adiante.

ii) Equilíbrio entre vida profissional e familiar à luz das novas realidades demográficas

Verificam-se importantes mudanças no mundo do trabalho, as quais decorrem de uma participação acrescida das mulheres e dos trabalhadores mais velhos, aliadas ao facto de que, num casal, ambos os parceiros trabalham, por vezes com horários e em dias diferentes, e aos desafios inerentes às necessidades de prestação de cuidados a crianças e idosos. O aumento rápido e generalizado do flexitime ilustra a procura crescente de soluções mais equilibradas, juntamente com uma maior individualização dos estilos de vida dos trabalhadores de todas as idades. Flexibilizar as regras inerentes ao tempo de trabalho poderia ajudar os Estados-Membros a atingir a meta fixada pela Estratégia 2020, de aumentar para 75% a taxa de actividade (contra os 69% actuais), em especial por via de um aumento da participação das mulheres e dos trabalhadores mais velhos.

A directiva não prevê actualmente que os trabalhadores sejam informados pelos empregadores acerca de mudanças previstas nos horários de trabalho colectivos ou que possam solicitar mudanças nos horários individuais. Há provas de que esta situação suscita sérios desafios em termos da conciliação do trabalho com a vida familiar e do equilíbrio global trabalho/vida privada.

Haveria que considerar a possibilidade de incluir na directiva:

- Um incentivo aos parceiros sociais para que celebrem, a nível adequado e sem prejuízo da respectiva autonomia, acordos destinados a apoiar a conciliação da vida profissional e familiar;

- Uma disposição por força da qual os Estados-Membros, em consulta com os parceiros sociais, garantam que os trabalhadores são informados antecipadamente de quaisquer alterações substanciais nos padrões laborais;

- Uma disposição segundo a qual os empregadores devem examinar os pedidos de mudanças de horários e padrões de trabalho apresentados pelo trabalhadores, à luz das necessidades de flexibilidade de ambos, e justificar devidamente possíveis recusas de tais pedidos.

iii) Trabalhadores autónomos

Os Estados-Membros podem autorizar derrogações ao limite das 48 horas, aos períodos de descanso e a outras disposições, por força do artigo 17.º, n.º 1, da directiva, no caso de certos trabalhadores que podem fixar eles próprios o seu tempo de trabalho ou cujo horário de trabalho não é pré-determinado. Contudo, é necessário definir esta derrogação com maior clareza, tanto para responder à evolução dos padrões de trabalho, que permitem trabalhar de forma relativamente autónoma sem limites de tempo claros, como para evitar abusos.

Uma definição revista deveria prever que esta derrogação só se aplique a gestores de topo nos sectores público ou privado e a outros trabalhadores que gozem de autonomia genuína e efectiva, tanto no que respeita à duração como à organização do respectivo tempo de trabalho.

iv) Contratos múltiplos

Uma minoria significativa de trabalhadores na UE trabalha com contratos de trabalho simultâneos para diferentes empregadores ou, por vezes, para o mesmo. É necessário esclarecer que o limite ao tempo de trabalho que a directiva prevê é aplicável por trabalhador, quando se verificam tais situações. A Comissão já anteriormente considerara que o limite imposto pela directiva devia ser aplicado, dentro do possível, por trabalhador, dado o seu objectivo de proteger a saúde e a segurança. Contudo, a aplicação pode ser problemática se o empregador não tiver conhecimento dos outros empregos do trabalhador em questão. Um primeiro passo poderia consistir em clarificar que se um trabalhador exerce a sua actividade no âmbito de mais de um contrato com o mesmo empregador, os Estados-Membros deveriam criar dispositivos eficazes para que o limite imposto pela directiva seja aplicado por trabalhador. A utilização de mecanismos adequados de fiscalização e aplicação é mais complexa quando coexistem vários contratos com diferentes empregadores. Este poderá vir a ser um tema para intercâmbio de boas práticas, no âmbito do disposto na alínea ix) infra.

v) O âmbito de aplicação da directiva e os problemas sectoriais específicos

Uma opção suscitada em várias respostas consistia em excluir certos grupos (por exemplo, as forças de defesa ou os bombeiros voluntários) do âmbito de aplicação da directiva. Contudo, esta possibilidade parece contraditória com a Carta, que faz sempre referência a «todos os trabalhadores», assim como com o princípio fundamental afirmado em vários acórdãos do Tribunal de Justiça, segundo o qual a directiva salvaguarda os direitos sociais fundamentais de «todos os trabalhadores»[31]. O Tribunal de Justiça considerou recentemente[32] que em situações muito especiais em que a prestação de cuidados residenciais ao longo de um período limitado pressupõe uma relação de confiança com um dado indivíduo, poderá ser objectivamente impossível garantir a alternância de períodos de trabalho e de descanso diário com a regularidade normal.

Ainda que todos os trabalhadores que correspondem à definição objectiva de uma relação de emprego devam ser abrangidos pela directiva, é necessário considerar grupos específicos como os bombeiros voluntários, aos quais é difícil aplicar regras gerais. São considerados trabalhadores por força da legislação nacional em alguns Estados-Membros, mas não em outros.

A situação específica de certos trabalhadores móveis dos transportes rodoviários também poderia merecer especial atenção. Algumas disposições da directiva relativas aos períodos de descanso e ao trabalho nocturno não se aplicam a estes trabalhadores[33] que também não estão abrangidos pela directiva sectorial 2005/15/CE. Seria oportuno pensar numa maior harmonização das regras aplicáveis ao tempo de trabalho para todos os trabalhadores móveis dos transportes rodoviários, independentemente do tipo de veículo que conduzem, tendo em conta a existência de exigências específicas relativas ao tempo de condução, pausas, períodos de descanso diários e semanais, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 561/2006.

vi) Opt-out

A questão da manutenção ou não da possibilidade de opt-out suscita divisões acentuadas. Foi a principal causa do malogro da conciliação entre os co-legisladores em 2009. Os sindicatos e as entidades patronais têm posições diferentes sobre a matéria. Em consequência, a Comissão considera que deve dar especial atenção a esta problemática, à luz dos dados recentes sobre a utilização desta faculdade, que mostram uma proliferação rápida e generalizada do opt-out especialmente relacionada com o tempo de permanência, mas com normas de protecção e fiscalização muito variáveis[34].

É importante salientar neste contexto que dos 27 Estados-Membros, há 16 que actualmente permitem o opt-out, mas 11deles só o permitem em sectores ou actividades que fazem uso intenso do tempo de permanência[35]. Não parece realista exigir que todos esses Estados-Membros deixem de utilizar esta derrogação sem garantir soluções alternativas viáveis. É claro que a utilização futura do opt-out nos serviços de permanência dependerá da forma como os serviços públicos vão absorver as alterações introduzidas com esta revisão, no que se refere ao tempo de permanência e ao descanso compensatório. Outras hipóteses de flexibilidade introduzidas pela revisão da directiva podem dissuadir o recurso ao opt-out, como é o caso da extensão do período de referência para o cálculo do tempo médio de trabalho semanal.

Faz, pois, mais sentido reduzir a necessidade de recurso ao opt-out no longo prazo através de formas de flexibilidade mais direccionadas, do que reabrir o debate em torno da sua eliminação, questão sobre a qual parece não ser possível reunir consenso entre os parceiros sociais ou entre os co-legisladores. Vale a pena recordar que o número de pessoas que na UE trabalham mais de 48 horas, e que corresponde actualmente a 9% da força de trabalho, continua a diminuir, ainda que com diferenças significativas entre os Estados-Membros, e decorre de outros factores (em especial os contratos múltiplos) bem como do recurso ao opt-out.

Acresce que é possível reforçar a protecção garantida aos trabalhadores que aceitam o opt-out, garantindo uma rigorosa fiscalização das horas trabalhadas em excesso[36], reduzindo o risco de pressões por parte dos empregadores e garantindo que o consentimento do trabalhador é dado livremente e em consciência. A directiva deveria também proporcionar um mecanismo para uma avaliação periódica efectiva do opt-out.

vii) Férias anuais pagas

As respostas evidenciam dificuldades relativamente a um aspecto da legislação relacionado com as férias anuais pagas – o acórdão Schultz-Hoff e Stringer [37] considera que um trabalhador que falta ao trabalho por razões que escapam ao seu controlo (doença, por exemplo) mantém o direito às férias anuais pagas relativamente a esse período. Importa ter presente que a prova da incapacidade de trabalho e a remuneração durante tais períodos de ausência são assuntos da competência da legislação nacional e que estão fora do âmbito da directiva.

O problema fundamental parece decorrer de falta de clareza quanto ao facto de um trabalhador que se encontra em situação de baixa prolongada por doença poder acumular direitos a férias anuais ao longo de anos sucessivos. Uma tal perspectiva é fonte de custos potencialmente substanciais e imprevisíveis para os empregadores e pode ter o efeito não intencional de encorajar estes últimos a pôr termo à relação contratual de trabalhadores com doenças prolongadas antes mesmo de saber se podem regressar ao trabalho depois da sua convalescença. Acresce que a acumulação ilimitada do direito a férias parece ir mais além do que é necessário para alcançar os objectivos da directiva.

A melhor solução parece estar na introdução de uma alteração para deixar claro que os Estados-Membros podem estabelecer limites à acumulação de dias de férias pagas ao longo de anos sucessivos, sempre que for excedido o número de semanas considerado na directiva como correspondendo ao período mínimo de descanso e recuperação[38].

viii) Melhor legislação

A concretização das propostas acima apresentadas resultaria na codificação de um conjunto de importantes decisões do Tribunal e na clarificação de vários pontos relativamente aos quais existem incertezas e, consequentemente, numa legislação mais clara, simples, transparente e acessível.

O actual texto da directiva é de leitura difícil, estando estruturado de forma confusa, com várias disposições agora obsoletas. Contem em particular um conjunto de derrogações e de disposições que se sobrepõem (por exemplo, em relação aos períodos de referência) com algumas duplicações e repetições. Qualquer revisão deve, no entanto, ser realizada com cuidado, limitando-se a garantir que o direito substantivo não é afectado e evitando riscos de incerteza.

ix) Medidas de aplicação e cooperação

Foram levantadas dúvidas relativamente à aplicação eficaz de normas fundamentais relativas ao tempo de trabalho, das quais a Comissão também dá conta no relatório de aplicação.

Esta é uma questão importante. A Comissão está disposta a promover uma melhor cooperação e intercâmbio de boas práticas sobre esta matéria entre as autoridades nacionais e os parceiros sociais[39], por exemplo mediante a criação, à escala da UE, de um comité de peritos em questões relacionadas com o tempo de trabalho.

6. Próximas etapas

Uma directiva sobre tempo de trabalho revista será essencial para a melhorar as condições de trabalho e garantir às empresas e aos trabalhadores a necessária flexibilidade para a aplicação de soluções inovadoras e equilibradas no local de trabalho. É necessário prosseguir a acção legislativa para adaptar as disposições da UE à evolução dos padrões do tempo de trabalho e, ao mesmo tempo, respeitar o seu objectivo de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores, clarificando questões essenciais de interpretação.

A Comissão terá em conta os resultados desta consulta para o trabalho futuro de revisão da directiva. Em particular, poderá vir a suspender este exercício se os parceiros sociais decidirem encetar negociações sobre questões de alcance suficientemente amplo. Caso contrário, avançará com a adopção de uma proposta de alteração legislativa, apoiada numa circunstanciada avaliação de impacto, considerando os aspectos económicos e sociais, a publicar em simultâneo.

Ao mesmo tempo, a Comissão continuará a utilizar os instrumentos legais de que dispõe a fim de corrigir as várias situações em que os Estados-Membros não estão em conformidade com a presente legislação da UE, em especial nos casos de horários de trabalho excessivos com manifestos efeitos nocivos para a saúde e a segurança dos trabalhadores.

7. QUESTÕES DIRIGIDAS AOS PARCEIROS SOCIAIS

A Comissão procura conhecer as posições dos parceiros sociais sobre as seguintes questões:

1. Devem as alterações às regras da UE sobre tempo de trabalho limitar-se ao tempo de permanência e aos períodos de descanso compensatório ou devem abranger um conjunto mais vasto de questões, designadamente algumas ou todas as que são referidas no ponto 5.2?

2. Tendo em conta os requisitos do artigo 153.º do TFUE, consideram os parceiros sociais que:

a) as opções referidas no ponto 5.1 relativamente ao tempo de permanência e aos períodos de descanso compensatório,

b) algumas ou todas as opções referidas no ponto 5.2 relativamente a outras questões suscitadas pelos parceiros sociais,

podem constituir um quadro global viável para dar resposta às preocupações manifestadas nas respostas à primeira fase da consulta?

3. Estão os parceiros sociais da UE, a nível interprofissional ou sectorial, dispostos a encetar negociações sobre a totalidade ou parte das questões levantadas na presente comunicação, tendo em vista a celebração de um acordo que tornaria possível alterar a directiva, fazendo uso das possibilidades previstas no artigo 155.º do TFUE?

[1] Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 299 de 18.11.2003, p. 9).

[2] COM(2010) 106 de 24.3.2010

[3] Proposta original COM(2004) 607; proposta alterada COM(2005) 246.

[4] Ver o estudo de 2010 encomendado pela Comissão à empresa Deloitte : Study to support an impact assessment on further action at European level regarding Directive 2003/88/EC and the evolution of working time organization . Ver igualmente: Comparative analysis of working time in the European Union , Eurofound, 2010; Fifth Working Conditions Survey , Eurofound, 2010; In-depth study on health and safety aspects of working time – effects of working hours on safety, health and work-life balance , Flexible working time arrangements and gender equality – A comparative review of thirty European countries , J. Plantenga e Ch. Remery, 2010. O sítio Web da Comissão contém as ligações para os textos integrais destes estudos, a fim de facilitar a consulta.

[5] O documento SEC(2010) 1610 dá conta das respostas de forma mais circunstanciada.

[6] Processos apensos Schultz-Hoff & Stringer C-350/06 e C-520/06

[7] Ver nota 4.

[8] 36,4 horas no correspondente à CE-12 em 2010

[9] Inquérito às forças de trabalho (LFS) do Eurostat.

[10] Ver estudo Deloitte .

[11] Cf. Eurofound 5th Survey and Plantenga and Remery (2010).

[12] Ibidem.

[13] Resultados do projecto WORKS mencionados no estudo da Deloitte .

[14] A conciliação da vida profissional e familiar é vista como um problema importante por 18% dos trabalhadores, em especial os que trabalham por turnos, em regime de permanência ou mais de 48 horas por semana. Entre os trabalhadores que trabalham aos fins de semana ou à noite, cerca de dois terços considera este regime conveniente para a vida pessoal, mas há uma minoria significativa que não partilha desta perspectiva (EUROSTAT 2004).

[15] Pode argumentar-se também que a concentração do trabalho a tempo parcial em sectores de baixas remunerações e poucas oportunidades de carreira e de formação pode afectar adversamente a igualdade entre homens e mulheres. Cf. J. Plantenga et al (2010) , nota 4.

[16] Cerca de 4,5 milhões de trabalhadores na UE em 2002 (cf. Relatório de aplicação do acordo-quadro da UE sobre teletrabalho).

[17] Cf. Eurofound 5th Survey .

[18] Inquérito às Forças de Trabalho, 2009.

[19] Cf. estudo da Deloitte.

[20] Cf. estudo da Deloitte , nota 4.

[21] Dellas, Processo C-14/04; FNV , Processo C-124/05, Isère, C-428/09.

[22] cf. COM(2010) 573 relativa à Carta dos Direitos Fundamentais.

[23] cf. COM(2010) 543 sobre regulamentação inteligente da UE.

[24] SIMAP , Processo C-303/98, Jaeger (Processo C-151/02).

[25] COM(2010) 802, Relatório sobre a aplicação da Directiva Tempo de Trabalho; Deloitte Consulting , (2010), Study to support an impact assessment regarding Directive 2003/88/EC (ver nota 4).

[26] De acordo com a deliberação do Tribunal no acórdão Vogel (Processo C-437/05), este princípio não tem implicações para efeitos de remuneração, questão que está fora do âmbito de aplicação da directiva.

[27] Dellas Processo C-14/04.

[28] SIMAP , Processo C-303/05, n.º 50.

[29] Por exemplo, porteiros, gestores de parques de campismo, alguns responsáveis por centros de cuidados residenciais, certos trabalhadores de forças de defesa.

[30] Isère, Processo C-428/09.

[31] Ver nota 21.

[32] Isère, Processo C-428/09.

[33] Cf. SEC(2010) 1611 - Staff Working Paper: report on implementation of the Working Time Directive , ponto 2.6.1.

[34] COM(2010) 802, Relatório sobre a aplicação da Directiva Tempo de Trabalho; Deloitte Consulting, (2010), Study to support an impact assessment regarding Directive 2003/88/EC (ver nota 4).

[35] COM(2010) 802, Relatório sobre a aplicação da Directiva Tempo de Trabalho.

[36] Verificou-se que as actuais disposições do artigo 22.º, n.º 1, continuam a ser amplamente ineficazes.

[37] Ver nota 6.

[38] Processo pendente KHS , C-214/10 e observações da Comissão sobre o mesmo.

[39] Exemplos possíveis poderiam incluir a troca de experiências sobre teletrabalho (questão que já levou à assinatura de um acordo-quadro entre parceiros sociais ao nível da UE) ou acordos-quadro sobre formas inovadoras de trabalhar para garantir a continuidade dos cuidados nos serviços públicos e, ao mesmo tempo, salvaguardar a qualidade das condições de trabalho.

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