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Document 52000DC0786

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU - A prevenção da criminalidade na União Europeia - Reflexão sobre orientações comuns e propostas a favor de um apoio financeiro comunitário

/* COM/2000/0786 final */

52000DC0786

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU - A prevenção da criminalidade na União Europeia - Reflexão sobre orientações comuns e propostas a favor de um apoio financeiro comunitário /* COM/2000/0786 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU A prevenção da criminalidade na União Europeia Reflexão sobre orientações comuns e propostas a favor de um apoio financeiro comunitário

(apresentada pela Comissão)

ÍNDICE

1. Introdução

2. Contexto e definições

2.1. Contexto jurídico e político

2.2. Definições

2.2.1. Noção de criminalidade

2.2.2. Noção de prevenção

3. Elementos para uma estratégia europeia

3.1. Justificação em termos de subsidiariedade

3.2. Objectivos

3.3. Princípios

4. Instrumentos

4.1. Desenvolver a prevenção do crime nas políticas da União Europeia

4.2. Testar as propostas legislativas: "crime proofing" (à prova de crime)

4.3. Melhorar o conhecimento dos fenómenos relativos à criminalidade

4.4. Ligação em rede dos agentes de prevenção

4.5. Criar um instrumento financeiro

5. Conclusão

1. Introdução

Todos os Estados-Membros da União se confrontam desde há duas décadas com uma criminalidade consideravelmente diversificada e que atinge níveis preocupantes, visando tanto os cidadãos e os seus bens como as empresas e o sector público. Este fenómeno tem custos elevados para as nossas sociedades (humanos para as vítimas, sociais, políticos e económicos). A mundialização e a abertura dos mercados de bens, serviços e capitais foram factores de crescimento sem precedentes na Europa, mas que facilitaram igualmente a expansão da criminalidade organizada transfronteiras.

Evoluindo de forma normalmente autónoma em relação à criminalidade, o sentimento de insegurança está ligado à percepção individual ou colectiva dos cidadãos. Este sentimento não corresponde necessariamente à realidade, mas é fundamental na avaliação feita pelos cidadãos da União sobre a sua qualidade de vida.

Perante esta constatação, as autoridades tomaram consciência dos limites das medidas repressivas tradicionais dos sistemas judiciais e desenvolvem, em diversos graus e de forma complementar, iniciativas de prevenção da criminalidade.

A prevenção da criminalidade tem sido objecto de trabalhos específicos na União Europeia desde 1996. A Conferência de Estocolmo analisou a prevenção da criminalidade ligada à integração económica europeia, mas também a prevenção da criminalidade associada à exclusão social. Posteriormente, realizaram-se vários seminários (Bruxelas-1996, Nordwijk-1997 e Londres-1998) que marcaram etapas no desenvolvimento de uma abordagem da União em matéria de prevenção. Uma das recomendações principais então expressas foi a necessidade de desenvolver o intercâmbio de competências e experiências nacionais. Este tema do intercâmbio de boas práticas é desde então recorrente, estando na base da cooperação desenvolvida contra a criminalidade.

No que diz respeito à luta contra a criminalidade organizada, domínio em que a acção da União foi mais desenvolvida, o Plano de Acção adoptado no Conselho Europeu de Amsterdão em 1997 enuncia, entre as suas directrizes, acções de natureza preventiva que vêm completar as recomendações de carácter mais repressivo. A "Estratégia da União Europeia" para o início do próximo milénio" [1], adoptada em 29 de Março de 2000 para dar continuidade ao Plano de Acção de 1997, reforça ainda mais esta dimensão.

[1] JO C 124 de 3.05.2000, p.1-33.

O Tratado de Amsterdão torna possível uma acção mais global e decidida a nível da União Europeia. A presente comunicação tem por objectivo contribuir para a reflexão sobre a política europeia de prevenção lançada nos dias 4 e 5 de Maio de 2000 por ocasião da conferência de alto nível realizada na Praia da Falésia, por iniciativa da Presidência portuguesa do Conselho. Com efeito, a Comissão anunciara a sua intenção de apresentar uma comunicação no domínio da prevenção da criminalidade, incluindo igualmente propostas a favor de um instrumento financeiro comunitário. É este o tema do presente documento, que será enviado para consulta ao conjunto das instituições e organismos em causa.

2. Contexto e definições

2.1. Contexto jurídico e político

O Tratado de Amsterdão e o Conselho de Tampere

O Tratado de Amesterdão constituiu uma etapa importante ao consagrar no seu artigo 29º a prevenção da criminalidade em geral (não limitada exclusivamente à criminalidade organizada) como uma das políticas da União que contribuem para a criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. A prevenção da criminalidade, até então abordada sobretudo do ponto de vista da prevenção da criminalidade organizada, deve doravante ser objecto de uma acção de âmbito mais geral.

O Conselho Europeu de Tampere realçou a importância deste objectivo nos pontos 41 e 42 das suas conclusões :

« 41. O Conselho Europeu apela à integração dos aspectos preventivos nas acções contra a criminalidade, assim como a um maior desenvolvimento dos programas nacionais de prevenção contra a criminalidade. Haverá que prever e identificar prioridades comuns nesta matéria a nível das políticas interna e externa da União, que deverão ser tidas em conta na preparação de nova legislação.

42. Dever-se-á desenvolver o intercâmbio das melhores práticas, reforçar a rede de autoridades nacionais competentes em matéria de prevenção da criminalidade e a cooperação entre as organizações nacionais que actuam neste domínio, bem como estudar a possibilidade de criar um programa financiado pela Comunidade para esse efeito. A delinquência juvenil e a criminalidade em meio urbano e associada à droga poderiam constituir as primeiras prioridades para este tipo de cooperação».

Por seu turno, o Parlamento Europeu solicitou igualmente, em várias ocasiões, que o Conselho e os Estados-Membros tomassem iniciativas no domínio da prevenção do crime e nomeadamente da criminalidade urbana ligada à droga.

A conferência da Praia da Falésia

Nos dias 4 e 5 de Maio de 2000, sob a Presidência portuguesa, realizou-se uma conferência a nível ministerial, a fim de lançar as bases de uma reflexão sobre a utilização das possibilidades oferecidas pelo Tratado de Amsterdão e sobre a aplicação das conclusões do Conselho Europeu de Tampere. A conferência permitiu :

- Conhecer o estado actual das iniciativas, projectos e posições das instâncias da União Europeia e organizações internacionais neste matéria;

- Examinar a situação na União Europeia, numa primeira fase com base nas experiências nacionais;

- Identificar certas linhas de orientação para futuras acções em matéria de prevenção a nível da União Europeia.

Tendo em conta as relações existentes entre a criminalidade organizada e a criminalidade em geral, a Conferência concluiu que uma estratégia europeia de prevenção da criminalidade devia englobar os dois aspectos, ainda que visse a revelar-se a necessidade de empreender acções específicas no que diz respeito à criminalidade organizada.

Resolução do Conselho sobre a prevenção da criminalidade organizada

Na sequência das primeiras recomendações relativas à prevenção da criminalidade organizada, constantes do Plano de Acção de 1997, o Conselho pretendeu que a Comissão fosse mais longe nesta iniciativa. Numa resolução adoptada em Dezembro de 1998, o Conselho convidou a Comissão e a Europol a trabalharem em conjunto para preparar, até ao final de 2000, um relatório com propostas de iniciativas a nível europeu sobre a prevenção da criminalidade organizada. Este relatório deverá completar, com propostas concretas, os elementos que já constam da estratégia para o início do milénio.

Em Novembro de 1999 foi organizado na Haia um primeiro seminário que reuniu representantes das autoridades públicas, da sociedade civil e, nomeadamente, dos meios académico e empresarial. Em Maio de 2000 decorreu na Costa da Caparica uma segunda conferência, preparada pela Presidência portuguesa, pela Comissão e pela Europol, para prosseguir o diálogo iniciado na Haia e definir os elementos de uma estratégia europeia. No domínio mais específico da droga, em Julho de 1999 a Presidência finlandesa organizou uma conferência sobre o papel das autoridades repressivas em matéria de prevenção.

O documento de trabalho da Comissão e da Europol que será apresentado futuramente baseia-se nas conclusões destes diferentes seminários, bem como na análise das práticas existentes nos Estados-Membros e nos resultados de estudos específicos financiados pelo programa Falcone. O documento proporá uma estratégia de prevenção baseada na análise e na prevenção das oportunidades de crime, cuja aplicação assentaria na criação de estruturas de estudo e de análise dos dados relativos à criminalidade organizada, necessárias ao reforço da capacidade das instituições europeias e dos Estados-Membros para prevenir a criminalidade organizada.

A questão da prevenção nos trabalhos da União Europeia e da comunidade internacional

A questão da prevenção do crime foi abordada em várias ocasiões no âmbito da União Europeia. Em primeiro lugar, no que diz respeito a certos tipos de crimes, como o tráfico de seres humanos e a exploração sexual das crianças. Mas também de forma horizontal, como por exemplo nos seguintes documentos:

- Comunicação da Comissão de 14 de Julho de 1999 sobre as vítimas da criminalidade na União Europeia ;

- Comunicação da Comissão sobre o reconhecimento mútuo das decisões finais, que abrange dois domínios úteis em matéria de prevenção: o reconhecimento mútuo de determinadas medidas de destituição de direitos e o reconhecimento mútuo das decisões penais;

- Plano de Acção da União Europeia contra a droga (2000-2004), em que a prevenção da toxicodependência e o tráfico de estupefacientes assumem uma dimensão importante ;

- Comunicação da Comissão sobre a protecção dos interesses financeiros das Comunidades, que foi aprovada em 28 de Junho de 2000 e inclui uma estratégia global neste domínio. Sendo assim, este tema não é desenvolvido na presente comunicação. A aplicação desta estratégia global prevê o aperfeiçoamento dos diplomas legais comunitários, a fim de os tornar mais resistentes à fraude, a par do desenvolvimento de uma cultura de cooperação para a prevenção de corrupção.

A Comissão considera que importa igualmente aproveitar os trabalhos e as experiências das várias instâncias internacionais, assim como velar pela coerência entre a acção da União Europeia, do Conselho da Europa e das Nações Unidas. Esta dimensão multilateral reveste-se de especial importância no que diz respeito à luta contra a criminalidade organizada transnacional e, neste contexto, a Convenção das Nações Unidas, bem como os seus protocolos suplementares, em cuja negociação participou a Comissão, fornecerá um quadro mundial adequado ao reforço da cooperação internacional.

______

Estes trabalhos e reflexões levaram a Comissão a adoptar uma abordagem global na presente comunicação, que expõe uma estratégia de prevenção de todas as forma de criminalidade.

2.2. Definições

2.2.1. Noção de criminalidade

A criminalidade engloba os actos delituosos cometidos por indivíduos ou por associações espontâneas de pessoas. No entanto, esta noção abrange realidades distintas, nomeadamente :

- a criminalidade em sentido próprio, ou seja, os factos geralmente qualificados de crimes nos direitos nacionais (por exemplo: homicídios, violações e certos tráficos ilícitos) ;

- a delinquência que corresponde a um nível de infracção penal menos grave, mas mais frequente (por exemplo: furtos, receptação, agressões, fraudes ou burlas);

- a violência que tende a alastrar nos meios mais diversos (escolas, estádios, vias públicas, famílias, etc.) ;

- a incivilidade, que sem assumir necessariamente a forma de uma infracção penal, se manifesta por comportamentos associais de vários tipos que podem, numa situação de acumulação, criar um clima de tensão e de insegurança.

Pela sua própria natureza, a criminalidade organizada é objecto de uma definição própria [2], consagrada no artigo 1º da Acção Comum relativa à incriminação da participação numa organização criminosa nos Estados-Membros da União Europeia, de Dezembro de 1998 [3], a saber:

[2] Uma definição muito próxima foi elaborada no quadro da futura Convenção das Nações Unidas sobre a criminalidade organizada transnacional : a) A expressão "grupo criminoso organizado " designa um grupo estruturado composto por três ou mais pessoas, existente desde há um certo tempo e que actua concertadamente com o objectivo de cometer uma ou várias infracções graves ou infracções definidas nos termos da presente convenção, para daí retirar, directa ou indirectamente, um benefício financeiro ou qualquer outro benefício material; b) A expressão "infracção grave" designa um acto que constitui uma infracção punível com a pena privativa da liberdade cuja duração máxima seja, pelo menos, quatro anos ou uma pena mais grave; c) A expressão "grupo organizado" designa um grupo que foi constituído com o propósito de cometer imediatamente uma infracção e que não tem necessariamente funções formalmente definidas para os seus membros, uma continuidade da sua composição ou uma estrutura elaborada ;

[3] Acção comum do Conselho, adoptada em 21.12.1998, JO de 29.12.1998 L 351/1.

- Uma "organização criminosa" é uma associação estruturada de duas ou mais pessoas, que se mantém ao longo do tempo e actua de forma concertada, tendo em vista cometer infracções puníveis com pena privativa da liberdade (...) cuja duração máxima seja de, pelo menos, quatro anos, ou com pena mais grave;

- As infracções cometidas podem constituir um fim em si ou um meio de obter benefícios materiais e, se for caso disso, de influenciar indevidamente a actuação de autoridades públicas;

- As infracções em causa incluem as referidas no artigo 2º da Convenção Europol, bem como no seu Anexo. As infracções referidas incluem as mencionadas no artigo 2º da Convenção Europol e no anexo dessa convenção (formas graves de criminalidade internacional, tal como o tráfico de estupefacientes, de seres humanos, de migrantes, substâncias radioactivas e nucleares, automóveis, etc.) que são passíveis de sanção no mínimo equivalente à prevista no primeiro travessão supra.

2.2.2. Noção de prevenção

Definição

Existem numerosas definições para a prevenção da criminalidade. Para efeitos da presente comunicação, a Comissão propõe a adopção da seguinte definição :

A prevenção do crime engloba todas as actividades que contribuem para fazer cessar ou reduzir a criminalidade enquanto fenómeno social, tanto quantitativa como qualitativamente, quer através de medidas de cooperação permanente e estruturada quer através de iniciativas ad hoc. Estas actividades dizem respeito a todos os agentes susceptíveis de desempenhar um papel preventivo: autarcas, serviços repressivos e sistema judiciário, serviços sociais, sistema educativo, agentes associativos de um modo geral, indústria, bancos e sector privado, investigadores e cientistas, bem como o público em geral, através dos meios de comunicação social.

Os estudos especializados estabelecem uma distinção entre as várias abordagens da prevenção, consoante se concentram nas vítimas, nos autores das infracções, nas pessoas ou grupos sociais de risco ou ainda nas situações de risco.

Deste modo, é possível distinguir três categorias de medidas, consoante tenham por fim:

* a redução das oportunidades, com vista a tornar o crime mais difícil e mais arriscado e a reduzir os benefícios dele resultantes para os criminosos ;

* a redução dos factores sociais e económicos que contribuem para o desenvolvimento da criminalidade ;

* a informação e a protecção das vítimas e a prevenção das situações que geram vítimas.

Convergência das experiências nacionais

A prevenção, como elemento complementar da política de repressão, é uma noção amplamente aceite pelos Estados-Membros e as experiências já efectuadas revelaram resultados encorajadores. Face às experiências em curso, a Comissão destaca a existência de constantes nas estratégias que, de um modo geral :

* valorizam uma abordagem pluridisciplinar ;

* articulam acções de prevenção, políticas de segurança e políticas de «acompanhamento» (políticas policial e judicial, social, educativa, de investigação, etc.) ;

* desenvolvem parcerias entre os agentes da prevenção, no pressuposto de que a prevenção só é eficaz se se apoiar em todas as componentes da sociedade.

Estes princípios, partilhados pelo conjunto dos Estados-Membros, permitem desde já invocar um «modelo europeu» da prevenção da criminalidade.

3. Elementos para uma estratégia europeia

3.1. Justificação em termos de subsidiariedade

As responsabilidades dos Estados-Membros são fundamentais em matéria de prevenção da criminalidade. Exercem-se a nível das diferentes políticas nacionais que contribuem para a prevenção da criminalidade, como o direito penal, a política social, a educação, o urbanismo, a fiscalidade, etc. No que diz respeito à criminalidade geral, a tendência aponta ainda para o desenvolvimento de acções de prevenção o mais perto possível do terreno, como revelam o aparecimento de políticas locais e contratuais variadas, as práticas de «community policing» e a justiça ou a polícia de vizinhança, assim como a associação de parceiros provenientes de horizontes diferentes.

Uma intervenção da União Europeia pode contribuir com um valor acrescentado real para estas políticas.

De facto, por um lado, os Estados-Membros reconhecem que a problemática da criminalidade organizada transfronteiras é uma questão de interesse comum que deve simultaneamente mobilizar os instrumentos comunitários e a cooperação judicial e policial. Por outro lado, no que diz respeito à criminalidade geral, o Conselho Europeu de Tampere já identificou traços comuns: trata-se de uma criminalidade normalmente urbana e associada ao tráfico de droga, na qual a delinquência juvenil atinge níveis preocupantes. Um trabalho de análise aprofundado no conjunto dos Estados-Membros da União permitiria sem dúvida identificar outras constantes.

Além disso, os métodos de prevenção tendem normalmente a aproximar-se, sem que sejam suficientemente conhecidos para além do nível local regional ou nacional. O estabelecimento de intercâmbios de experiências ou de boas práticas que tenham produzido bons resultados noutros domínios da justiça e dos assuntos internos permitiria melhorar a abordagem destes problemas.

Assim, a estratégia da União Europeia situar-se-ia a dois níveis:

Em primeiro lugar, centrar-se-ia nas políticas nacionais de prevenção. Para atingir os objectivos supramencionados, os Estados-Membros deverão assumir compromissos firmes na intensificação dos seus esforços de prevenção da criminalidade, organizada ou de carácter geral. Para o efeito, deverão adoptar ou reforçar estratégias nacionais de prevenção. Devem ser prosseguidos os trabalhos relativos ao inventário das políticas empreendidas pelos Estados e o intercâmbio de informações e de experiências entre os Estados-Membros a que já foi dado início na conferência da Praia da Falésia. Este exercício permitirá definir o que poderá ser empreendido utilmente a nível da União Europeia.

Em segundo lugar, estas políticas serão completadas por uma acção da União Europeia, que, sem se substituir às acções nacionais, regionais ou locais, completará a pirâmide da responsabilidade e facilitará o exercício das acções nacionais, indicando os temas de interesse comum.

3.2. Objectivos

Em primeiro lugar, a Comissão considera que, para ser totalmente eficaz, a resposta ao desafio da criminalidade deve ser global e basear-se na complementaridade dos instrumentos repressivos e preventivos, dado que a existência de sanções rápidas, adaptadas e proporcionadas, assim como um acompanhamento eficaz da execução das penalidades, têm em si um caracter dissuasivo e, por conseguinte, preventivo. Neste contexto, os Estados-Membros devem prever, sempre que oportuno, sanções por violação da legislação comunitária.

Importa seguidamente sublinhar que a prevenção visa por definição actos ainda não cometidos, apelando simultaneamente ao reforço da vigilância, o que poderia dar origem à instituição de dispositivos de segurança abusivamente constrangedores para os cidadãos. Assim, deverá ser dada especial atenção a que as acções de prevenção da União respeitem os princípios fundamentais do direito e as liberdades públicas.

Nessa estratégia de prevenção destinada a proteger tanto o cidadão como a sociedade, a União Europeia deverá ter presente os seguintes objectivos :

* Reduzir as oportunidades que propiciam o crime, aumentar as hipóteses de o criminoso ser descoberto e punido, diminuindo as possibilidades de beneficiar do crime cometido;

* Atenuar os factores que facilitam a entrada na criminalidade, assim como a reincidência;

* Evitar as circunstâncias que conduzem à vítimação, isto é, o conjunto de factores que, colocando uma pessoa numa situação de vulnerabilidade, a predispõem para vir a ser vítima de uma infracção ;

* Reduzir a sensação de insegurança ;

* Promover e divulgar uma cultura da legalidade e da gestão preventiva dos conflitos ;

* Promover uma gestão pública sã ("good governance") e prevenir, em especial, a corrupção ;

* Prevenir a infiltração dos meios criminosos nas estruturas económicas e sociais .

Tratando-se de uma nova política a nível da União, a Comissão considera que se impõe uma hierarquização das prioridades, tendo em conta as orientações definidas no Conselho de Tampere, assim como na conferência da Praia da Falésia. Em matéria de criminalidade geral, deve ser dada especial atenção numa primeira fase à criminalidade urbana, à delinquência juvenil e à criminalidade associada à droga. No que diz respeito à criminalidade organizada, as acções prioritárias deverão visar a criminalidade que recorre às tecnologias avançadas, o tráfico de droga, o tráfico de seres humanos (nomeadamente a exploração das mulheres), a exploração sexual das crianças, a criminalidade financeira e a contrafacção do euro.

3.3. Princípios

Para atingir estes objectivos e tendo em conta a reflexão já iniciada, a estratégia da União deverá articular-se em torno de três pontos :

(1) Conhecimento : melhorar o conhecimento dos fenómenos relativos à criminalidade, com especial destaque para a identificação das novas tendências de criminalidade, o estudo do impacto das acções de prevenção, a avaliação e a troca de experiências e de práticas nacionais.

(2) Parceria : desenvolver a cooperação e a ligação em rede dos agentes de prevenção, a todos os níveis - europeu, nacional e local. A tónica seria colocada simultaneamente na sensibilização para a noção de prevenção, intercâmbio de informações, lançamento de acções e respectivo acompanhamento, incluindo a divulgação dos resultados.

(3) Multidisciplinaridade : promover a complementaridade dos instrumentos, com vista a desenvolver técnicas e métodos de prevenção e, nomeadamente, de redução das oportunidades de crime, e lançar novos projectos.

No que diz respeito à criminalidade organizada, e face a certas particularidades e pedidos especiais apresentados pelo Conselho na sua resolução de Dezembro de 1998, será ulteriormente apresentada uma análise complementar realizada pela Comissão e pela Europol.

4. Instrumentos

Para apoiar a aplicação desta estratégia, a Comissão propõe as seguintes acções e instrumentos de carácter horizontal :

4.1. Desenvolver a prevenção da criminalidade nas políticas da União Europeia

Numeras políticas da União contribuem para a prevenção da criminalidade de uma forma indirecta através promoção da coesão económica e social, do crescimento, do emprego ou de um ambiente económico transparente.

Na resolução do Conselho de Dezembro de 1998 relativa à prevenção da criminalidade organizada e nas conclusões da Conferência de alto nível de Maio de 2000 sobre a prevenção da criminalidade, solicitou-se à Comissão que avaliasse as políticas e os instrumentos comunitários existentes quanto à sua contribuição para a prevenção da criminalidade. Na sequência deste exame, a Comissão pretende desenvolver uma abordagem mais estruturada que permita recorrer mais sistematicamente às políticas e instrumentos comunitários.

Trata-se em especial das seguintes políticas :

- A regulação das actividades económicas e financeiras :

As políticas de controlo ou de regulação das actividades económicas, empreendidas a nível comunitário, nomeadamente no âmbito do mercado interno, contribuem para prevenir a fraude, a corrupção e outras formas de criminalidade. São especialmente significativos neste campo os instrumentos que visam a transparência dos contratos públicos, a prevenção da utilização de circuitos financeiros para o branqueamento de capitais, a lealdade das transacções comerciais, o enquadramento das pessoas colectivas, o controlo dos movimentos de mercadorias sensíveis e dos transportes ou dos meios de comunicação e de tratamento da informação.

A Comissão já elaborou propostas em matéria de prevenção da fraude nos instrumentos de pagamento [4], de branqueamento de capitais [5], de fraude nos contratos públicos [6], de contrafacção e de pirataria [7]. Outros sectores, igualmente prioritários, deverão ser objecto de novas propostas ou de complementos de estudo. Neste contexto, o Conselho conjunto ECOFIN/JAI, de 17 de Outubro, incumbiu a Comissão de examinar a possibilidade de tornar mais coerentes e reforçar as disposições nacionais existentes em matéria de vigilância dos movimentos transfronteiriços de numerário. Por outro lado, a Comissão foi convidada a identificar as medidas susceptíveis de resolver os problemas, amplamente reconhecidos à escala internacional, suscitados pelas sociedades de fachada e outras entidades jurídicas não-transparentes na luta contra o branqueamento de capitais [8].

[4] A Comissão pretende adoptar um plano de acção nesta matéria até ao final do ano.

[5] A proposta de alteração da directiva de 10 de Junho de 1991 relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para fins de branqueamento de capitais está em fase de adopção.

[6] Para além de uma proposta de alteração do regime comunitário sobre os contratos públicos, actualmente em apreciação pelo Conselho, a Comissão constituiu um grupo de trabalho que analisará a oportunidade de medidas complementares, como o estabelecimento de listas negras e o intercâmbio de informação sobre os proponentes.

[7] Na sequência do Livro Verde sobre o combate à contrafacção e à pirataria no mercado interno, adoptado em 15.10.1998, será elaborado um plano de acção.

[8] O Conselho solicitou à Comissão que lhe apresentasse um relatório no qual seria examinada a possibilidade de estabelecer critérios mínimos de transparência para os vários tipos de entidades jurídicas (nomeadamente fundos fiduciários, « trusts » e fundações), a fim de estabelecer os meios que permitam uma melhor identificação dos proprietários efectivos.

- Política social :

A luta contra a exclusão social é um objectivo estratégico da União Europeia, fixado pelo Conselho Europeu de Lisboa, realizado nos dias 23 e 24 de Março de 2000. Uma vez que a prevenção da criminalidade se inscreve no modelo social europeu reconhecido em Lisboa, afigura-se oportuna uma melhor articulação entre o programa contra a exclusão social e a estratégia de prevenção da criminalidade. A opção pela Comissão de uma nova agenda no domínio social que destaque o estabelecimento de normas de qualidade de vida mais elevadas, incluindo do ponto de vista qualitativo, pode proporcionar, nesta perspectiva, uma oportunidade, nomeadamente para a prevenção da toxicodependência.

A luta contra o racismo e a xenofobia, outro eixo da luta contra a discriminação em geral, está igualmente ligada ao objectivo da prevenção. Esta iniciativa passa pela ajuda à integração social, económica e cultural das populações imigrantes, através da formação, nomeadamente a educação para uma sociedade multicultural, e da luta contra todas as formas de discriminação (a nível do alojamento, no trabalho, no acesso ao ensino, etc.). O programa elaborado pela Comissão inclui um plano de acção destinado a desenvolver o intercâmbio de informações, experiências e boas práticas [9].

[9] O objectivo deste programa, que abrange o período compreendido entre 2001-2006, está directamente ligado ao objectivo de prevenção abordado neste documento e a sua discussão continua no Conselho e no Parlamento.

- Política urbana :

A exemplo do Parlamento e do Comité das Regiões, a Comissão sublinha a importância da dimensão urbana numa política de prevenção da criminalidade. Em conformidade com os nºs 1 e 7 do artigo 4º do Regulamento n° 1260/1999 que estabelece disposições gerais sobre os Fundos Estruturais, a Comissão pode, sob proposta do Estado-Membro, incluir zonas urbanas em dificuldade, nomeadamente com uma taxa de criminalidade e de delinquência elevada, na listas das zonas abrangidas pelo objectivo nº 2. Além disso, as acções que visam as zonas urbanas em dificuldade poderão ser integradas em programas mais vastos, empreendidos tanto nas regiões abrangidas pelo objectivo nº 1 como nas regiões do objectivo nº 2, recorrendo a políticas territoriais multi-sectoriais [10]. Por último, a iniciativa URBAN, que beneficia de financiamentos do FEDER, lançada em 1994 e renovada em 1999, reflecte esta vontade de promover as iniciativas e acções locais, nomeadamente nos bairros problemáticos das grandes aglomerações [11]. A iniciativa URBAN poderá igualmente servir de ponte entre as abordagens inovadoras levadas a efeito a pequena escala e a adopção de uma iniciativa integrada e participativa nos principais programas dos fundos estruturais.

[10] Ver « Quadro de acção para um desenvolvimento urbano sustentável na União Europeia » (COM/98/605 de 28.10.1998) e a comunicação da Comissão denominada « Os Fundos Estruturais e a sua coordenação com o Fundo de Coesão - Orientações para os programas do período de 2000-2006 », parte III.1.

[11] As zonas urbanas em causa, cidades ou bairros, devem satisfazer pelo menos três condições: elevada taxa de desemprego, uma taxa de pobreza e exclusão elevada, um número elevado de imigrantes, minorias étnicas ou refugiados, baixo nível de educação, forte taxa de criminalidade e de delinquência e condições ambientais especialmente degradadas.

Futuramente, a tónica deverá ser colocada na criminalidade proveniente de uma planificação urbana inadequada. Em especial, a situação da insegurança e/ou da delinquência deveria figurar entre os indicadores das auditorias urbanas regularmente efectuadas nas grandes cidades da União Europeia.

- Política regional :

A Comunidade apoia iniciativas de coesão económica e social que, indirectamente, contribuem para a prevenção da criminalidade. Mais directamente, o FEDER pode desde já dar o seu contributo através de programas nacionais de apoio a iniciativas de luta e de prevenção da criminalidade. O exemplo mais significativo é o programa relativo à segurança para o desenvolvimento do Mezzogiorno, apresentado pela Itália no quadro da programação do objectivo nº 1 para 1994-1999 e reconduzido para 2000-2006. Trata-se de um caso específico que reflecte os problemas estruturais a nível do tecido social que determinam a vida económica desta região.

Além disso, a iniciativa INTERREG, igualmente financiada pelo FEDER, permite intervenções mais orientadas para as zonas fronteiriças internas e externas da União, nomeadamente em matéria de desenvolvimento urbano, inclusão social ou cooperação nos domínios jurídico e administrativo.

Ainda que actualmente a política de coesão não identifique a prevenção da criminalidade como um objectivo, podemos considerar que essa política não exclui a tomada em consideração de projectos neste domínio, que poderiam oportunamente integrar o « mainstream » da política regional.

- Política de investigação :

A segurança das redes e a luta contra a criminalidade informática são já objecto de programas específicos de investigação. No âmbito do Espaço Europeu de Investigação (2002-2006), a Comissão examinará as possibilidades de recurso a determinadas técnicas e, nomeadamente, às novas tecnologias para a prevenção do crime em geral.

No que respeita à investigação em ciência económica e social, o quinto Programa-Quadro de Investigação [12] permite estudar as causas dos problemas sociais, conhecer a sua realidade estatística e comparar as boas práticas. Assim, foi criado um grupo de trabalho para examinar no seu contexto os problemas de violência escolar e urbana, de toxicodependência ou, mais genericamente, o sentimento de insegurança e as respostas apresentadas pelos Estados europeus. As novas iniciativas poderiam ter em vista, por exemplo, o estudo dos factores de eficácia das políticas de prevenção.

[12] Decisão do Conselho e do Parlamento Europeu 1999/182/CE, JO L 26 de 1.02.1999, p. 27.

- Sociedade da informação :

A próxima comunicação da Comissão, denominada «Tornar mais segura a sociedade da informação através do combate ao crime informático», proporá uma iniciativa global com vista a tornar mais seguras as redes informáticas, entre as quais a Internet.

Trata-se de uma das prioridades da União, e a Comissão pretende uma aplicação rápida das medidas e recomendações da sua comunicação. Para tal, consultará os meios interessados, a indústria, os utilizadores e as autoridades policiais, avaliando simultaneamente a oportunidade de novos instrumentos jurídicos.

- Política externa :

As políticas e programas de cooperação e de assistência da Comunidade integram já em larga escala a luta contra a criminalidade. A Comissão propõe que a CE/UE prossiga a sua acção nas diferentes instâncias internacionais pertinentes, nomeadamente as Nações Unidas e o Conselho da Europa. A Comissão recorda aliás a intenção da Comunidade de aderir à Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional e aos seus dois protocolos relativos à luta contra o tráfico de pessoas e contra o tráfico de migrantes. A experiência acumulada pelo OSCE, nomeadamente em termos de «novos riscos para a segurança» e de promoção do Estado de direito, deverá ser tida em conta.

A Comissão considera que seria útil desenvolver a cooperação com certos países terceiros recorrendo às redes e instâncias internacionais já existentes, como por exemplo o Centro Internacional para a Prevenção da Criminalidade [13], de reconhecida competência. Por último, será necessário associar progressivamente os países candidatos à adesão aos trabalhos da União em matéria de prevenção da criminalidade. Desde já, os programas Phare, que preparam os países candidatos para a sua adesão à União, são utilizados para financiar acções de prevenção [14]. A Comissão pretende utilizar totalmente as possibilidades ofertas pela participação destes países nos vários instrumentos e programas financeiros actuais e futuros e, nomeadamente, nos que são propostos na presente comunicação (programa financeiro, Fórum para a prevenção, etc.).

[13] O CIPC, criado ao serviço das cidades e dos países para reduzir a delinquência, a insegurança e as suas consequências, integra representantes das aglomerações urbanas e dos organismos nacionais de prevenção, sendo apoiado por vários Estados-Membros, entre os quais a França, Portugal, o Reino Unido e os Países Baixos.

[14] Pode citar-se como exemplo a luta contra a droga, a cooperação transfronteiriça ou o programa de modernização das alfândegas.

- Política ambiental :

As diferentes iniciativas ou acções ad hoc empreendidas por força das obrigações da legislação internacional ou comunitária no domínio do ambiente já contribuem para a luta contra o crime ambiental (que inclui o comércio ilegal de espécies da fauna e da flora selvagem ameaçadas de extinção e dos seus produtos ; a descarga e a transferência ilegal de resíduos radioactivos e matéria radioactivas ; a poluição ilegal e a eliminação e armazenamento de resíduos, incluindo o transporte de resíduos perigosos à entrada e à saída da União e o comércio ilegal de substâncias que reduzem a camada de ozono). No entanto, a execução destas iniciativas e acções será facilitada graças a uma maior cooperação e intercâmbio de dados e experiências entre os vários agentes. Alem disso, o crime contra o ambiente ultrapassa as fronteiras comunitárias. Trata-se de um fenómeno global, cuja prevenção deveria integrar uma dimensão de cooperação com os países candidatos à adesão e os países terceiros.

Como ilustram os exemplos supra, as políticas e instrumentos comunitários existentes oferecem desde já numerosas possibilidades de acção. Para que estas políticas e instrumentos estejam ainda mais ao serviço da prevenção, a Comissão procurará estabelecer uma coerência entre os elementos de prevenção da criminalidade já presentes nestas políticas e instrumentos.

4.2. Testar as propostas legislativas : "crime proofing" (à prova de crime)

Este tema foi abordado simultaneamente nas conclusões da Cimeira de Tampere e nas da conferência da Praia da Falésia. Embora esta noção continue por precisar [15], nomeadamente em relação à noção de «fraud proofing» [16], pode definir-se como a avaliação dos textos legislativos, existentes ou em projecto, quanto à sua « impermeabilidade » às actividades criminosas.

[15] Um estudo sobre este tema, financiado pelo Programa Falcone, produzirá os seus primeiro resultados no final de 2000.

[16] Tratando-se da protecção dos interesses financeiros das Comunidades, a Comissão (OLAF) manifestou numa recente comunicação, de 28 de Junho de 2000, a sua intenção de criar um instrumento de avaliação mais sistemático da qualidade da legislação, através do Organismo Europeu da Luta Antifraude (OLAF), que "possa ser consultado na fase da preparação e nas diferentes etapas do processo de tomada de decisão das iniciativas legislativas que, directa ou indirectamente, tenham consequências a nível da protecção dos interesses financeiros comunitários, por forma a assegurar uma melhor impermeabilidade à fraude e à corrupção" (COM 2000 (358), p.7).

Esta avaliação pode efectuar-se aquando da elaboração de qualquer nova legislação ou decisão, tanto a nível da União Europeia como dos Estados-Membros. Importa actualmente identificar as oportunidades deixadas em aberto por essa legislação a qualquer actividade de índole criminosa.

A Comissão assegurará a avaliação do eventual impacto das suas propostas legislativas em termos de oportunidades para praticar acções de índole criminosa, nomeadamente nos sectores sensíveis. A preparação para a introdução do euro constitui o exemplo de uma planificação que teve em conta os riscos resultantes de uma moeda única. O momento privilegiado para o exame deveria ser, não só a consulta inter-serviços, mas também a fase de preparação da legislação, que pode eventualmente ir até à preparação de um documento de consulta (comunicação, livro verde ou livro branco).

Os Estados-Membros deveriam igualmente levar a efeito um exame semelhante a nível das suas iniciativas, em aplicação das regras nacionais de elaboração dos textos legislativos ou regulamentares.

No entanto, os riscos de utilização criminosa não se limitam exclusivamente aos novos textos. A legislação existente deveria igualmente ser avaliada, independentemente de se tratar de actos comunitários ou de instrumentos internacionais a que a Comunidade aderiu. Se, por um lado, é irrealista propor um exeme completo destas legislações, por outro, é possível realizar uma análise dos riscos por grandes domínios de legislação, a fim de identificar aqueles que são menos estanques às acções de índole criminosa e formular recomendações para superar estas lacunas. Além disso, a Comissão poderia ter em conta esta avaliação na elaboração dos relatórios de aplicação da legislação comunitária, a fim de apresentar, se necessário, propostas que melhorem a sua impermeabilidade ao crime ou propostas complementares, nomeadamente no domínio policial e judicial.

Independentemente de se realizar antes ou depois, este exame pressupõe um reforço dos dispositivos de consulta interna, mas também de análise da Comissão. Por conseguinte, a realização de uma análise rigorosa deveria integrar especialistas e profissionais, nomeadamente das autoridades policiais e judiciais. Trata-se de um domínio em que o intercâmbio de informações entre peritos e centros de excelência deveria ser desenvolvido.

4.3. Melhorar o conhecimento dos fenómenos relativos à criminalidade

Comparabilidade de dados

O Plano de Acção sobre a luta contra a criminalidade organizada, adoptado pelo Conselho Europeu de Amsterdão, de Julho de 1997, reconhecia a utilidade da recolha e análise de dados à escala europeia. Os Estados-Membros e a Comissão foram convidados a instituir ou identificar «um sistema de recolha e de análise dos dados apto a fornecer uma visão de conjunto da situação da criminalidade organizada nos Estados-Membros e a assistir as autoridades de repressão na sua luta contra a criminalidade organizada» (Recomendação nº 2). O Plano de Acção especificava também as condições necessárias para a realização deste objectivo e convidava os Estados-Membros a utilizarem « normas comuns » para a recolha e a análise dos dados. A Europol e os Estados-Membros comprometeram-se nesta via, no quadro da elaboração do relatório anual sobre a situação da criminalidade organizada na União Europeia.

No que diz respeito à criminalidade geral, a ausência de dados fidedignos e comparáveis sobre este fenómeno nos países europeus é um obstáculo à comparação das políticas nacionais de luta e de prevenção da criminalidade. Ora, tal comparação, apesar dos seus limites, constitui um meio importante de validação das políticas e de avaliação das boas práticas, como já foi referido em vários seminários.

Tendo em conta a proximidade ou semelhança de certas situações nos Estados-Membros, apesar de diferenças jurídicas acentuadas, bem como a convergência crescente das políticas nacionais, dever-se-ão envidar esforços a nível na União para melhorar a comparabilidade dos dados do ponto de vista quantitativo e qualitativo. O Conselho da Europa começou os trabalhos nesta matéria, assim como as Nações Unidas, nomeadamente quanto aos dados relativos à criminalidade geral.

Devido à variedade de utilizadores e respectivas necessidades, que devem aliás desenvolver-se no decurso da aplicação do Tratado de Amesterdão, os esforços a envidar deverão ser multidisciplinares e associando diferentes agentes, como a Comissão (nomeadamente o Serviço de Estatística), a Europol e o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, a fim de evitar duplicações e promover uma melhor complementaridade de esforços e resultados.

Estão em curso algumas iniciativas. Assim, no domínio da droga, o Plano de Acção da União Europeia (2000-2004) solicitou ao Conselho e à Comissão que elaborassem, com base nos trabalhos da Europol e do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, uma definição comum da noção de «criminalidade ligada à droga», a fim de poder comparar objectivamente o número de infracções ligadas a este factor. No domínio do racismo e da xenofobia, o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia tem igualmente por tarefa a recolha de dados estatísticos.

Indicadores

Fornecer indicadores objectivos e pertinentes é uma dimensão fundamental para uma estratégia que se pretende baseada num melhor conhecimento dos fenómenos relativos à criminalidade. Estes deverão, na perspectiva de uma estratégia de parceria, ser úteis tanto para as autoridades públicas como para os grupos e entidades vulneráveis ao crime.

Os estudos e seminários realizados até agora demonstraram o contributo que poderia advir do aumento de dados de várias origens, tanto para a compreensão destes fenómenos como para a actualização dos conhecimentos sobre novas tendências da criminalidade. Neste domínio, seria certamente proveitoso completar as fontes tradicionais de informação com informações provenientes dos sectores privados.

A definição de uma estratégia de prevenção próxima dos cidadãos exige igualmente o estudo do sentimento de insegurança e da sua evolução. Entre os estudos a realizar sobre esta matéria, as sondagens públicas constituem uma fonte de informação útil. Em 1996, foi realizada uma sondagem do Eurobarómetro sobre a percepção da segurança por parte dos cidadãos. A Comissão pretende realizar periodicamente este tipo de inquéritos.

Evolução das práticas

A troca de experiências e de boas práticas pressupõe a sua avaliação prévia de acordo com critérios comuns, a fim de determinar se e como podem ser adoptadas ou generalizadas.

Quanto à prevenção da criminalidade organizada, está em curso um estudo sobre os critérios principais e os procedimentos que poderiam ser seguidos para facilitar esta troca. O objectivo do estudo é propor uma técnica de avaliação das práticas nacionais, com especial destaque para as condições em que essas experiências são realizadas e os elementos que poderiam ser reproduzidos.

As conclusões deste estudo poderão ser úteis para a análise das boas práticas no domínio da prevenção da criminalidade geral. Os trabalhos realizados sob a Presidência alemã com vista à elaboração de um manual europeu de boas práticas deverão igualmente ser tidos em conta.

4.4. Ligação em rede dos agentes de prevenção

Criar um Fórum europeu para a prevenção da criminalidade organizada

A abordagem proposta pela presente comunicação apoia-se bastante na mobilização e ligação em rede dos agentes de prevenção, independentemente de se tratar da "pequena criminalidade" ou da criminalidade transnacional.

Os temas a abordar são múltiplos, a natureza das informações trocadas difere e os mesmos peritos não poderiam tratar indistintamente questões de carácter tão diversificado como a mediação social ou a cibercriminalidade. Enquanto no domínio da delinquência são sobretudo os parceiros sociais que devem ser associados aos esforços das autoridades públicas, nos domínios da delinquência económica e financeira e, por maioria de razão, da criminalidade organizada, é necessário associar à prevenção os meios económicos e profissionais.

A Comissão apoia a iniciativa tomada pela Presidência francesa e pela Suécia, que propõem a criação de uma rede europeia de prevenção centrada na delinquência urbana, juvenil e ligada à droga. Em resposta a uma das prioridades do Conselho de Tampere, a criação desta rede constituirá um elemento da aplicação da presente estratégia e deverá articular-se com as outras propostas elaboradas no seu âmbito.

Quanto à criminalidade organizada, a Comissão refere que a sensibilização dos meios económicos e financeiros ou de certas profissões especialmente expostas aos riscos de corrupção ou de implicação em operações de branqueamento ou fraude para os perigos e custos da criminalidade está a dar os primeiros passos. Iniciativas como a mesa redonda dos industriais europeus sobre as questões de segurança e de prevenção do crime ou a Carta europeia sobre as profissões vulneráveis, assinada a 27 de Julho de 1999, deveriam ser incentivadas e encontrar eco a nível da União.

Por conseguinte, afigura-se necessária uma iniciativa, pelo que a Comissão propõe a criação de um Fórum europeu para a prevenção da criminalidade organizada. Em relação a certos domínios extremamente diversificados, como o tráfico de bens lícitos e ilícitos, a cibercriminalidade, a corrupção, a criminalidade financeira, ambiental ou ainda o papel de determinadas profissões-chave, a prevenção da criminalidade organizada e da criminalidade económica exigem que as reuniões do Fórum tenham uma composição em função dos temas abordados, se necessário criando grupos de trabalho especializados.

Os representantes das instituições e organismos europeus que trabalham no domínio da prevenção, os órgãos nacionais de coordenação, as administrações públicas mais envolvidas, e nomeadamente as autoridades judiciais e policiais, e as autoridades locais/regionais, assim como os meios económicos e financeiros, estão especialmente vocacionados para participar no Fórum. Além disso, os meios associativos, os meios profissionais directamente interessados, como as profissões liberais, os meios de comunicação ou os profissionais de segurança deverão ser associados, de acordo com os domínios tratados.

O Fórum europeu para a prevenção da criminalidade organizada tem em vista alargar o debate sobre a prevenção a todos os seus parceiros, propor iniciativas e projectos-piloto e possibilitará o aparecimento de projectos que preencham as condições previstas pelo programa financeiro. Entre esses projectos figura a criação de instrumentos, pormenorizados na análise comum realizada pela Europol e pela Comissão.

Papel do Fórum

O Fórum europeu para a prevenção da criminalidade organizada é uma iniciativa da Comissão com vista, em primeiro lugar, a estruturar os trabalhos sobre a prevenção a nível europeu. Trata-se de um quadro para a ligação em rede de peritos e o lançamento de iniciativas. No entanto, à semelhança do Fórum, que visa promover e coordenar o diálogo sobre a prevenção a nível europeu, deverão ser criadas estruturas de coordenação a nível nacional, sempre que necessário, quer nas administrações públicas quer na sociedade civil. O alcance e a eficácia do diálogo iniciado a nível europeu dependerá em larga escala da capacidade de repercussão que estas estruturas possam assegurar.

Além disso, o Fórum europeu para a prevenção da criminalidade organizada articular-se-á com outas instâncias de debate ou grupos de trabalho existentes nos diferentes domínios sectoriais, a nível europeu [17] e internacional e contribuirá para os seus trabalhos.

[17] Assim, por exemplo, em matéria de protecção do ambiente, os trabalhos da rede IMPEL ou, em matéria de combate à fraude e de protecção dos interesses financeiros da Comunidade, os trabalhos do COCOLAF.

O Fórum deverá:

- estar à disposição das instituições europeias e dos Estados-Membros, assistindo-os em questões relativas à prevenção deste tipo de criminalidade ;

- contribuir para identificar as novas tendências de criminalidade ;

- facilitar a troca de informações sobre as acções de prevenção ;

- contribuir para a criação e funcionamento de centros de peritagem (centros de excelência, redes, bases de dados) sobre temas específicos ;

- contribuir para identificar domínios de investigação, formação e avaliação.

A Comissão pretende que o Fórum seja concebido de molde a que o seu funcionamento necessite apenas de uma estrutura simples que possa ser assegurada nos seus serviços.

Divulgação da informação

A Comissão analisará com os parceiros em causa a necessidade de criar um sítio na Internet sobre a prevenção, que facilitaria o acesso à informação sobre as políticas e práticas europeias e nacionais, além de permitir a troca de informações em ligação com os trabalhos das redes de prevenção a nível europeu.

4.5. Criar um instrumento financeiro

No Conselho Europeu de Tampere, os Chefes de Estado e de Governo apresentaram como pista de reflexão o apoio financeiro da União à estratégia de prevenção da criminalidade. A Comissão concluiu que a criação de um instrumento financeiro traria um valor acrescentado à acção dos Estados-Membros, como anunciou na conferência de alto nível da Praia da Falésia.

O instrumento terá por objectivo favorecer a aplicação da estratégia exposta na presente comunicação. Como se refere nos pontos 41 e 42 das conclusões de Tampere, deverá abranger todas as formas de criminalidade e apoiar, segundo prioridades estabelecidas, as acções mencionadas na presente comunicação. A definição destas prioridades terá igualmente em conta as acções propostas no documento de trabalho conjunto dos serviços da Comissão e da Europol sobre a prevenção da criminalidade organizada.

A intervenção europeia assumirá a forma de um instrumento financeiro ad hoc. As acções estariam abertas aos países candidatos, nas mesmas condições

Independentemente da fórmula adoptada, o instrumento financeiro deverá incluir duas vertentes: uma consagrada a criminalidade organizada transfronteiras e outra à criminalidade geral.

As acções susceptíveis de um apoio do instrumento financeiro, com o contributo dos trabalhos da rede europeia de prevenção de delinquência e do Fórum europeu de prevenção da criminalidade organizada, poderiam ser as seguintes:

- Reuniões e seminários

- Estudos e investigações: tratar-se-ia de avançar na via de um melhor conhecimento do fenómeno (cf. prática do «probleme-oriented policing» ou o conceito de «knowledge-based crime prevention»).

- Projectos-piloto: o instrumento financeiro poderia contribuir para o apoio de projectos inovadores de dimensão europeia (por exemplo, centros de excelência e bases de dados)

- Intercâmbio de boas práticas

À semelhança das outras acções do Título VI, o instrumento será gerido pela Comissão, assistida por um comité de gestão composto pelos representantes dos Estados-Membros. O comité determinará anualmente as prioridades do instrumento financeiro e pronunciar-se-á sobre as propostas da Comissão no que respeita à utilização das dotações. Os projectos poderão ser financiados até 70%, o que permitirá apoiar projectos de parceiros não governamentais.

O instrumento financeiro, considerado uma operação-piloto, é instituído nos termos do artigo 34º do Tratado da União Europeia por um período inicial de dois anos (2001-2002). Uma vez que estão em jogo montantes financeiros, é conveniente prever um arranque prudente e um reforço nos anos subsequentes. Afigura-se razoável um orçamento anual de 1 milhão de euros, na pendência das propostas globais da Comissão sobre os programas por ela geridos.

Por último, as primeiras prioridades poderão ser definidas no decurso de 2001. A conferência organizada sob a Presidência sueca de Fevereiro de 2001 poderia servir para definir algumas das primeiras prioridades concretas e facilitar o lançamento do instrumento financeiro após a aprovação da decisão correspondente.

5. Conclusão

A Comissão convida o Parlamento Europeu, o Conselho, o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social a apreciar a presente comunicação e a transmitir-lhe as suas observações sobre a estratégia de prevenção da criminalidade que propõe.

Tendo em conta a iniciativa sugerida, baseada na associação do conjunto dos parceiros envolvidos na prevenção para a definição de novas acções, a Comissão convida as associações, nomeadamente profissionais, e as organizações representativas da indústria e dos serviços, bem como qualquer organização ou associação representante da sociedade civil a quem esta matéria possa interessar, a tomar igualmente conhecimento da presente comunicação e a transmitir-lhe as suas observações.

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