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Document 52006DC0779

    Comunicação interpretativa sobre a aplicação do artigo 296.º do Tratado no âmbito dos contratos públicos no sector da defesa {SEC(2006) 1554} {SEC(2006) 1555}

    /* COM/2006/0779 final */

    52006DC0779

    Comunicação interpretativa sobre a aplicação do artigo 296.º do Tratado no âmbito dos contratos públicos no sector da defesa {SEC(2006) 1554} {SEC(2006) 1555} /* COM/2006/0779 final */


    [pic] | COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS |

    Bruxelas, 7.12.2006

    COM(2006) 779 final

    COMUNICAÇÃO INTERPRETATIVA

    sobre a aplicação do artigo 296.º do Tratado no âmbito dos contratos públicos no sector da defesa

    (apresentada pela Comissão){SEC(2006) 1554}{SEC(2006) 1555}

    COMUNIC AÇÃO INTERPRETATIVA

    sobre a aplicação do artigo 296.º do Tratado no âmbito dos contratos públicos no sector da defesa

    (Texto relevante para feitos do EEE)

    Introdução

    Os contratos no sector da defesa representam uma parte substancial dos contratos públicos na União Europeia. Somados, os orçamentos de defesa dos Estados-Membros rondam 170 000 milhões de euros, mais de 80 000 milhões dos quais correspondem a contratos públicos.

    A maior parte desta despesa distribui-se por mercados nacionais relativamente pequenos e fechados: o sector da defesa europeu continua fragmentado em mercados nacionais, com 25 clientes e 25 quadros regulamentares distintos. Esta fragmentação é um importante obstáculo à cooperação e à concorrência intra-europeias. Ela gera custos suplementares e é causa de ineficiência, tendo, portanto, um impacto negativo na competitividade da base industrial e tecnológica da defesa europeia e nos esforços suportados pelos Estados-Membros para equiparem adequadamente as suas forças armadas.

    O quadro normativo dos contratos públicos no sector da defesa é um elemento importante desta fragmentação. Na sua maioria, estes contratos não estão subordinados às regras do mercado interno e são adjudicados com base nas regras de contratação pública nacionais, cujos critérios de selecção, procedimentos de publicação, etc. divergem bastante, como diverge a taxa de publicação de anúncios de concurso pelos Ministérios da Defesa dos vários Estados-Membros. Esta situação pode limitar o acesso dos fornecedores comunitários aos mercados nacionais, prejudicando assim a concorrência intra-europeia.

    Na sua comunicação de Março de 2003[1], a Comissão indicava a necessidade de se agir a nível do quadro normativo dos contratos públicos, a fim de favorecer a criação de um mercado europeu do equipamento de defesa (EDEM). Na sequência desta comunicação, foi publicado, em Setembro de 2004, um Livro Verde sobre os contratos públicos no sector da defesa[2], no qual se convidavam as partes interessadas a pronunciar-se sobre um leque de opções para o aumento da transparência e da abertura dos mercados dos Estados-Membros da UE no sector da defesa. A consulta efectuada confirmou o deficiente funcionamento do quadro normativo actual:

    - Persistem incertezas quanto ao âmbito de aplicação do artigo 296.º do TCE, que permite que os Estados-Membros derroguem as regras do mercado interno quando estão em jogo os seus interesses de segurança essenciais. Como a linha divisória entre aquisições no sector da defesa relacionadas e não relacionadas com interesses de segurança essenciais não é nítida, nem sempre é claro que regras devem ser aplicadas a que contratos. A aplicação do artigo 296.º do TCE é, assim, problemática, variando consideravelmente de Estado-Membro para Estado-Membro.

    - Mesmo na sua versão revista (2004/18/CE), a actual directiva relativa aos contratos públicos não se adequa a muitos contratos no sector da defesa, visto não ter em conta certas características especiais destes contratos. Muitos Estados-Membros mostram-se, portanto, relutantes em a aplicar no caso do equipamento de defesa, mesmo quando não estão reunidas as condições de aplicabilidade do artigo 296.º do TCE.

    Com base nestas conclusões, a Comissão anunciou em Dezembro de 2005 duas iniciativas destinadas a melhorar a situação[3]:

    1. Adopção de uma comunicação interpretativa sobre a aplicação do artigo 296.º do TCE aos contratos públicos no sector da defesa, com o fim, não de alterar, mas de aclarar o actual quadro normativo;

    2. Preparação eventual de uma nova directiva, relativa aos contratos públicos para o equipamento de defesa a que não é aplicável a derrogação prevista no artigo 296.º do TCE. Essa directiva introduziria regras novas e mais flexíveis, adaptadas às especificidades do sector da defesa.

    O propósito da presente comunicação é evitar eventuais más interpretações e utilizações abusivas do artigo 296.º do TCE no domínio dos contratos públicos no sector da defesa. Para o efeito, a Comissão exporá o seu ponto de vista sobre os princípios que regem a aplicação do artigo 296.º e o entendimento que tem das condições de aplicabilidade da derrogação, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ao Tribunal cabe a última palavra quanto à determinação do âmbito de aplicação do artigo 296.º do TEC.

    A comunicação não pode pronunciar-se sobre o que são os interesses essenciais de segurança dos Estados-Membros nem estabelecer ex ante a que contratos públicos se aplica ou não a derrogação do artigo 296.º do TCE. Limita-se, portanto, a dar às entidades adjudicantes destes contratos algumas orientações que as ajudem a determinar em cada caso se a derrogação se justifica.

    Aclarar o quadro normativo existente é o primeiro passo para promover uma maior abertura dos mercados europeus da defesa. A par desta clarificação, importa avaliar o impacto de uma nova directiva específica para o sector da defesa. Conjugar a presente comunicação com essa directiva poderá ser, de facto, a melhor abordagem ao nível comunitário para dar resposta aos problemas que coloca a aplicação do artigo 296.º do TCE. Estas iniciativas complementam os esforços dos Estados-Membros tendentes a reforçar a concorrência intra-europeia no sector do equipamento de defesa abrangido pelo artigo 296.º, através do Código de Conduta tutelado pela Agência Europeia de Defesa.

    A presente comunicação refere-se aos contratos públicos no sector da defesa celebrados pelas autoridades nacionais no contexto do mercado interno europeu. Não abrange o comércio de armamento com países terceiros, que continua a reger-se pelas regras da OMC, em particular o Acordo sobre Contratos Públicos (GPA)[4].

    1. FUNDAMENTO JURÍDICO

    Nos termos da legislação comunitária, os contratos no sector da defesa subordinam-se às regras do mercado interno. A Directiva 2004/18/CE[5] relativa aos contratos de empreitada de obras públicas, aos contratos públicos de fornecimento e aos contratos públicos de serviços é, assim, aplicável aos « contratos públicos celebrados por entidades adjudicantes no domínio da defesa, sob reserva do disposto no artigo 296.º do Tratado » (artigo 10.º da directiva).

    Diz o artigo 296.º do TCE:

    1. As disposições do presente Tratado não prejudicam a aplicação das seguintes regras:

    a) Nenhum Estado-Membro é obrigado a fornecer informações cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança;

    b) Qualquer Estado-Membro pode tomar as medidas que considere necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra; tais medidas não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares.

    2 . O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode introduzir modificações nesta lista, que foi fixada em 15 de Abril de 1958, dos produtos aos quais se aplicam as disposições da alínea b) do n.º 1.

    A isenção dos contratos no sector da defesa das regras do mercado interno é uma medida relacionada com o comércio de armas, munições e material de guerra. A sua base jurídica é, pois, o n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE. Os Estados-Membros podem fazer uso desta isenção para a adjudicação de contratos no sector da defesa, desde que estejam preenchidas as condições definidas no Tratado, segundo a interpretação que lhes dá o Tribunal de Justiça. Por outro lado, o âmbito de aplicação do n.º 1, alínea b), do artigo 296.º é delimitado pelo conceito de "interesses essenciais de segurança" e pela lista de equipamento militar referida no n.º 2 do mesmo artigo.

    O n.º 1, alínea a), do artigo 296.º do TCE não se refere especificamente à defesa, visando genericamente a protecção de informações que os Estados-Membros não podem divulgar sem pôr em perigo os interesses essenciais da sua própria segurança. Isto pode ser válido também no que respeita aos contratos públicos de aquisição de equipamento considerado nevrálgico, nos sectores da defesa ou da segurança. Em geral, todavia, o n.º 1, alínea b), do artigo 296.º cobre os requisitos de confidencialidade que seja necessário observar no processo de aquisição de equipamento militar.

    2. INTERESSES DE SEGURANÇA E OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO TRATADO

    A definição e protecção dos interesses de segurança nacionais são matérias da competência dos Estados-Membros. O artigo 296.º do TCE reconhece esta prerrogativa, prevendo uma derrogação para as situações em que a aplicação do direito comunitário poria em causa os interesses essenciais de segurança dos Estados-Membros.

    A aplicação do artigo 296.º do TCE aos contratos públicos no sector da defesa significa, contudo, que não é aplicada a Directiva 2004/18/CE, o instrumento jurídico cujo objectivo é garantir, no domínio dos contratos públicos, o respeito pelas disposições básicas do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias e serviços e de liberdade de estabelecimento (artigos 28.º, 43.º e 49.º do TCE). As disposições desta directiva são a expressão dos princípios e objectivos fundamentais do mercado interno. Consequentemente, toda e qualquer derrogação ao abrigo do artigo 296.º atinge o cerne da Comunidade Europeia e é, pela sua própria natureza, um assunto sério, jurídica e politicamente.

    O Tratado prevê, portanto, condições restritivas para a utilização desta derrogação, procurando o justo equilíbrio entre os interesses dos Estados-Membros nos domínios da defesa e da segurança e os princípios e objectivos fundamentais da Comunidade. Tais condições visam prevenir utilizações abusivas da derrogação e assegurar que esta continua a constituir uma excepção e se limita aos casos em que os Estados-Membros não dispõem de outra alternativa para proteger os seus interesses de segurança que não seja ao nível nacional.

    O Tribunal de Justiça tem afirmado sistematicamente que toda e qualquer derrogação às regras que visam garantir a efectivação de direitos reconhecidos pelo Tratado deve ser objecto de interpretação restritiva[6]. Confirmou ainda ser também este o caso relativamente às derrogações aplicáveis em « situações susceptíveis de porem em causa a segurança pública ». No acórdão no processo C-414/97, Comissão/Espanha , o Tribunal decidiu que os artigos do Tratado que prevêem tais derrogações (entre os quais, o artigo 296.º) « dizem respeito a determinadas hipóteses excepcionais . Devido ao seu carácter limitado, estas disposições não podem ser objecto de interpretação extensiva »[7].

    Consequentemente, o âmbito e as condições de aplicação do artigo 296.º do TCE devem ser interpretados de forma restritiva.

    3. ÂMBITO DE APLICAÇÃO

    O n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE autoriza medidas « relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra » especificados na lista referida no n.º 2 do mesmo artigo. Esta lista foi fixada em 15 de Abril de 1958 pela Decisão 255/58 do Conselho. Segundo o Tribunal, o n.º 1, alínea b), do artigo 296.º « não se destina a ser aplicado a actividades relativas a produtos diferentes dos produtos militares identificados [naquela] lista »[8].

    A interpretação do n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE e a definição do seu âmbito de aplicação devem também ter em conta a evolução da tecnologia e da política de contratos públicos. No que respeita à tecnologia, a lista de 1958 é suficientemente genérica para acolher a evolução recente e futura. Analogamente, a disposição referida pode também abranger os contratos públicos de serviços e empreitadas directamente relacionados com os produtos incluídos na lista, bem como métodos modernos de aquisição centrados na capacidade, desde que todas as outras condições de aplicabilidade do artigo 296.º estejam reunidas.

    Por outro lado, a lista de 1958 compreende apenas equipamento de natureza e finalidade puramente militares . É um facto que o conceito de segurança se tornou mais complexo, com novas ameaças que esbatem a tradicional linha divisória entre as vertentes militar e civil e externa e interna da segurança, mas, como o papel das forças de segurança militares e civis continua a ser diferente, é normalmente possível distinguir um contrato público militar de um contrato público não militar.

    A natureza dos produtos que integram a lista de 1958 e a referência explícita, no artigo 296.º do TCE, a « fins especificamente militares », confirmam que apenas as aquisições de equipamento concebido, desenvolvido e produzido para fins especificamente militares podem ser objecto de isenção das regras comunitárias ao abrigo do n.º 1, alínea b), do artigo 296.º[9].

    As aquisições para fins de segurança civis, por seu lado, estão excluídas do âmbito de aplicação do n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE. No caso destes contratos, os interesses de segurança podem justificar a sua isenção das regras comunitárias ao abrigo do artigo 14.º da Directiva 2004/18/CE, desde que estejam preenchidas as condições aplicáveis[10].

    Em contraste com a alínea b), a alínea a) do n.º 1 do artigo 296.º do TCE pode igualmente abranger as aquisições de equipamento de segurança de dupla finalidade, militar e civil, se a aplicação das regras comunitárias implicar a divulgação pelo Estado-Membro de informações que possam comprometer os interesses essenciais da sua segurança.

    4. CONDIÇÕES DE APLICABILIDADE

    O equipamento militar incluído na lista de 1958 não está automaticamente isento das regras do mercado interno. A Decisão 255/58 do Conselho dispõe que a lista inclui equipamento em relação ao qual é interesse legítimo dos Estados-Membros poderem tomar as medidas permitidas pelo n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE. Por outras palavras, a própria decisão do Conselho não estabelece a aplicação automática da isenção. Também o Tribunal confirmou, em várias ocasiões, que o artigo 296.º não estabelece uma isenção automática para o sector da defesa[11]. Pelo contrário, a isenção tem por base jurídica o artigo 296.º do TCE, o que significa que o equipamento incluído na lista só pode ser objecto de isenção se, e apenas se, estiverem preenchidas as condições de aplicabilidade daquele artigo[12].

    De acordo com o artigo 296.º do TCE, os Estados-Membros podem tomar as medidas que considerem necessárias à protecção dos seus interesses de segurança essenciais. Tem-se entendido que esta disposição confere aos Estados-Membros ampla discricionariedade na determinação da forma de protegerem esses interesses[13]. Todavia, o texto (« necessárias à protecção… ») evidencia também que essa discricionariedade não é absoluta. A própria existência do artigo 298.º, que estabelece um procedimento especial a seguir na eventualidade de utilização abusiva do artigo 296.º, confirma que os Estados-Membros não têm liberdade de decisão absoluta para isentar um contrato público específico das regras do mercado interno. Pelo contrário, « compete ao Estado-Membro que pretende utilizar [o artigo 296.º] apresentar a prova de que essas isenções não ultrapassam os limites das referidas hipóteses [determinadas] » e demonstrar « que as isenções ... são necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança »[14].

    A protecção dos interesses de segurança essenciais do Estado-Membro é o único objectivo que justifica a isenção. Outros interesses, nomeadamente industriais ou económicos, não podem justificar por si sós uma isenção ao abrigo do n.º 1, alínea b), do artigo 296.º do TCE, mesmo que estejam relacionados com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra. O artigo 296.º não cobre, por exemplo, as contrapartidas indirectas de natureza civil, que não servem interesses de segurança específicos mas sim interesses económicos gerais, mesmo que estejam relacionadas com contratos públicos no sector da defesa isentos ao seu abrigo[15].

    Os interesses de segurança dos Estados-Membros devem também ser vistos numa perspectiva europeia. Esses interesses podem variar, e.g. por razões geográficas ou históricas. Mas, por outro lado, a integração europeia tem induzido uma convergência crescente dos interesses nacionais dos Estados-Membros. O estabelecimento da PESC (política externa e de segurança comum) e da PESD (política europeia de segurança e defesa) mostra que também nos domínios da segurança e da defesa se vai criando uma cada vez maior convergência. Em particular, a criação de um mercado comum do equipamento de defesa e de uma base industrial e tecnológica competitiva para a defesa europeia é um objectivo de que todos os Estados-Membros comungam. Deverão, portanto, tê-lo em conta quando se trata de avaliar se a aplicação das regras comunitárias relativas aos contratos públicos, cujo propósito é fomentar a concorrência intra-europeia, prejudicaria os interesses essenciais da sua segurança.

    Acresce que o artigo 296.º do TCE não se refere à protecção dos interesses de segurança em geral, mas sim à protecção dos interesses de segurança essenciais . Esta especificação denota o carácter excepcional da derrogação e evidencia que a natureza militar específica do equipamento incluído na lista de 1958 não basta, por si só, para justificar a sua isenção das regras comunitárias relativas aos contratos públicos. Pelo contrário, a formulação particularmente incisiva («essenciais») limita a possibilidade de isenção aos contratos que assumem a maior importância para a capacidade militar dos Estados-Membros.

    A redacção do artigo 298.º do TCE e a jurisprudência pertinente, que se referem ao artigo 296.º em geral, confirmam que este raciocínio vale tanto para a alínea a) como para a alínea b) do artigo 296.º do TCE.

    5. COMO APLICAR O ARTIGO 296.º DO TCE

    É prerrogativa dos Estados-Membros definirem, e seu dever protegerem, os interesses essenciais da sua segurança. O conceito de interesses de segurança essenciais dá-lhes flexibilidade na escolha das medidas necessárias à protecção desses interesses, mas comete-lhes também a especial responsabilidade de cumprirem as obrigações decorrentes do Tratado e de não fazerem uso dessa flexibilidade abusivamente. Os Estados-Membros devem sobretudo ter presente que a derrogação prevista no artigo 296.º do TCE se aplica apenas em casos bem delimitados e assegurar que as isenções « não ultrapassam os limites [desses casos] »[16].

    No âmbito dos contratos públicos no sector da defesa, a única maneira de os Estados-Membros conciliarem as suas prerrogativas no domínio da segurança com as obrigações que o Tratado lhes impõe é ponderarem judiciosamente, contrato a contrato, se a isenção das regras comunitárias se justifica ou não. Essa avaliação casuística deve ser especialmente rigorosa nas situações que estão na fronteira de aplicabilidade do artigo 296.º do TCE e em que a utilização da derrogação pode ser controversa.

    Significa isto que as entidades adjudicantes têm de determinar:

    - que interesse de segurança essencial está em jogo,

    - qual a ligação entre esse interesse e a decisão de adjudicação e

    - porque se justifica, para proteger esse interesse de segurança essencial, não aplicar a directiva relativa aos contratos públicos.

    Mas o artigo 296.º do TCE também estipula, na alínea b) do n.º 1, que as medidas tomadas ao seu abrigo « não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares ». No âmbito dos contratos públicos no sector da defesa, poderá ser esse o caso das contrapartidas, em especial as indirectas de natureza civil. Os Estados-Membros devem, portanto, garantir que as medidas de contrapartida relacionadas com contratos no sector da defesa abrangidos pelo n.º 1, alínea b), do artigo 296.º respeitam esta disposição.

    6. PAPEL DA COMISSÃO

    Não compete à Comissão ajuizar dos interesses de segurança essenciais dos Estados-Membros nem que equipamento militar devem adquirir para proteger esses interesses. A Comissão pode, todavia, enquanto guardiã do Tratado, verificar se estão reunidas as condições necessárias para isentar contratos públicos ao abrigo do artigo 296.º do TCE.

    Em tais casos, cumpre aos Estados-Membros fornecerem, contra pedido da Comissão, as informações necessárias e provarem que a isenção é indispensável à protecção dos seus interesses de segurança essenciais. O Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado que « do artigo 10.° CE [resulta] que os Estados-Membros estão obrigados a cooperar de boa-fé com as investigações da Comissão no âmbito do artigo 226.° CE e a fornecer à Comissão todas as informações requeridas para o efeito »[17]. Trata-se aqui de todas as investigações efectuadas pela Comissão na sua qualidade de guardiã do Tratado, incluindo a verificação da aplicabilidade do artigo 296.º do TCE a contratos no sector da defesa.

    Assim, quando a Comissão procede a uma investigação no âmbito de um contrato público no sector da defesa, é sobre o Estado-Membro que recai o ónus de provar que, nas condições específicas do contrato, a aplicação da directiva relativa aos contratos públicos iria comprometer os interesses essenciais da sua segurança. Não bastam, neste contexto, referências genéricas à situação geográfica e política, à história e aos compromissos assumidos no quadro de alianças.

    O artigo 287.º do TCE obriga a Comissão a garantir aos Estados-Membros a absoluta confidencialidade das informações fornecidas .

    Nos termos do artigo 298.º do TCE, se as medidas tomadas ao abrigo do artigo 296.º tiverem por efeito falsear as condições de concorrência no mercado comum, a Comissão pode analisar com o Estado-Membro interessado as condições em que as medidas podem ser adaptadas às disposições do Tratado.

    A Comissão pode também recorrer directamente ao Tribunal de Justiça se considerar que um Estado-Membro está a fazer uso abusivo das faculdades previstas no artigo 296.º do TCE. Em tal caso, o ónus da prova de que a isenção se justifica recai sobre o Estado-Membro.

    A Comissão terá em conta a natureza nevrálgica do sector da defesa ao avaliar possíveis violações. Irá também prosseguir os trabalhos preparatórios com vista à eventual elaboração de uma proposta de directiva para o equipamento militar não abrangido pelo artigo 296.º do TCE.

    [1] COM(2003) 113 de 11 de Março de 2003

    [2] COM(2004) 608 de 23 de Setembro de 2004

    [3] COM(2005) 626 de 6 de Dezembro de 2005

    [4] N.º 1 do artigo XXIII do GPA: « nothing shall be construed to prevent any Party from taking any action or not disclosing any information which it considers necessary for the protection of its essential security interests related to the procurement of arms, ammunition or war material or to procurement indispensable for national security or for national defence purposes» . Em conformidade com estas disposições, o Anexo 1, Parte 3, do Apêndice 1 do GPA enumera os fornecimentos e equipamentos adquiridos pelos Ministérios da Defesa que são abrangidos pelo Acordo. A lista contém apenas material não-bélico.

    [5] Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.

    [6] Acórdão de 4 de Outubro de 1991 no processo C-367/89, Richardt e Les Accessoires Scientifiques , § 20; especificamente no que se refere aos contratos públicos, ver acórdão de 3 de Maio de 1994 no processo C-328/92, Comissão/Espanha , § 15, e acórdão de 28 de Março de 1995 no processo C-324/93, Evans Medical e Macfarlan Smith , § 48.

    [7] Acórdão de 16 de Setembro de 1999 no processo C-414/97, Comissão/Espanha , § 21; acórdão de 15 de Maio de 1986 no processo C-222/84, Johnston , § 26.

    [8] Acórdão de 30 de Setembro de 2003 no processo T-26/01, Fiocchi Munizioni/Comissão , § 61; ver também as conclusões do Advogado-Geral Jacobs, de 8 de Maio de 1991, processo C-367/89, Richardt e Les Accessoires Scientifiques , § 30.

    [9] Acórdão no processo T-26/01, Fiocchi Munizioni/Comissão , § 59 e 61.

    [10] Diz o artigo 14.º da Directiva 2004/18/CE: « A presente directiva não é aplicável aos contratos públicos que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas de segurança especiais nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor no Estado-Membro em questão, ou quando a defesa de interesses essenciais desse Estado-Membro o exigir. »

    [11] Acórdão de 26 de Outubro de 1999 no processo C-273/97, Sirdar , § 15-16; acórdão de 11 de Janeiro de 2000 no processo C-285/98, Kreil , § 16; acórdão de 11 de Março de 2003 no processo C-186/01, Dory , § 30-31.

    [12] Ver também a resposta do Conselho à Deputada do Parlamento Europeu Marijke Van Hemeldonck (1985)0574/F, de 3 de Outubro de 1985; por analogia: acórdão de 13 de Julho de 2000 no processo C-423/98, Albore , § 22-23.

    [13] Processo T-26/01, Fiocchi Munizioni/Comissão , § 58.

    [14] Processo C-414/97, Comissão/Espanha , § 22.

    [15] Contrapartidas ( offsets ) são as compensações que muitos governos exigem dos fornecedores estrangeiros de material de defesa como condição para a compra de equipamento militar. As contrapartidas podem dizer respeito a uma vasta gama de actividades: as directas estão intimamente associadas ao objecto do contrato; as indirectas não o estão e podem ser de natureza militar ou civil.

    [16] Acórdão no processo C-414/97, Comissão/Espanha , § 22.

    [17] Acórdão de 13 de Julho de 2004 no processo C-82/03, Comissão/Itália , § 15.

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