EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 52003DC0595

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - Interpretação dada pela Comissão ao Regulamento (CEE) n.º 3577/92 do Conselho relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima)

/* COM/2003/0595 final */

52003DC0595

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - Interpretação dada pela Comissão ao Regulamento (CEE) n.º 3577/92 do Conselho relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima) /* COM/2003/0595 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES - Interpretação dada pela Comissão ao Regulamento (CEE) n.º 3577/92 do Conselho relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima)

ÍNDICE

1. Introdução

2. Abertura do mercado da cabotagem marítima

2.1. Liberdade de prestação de serviços de cabotagem marítima

2.2. Beneficiários da liberdade de prestação de serviços

2.2.1. Noção de armador comunitário

2.2.2. Condições de registo num Estado-Membro e de acesso à cabotagem nacional

2.3. Abertura do mercado aos navios que não são beneficiários do regulamento

3. Âmbito de aplicação do regulamento (CEE) n° 3577/92

3.1. Embarcações de recreio

3.2. Serviços de cruzeiro

3.3. Serviços marítimos versus serviços portuários

3.4. Serviços feeder

4. Regras em matéria de tripulação

4.1. Natureza das regras em matéria de tripulação que podem ser impostas por um Estado de acolhimento

4.2. Cabotagem consecutiva

4.3. Revisão das regras em matéria de tripulação

5. Serviço público

5.1. Âmbito geográfico das ligações de serviço público

5.2. Rotas de cabotagem insular em que podem ser impostas obrigações de serviço público

5.3. Obrigações que podem ser impostas

5.3.1. Distinção entre obrigações de serviço público e contratos de serviço público

5.3.2. Princípio da não-discriminação

5.4 Procedimento a seguir para a imposição de obrigações de serviço público

5.5. Acesso ao mercado e concorrência nas rotas de serviço público

5.5.1. Exclusividade

5.5.2. Duração dos contratos de fornecimento de serviços públicos

5.5.3. Agrupamento de rotas

5.6. O caso das "pequenas ilhas"

5.7. Subvenções públicas para compensação de obrigações de serviço público

6. Medidas de salvaguarda

Resumo

Com o recuo que permitem dez anos de aplicação do Regulamento (CEE) n° 3577/92 e à luz dessa experiência, a Comissão decidiu, no interesse da transparência, tornar pública a interpretação que tem dado às disposições desse regulamento.

A presente Comunicação é apresentada apenas a título informativo e com o fim de facilitar a leitura do regulamento pelas pessoas que a ele desejem recorrer. A Comunicação precisa a forma como a Comissão se propõe aplicá-lo. A Comunicação não pretende rever o regulamento nem sobrepor-se às competências de interpretação do Tribunal de Justiça.

O plano da Comunicação segue o do regulamento.

A Comunicação começa por esclarecer o âmbito de aplicação do princípio da livre prestação de serviços no sector da cabotagem marítima. A Comunicação define os seus beneficiários e enumera os serviços abrangidos pelo regulamento.

Em seguida, a Comunicação precisa o alcance das derrogações ao princípio da livre prestação de serviços previstas no regulamento. O regulamento prevê três derrogações. Em primeiro lugar, compete aos Estados-Membros determinar as regras em matéria de tripulação aplicáveis aos navios que efectuam serviços de cabotagem insular entre dois portos dos respectivos territórios. Em segundo lugar, os Estados-Membros podem impor aos armadores obrigações de serviço público, a fim de assegurar um serviço suficiente de transportes regulares de, para ou entre ilhas. Por último, os Estados-Membros podem solicitar à Comissão a adopção de medidas de salvaguarda para atender a situações de perturbação grave do mercado nacional.

1. Introdução

O Regulamento (CE) n.º 3577/92 do Conselho relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima) [1], adoptado quando da criação do mercado interno, completou 10 anos de existência. Desde a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1993, a cabotagem marítima tem sido progressivamente liberalizada. Certos serviços ficaram isentos da aplicação do regulamento durante alguns anos. Desde 1 de Janeiro de 1999 está liberalizada a quase totalidade dos serviços de cabotagem marítima. Apenas dois tipos de serviços de cabotagem insular continuam a beneficiar de uma derrogação na Grécia: os serviços regulares de passageiros e ferries e os serviços efectuados por navios com menos de 650 GT.

[1] JO L 364 de 12.12.1992, p. 7.

A Comissão procedeu já, desde 1993, a vários balanços económicos e jurídicos da liberalização [2] sem contudo abordar os problemas de interpretação colocados pelo regulamento. Ora, estes são numerosos. São disso testemunho as dezenas de consultas efectuadas por Estados-Membros e pessoas colectivas ou singulares à Comissão. São disso também prova os processos por infracção iniciados pela Comissão contra Estados-Membros cuja legislação considerava contrária ao regulamento. Várias dessas questões foram submetidas ao Tribunal de Justiça.

[2] COM(95) 383, COM(97) 296, COM(2000) 99 e COM(2002) 203.

Com o recuo que permitem os anos que já leva a aplicação do regulamento da cabotagem, a Comissão julga útil tornar pública a interpretação que dá às suas disposições.

A preocupação primeira da Comissão é a transparência. Por várias ocasiões, a Comissão tomou posição sobre questões relacionadas com a aplicação do regulamento, mas sempre num contexto bilateral. Ora, muitas vezes, as questões colocadas por certas pessoas interessam directamente outras.

A segunda preocupação da Comissão é a clarificação. Certas disposições do regulamento não são claras para quem não as tem de aplicar quotidianamente. O objectivo da presente Comunicação é facilitar a leitura do regulamento pelas pessoas que o devem aplicar ou a ele queiram recorrer.

Esta Comunicação limita-se a apresentar, a título informativo, a interpretação que a Comissão dá ao regulamento. Não é seu propósito revê-lo ou sobrepor-se às competências de interpretação do Tribunal de Justiça. Se um futuro acórdão do Tribunal de Justiça vier a contradizer a sua análise, a Comissão acatá-lo-á evidentemente de imediato.

Para facilitar a compreensão, as considerações apresentadas a seguir seguem a ordem do texto do regulamento. Como os artigos deste raramente são aqui retomados, recomenda-se a sua consulta.

2. Abertura do mercado da cabotagem marítima

2.1. Liberdade de prestação de serviços de cabotagem marítima

O artigo 1º do Regulamento (CEE) n° 3577/92 liberaliza a cabotagem marítima nos países em que este sector de actividade económica estava reservado a nacionais. A liberdade de prestação de serviços entre dois portos de um mesmo Estado-Membro é extensiva a todos os armadores comunitários [3].

[3] No que se refere aos beneficiários da liberdade de prestação de serviços, ver secção 2.2.

A Comissão considera que esta liberdade não pode, em caso algum, estar sujeita a um regime de autorização prévia, nomeadamente acompanhado de condições restritivas [4]. No máximo, os Estados-Membros podem exigir dos armadores que comuniquem previamente informações sobre os serviços que contam oferecer. A Comissão considera também que os Estados-Membros não podem exigir que as companhias disponham de um representante no seu território.

[4] Ver, no entanto, as regras apresentadas nos capítulos 4 e 5.

A cláusula de standstill do artigo 7º do regulamento, que permanece válida apesar da supressão do artigo do Tratado para o qual remete, proíbe em princípio que os Estados-Membros introduzam restrições à liberdade de prestação de serviços que não existiam antes da entrada em vigor do regulamento.

2.2. Beneficiários da liberdade de prestação de serviços

O artigo 1º do regulamento define os beneficiários da liberdade de prestação de serviços de cabotagem marítima. Trata-se dos armadores comunitários (1) que explorem navios registados num Estado-Membro (2) e que arvorem pavilhão desse Estado-Membro (3) desde que esses navios preencham os requisitos necessários à sua admissão à cabotagem nesse Estado-Membro (4).

Convirá precisar melhor as condições (1), (2) e (4). Coloca-se, por outro lado, a questão da abertura do mercado a navios que não preencham as condições acima enumeradas.

2.2.1. Noção de armador comunitário

O ponto 2 do artigo 2º do regulamento distingue três tipos de "armadores comunitários":

«a) Os nacionais de um Estado-Membro que estejam estabelecidos num Estado-Membro ao abrigo da legislação desse Estado e que se dediquem a actividades de navegação;

b) As companhias de navegação estabelecidas de acordo com a legislação de um Estado-Membro cuja sede principal esteja situada num Estado-Membro e cujo controlo efectivo seja exercido num Estado-Membro; ou

c) Os nacionais de um Estado-Membro estabelecidos fora da Comunidade ou as companhias de navegação estabelecidas fora da Comunidade e controladas por nacionais de um Estado-Membro, se os seus navios estiverem registados num Estado-Membro e arvorarem o respectivo pavilhão, de acordo com a sua legislação».

A questão que mais interrogações suscita é a definição da noção de "controlo" utilizada no regulamento para dois desses três tipos de "armadores comunitários".

O regulamento inclui entre os "armadores comunitários" «as companhias de navegação estabelecidas de acordo com a legislação de um Estado-Membro cuja sede principal esteja situada num Estado-Membro e cujo controlo efectivo seja exercido num Estado-Membro» (ponto 2, alínea b), do artigo 2º). A Comissão considera que a noção de "controlo efectivo num Estado-Membro" significa, neste contexto, que as decisões determinantes são tomadas e a gestão quotidiana é assegurada a partir do território comunitário e que as reuniões do Conselho de Administração se realizam no território da Comunidade.

São também "armadores comunitários" «os nacionais de um Estado-Membro estabelecidos fora da Comunidade ou as companhias de navegação estabelecidas fora da Comunidade e controladas por nacionais de um Estado-Membro, se os seus navios estiverem registados num Estado-Membro e arvorarem o respectivo pavilhão, de acordo com a sua legislação» (ponto 2, alínea c), do artigo 2º). A Comissão considera que a noção de "controlo por nacionais de um Estado-Membro" expressa neste artigo significa que a maior parte do capital da companhia é detida por nacionais da Comunidade.

A condição de registo do navio num Estado-Membro carece igualmente de clarificação.

2.2.2. Condições de registo num Estado-Membro e de acesso à cabotagem nacional

O regulamento não estabelece a lista dos registos dos Estados-Membros relativamente aos quais são preenchidas as condições de registo e de acesso à cabotagem nacional. Tal lista seria, aliás, susceptível de variar no tempo.

A condição de registo num Estado-Membro pressupõe que o registo considerado se situe num território a que são aplicáveis o Tratado e o direito derivado. Assim, os navios registados nos registos de Kerguelen - Territórios Austrais e Antárcticos Franceses -, das Antilhas Neerlandesas, da Ilha de Man, das Bermudas e das Ilhas Caimão não integram os beneficiários do regulamento [5].

[5] Na sua maioria, estes territórios fazem parte dos países e territórios ultramarinos a que é aplicável, em virtude do n.º 3 do artigo 299º do Tratado, um regime especial de associação com os Estados-Membros.

Em contrapartida, os navios registados em Gibraltar integram os beneficiários do regulamento, uma vez que o Tratado é aplicável a este território [6]. O acesso dos navios registados neste registo à cabotagem comunitária poderá todavia ser recusado, se se estabelecer que não estão efectivamente sujeitos ao Tratado e ao direito derivado comunitário.

[6] O n.º 4 do artigo 299º do Tratado estabelece que «As disposições do presente Tratado são aplicáveis aos territórios europeus cujas relações externas sejam asseguradas por um Estado-Membro».

O regulamento prevê também que, para ser admitido à cabotagem num outro Estado-Membro, um navio de um Estado-Membro deve preencher todos os requisitos necessários à admissão à cabotagem no Estado-Membro em que está registado.

Assim, os navios que não beneficiam de acesso à cabotagem nacional não beneficiam também de direito de acesso aos mercados dos outros Estados-Membros. Do mesmo modo, aos navios que beneficiam de acesso condicionado ao mercado nacional podem ser impostas condições similares quando pretendam operar noutro Estado-Membro. Por exemplo, se o registo no segundo registo X de um Estado-Membro estiver sujeito à condição de que o navio opere pelo menos metade do ano em rotas internacionais, um navio registado no registo X não poderá exigir um acesso mais amplo à cabotagem nos outros Estados-Membros (não beneficiará do direito de aí oferecer serviços regulares todo o ano) [7].

[7] Ver o quarto relatório da Comissão sobre a execução do Regulamento (CEE) n.º 3577/92 relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima) (1999-2000), COM(2002) 203, pp. 5-6.

2.3. Abertura do mercado aos navios que não são beneficiários do regulamento

Vários Estados-Membros abriram os seus mercados em maior grau do que o previsto no regulamento, seja erga omnes, seja por meio de acordos bilaterais ou por meio de autorizações pontuais. Estas práticas não são contrárias ao direito comunitário.

3. Âmbito de aplicação do regulamento (CEE) n° 3577/92

O ponto 1 do artigo 2º do Regulamento (CEE) n° 3577/92 indica que este é aplicável aos serviços de transporte marítimo (transporte por mar de passageiros ou mercadorias) dentro de um Estado-Membro. O texto do regulamento fornece seguidamente uma lista indicativa dos tipos de serviços de cabotagem abrangidos.

Desde a entrada em vigor do regulamento, têm sido colocadas, no que respeita ao seu âmbito de aplicação, quatro questões principais. O regulamento abrange as embarcações de recreio? O segmento de cabotagem de um serviço internacional de cruzeiro inscreve-se no seu âmbito de aplicação? Os serviços efectuados por navios como os rebocadores estão abrangidos? Os serviços feeder devem ser considerados cabotagem ou serviços internacionais? Estas questões são seguidamente abordadas uma a uma.

3.1. Embarcações de recreio

O Regulamento (CEE) n° 3577/92 abrange apenas os serviços marítimos "normalmente prestados contra remuneração". A maior parte das actividades realizadas por embarcações de recreio está, pois, excluída do seu âmbito de aplicação.

3.2. Serviços de cruzeiro

Os serviços de cruzeiro inscrevem-se no âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n° 3577/92 quando são prestados num Estado-Membro (ver o n.º 1 do artigo 3º e o n.º 1 do artigo 6º do regulamento). Trata-se é de saber se o segmento de cabotagem de um serviço de cruzeiro internacional é igualmente abrangido pelo regulamento.

A Comissão considera que o regulamento só é aplicável quando embarcam ou desembarcam passageiros no Estado-Membro em que tem lugar o segmento de cabotagem.

Um serviço de cruzeiro que se inicia no Estado-Membro X ou num país terceiro e termina num país terceiro ou no Estado-Membro X e escala portos de um Estado-Membro Y não é abrangido pelo Regulamento (CEE) n° 3577/92 se no Estado-Membro Y não embarcarem nem desembarcarem passageiros. Em tal caso é aplicável o Regulamento (CEE) n.º 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados-Membros e Estados-Membros para países terceiros [8].

[8] JO L 378 de 31.12.1986, p. 1.

3.3. Serviços marítimos versus serviços portuários

Os serviços efectuados por navios como os rebocadores estão abrangidos pelo Regulamento (CEE) n° 3577/92? O texto do regulamento não responde em concreto a esta questão. Para clarificar a situação de um conjunto de serviços geralmente prestados perto da costa (e.g. reboque, pilotagem, dragagem), é útil relembrar o quadro jurídico geral que rege a prestação de serviços.

O artigo 49º (Capítulo "Os serviços") do Tratado estabelece que «as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação». Este artigo não se aplica, todavia, aos «serviços em matéria de transportes». O n.º 1 do artigo 51º do Tratado estabelece que «a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes». O Título "Os transportes" do Tratado estabelece que, no que se refere aos transportes marítimos, compete ao Conselho decidir da adopção de disposições adequadas (ver n.º 2 do artigo 80º do Tratado).

Até ao momento, o Conselho adoptou dois regulamentos que aplicam o princípio da livre prestação de serviços ao sector dos transportes marítimos: o Regulamento (CEE) n.º 4055/86, que diz respeito ao tráfego entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros, e o Regulamento (CEE) n.º 3577/92, que diz respeito ao tráfego nos Estados-Membros. Ambos são aplicáveis ao transporte por mar de passageiros e mercadorias.

Uma proposta de directiva que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos serviços portuários está em discussão no Conselho e no Parlamento Europeu [9]. A proposta tem por objecto os serviços técnico-náuticos de pilotagem, reboque e amarração prestados aos utentes do porto, quer no interior da zona portuária quer nas vias navegáveis de acesso ao porto ou sistema portuário [10].

[9] COM(2002) 101 final.

[10] O âmbito do projecto de directiva abrange igualmente a movimentação de carga e os serviços de passageiros.

Assim, de entre os serviços prestados perto da costa, os que não são do domínio dos transportes, como a dragagem, estão abrangidos pelo artigo 49º do Tratado e os que são do domínio dos transportes, como o reboque, estão abrangidos pela legislação atrás referida baseada no n.º 2 do artigo 80º do Tratado.

Em síntese, no que se refere aos "serviços em matéria de transportes", os serviços técnico-náuticos prestados na zona portuária, conforme definido no projecto de directiva, ficariam abrangidos por essa directiva. Os serviços técnico-náuticos que envolvam transporte de mercadorias ou passageiros ao largo, fora da zona portuária, estão abrangidos pelos Regulamentos (CEE) n°s 4055/86 e 3577/92. Na prática, trata-se essencialmente do reboque de navios na sequência de avaria ou do reboque de plataformas para seu posicionamento.

A Comissão gostaria de assinalar que o transporte de passageiros em embarcações se inscreve no âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n° 3577/92 mesmo quando o serviço tem lugar num único "sistema portuário", conforme definido na legislação do Estado-Membro interessado (e.g. a travessia de um estuário). Analogamente, a Comissão considera que o transporte de passageiros em embarcações com fins turísticos, com partida e destino no mesmo porto, é abrangido pelo regulamento.

3.4. Serviços feeder

Serviços feeder são as operações em que um transportador descarrega mercadorias de um navio procedente de um determinado ponto de partida para as transferir para outro navio que prossegue a viagem para um porto de destino. Este serviço é normalmente efectuado no âmbito de um conhecimento directo. Colocou-se a questão de saber se tais serviços deverão ser considerados serviços internacionais, abrangidos pelo Regulamento (CEE) n.º 4055/86 (que não prevê condições relativamente ao pavilhão), ou serviços de cabotagem, abrangidos pelo Regulamento (CEE) n.º 3577/92 (que as prevê).

Em Fevereiro de 1996, a Comissão consultou os Estados-Membros sobre esta matéria. A consulta revelou que nos Estados-Membros em que os serviços de cabotagem estão reservados a navios que arvoram pavilhão de um Estado-Membro, em conformidade com o Regulamento (CEE) n° 3577/92, os serviços feeder são considerados serviços de cabotagem (Portugal é a única excepção), enquanto nos restantes Estados-Membros a prestação destes serviços é livre. A Comissão considerou, portanto, que os Estados-Membros poderiam reservar os serviços feeder a navios que arvoram um pavilhão da Comunidade.

Note-se, contudo, que autorizar uma companhia a prestar serviços feeder para o transporte de carga internacional na sequência de, ou a preceder, uma viagem internacional pela mesma companhia pode conduzir a economias substanciais no custo do transporte.

Na opinião da Comissão, esta questão carece de uma análise mais aprofundada.

***

Clarificado o âmbito de aplicação do princípio da livre prestação de serviços de transporte marítimo no quadro do Regulamento (CEE) n° 3577/92, analisam-se seguidamente as derrogações a este princípio previstas no regulamento.

O regulamento prevê três tipos de derrogações. A liberdade de prestação de serviços de cabotagem insular pode ser limitada pela imposição, pelos Estados-Membros interessados, de regras em matéria de tripulação (ver capítulo 4) ou de obrigações de serviço público (ver capítulo 5). A liberdade de prestação de seviços pode também ser temporariamente suspensa em caso de perturbação grave do mercado de transportes nacionais (ver capítulo 6).

4. Regras em matéria de tripulação

As questões respeitantes à tripulação são, por tradição, da competência dos Estados de bandeira. As regras variam consideravelmente, consoante os registos. Assim, certos Estados-Membros impõem condições estritas no que se refere à nacionalidade: todos os membros da tripulação devem ser nacionais da Comunidade. Outros limitam-se a reservar o exercício das funções de comandante e imediato a nacionais da Comunidade. Estes diferentes requisitos de nacionalidade traduzem-se em importantes diferenças de custo de um registo para outro.

A fim de limitar a concorrência intracomunitária nas rotas mais sensíveis, o artigo 3º do regulamento permite que os Estados-Membros "de acolhimento" imponham as suas próprias regras em matéria de tripulação aos navios que efectuam cabotagem insular. Os Estados-Membros "de acolhimento" podem igualmente decidir das regras a aplicar à tripulação dos pequenos navios (menos de 650 GT). Na prática, cinco Estados-Membros optaram por aplicar estas disposições do regulamento.

Para não esvaziar de sentido o princípio da livre prestação de serviços, o regulamento prevê contudo que, para os navios de carga com mais de 650 GT que efectuam cabotagem insular, continuarão a ser aplicáveis as regras do Estado de bandeira quando a viagem em causa se seguir a, ou preceder, uma viagem com destino ou partida noutro Estado (cabotagem consecutiva).

Estas disposições suscitam duas interrogações quanto ao âmbito das competências do Estado de acolhimento.

A primeira refere-se ao teor das regras em matéria de tripulação que são da competência do Estado de acolhimento e a segunda à fronteira entre as competências respectivas do Estado de acolhimento e do Estado de bandeira no caso da cabotagem consecutiva.

Colocou-se igualmente a questão de saber se, no caso dos navios de cruzeiro que efectuam cabotagem insular, são aplicáveis as regras do Estado de bandeira ou do Estado de acolhimento. A Comissão considera que o texto do regulamento é muito claro a este respeito: relativamente aos navios de cruzeiro, as regras em matéria de tripulação são da competência do Estado de bandeira (ver n.º 1 do artigo 3º do regulamento). A questão foi submetida ao Tribunal de Justiça.

4.1. Natureza das regras em matéria de tripulação que podem ser impostas por um Estado de acolhimento

O regulamento não especifica que "assuntos relacionados com a tripulação" são da competência do Estado de acolhimento. Segundo alguns, a competência do Estado de acolhimento é ilimitada (o regulamento refere "todos" os assuntos relacionados com a tripulação). A Comissão tem uma abordagem mais restritiva. A Comissão considera que a competência do Estado de acolhimento deve ser limitada, a fim de acautelar o princípio da livre prestação de serviços a que esta competência derroga.

A Comissão considera que os Estados de acolhimento são competentes para determinar a proporção de nacionais da Comunidade na tripulação dos navios que efectuam cabotagem insular (e dos navios com menos de 650 GT). Um Estado-Membro pode, assim, exigir que a tripulação de tais navios seja inteiramente constituída por nacionais da Comunidade. Os Estados-membros podem igualmente exigir que os marítimos que prestam serviço a bordo estejam cobertos por um regime de segurança social na União Europeia. Tratando-se das condições de trabalho, podem impor o salário mínimo em vigor no país. Em contrapartida, no que respeita às regras de segurança e no domínio da formação (incluindo as línguas faladas a bordo), a Comissão considera que os Estados-Membros não podem exigir mais do que a observância das normas comunitárias ou internacionais em vigor (Convenções STCW e SOLAS), sob pena de restringirem de modo desproporcionado a liberdade de prestação de serviços.

4.2. Cabotagem consecutiva

O n.º 3 do artigo 3º do regulamento estabelece que «a partir de 1 de Janeiro de 1999, para os cargueiros com mais de 650 toneladas brutas que efectuem cabotagem insular, quando a viagem em causa se seguir a ou preceder uma viagem com destino ou origem noutro Estado, todos os assuntos relacionados com a tripulação serão da responsabilidade do Estado em que o navio se encontra registado (Estado de bandeira)».

A Comissão considera que as regras do Estado de bandeira só devem aplicar-se quando são efectivamente transportadas mercadorias no segmento internacional da viagem que se segue ou precede o segmento nacional da viagem.

Caso contrário, com efeito, os armadores poderiam contornar as regras do Estado de acolhimento acrescentando uma viagem internacional fictícia à viagem de cabotagem insular. É por isso que a Comissão aceitou que os Estados-Membros continuassem a aplicar as regras do Estado de acolhimento quando a viagem internacional que se segue ou precede a viagem de cabotagem insular é feita em lastro. A Comissão considera, no entanto, que as regras do Estado de bandeira se podem aplicar a um navio comunitário que efectua uma viagem de cabotagem insular após ter efectuado uma viagem funcional e comercialmente autónoma com partida ou destino noutro Estado e que, para se dirigir ao porto em que será carregado para a viagem de cabotagem insular, efectua um trajecto em lastro suficientemente curto e acessório para que, na prática, a viagem de cabotagem insular se siga ou preceda efectivamente uma viagem internacional.

As regras em matéria de tripulação aplicáveis quando o navio em causa está sujeito a obrigações de serviço público são precisadas no ponto 5.3.2.2.

4.3. Revisão das regras em matéria de tripulação

De acordo com o Regulamento (CEE) n° 3577/92, o regime definitivo em matéria de tripulação devia ser aprovado pelo Conselho antes de 1 de Janeiro de 1999, com base numa proposta da Comissão subsequente a uma análise aprofundada das repercussões económicas e sociais da liberalização da cabotagem insular.

A Comissão apresentou ao Conselho, em 17 de Junho de 1997, um relatório sobre a matéria e, em 29 de Abril de 1998, uma proposta de regulamento [11]. Essa proposta tinha por objectivo generalizar a competência do Estado de bandeira em matéria de tripulações. A competência residual do Estado de acolhimento restringia-se aos navios com menos de 650 GT e à fixação da proporção de nacionais da Comunidade na tripulação dos navios que efectuam serviços regulares de passageiros e ferries (incluindo serviços mistos e serviços regulares de cruzeiro). Aos marítimos de países terceiros que prestam serviço a bordo desses navios aplicar-se-iam condições de emprego idênticas às vigentes para os residentes dos Estados-Membros.

[11] COM(1998) 251 final.

A proposta não teve o acordo dos Estados-Membros. A Comissão propôs a sua retirada em 11 de Dezembro de 2001. A Comissão não tenciona, de momento, apresentar nova proposta. As disposições previstas no artigo 3º do regulamento não serão, portanto, alteradas a curto prazo.

5. Serviço público

O transporte marítimo de passageiros e mercadorias é vital para os habitantes das regiões insulares europeias. É essa a razão que presidiu ao estabelecimento de um conjunto de regras especiais destinadas a proteger algumas dessas ligações marítimas, que o mercado não serve adequadamente.

O regulamento oferece aos Estados-Membros um quadro para organizarem, de modo compatível, intervenções no mercado através de restrições ao acesso ao mercado ou de financiamentos decorrentes da imposição de obrigações de serviço público aos serviços marítimos. O propósito do presente capítulo é clarificar, quando necessário, as condições estabelecidas pelo regulamento com o objectivo de compatibilizar a intervenção pública com as regras gerais do Tratado.

5.1. Âmbito geográfico das ligações de serviço público

De acordo com o n.º 1 do artigo 4º do regulamento da cabotagem, as ligações de serviço público têm de servir rotas de, para e entre ilhas. Os grandes estuários e os fiordes que impliquem desvios de cerca de 100 km por estrada [12] podem ser equiparados a ilhas para efeitos destas disposições, dado que poderão causar problemas similares, por isolarem entre si agregados urbanos.

[12] A razão entre a distância de circunvalação e a distância de travessia do estuário deverá ser cerca de 10 ou superior.

5.2. Rotas de cabotagem insular em que podem ser impostas obrigações de serviço público

Compete aos Estados-Membros (incluindo, nos casos adequados, as autoridades regionais ou locais) determinar as rotas em que são necessárias obrigações de serviço público [13]. Concretamente, podem ser previstas obrigações de serviço público para serviços regulares de cabotagem insular caso o mercado não assegure serviços adequados.

[13] O estabelecimento de obrigações de serviço público não compete aos armadores.

Segundo as condições estabelecidas no regulamento, os Estados-Membros podem impor obrigações de serviço público com o fim de «assegurar a adequação» dos serviços regulares de transporte marítimo para uma dada ilha (ou num estuário) nos casos em que os armadores comunitários, atendendo aos seus próprios interesses comerciais, não assegurariam serviços de nível adequado nas mesmas condições [14]. Fora isso, a prestação destes serviços deve ser livre.

[14] Ver o nono considerando e o n.º 4 do artigo 2º do regulamento. Ver igualmente o acórdão do Tribunal de Justiça, no processo C-205/99 (pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234° do Tratado, pelo Tribunal Supremo (Espanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre a Asociación Profesional de Empresas Navieras de Lineas Regulares (Analir) e outros e a Administración General del Estado, uma decisão a título prejudicial), fundamentos 31 e seguintes, Col. 2001 I-01271.

Ao imporem obrigações de serviço público para os serviços a que se refere o nº 1 do artigo 4º do regulamento, os Estados-Membros devem limitar a sua intervenção aos requisitos essenciais a que se refere o nº 2 do artigo 4º e respeitar o princípio da não-discriminação estabelecido no nº 1 do artigo 4º em relação a todos os armadores comunitários interessados em servir a rota em questão. Este princípio deve ser estritamente respeitado quer na decisão quanto à natureza das obrigações quer durante o processo administrativo que conduz à selecção do operador de um dado serviço ou fixa o montante da compensação.

5.3. Obrigações que podem ser impostas

5.3.1. Distinção entre obrigações de serviço público e contratos de serviço público

No Regulamento (CEE) n° 3577/92 faz-se distinção entre "obrigações de serviço público" (ver o ponto 4 do artigo 2º e n.º 2 do artigo 4º do regulamento) e "contratos de fornecimento de serviços públicos" (ver ponto 3 do artigo 2º). Os contratos de fornecimento de serviços públicos são o instrumento normalmente utilizado para consagrar as obrigações de serviço público nos casos em que uma abordagem horizontal aplicável a todos os armadores que pretendem servir uma dada rota poderá não ser suficiente para responder devidamente às necessidades essenciais de transporte, nomeadamente no que respeita às condições gerais relativas à qualidade do serviço em questão.

O n.º 2 do artigo 4º do regulamento estabelece uma lista exaustiva dos requisitos que podem ser estabelecidos quando são impostas "obrigações de serviço público". O ponto 3 do artigo 2º do regulamento limita-se a dar indicações a esse respeito, podendo os Estados-Membros ir mais longe. Na prática, os "contratos de fornecimento de serviços públicos" integram frequentemente requisitos de qualidade, que não podem ser estabelecidos no âmbito de "obrigações de serviço público". No que se refere às "obrigações de serviço público", o requisito da "capacidade de prestação do serviço" por parte dos armadores pode incluir uma obrigação de solvência e o requisito de inexistência de dívidas ao fisco ou à segurança social [15]. A Comissão considera que a obrigação de utilizar um ferry rápido se pode igualmente inscrever nesta categoria.

[15] Ver acórdão no processo C-205/99, fundamentos 45 a 51 (cf. nota anterior).

Quando são impostas obrigações de serviço público, os requisitos de regularidade e frequência do serviço podem ser satisfeitos colectivamente, e não individualmente, por todos os armadores que servem a mesma rota [16].

[16] Caso uma ilha necessite de um serviço quatro vezes por semana e dois armadores se disponham a participar, cada um só terá de se comprometer a efectuar o serviço duas vezes por semana ou, respectivamente, uma e três vezes por semana.

5.3.2. Princípio da não-discriminação

De acordo com o princípio da não-discriminação consagrado no regulamento da cabotagem, os Estados-Membros não devem estabelecer obrigações especialmente adaptadas a uma determinada companhia de navegação e que impeçam outros armadores comunitários de entrar no mercado ou obrigações que produzam o mesmo efeito.

Em particular, a Comissão gostaria de chamar a atenção dos Estados-Membros para os problemas colocados por dois tipos de disposições, a seguir abordados.

5.3.2.1. Retoma dos navios

Colocou-se primeiramente a questão de saber se um Estado-Membro que põe a concurso um contrato de fornecimento de serviços públicos pode impor ao proponente vencedor a retoma dos navios e tripulações do anterior operador. A Comissão considera que, na maioria dos casos, tal obrigação constituiria uma infracção ao Regulamento (CEE) n° 3577/92 visto ser discriminatória. Impediria armadores comunitários de se apresentarem a concurso com os seus próprios navios e daria vantagem ao operador prestador do serviço caso este fosse candidato à sua própria sucessão.

A Comissão reconhece todavia que, numa situação em que o serviço de uma ilha exija a utilização de um navio de configuração tão especial que não exista ou não possa ser vendido no mercado nem possa ser utilizado para outro fim, a retoma do navio restringirá a liberdade de prestação de serviços em menor grau do que a adjudicação do serviço a um único armador no âmbito de um contrato que teria de ter uma duração suficiente para permitir a amortização total de um navio propositadamente construído. Em tais casos, o navio poderia ser alugado - em condições bem definidas, estabelecidas circunstanciadamente na documentação do concurso - pelos sucessivos operadores a uma companhia proprietária de navios constituída para o efeito. A obrigação de o novo prestador do serviço retomar directamente o navio do seu predecessor seria também concebível. Note-se que esta obrigação não pode ser extensiva à tripulação (a opção por conservar o pessoal de bordo deve evidentemente ser deixada ao proponente).

Caso as próprias autoridades dos Estados-Membros possuam navios ou, de algum modo, tenham navios à sua disposição, estes poderão ser postos à disposição de todos os potenciais operadores de serviços em condições idênticas e não-discriminatórias.

5.3.2.2. Condições em matéria de tripulação

Levantaram-se também questões quanto às condições que podem ser impostas em matéria de tripulação no âmbito das obrigações de serviço público e dos contratos de serviço público.

Na opinião da Comissão, o tipo de regras em matéria de tripulação que podem ser impostas pelos Estados-Membros de acolhimento para qualquer navio que efectue um serviço de cabotagem insular (n.º 2 do artigo 3º do regulamento) ou no âmbito de obrigações de serviço público e de contratos de serviço público (artigo 4º) deve, em princípio, ser idêntico. Essas regras são especificadas no capítulo 4 da presente Comunicação.

De facto, os Estados-Membros estariam provavelmente a violar o princípio da não-discriminação consagrado no Regulamento (CEE) n° 3577/92 se, ao imporem obrigações de serviço público, fossem além do aceitável nos termos do artigo 3º deste regulamento [17].

[17] Não obstante, a Comissão considera que, em certos casos excepcionais, a imposição de uma condição, inaceitável nos termos do artigo 3º do regulamento, mas essencial para o serviço público, seria aceitável nos termos do artigo 4º, desde que comprovadamente se justificasse e fosse proporcional ao objectivo pretendido. Tais situações carecem de um exame caso a caso.

A Comissão considera, todavia, que os Estados-Membros podem licitamente impor as suas próprias condições em matéria de tripulação aos navios que operam em rotas de serviço público, mesmo quando a viagem de cabotagem insular se segue a, ou precede, uma viagem com destino ou partida noutro Estado-Membro. O n.º 3 do artigo 3º do regulamento não deverá aplicar-se no caso das rotas em que são impostas obrigações de serviço público.

5.4 Procedimento a seguir para a imposição de obrigações de serviço público

Os Estados-Membros têm ao seu dispor várias modalidades administrativas de imposição de "obrigações de serviço público" a todos os operadores numa dada rota, tais como um sistema de declarações, um sistema de licenciamento ou um regime de autorização. Os Estados-Membros podem ainda impor obrigações de serviço público mediante a celebração de contratos de fornecimento de serviços públicos com um ou com um número limitado de operadores.

No seu acórdão relativo ao processo C-205/99, o Tribunal de Justiça considerou que um regime tão restritivo como um regime de autorização é aceitável desde que seja necessário, proporcional ao objectivo prosseguido e fundamentado em critérios objectivos e não-discriminatórios, conhecidos antecipadamente das empresas em causa. As empresas deverão também dispor do direito de recorrer das decisões tomadas contra elas [18].

[18] Ver acórdão no processo C-205/99.

Há que assinalar, todavia, que seria difícil para um Estado-Membro introduzir um regime de autorização posteriormente à entrada em vigor do regulamento sem infringir a cláusula de standstill estabelecida no seu artigo 7º. Em princípio, apenas os Estados-Membros em que já estivesse vigente um regime de autorização anteriormente à entrada em vigor do regulamento poderiam continuar a aplicar tal regime.

Quando celebra um "contrato de fornecimento de serviços públicos", a autoridade competente de um Estado-Membro tem igualmente de respeitar as regras pertinentes relativas aos contratos públicos. Estas exigem, no mínimo, um nível de publicidade suficiente, a fim de garantir uma real concorrência, e a organização de um processo de selecção transparente e não-discriminatório, proporcional ao objectivo a alcançar [19]. Além disso, tratando-se da adjudicação de contratos abrangidos pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços [20], as especificações técnicas devem obedecer a certas regras e o anúncio de adjudicação do contrato tem de ser publicado no Jornal Oficial da União Europeia.

[19] Ver a comunicação interpretativa da Comissão sobre as concessões em direito comunitário (JO C 121 de 29.4.2000, p. 2) e o acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-324/98 Teleaustria and Telefonadress c/ Telekom Austria (Col. 2000 p. I-10745); ver igualmente o ponto 5.3.2 da presente comunicação.

[20] JO L 209 de 24.7.1992, p. 1.

A Comissão considera que, em geral, a celebração de contratos de fornecimento de serviços públicos pode ser fonte de discriminação entre os operadores, dado que, normalmente, diz respeito a um único operador da rota em questão. Assim, considera que o lançamento de um concurso público à escala comunitária é, em princípio, o melhor meio de assegurar que não haverá discriminação (ver também a secção 5.6 [21]).

[21] Em princípio, a responsabilidade pela totalidade do processo deverá incumbir a uma entidade independente. A Comissão reconhece todavia que, em alguns casos, poderá ser suficiente confiar a um organismo independente apenas a fase final do processo (avaliação das propostas e adopção da decisão final).

A Comissão não exige que os Estados-Membros a notifiquem de cada contrato de fornecimento de serviços públicos que celebrem (para os casos em que o contrato envolve uma compensação pública, ver a secção 5.7 da presente Comunicação). A obrigação de notificação prevista no artigo 9º do regulamento refere-se apenas a actos de âmbito mais vasto, como o quadro jurídico geral para os serviços de cabotagem.

5.5. Acesso ao mercado e concorrência nas rotas de serviço público

Ao imporem obrigações de serviço público, os Estados-Membros intervêm nas condições de acesso ao mercado em certas rotas, o que poderá distorcer a concorrência se a intervenção não respeitar o princípio da não-discriminação. Estas intervenções podem ser consideradas legítimas e legais, atendendo ao objectivo a realizar (garantir um fornecimento adequado de serviços de transporte regulares de, para e entre ilhas). As intervenções relacionadas com a imposição de obrigações de serviço público devem ser proporcionais ao objectivo. Caso excedam o estritamente necessário, estarão a limitar desnecessariamente uma liberdade essencial para o bom funcionamento do mercado interno. A Comissão gostaria de analisar agora três tópicos relacionados com esta questão.

5.5.1. Exclusividade

Conceder a um armador a exclusividade de uma rota de serviço público permite, normalmente, aos Estados-Membros reduzir ao mínimo os custos para os contribuintes, mas restringe a liberdade comercial que é tradição no sector dos transportes marítimos.

Há que estabelecer um justo equilíbrio entre os dois conjuntos de princípios.

Em casos devidamente justificados, a exclusividade poderá ser vista como o único instrumento adequado para responder às necessidades essenciais de transporte, desde que concedida por um período limitado e baseada num processo de adjudicação pública equitativa e não-discriminatória à escala comunitária.

A exclusividade pode ainda ser concedida em moldes que sempre restringiram o acesso a serviços suplementares em condições não-discriminatórias, garantindo simultaneamente as prestações do operador que fornece os serviços que respondem às necessidades essenciais de transporte em regime de direitos exclusivos.

A Comissão sublinha, todavia, que em muitos casos se pode optar por medidas menos restritivas que a exclusividade, a fim de evitar que se aproveite oportunisticamente a cereja em cima do bolo do mercado e reduzir o volume de auxílio estatal necessário. Um operador contratualmente vinculado, sem direitos exclusivos, a satisfazer obrigações de serviço público todo o ano pode ser prejudicado por outro operador que, livre de obrigações de serviço público, poderá entrar no mercado apenas nos meses mais rentáveis e reduzir assim consideravelmente os ganhos do primeiro.

A Comissão considera que podem ser impostas obrigações ligeiras de serviço público a todos os operadores da mesma rota concomitantemente com a celebração de um contrato de fornecimento de serviços públicos com um operador [22]. Por exemplo, poderá estabelecer-se a condição de que um armador que pretenda operar numa rota objecto de um contrato de fornecimento de serviços públicos que impõe o fornecimento de serviços durante todo o ano tenha de o fazer igualmente durante todo o ano.

[22] No que se refere à possibilidade de os Estados-Membros imporem obrigações de serviço público paralelamente à celebração de um contrato de fornecimento de serviços públicos, ver também o acórdão no processo C-205, fundamentos 60 a 71 (cf. nota 19 supra).

5.5.2. Duração dos contratos de fornecimento de serviços públicos

O regulamento não estabelece uma duração máxima para os contratos de fornecimento de serviços públicos. Decorre no entanto dos artigos 1º e 4º do regulamento que estes contratos deverão ter uma duração limitada, a fim de permitir uma prospecção regular e aberta do mercado. Para que o princípio da proporcionalidade seja respeitado nas intervenções no mercado, deve ser escolhido o processo de resposta às necessidades essenciais de transporte que implique a menor distorção possível. Todos os armadores comunitários deverão dispor regularmente da oportunidade de se candidatarem à exploração de um determinado serviço (ver também a secção 5.6).

Na opinião da Comissão, um contrato por um período superior a 6 anos não respeita, em princípio, a exigência de proporcionalidade.

5.5.3. Agrupamento de rotas

Os Estados-Membros consideram frequentemente desejável agrupar num pacote único as rotas de serviço público de/para diferentes ilhas, a fim de gerar economias de escala e atrair operadores. Tal agrupamento não é, em si mesmo, contrário ao direito comunitário, desde que não seja fonte de discriminações.

A dimensão mais adequada para tais agrupamentos deve ser decidida tendo em conta a melhor sinergia possível na resposta às necessidades essenciais de transporte.

5.6. O caso das "pequenas ilhas"

A Comissão foi alertada para o facto de os pesados procedimentos de celebração de contratos de fornecimento de serviços públicos no sector marítimo se revelarem excessivamente complicados quando se trata de organizar serviços para pequenas ilhas, que, normalmente, são interessantes apenas para operadores locais.

Para conciliar esta situação específica e a necessidade de se observarem os princípios da transparência e da não-discriminação, que a Comissão considera ficarem garantidos apenas através de processos de adjudicação pública, equitativa e não-discriminatória, a Comissão defende que, sem prejuízo das regras comunitárias relativas aos contratos públicos, quando aplicáveis, a selecção de um operador adequado para fornecer serviços de ligação com uma pequena ilha poderá efectuar-se mediante um simples convite à manifestação de interesse e sem concurso formal, desde que o serviço seja anunciado à escala comunitária - o que é muito fácil de fazer. A Comissão considera que poderão aceitar-se contratos com uma duração mais longa, até 12 anos.

Para efeitos da presente Comunicação, a experiência e, em especial, um estudo realizado para a Comissão, mostram que pode entender-se por "pequena ilha" uma ilha em que o número anual total de passageiros transportados por mar de/para a ilha é da ordem de 100 000 ou menos. No que se refere às regiões ultraperiféricas, este limiar aplica-se apenas ao tráfego na região (e não ao tráfego entre uma ilha ultraperiférica e o continente).

As regras simplificadas podem, em princípio, aplicar-se ao transporte quer de passageiros quer de mercadorias de/para uma "pequena ilha" no âmbito de contratos de fornecimento de serviços públicos. No entanto, o transporte de mercadorias, que, normalmente, pode ser organizado em condições de concorrência, deverá ficar excluído sempre que haja o risco de distorção injustificável do mercado.

Quando um mesmo operador serve várias pequenas ilhas, o número total de passageiros transportados por esse operador no quadro do serviço público entra no cálculo do limiar atrás referido.

5.7. Subvenções públicas para compensação de obrigações de serviço público

O regulamento aplica-se do mesmo modo quer sejam ou não atribuídas subvenções. No entanto, os Estados-Membros, quando concedem auxílios estatais para compensação de obrigações de serviço público, têm de o fazer em conformidade com a legislação comunitária, nomeadamente o Regulamento (CEE) n° 3577/92 e as regras do Tratado aplicáveis aos auxílios estatais tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

6. Medidas de salvaguarda

O artigo 5º do regulamento estabelece que os Estados-Membros podem solicitar à Comissão a adopção de medidas de salvaguarda «em caso de perturbação grave do mercado de transportes nacionais devido à liberalização da cabotagem». O n° 2 do artigo 5° estabelece que estas medidas são aplicáveis, por um período não superior a um ano, quando surgem no mercado problemas «que possam originar um excedente grave, e susceptível de persistir, da oferta em relação à procura, que se devam à actividade de cabotagem marítima ou por ela sejam agravados [e] que impliquem uma ameaça séria para o equilíbrio financeiro e para a sobrevivência de um número significativo de armadores comunitários, na condição de as previsões a curto e médio prazo relativas ao mercado em questão não apontarem para melhorias substanciais e duradouras».

Esta disposição apenas foi aplicada uma vez, em Espanha, por ocasião da entrada em vigor do regulamento [23].

[23] Decisão da Comissão 93/396/CEE, de 13 de Julho de 1993, relativa ao pedido da Espanha de adopção pela Comissão de um prolongamento das medidas de salvaguarda ao abrigo do artigo 5º do Regulamento (CEE) n.º 3577/92 do Conselho, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima). JO L 173 de 16.7.1993, p. 33.

Convém sublinhar que a falência pontual de armadores numa dada rota não constitui uma perturbação de amplitude suficiente para justificar a aplicação desta disposição.

De acordo com os relatórios sobre a cabotagem publicados desde a entrada em vigor do regulamento, a liberalização deste sector não deu origem a qualquer outra perturbação grave do mercado de transportes nacionais. É pouco provável que tal se venha a verificar agora, quando a maior parte dos serviços está já liberalizada.

Top