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Document 52000DC0495

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu Reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal

/* COM/2000/0495 final */

52000DC0495

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu Reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal /* COM/2000/0495 final */


COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO CONSELHO E AO PARLAMENTO EUROPEU Reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal

Introdução

A alínea a) do artigo 31º do Tratado da União Europeia estabelece que a acção comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal inclui "facilitar e acelerar a cooperação entre os ministérios e as autoridades judiciárias ou outras equivalentes dos Estados-Membros, no que respeita [...] à execução das decisões". Tradicionalmente, a cooperação judiciária em matéria penal baseia-se numa série de instrumentos jurídicos internacionais que se caracterizam, essencialmente, por aquilo a que se poderia chamar o "princípio do pedido": um Estado soberano apresenta um pedido a outro Estado soberano, o qual decide, em seguida, se deverá ou não aceder a esse pedido. Por vezes, as regras são muito estritas, não deixando grande margem de opção; noutros casos, o Estado a quem é dirigido o pedido pode decidir com bastante liberdade. Quase sempre, o Estado que apresenta o pedido deve aguardar a respectiva resposta antes de obter os elementos de que as suas autoridades necessitam para dar início a uma acção penal.

Além de lento, o sistema tradicional é complicado e, por vezes, oferece pouca segurança quanto à resposta que obterá o juiz ou o agente do Ministério Público que apresentou a solicitação. Surgiu assim, inspirada em conceitos que deram bons resultados na realização do Mercado Único, a ideia de que a cooperação judicial também pode beneficiar do conceito de reconhecimento mútuo. Em palavras simples, isto significa que, uma vez adoptada uma determinada medida, como uma decisão de um juiz no exercício dos seus poderes num Estado-Membro, essa medida - desde que tenha implicações extranacionais - seria automaticamente aceite em todos os outros Estados-Membros e produziria os mesmos efeitos ou, no mínimo, efeitos análogos. A Comissão está consciente de que esta ideia, embora simples à primeira vista, é na realidade bastante capciosa quando analisada em pormenor; precisamente, um dos principais objectivos da presente comunicação consiste em apresentar a abordagem que a Comissão preconiza para que a União Europeia possa ultrapassar estas dificuldades.

É conveniente recordar que o Conselho Europeu de Tampere declarou que "o reforço do reconhecimento mútuo das decisões e sentenças judiciais e a necessária aproximação da legislação facilitariam a cooperação entre as autoridades e a protecção judicial dos direitos individuais". O reconhecimento mútuo deverá assim assegurar, não só a execução das sentenças, mas também o respeito dos direitos individuais aquando dessa execução. Por exemplo, deverá ser promovida a execução noutro Estado-Membro sempre que tal permita uma melhor reintegração social do autor do delito.

O princípio do reconhecimento mútuo é válido tanto para os despachos interlocutórios como para as decisões finais. A presente comunicação centra-se no reconhecimento mútuo destas últimas.

A presente comunicação apresenta a posição da Comissão sobre o reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal. Trata-se de uma matéria nova e complexa. Em muitos casos, a comunicação não pretende dar respostas finais às questões suscitadas, tentando identificar possíveis trajectórias para a evolução desta matéria.

O segundo grande objectivo da presente comunicação consiste em contribuir para o programa de medidas de implementação do princípio do reconhecimento mútuo, nos termos pretendidos pelo Conselho Europeu de Tampere de Outubro de 1999 sobre a Justiça e Assuntos Internos.

A Comissão convida o Parlamento Europeu e o Conselho a tomarem conhecimento da presente comunicação e a apresentarem-lhe as respectivas posições sobre os aspectos focados.

1. Antecedentes

Em 15 e 16 de Junho de 1998, o Conselho Europeu de Cardiff solicitou ao Conselho que estabelecesse os limites para uma extensão do reconhecimento mútuo das decisões dos tribunais dos Estados-Membros [1].

[1] Conclusão 39 da Presidência.

O Plano de Acção de 3 de Dezembro de 1998 do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amsterdão numa zona de liberdade, segurança e justiça [2] incide também sobre o reconhecimento mútuo de decisões em matéria penal. A alínea f) do ponto 45 apela ao início de um processo destinado a facilitar o reconhecimento mútuo de decisões e a aplicação de sentenças em matéria penal no prazo de dois anos após a entrada em vigor do Tratado de Amsterdão.

[2] Jornal Oficial C 19, de 23 de Janeiro de 1999, p. 1.

Em 1999 iniciaram-se os trabalhos sobre o reconhecimento mútuo de decisões em matéria penal em diversos subgrupos do Conselho e, em 15 e 16 de Outubro, o Conselho Europeu Especial de Tampere sobre Justiça e Assuntos Internos solicitou que o princípio do reconhecimento mútuo se convertesse em pedra angular da cooperação judicial, tanto em matéria civil como penal na União Europeia [3]. Mais especificamente, foi pedido ao Conselho e à Comissão que adoptassem, até Dezembro de 2000, um programa de medidas de implementação do princípio do reconhecimento mútuo. No âmbito deste programa, deveriam também ser iniciados trabalhos sobre os aspectos do direito processual relativamente aos quais se considera necessário um conjunto de disposições comuns mínimas para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, respeitando os princípios jurídicos fundamentais dos Estados-Membros [4].

[3] Conclusão 33 da Presidência.

[4] Conclusão 37 da Presidência.

Nos últimos meses, os trabalhos dos subgrupos do Conselho centraram-se em dois aspectos do reconhecimento mútuo: 1) um programa de medidas a adoptar relativas ao reconhecimento mútuo; 2) reconhecimento mútuo de decisões relativas ao congelamento de activos. Visto que muitos tipos de activos, designadamente dinheiro depositado em contas bancárias, podem ser muito rapidamente movimentados a nível nacional, comunitário e até mundial, a rapidez no seu congelamento é primordial para não comprometer as possibilidades de êxito das autoridades. Por conseguinte, a necessidade de um regime internacional que possibilite essa rapidez é imperiosa e o princípio do reconhecimento mútuo promete vir a prestar um enorme contributo para a satisfação desta necessidade.

2. A perspectiva da comissão

A Comissão congratula-se pelo facto de estarem já em curso os trabalhos sobre os aspectos atrás referidos. Não obstante, o reconhecimento mútuo de decisões relativas ao congelamento de activos é apenas um dos aspectos do domínio mais vasto que é o reconhecimento mútuo. Não só se deveria completar os trabalhos em curso através da definição de regras em matéria de reconhecimento de decisões finais relativas à questão de saber se os activos congelados devem ser liberados ou realmente apreendidos, como se deveria estabelecer o princípio do reconhecimento mútuo em geral, tanto no que respeita a decisões processuais como substantivas. A presente comunicação incide sobre uma faixa do espectro, a saber, o reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria substantiva.

A presente comunicação não se propõe abordar o domínio da extradição, enquanto tal. A longo prazo, a extradição entre Estados-Membros da União Europeia pode tornar-se desnecessária se as decisões adoptadas num Estado-Membro forem simplesmente reconhecidas em todos os outros. Até lá, poderão ser necessários esforços distintos. De qualquer modo, em conformidade com a conclusão nº 35 de Tampere, a extradição terá de ser objecto de atenção especial através de esforços distintos.

Para elaborar esta comunicação, os serviços da Comissão realizaram duas reuniões com peritos independentes e funcionários dos Estados, em 10 e 31 de Maio de 2000, respectivamente. O objectivo destas reuniões consistiu em permitir à Comissão tomar conhecimento das reacções a um documento de cariz genérico sobre esta matéria. Esta comunicação baseia-se nas respostas dos peritos e nas reflexões desenvolvidas no seio da própria Comissão.

3. A expressão "reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal"

3.1. "Reconhecimento mútuo"

Entende-se geralmente que o reconhecimento mútuo se baseia na ideia de que, ainda que outro Estado possa não tratar uma determinada questão de forma igual ou análoga à forma como seria tratada no Estado do interessado, os resultados serão considerados equivalentes às decisões do seu próprio Estado. É fundamental a confiança mútua, tanto na pertinência das disposições do outro Estado como na correcta aplicação dessas disposições.

Com base nesta perspectiva de equivalência e na confiança em que assenta, permite-se que os resultados atingidos noutro Estado produzam efeitos na esfera jurídica do Estado do interessado. Assim sendo, uma decisão adoptada por uma autoridade de um Estado-Membro poderia ser aceite como tal noutro Estado-Membro, mesmo que neste nem sequer existisse uma autoridade comparável ou, caso existisse, que tal autoridade não fosse competente para adoptar decisões do mesmo tipo ou adoptasse uma decisão inteiramente distinta num caso semelhante.

O reconhecimento de uma decisão estrangeira em matéria penal poderá ser entendido no sentido de produzir efeitos fora do Estado onde essa decisão foi pronunciada, seja conferindo-lhe os efeitos jurídicos previstos no direito penal estrangeiro, seja tomando-a em consideração para que produza os efeitos previstos pelo direito penal do Estado de reconhecimento.

Nem sempre, embora muitas vezes, o conceito de reconhecimento mútuo está associado a um certo grau de normalização da forma de actuação dos Estados. Efectivamente, esta normalização facilita amiúde a aceitação dos resultados atingidos noutro Estado. Por outro lado, o reconhecimento mútuo pode, em certa medida, tornar desnecessária a normalização.

3.2. "Decisões finais"

A definição desta expressão, especialmente do termo "final", revelou-se complexa. Neste âmbito, uma decisão, enquanto tal, é considerada um acto pelo qual uma determinada questão é resolvida de forma vinculativa. Como hipótese de trabalho, sugere-se que a definição de decisão final inclua todas as decisões substantivas em processos penais contra as quais já não caiba qualquer recurso ordinário com efeito suspensivo [5].

[5] De certo modo, esta definição está em conformidade com a disposição já em vigor relativa ao reconhecimento mútuo de decisões em matéria civil e comercial da Convenção relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em matéria Civil e Comercial (Convenção de Bruxelas de 1968) (JO C 189, de 28 de Julho de 1990, p. 2; versão consolidada no JO C 27, de 26 de Janeiro de 1998).

Esta definição de trabalho destina-se a incluir não só as decisões dos tribunais como também outras decisões que reunam os critérios estabelecidos. Por exemplo, segundo os casos e nos termos da legislação de um Estado-Membro, seriam também incluídos os resultados da mediação entre o autor do delito e a vítima ou os acordos entre os suspeitos e o Ministério Público, se deles decorrer que não pode haver nova acusação pelo mesmo acto.

Importa igualmente esclarecer, neste contexto, se o princípio do reconhecimento mútuo deve ser extensivo às decisões de autoridades administrativas. Por exemplo, a Convenção de Bruxelas de 1968, no seu artigo 25º, limita o âmbito das suas disposições em matéria de reconhecimento e execução às decisões pronunciadas por um tribunal. No que diz respeito a "aspectos penais" adiante definidos, no entanto, vários Estados-Membros da UE preferiram também que as autoridades administrativas fossem competentes para adoptar certas decisões. Por conseguinte, o regime de reconhecimento mútuo não estaria completo se não incluísse tais decisões. Esta abordagem é também coerente com a letra da Convenção de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (alínea b) do artigo 1º) e com a Convenção de 1991 relativa à Execução de Condenações Penais Estrangeiras (nº 1, alínea a), do artigo 1º). Ademais, outras considerações de carácter prático reforçam a preferência por esta abordagem: a responsabilidade de pessoas colectivas pelos actos criminosos cometidos por sua conta ou em seu benefício, por exemplo, não tem (ainda) natureza penal em vários Estados-Membros. Uma distinção baseada na autoridade competente para decidir seria susceptível de provocar distorções.

3.3. "Matéria penal"

Tradicionalmente considera-se o direito penal (material) o conjunto de regras através das quais um Estado prevê sanções como reacção a um comportamento que considera incompatível com as suas regras sociais, com o objectivo de dissuadir o infractor de reincidir e dissuadir outras pessoas de adoptarem comportamentos semelhantes.

Recentemente, esta posição foi alargada por forma a incluir elementos de reabilitação (por exemplo, decisões de tratamento de toxicodependência).

Em especial a nível da União Europeia, foram adoptadas medidas que prevêem a responsabilidade de pessoas colectivas por actos criminosos [6]. Esta responsabilidade pode ter natureza penal. Sugere-se que as medidas de carácter não penal possam também ser abrangidas pelas "matérias penais", na medida em que são necessárias para assegurar a responsabilização das pessoas colectivas pelos actos criminosos cometidos em seu benefício por pessoas singulares que ocupam posições de destaque nessas pessoas colectivas.

[6] Ver, por exemplo, o artigo 3º do Segundo Protocolo da Convenção relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias (JO C 221, de 19 de Julho de 1997), o artigo 3º da Acção Comum de 21 de Dezembro de 1998 relativa à incriminação da participação numa organização criminosa nos Estados-Membros da União Europeia (JO L 351, de 29 de Dezembro de 1998) e o artigo 8º da Decisão-Quadro de 29 de Maio de 2000 relativa ao reforço da protecção mediante sanções penais e outras contra a contrafacção no âmbito da introdução do euro (JO L 140, de 14 de Julho de 2000).

4. Instrumentos jurídicos internacionais existentes

No que se refere ao reconhecimento de decisões finais, existem já diversos instrumentos jurídicos. O Conselho da Europa elaborou em 1970 a Convenção da Haia sobre o Valor Internacional das Decisões Penais, que se encontra aberta para assinatura. Em 13 de Novembro de 1991, os Estados-Membros da Comunidade Europeia adoptaram em Bruxelas a Convenção relativa à Execução de Condenações Penais Estrangeiras. Todavia, a ratificação de ambos estes instrumentos não tem tido muito êxito. Um terceiro exemplo que pode ser referido, a Convenção Europeia sobre a inibição de conduzir de 1998, adoptada no âmbito do Tratado de Maastricht, não foi ainda ratificada por um único Estado-Membro da União Europeia. A Convenção de aplicação do Acordo de Schengen relativa à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns de 14 de Junho de 1985 (Schengen, 19 de Junho de 1990) estabelece, no Capítulo 3 do seu Título III, as regras de aplicação do princípio ne bis in idem (artigos 54º-58º). No âmbito de Schengen, foi também adoptado o Acordo de Cooperação relativo às infracções rodoviárias e aplicação de penalidades financeiras a este respeito [7] [8].

[7] Decisão de 28 de Abril de (SCH/Com-ex (99) 11 Rev 2).

[8] Em matéria civil e comercial, por exemplo, a Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em matéria Civil e Comercial cria um mecanismo que, implicando simultaneamente o procedimento de exequatur para que uma decisão possa ser executada noutro Estado-Membro, estabelece, não obstante, que a decisão em si mesma não pode ser contestada quanto ao fundo (artigo 29º), devendo ser automaticamente reconhecida (artigo 26º).

De momento nenhum dos instrumentos existentes se encontra em vigor em todos os Estados-Membros da União Europeia. Ademais, afigura-se que o seu conteúdo não seria suficiente para estabelecer um regime de reconhecimento mútuo integral.

5. Conhecimento de processos pendentes e decisões adoptadas noutros Estados-Membros

Para reconhecer uma decisão adoptada noutro Estado-Membro é necessário, antes de mais, ter conhecimento da existência e do teor dessa decisão. Em algumas situações, é previsível que o arguido informe as autoridades da existência da decisão, nomeadamente se tal for do seu interesse, como nos casos em que se aplicaria o princípio ne bis in idem. Mas, noutros casos, não se pode esperar que tais informações sejam prestadas. Mesmo que o interessado informe as autoridades, estas necessitam de confirmar a exactidão dessas informações. Neste contexto, uma vez que muitas decisões adoptadas noutro Estado-Membro não são redigidas na língua de trabalho das autoridades interessadas, será necessário proceder à sua tradução.

Afigura-se não existir qualquer registo de sentenças europeu que sirva para este efeito [9]. A criação de tal registo, incluindo não só as sentenças penais já pronunciadas como os processos pendentes, revestir-se-ia da maior utilidade [10]. Poder-se-ia adoptar uma abordagem dual: numa primeira fase, seriam criados formulários europeus multilingues que poderiam ser utilizados para solicitar informação de registos criminais. Utilizando estes formulários, os interessados poderiam enviar um pedido de informações às autoridades competentes (em princípio, centrais) dos restantes Estados-Membros da União Europeia, por forma a verificar se a pessoa em causa tem um passado penal noutros Estado-Membro.

[9] No âmbito do desenvolvimento de uma estratégia comunitária de prevenção e controlo de criminalidade organizada para o início do novo milénio, foi admitida a hipótese de recomendar a criação de uma base de dados única das pessoas que cometem delitos ligados à criminalidade organizada, tomando, simultaneamente, em plena consideração os requisitos em matéria de protecção dos dados. Esta proposta foi desenvolvida com base nas recomendações do Plano de Acção adoptado em Amesterdão em 1997 sobre a Luta contra a Criminalidade Organizada, o qual prevê que estas pessoas sejam excluídas de contratos públicos e da concessão de subvenções ou licenças estatais (Recomendação nº 7). Do mesmo modo, a Comunicação da Comissão de 1997 relativa a uma política comunitária de Luta contra a Corrupção apelava à instituição de um sistema de "lista negra", aplicável aos domínios em que os recursos comunitários podem ser ameaçados. No entanto, a ideia de uma base de dados suscitou reservas consideráveis por parte de alguns Estados-Membros, tendo a formulação da comunicação sido alterada, limitando-se a referir "um mecanismo eficaz que permite a identificação precoce" dos criminosos.

[10] Ver igualmente a alínea e) do ponto 49 do Plano de Acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicação das disposições do Tratado de Amesterdão numa zona de liberdade, segurança e justiça, adoptado pelo Conselho Justiça e Assuntos Internos, em Viena, de 3 de Dezembro de 1998 (JO C 19, de 23 de Janeiro de 1999).

Numa segunda fase, deveria ser criado um autêntico registo central penal europeu. Assim, não só se poderia reagir de forma adequada a casos de reincidência, como se possibilitaria às autoridades responsáveis pela instrução do processo verificarem de uma forma simples e rápida se foram já iniciados outros processos relativamente a uma determinada pessoa. Assim, por um lado, evitar-se-iam acusações que seriam anuladas devido ao princípio ne bis in idem e, por outro, obter-se-iam informações preciosas para a investigação dos delitos em que a pessoa implicada pode ter participado. O registo central contribuiria também consideravelmente para a execução à escala comunitária da inibição do exercício de actividades ou funções. A criação de um registo europeu de sentenças penais pronunciadas e de processos pendentes exige uma reflexão sobre uma série de aspectos práticos e jurídicos, entre os quais figura em primeiro plano a questão da responsabilidade pela introdução e actualização das informações nele contidas. A protecção dos dados deve ser assegurada, o que exige a adopção de disposições relativas ao acesso aos dados, ao direito de rectificação dos dados, etc. Deveriam ainda ser disponibilizados recursos suficientes para permitir o funcionamento do sistema. O registo europeu seria acessível através de ligações electrónicas, por forma a aumentar a velocidade e a simplicidade de utilização. O registo centralizado não exigiria necessariamente um computador central para armazenar todas as informações relevantes, podendo eventualmente ser suficiente a criação de ligações a registos nacionais [11].

[11] A iniciativa recentemente lançada pela Alemanha relativa à criação de uma unidade que facilite a adequada coordenação dos Ministérios Públicos nacionais e apoie as investigações criminais (EUROJUST) prevê um papel para a EUROJUST na perspectiva do registo criminal europeu (artigo 6º do projecto).

É de prever que as legislações nacionais em matéria de registos criminais variem consideravelmente. Por exemplo, diferentes Estados-Membros podem ter diferentes disposições relativamente ao tipo de penas a introduzir no registo, ao período em que as penas devem permanecer nesse registo, ao acesso ao registo, etc. Não se afigura necessário harmonizar integralmente estas disposições. Todavia, podem ser necessárias algumas regras mínimas, nomeadamente no que se refere aos dados que devem ser introduzidos no sistema. Além disso, dever-se-á assegurar que todos aqueles que solicitem informações a outro Estado-Membro tenham os mesmos direitos de acesso que os nacionais desse Estado-Membro. Naturalmente, deveria ser assegurada a compatibilidade electrónica dos registos nacionais com o sistema de registo europeu.

6. Os diversos aspectos do reconhecimento mútuo

6.1. Execução das decisões

Reconhecer uma decisão significa, primeiro que tudo, fazê-la produzir efeitos, executá-la.

Em alguns instrumentos jurídicos internacionais em vigor, prevê-se que isto seja feito indirectamente, convertendo a decisão estrangeira numa nova decisão nacional, a qual, por seu turno, tanto pode assumir a forma de uma decisão formal, reproduzindo na íntegra a decisão original, como de uma decisão que "assimile" a decisão estrangeira, como se fosse ela própria, ou seja, adoptando a decisão que as autoridades teriam adoptado caso tivessem à partida sido chamadas a pronunciar-se sobre o caso. Tanto a Convenção de 1991, relativa à execução das condenações penais estrangeiras, como a Convenção da UE de 1998, relativa às decisões de inibição do direito de conduzir, avançam nesse sentido em alguns aspectos.

Contudo, infere-se do contexto das conclusões de Tampere uma preferência nítida pela execução directa. Com efeito, o nº 34 (relativo às matérias civis) procura abolir os trâmites intermediários e o nº 35 (relativo às extradições) prevê a substituição da extradição pela simples transferência de pessoas que tentam escapar à justiça após terem sido objecto de uma condenação final. Por conseguinte, pode razoavelmente presumir-se que, na medida do possível, o objectivo geral do reconhecimento mútuo deveria consistir em conferir a uma decisão final um efeito pleno e directo em toda a União.

Em termos práticos, deve ser estabelecida uma distinção entre, por um lado, a execução de sanções que pode ser levada a efeito noutro Estado-Membro com base num pedido bilateral (como detenções, sanções pecuniárias ou sanções alternativas) e, por outro, a inibição do exercício de actividades ou funções (para uma análise circunstanciada dos aspectos relevantes para a execução dos diversos tipos de sanções, ver o capítulo 9).

6.2. "Ne bis in idem"

O reconhecimento de uma sentença significa, antes de mais, que essa sentença deve ser tomada em consideração. Neste âmbito, um aspecto relevante é o denominado princípio "ne bis in idem" [12], segundo o qual quem já foi objecto de uma decisão em relação a determinados factos e normas legais não pode ser objecto de outras decisões sobre a mesma matéria.

[12] Este princípio constitui o objecto da Convenção de 1987 relativa à aplicação do princípio ne bis in idem, assinada em Bruxelas no âmbito da Cooperação Política Europeia. Todavia, esta convenção só foi ratificada por nove Estados-Membros. Duas Convenções do Conselho da Europa, a saber, a Convenção de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais e a Convenção de 1972 sobre a Transmissão de Processos Penais contêm igualmente disposições ne bis in idem. O princípio ne bis in idem está também consagrado em alguns instrumentos comunitários, como a Convenção de 1995 relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias e a Convenção de 1997 relativa à Luta contra a Corrupção. Os artigos 54º a 58º do Capítulo III, no Título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1990, contêm igualmente disposições relativas ao princípio ne bis in idem, proibindo que sejam proferidas sentenças ou pronunciada uma acusação no caso de ter já sido tomada uma decisão.

A legislação actualmente em vigor nos Estados-Membros parece basear-se numa de duas formas deste princípio. Por vezes, quando já foi adoptada uma decisão de condenação de um determinado acto noutro país, a nova decisão a adoptar deve tomar em consideração a primeira decisão, de modo a conduzir a uma redução da sanção ("Anrechnungsprinzip", ou princípio da tomada em consideração [13]). O "Erledigungsprinzip" (princípio do procedimento exaustivo) impede liminarmente a adopção de uma segunda decisão sobre os mesmos factos (relativa à(s) mesma(s) pessoa(s)).

[13] Por exemplo, uma pessoa foi condenada no país A a dois anos de prisão por determinado acto criminoso. O país B é também jurisdicionalmente competente para julgar o assunto e a pena seria de cinco anos. Se o país B se regesse pelo princípio da tomada em consideração, a pena seria de cinco anos menos dois, ou seja, três anos de prisão.

O reconhecimento mútuo integral que se prevê seja alcançado entre os Estados-Membros deverá basear-se no princípio de que uma decisão adoptada por qualquer autoridade da União Europeia soluciona integralmente o assunto, não sendo necessária qualquer outra decisão - isto é, no princípio do procedimento exaustivo.

Por outras palavras, uma pessoa que tenha sido condenada ou absolvida [14] relativamente a um delito cometido no Estado-Membro A não deve ser perseguida no Estado-Membro B pelos mesmos factos, independentemente da sua qualificação, ainda que este último Estado tenha jurisdição para apreciar os factos (por exemplo, por a pessoa em causa ser seu nacional) ou que a sentença nele pronunciada pudesse ser diferente (por exemplo, por o delito em causa poder acarretar uma pena superior de privação de liberdade).

[14] As legislações nacionais ou os instrumentos jurídicos internacionais em vigor nem sempre prevêem a apreciação do princípio ne bis in idem para efeitos de decisões de absolvição. Por vezes, a absolvição por falta de provas de que o alegado delito foi efectivamente cometido (nestes casos, o princípio ne bis in idem é geralmente aceite) é distinguida dos casos em que o acto cometido não é considerado delito pelo Estado que adoptou a decisão (nestes casos, frequentemente, o princípio ne bis in idem não é aceite).

Embora simples à primeira vista, o princípio ne bis in idem suscita numerosas dificuldades em aspectos específicos. Estas questões centram-se na definição de "idem": os "mesmos factos" ou o "mesmo delito"- No que se refere às relações entre os Estados-Membros, os instrumentos jurídicos internacionais existentes poderão ter de ser completados ou eventualmente substituídos por instrumentos que regulem mais claramente o princípio ne bis in idem.

De qualquer modo, é de esperar que as situações que suscitam dificuldades relacionadas com o princípio ne bis in idem se tornem muito menos frequentes quando o registo europeu de processos pendentes e decisões penais permitir uma melhor coordenação dos Ministérios Públicos dos Estados-Membros. Ademais, um sistema jurisdicional de dimensão comunitária retiraria utilidade ao princípio ne bis in idem, visto que, relativamente a cada caso, só um Estado-Membro seria competente para se pronunciar.

6.3. Outros efeitos noutras decisões

Outra forma de se ter em conta uma decisão final consiste na tomada em consideração posterior, aquando da adopção de uma nova decisão, de uma condenação anterior para efeitos de reincidência, com reflexos na medida da pena enquanto circunstância agravante. Não existe qualquer convenção que contemple este aspecto, talvez por não se revelar necessário, já que normalmente o juiz pode tomar em consideração, não só as circunstâncias do caso, como também os antecedentes do arguido. Todavia, afigura-se imperioso que as autoridades tomem conhecimento de uma eventual condenação anterior. Não é plausível esperar que seja o próprio autor do delito a chamar a atenção para condenações anteriores (ver capítulo 5).

Quando se fala em "tomar em consideração" não deve pensar exclusivamente em detrimento do delinquente: muitas legislações penais nacionais prevêem mecanismos que asseguram que, em caso de delitos múltiplos, as sanções não sejam acumuladas matematicamente. Por exemplo, um ladrão profissional de automóveis que tenha roubado 15 veículos num Estado-Membro, correspondendo a cada roubo uma pena de prisão de três anos, não será condenado a 45 anos. Aparentemente, a ordem jurídica da maior parte dos Estados-Membros está dotada de mecanismos que permitem a aplicação de penas mais pesadas do que as aplicadas a quem tenha cometido um único delito, mas não a acumulação estrita das penas.

Ora, imagine-se uma situação em que o mesmo número de delitos fosse cometido não num único Estado-Membro, mas em 15 Estados-Membros diferentes. Todos estes Estados-Membros poderiam, simultânea mas independentemente, iniciar um processo relativamente ao "seu" caso, cada um aplicando uma pena de três anos. Mesmo no contexto actual, isto poderia conduzir à situação seguinte. O autor do delito, uma vez cumprida a sua pena no Estado-Membro onde foi condenado pela primeira vez, poderia ser extraditado para outro Estado-Membro, para aí cumprir a sua pena. Uma vez terminado este processo, seria de novo transferido para um terceiro Estado-Membro, e assim sucessivamente. Só a flexibilização dos instrumentos de extradição existentes poderá inviabilizar uma pena real de prisão de 45 anos. No âmbito do regime de reconhecimento mútuo, no entanto, seria necessário reconhecer todas estas condenações nos restantes Estados-Membros, incluindo no Estado-Membro onde o autor do delito foi pela primeira vez condenado a uma pena de prisão. A pena global imposta ao ladrão de automóveis seria desta maneira convertida em 45 anos.

Afigura-se necessário, pois, estudar um mecanismo que evite estes resultados, incompatíveis com uma área de liberdade, segurança e justiça. Uma possibilidade poderia ser a coordenação dos processos, à semelhança do que pode suceder a nível nacional. Logo que um Estado-Membro iniciasse o seu processo, este seria inscrito no registo penal europeu. Deste modo, os restantes Estados-Membros teriam conhecimento do facto, podendo renunciar à jurisdição sobre as "suas" partes do caso, a favor de outro Estado-Membro. Esta situação não exigiria sequer que fosse o primeiro Estado-Membro a lançar o processo. Para que os Estados-Membros possam adoptar esta solução, as regras de jurisdição terão de prever a possibilidade de tal transferência, viabilizando o julgamento de todo o caso por um tribunal de um único Estado-Membro. Este tribunal poderia também aplicar mecanismos destinados a evitar a acumulação estrita de penas.

7. O âmbito do reconhecimento mútuo no referente ao infractor

O tratamento dispensado pela lei penal aos menores e aos deficientes mentais varia consideravelmente entre os Estados-Membros. A Comissão considera que, dadas as circunstâncias, as decisões relativas a tais pessoas seriam muito difíceis de reconhecer e admite a hipótese da sua exclusão do âmbito do reconhecimento mútuo, pelo menos na presente fase.

No que se refere à questão de saber o que se deve entender por "menor", afigura-se pouco realista esperar que os Estados-Membros aceitem uma solução simplista, como, por exemplo, uma definição nos termos da qual seriam menores todas as pessoas com menos de 18 anos. Afigura-se mais viável uma solução flexível, tal como reservar aos Estados-Membros o direito de não reconhecerem decisões que afectem menores, deixando a definição de menor a cargo do próprio Estado-Membro. No entanto, teria de ser consagrada uma idade máxima.

8. O Âmbito do reconhecimento mútuo no referente à infracção

Não deverá haver problemas no que se refere ao reconhecimento de decisões adoptadas em domínios do direito penal que já foram objecto de harmonização ou aproximação, como a corrupção, o tráfico de seres humanos ou a participação em organizações criminosas. Mesmo fora destes domínios, não existe a priori qualquer razão para que o reconhecimento mútuo não seja aplicado. As conclusões de Tampere não excluem a eventual necessidade de disposições mínimas comuns, mas apenas relativamente a certos aspectos do direito processual e não do direito material [15]. Tem-se vindo a afirmar a tendência para uma melhoria da cooperação judicial sob a forma de assistência mútua ou de procedimentos de extradição, no contexto de uma abordagem horizontal. Os casos em que os mecanismos destinados a facilitar a cooperação foram integrados em instrumentos sectoriais foram interpretados como uma antecipação de uma abordagem mais globalizante.

[15] Conclusão 37 da Presidência.

Os instrumentos jurídicos actualmente vigentes em matéria de reconhecimento de decisões estrangeiras estabelecem que o reconhecimento pode ser recusado nos casos em que não existe um crime dual [16]. Se este requisito do reconhecimento mútuo se mantiver, dever-se-á verificar, no âmbito de cada procedimento de validação, se este critério se encontra satisfeito. Esta abordagem implica uma fase adicional em todo e qualquer procedimento de validação, tornando-o, em alguns casos, consideravelmente moroso. Por exemplo, pode ser necessário provar, uma vez mais, os factos assacados ao arguido. Alguns elementos factuais podem não ser relevantes para o Estado-Membro em que o caso foi julgado, pelo que não foram investigados. Ora, nos termos da legislação do Estado-Membro onde vai ser executada a decisão, esses factos podem ser cruciais. Nestas circunstâncias, pode revelar-se necessário adoptar medidas - por exemplo, a apreciação de provas adicionais - que, pela sua natureza, equivalem praticamente a um reinício do processo. Uma forma de superar esta dificuldade poderia consistir em avaliar a necessidade de excluir do âmbito do reconhecimento mútuo determinados comportamentos considerados criminais em alguns Estados-Membros, mas não noutros. Os exemplos deste tipo de situação são provavelmente escassos e referem-se a domínios particularmente sensíveis (como o aborto, a eutanásia, delitos de imprensa, delitos ligados a drogas leves). Todavia, esta abordagem pode também suscitar dificuldades nas situações em que é necessário determinar se um caso concreto pode ou não ser considerado excepção.

[16] Ver a alínea b) do artigo 5º da Convenção de Bruxelas de 1991 entre os Estados-Membros das Comunidades Europeias relativa à Execução de Condenações Penais Estrangeiras e o nº 1 do artigo 4º da Convenção do Conselho da Europa de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (ETS 70).

Por um lado, se o critério do crime dual fosse abandonado sem ser criado um sistema que permitisse identificar, relativamente a cada caso, um Estado-Membro competente, poder-se-ia cair numa das duas situações seguintes: ou um Estado-Membro sanciona um comportamento que noutro Estado-Membro não é considerado delito - e, neste caso, este último Estado-Membro seria obrigado a reconhecer a decisão do primeiro Estado-Membro e, em determinadas circunstâncias, teria de executar uma sentença relativa a um comportamento que o seu direito nacional não considera delito; ou, na situação oposta, o Estado-Membro que considera delituoso um determinado comportamento teria de reconhecer uma decisão de absolvição de um Estado-Membro em que tais comportamentos são legais [17].

[17] Esta situação poderia ter consequências por vezes difíceis de aceitar. Por exemplo, no Estado-Membro A, a eutanásia é um crime, enquanto no Estado-Membro B é legal, se a pessoa que pretende morrer der o seu consentimento escrito. Ambos os Estados-Membros, ao abrigo das suas disposições nacionais, não coordenadas, têm competência para julgar o caso. A pessoa que executou a eutanásia ao abrigo de uma declaração escrita que pretenda obter imunidade para o seu acto no Estado-Membro A poderia ser objecto de acusação no Estado-Membro B, independentemente de ter obtido o consentimento escrito. Uma vez começado o julgamento, invocaria a declaração e poderia estar segura de absolvição, a qual teria então de ser reconhecida no Estado-Membro A.

Desta forma, afigura-se que a apreciação dos crimes que podem ser objecto de reconhecimento mútuo reforça os argumentos a favor da criação de um sistema jurisdicional à escala europeia (ver ponto 13 infra).

Questão diferente é a de saber se o reconhecimento mútuo não deverá ser reservado às formas mais graves de criminalidade. A definição de delito grave, contudo, não é totalmente homogénea nos diferentes instrumentos [18]. Sem esquecer o duplo objectivo subjacente ao reconhecimento mútuo, não existe qualquer razão para limitar a aplicação deste princípio aos delitos graves (pelo menos no que se refere ao reconhecimento de decisões finais). Pelo contrário, as pessoas condenadas por delitos não considerados graves deveriam certamente poder beneficiar da aplicação deste princípio no seu Estado-Membro de origem, à semelhança dos autores de delitos mais "graves". As possibilidades de reinserção social seriam consideravelmente reforçadas. Analogamente, não existe qualquer razão aparente pela qual as decisões relativas a delitos "menos graves" não devam ser tomadas em consideração aquando da tomada de outra decisão, para efeitos de agravar a condenação, para efeitos do princípio ne bis in idem ou para outros fins.

[18] Comparar a Convenção comunitária de 1996 relativa à Extradição, artigo 2º; a Acção Comum de 1998 relativa ao Branqueamento de Capitais, alínea b) do artigo 1º; e a Convenção de 1995 relativa à Protecção dos Interesses Financeiros da Comunidade, nº 1 do artigo 2º.

9. Os diversos tipos de sanções

Mais delicada é a questão de saber se o reconhecimento mútuo deve intervir independentemente da sanção aplicada. Trata-se, no entanto, de um dos aspectos capitais [19].

[19] A Convenção da Haia de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais abrange a privação da liberdade, multas ou perda de um bem, assim como a interdição do exercício de funções (artigo 2º), embora o Estado-Membro ao qual é dirigida a solicitação possa recusar-se a executar essa interdição. A Convenção de 1991 relativa à execução de Condenações Penais Estrangeiras só se refere a sanções pecuniárias ou penas de prisão. A Convenção da UE de 1998 relativa às decisões de Inibição do Direito de Conduzir refere-se exclusivamente a esta categoria.

9.1. Penas privativas de liberdade

Neste domínio, é necessário conciliar dois interesses distintos: o interesse do Estado-Membro onde a pena foi pronunciada tendo em vista a sua execução e o interesse do condenado em ter uma possibilidade real de reinserção social. [20]

[20] É por este motivo que tanto a Convenção de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais como a Convenção de 1991 relativa à execução de Condenações Penais Estrangeiras limitam a possibilidade de executar uma sentença noutro país aos casos em que a pessoa seja nacional, residente já ou cumpra pena nesse outro país. A Convenção de 1991 relativa à execução de Condenações Penais Estrangeiras, além disso, permite ao Estado-Membro de residência ou de nacionalidade solicitar a transferência da execução. Curiosamente, nenhum destes instrumentos prevê que o interessado seja ouvido quanto ao local onde a sentença será cumprida.

Este último aspecto conduz à conclusão de que as penas de prisão devem, em geral, ser executadas o mais próximo do possível ambiente social em que o delinquente será reintegrado. Na maior parte dos casos, tratar-se-á do Estado-Membro onde reside.

Quando uma sentença pronunciada num Estado-Membro é executada noutro Estado-Membro, surge a questão de saber qual o Estado-Membro competente para tomar decisões relevantes para a execução da pena, nomeadamente no que se refere à libertação antecipada [21]. Dir-se-ia que a confiança mútua devia intervir nos dois sentidos: enquanto o Estado-Membro que executa a sentença confia em que o outro Estado-Membro pronunciou uma decisão correcta, este ultimo deverá também confiar no Estado-Membro de execução no que se refere à forma como a sentença é executada. Deste modo, afigura-se que as decisões relevantes para a execução, baseadas no comportamento do recluso, serão da competência do Estado-Membro de execução. Questões de ordem prática favorecem também esta solução: são as autoridades do Estado-Membro de execução que contactam directamente com o recluso, estando por conseguinte na melhor situação para formar uma opinião sobre o seu comportamento. Não é de excluir que as autoridades do Estado-Membro que pronunciou a decisão sejam consultadas, ou pelo menos informadas, antes da adopção de qualquer medida. Outra possibilidade consiste em que o Estado-Membro que pronunciou a sentença imponha alguns limites ou condições no momento da transferência (por exemplo, por forma a proteger ou informar a vítima).

[21] A Convenção de 1991 relativa à execução de Condenações Penais Estrangeiras não se afasta fundamentalmente da Convenção de Haia de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais no que diz respeito à responsabilidade após a transferência. É conveniente recordar, em especial, que as duas convenções conferem competência ao Estado onde a pena está a ser cumprida para decidir em matéria de procedimentos e medidas conexas. Todavia, só a Convenção da Haia inclui expressamente nestas medidas a liberdade condicional.

Perdões, amnistias e outras medidas similares, não associadas ao comportamento do recluso, deverão ser da inteira responsabilidade do Estado-Membro que pronunciou a sentença.

Outro aspecto que poderá ter de ser abordado é o custo da pena de prisão [22], que pode atingir montantes consideráveis. Neste caso, é possível partir do princípio de que o interessado na adopção de uma determinada medida deve também suportar os custos financeiros da mesma. Um Estado-Membro, ao pronunciar uma pena privativa de liberdade, está a aplicar a sua política de direito penal. Por conseguinte, é razoável assumir que essa medida é do seu interesse. Seguramente, pode também existir um interesse dos outros Estados-Membros, ou mesmo da sociedade no seu todo, em manter alguns delinquentes na prisão durante algum tempo, nomeadamente para efeitos de prevenção, embora se afigure difícil imputar os custos da prisão à sociedade no seu todo. Deste modo, a regra geral poderá consistir em que o Estado-Membro que pronuncia a sentença deve suportar os custos inerentes à pena de prisão.

[22] Deve também salientar-se que as convenções são omissas no que se refere à questão das despesas subjacentes a uma detenção e que não podem ser invocados encargos financeiros para recusar a execução de uma sentença pronunciada noutro Estado.

Todavia, o actual sistema afigura-se baseado no princípio de que, quando um Estado aceita executar uma pena de prisão em nome de outro Estado, não pedirá o reembolso dos custos em que incorre. Manter este sistema afigura-se menos complicado na prática, uma vez que dispensa os esforços administrativos para proceder a pagamentos e receber esses pagamentos.

9.2. Sanções pecuniárias

De um modo geral, o reconhecimento mútuo de decisões finais que imponham multas deverá aplicar-se a todas as decisões deste tipo, quer a penalidade seja muito elevada, quer relativamente reduzida.

Em especial, é nestes últimos casos, em que são sancionados os delitos "menos graves", como pequenas transgressões ou infracções rodoviárias, que o reconhecimento mútuo simples e rápido revela todas as suas potencialidades. A execução internacional convencional pode originar, em muitos casos, custos superiores à própria pena imposta. Todavia, a não execução de pequenas sanções pecuniárias noutros Estados-Membros pode dar a impressão errada de que, a partir do momento em que se atravessa uma fronteira, as decisões de aplicação de multas relativamente a transgressões cometidas no estrangeiro não são executadas, o que não se afigura em sintonia com o conceito de uma área de liberdade, segurança e justiça. Por outro lado, é difícil aceitar que um cidadão que cometeu uma infracção "menos grave", só por essa infracção ter sido cometida noutro Estado-Membro, tenha de suportar encargos processuais muito superiores à própria pena. Um sistema de cobrança de multas baseado no reconhecimento mútuo seria simples e, provavelmente, só originaria custos processuais reduzidos.

A este respeito, há três aspectos importantes. Em primeiro lugar, a multa aplicada excede, por vezes, o limite máximo fixado para a mesma infracção no Estado-Membro de execução - situação que se prende com a opção fundamental entre a execução directa e plena e a conversão em nova decisão no Estado-Membro de execução. Na maioria dos casos, trata-se de decidir se a igualdade de tratamento [23] entre pessoas que cometem actos criminosos no mesmo Estado-Membro prevalece sobre a igualdade de tratamento entre autores de actos criminosos da mesma nacionalidade ou residindo no mesmo Estado-Membro.

[23] Neste contexto, a expressão "igualdade de tratamento" não deve de forma alguma ser entendida como excluindo a possibilidade de individualizar a decisão, ou seja, ter em conta as possibilidades económicas do autor do delito e as suas obrigações para com terceiros, como pensões alimentares, etc.

Em segundo lugar, encontra-se a eventual diferença de natureza das decisões de aplicação de uma multa. Por vezes pode ser necessário dar início a um procedimento administrativo ou civil para recuperar os montantes devidos. A Convenção de 1991 relativa à Execução de Condenações Penais Estrangeiras tenta ultrapassar essa dificuldade quando a pena é aplicada a uma pessoa colectiva, oferecendo ao Estado-Membro requerido a possibilidade de manifestar o seu empenho em recuperar os montantes devidos em conformidade com as suas próprias disposições de processo civil em matéria de execução (nº 2 do artigo 9º).

Em terceiro lugar, importa igualmente responder à questão da repartição das multas cobradas pelos dois Estados interessados. Existem três possibilidades: o Estado-Membro de execução guarda os montantes cobrados, transfere-os para o Estado-Membro onde a sentença foi pronunciada ou divide-os com este. A primeira opção é a que implica menos esforços em termos administrativos, a segunda já seria bastante mais trabalhosa e a terceira apresentaria a maior complexidade de aplicação prática. Em defesa da segunda alternativa pode alegar-se que a decisão inicial prevê, na maioria dos casos, que os montantes cobrados sejam devolvidos ao Estado-Membro onde foi pronunciada a sentença. Se se pretende reconhecer também este elemento da decisão, então estes montantes devem ser disponibilizados a favor do Estado-Membro onde a sentença foi pronunciada. Independentemente da opção escolhida, devem ser encontrados mecanismos que compensem o Estado-Membro da execução pelos custos subjacentes à cobrança da multa, podendo uma solução consistir em que o Estado-Membro de execução adquira o direito de cobrar esses montantes à pessoa a quem foi imposta a sanção, tal como sucede quando é cobrada uma multa no âmbito de um processo nacional.

9.3. Apreensões

No que diz respeito às apreensões, deveriam ser aplicáveis os princípios estabelecidos para o reconhecimento e a execução das sanções pecuniárias, pelo menos no caso da apreensão de fundos, em espécie ou depositados em contas bancárias. Quanto à apreensão de outros activos, estes princípios poderão eventualmente ser adaptados, embora deva ser possível seguir as suas grandes linhas.

A este nível, um aspecto que pode requerer especial atenção consiste na protecção dos direitos de terceiros de boa fé que tenham sido vítimas de crimes.

9.4. Sanções alternativas

Algumas ordens jurídicas desenvolveram outros tipos de sanções, além dos "clássicos", como a obrigação de prestar serviços à comunidade.

A este respeito, surgem duas dificuldades: a primeira diz respeito ao facto de as sanções alternativas se caracterizarem frequentemente por um elemento de compensação. Por exemplo, o autor do delito é obrigado a prestar serviços em prol da comunidade no seu conjunto ou a fazer algo em benefício da vítima. A este respeito, há que ponderar o potencial benefício para a comunidade ou para a vítima, em contraposição à vantagem de permitir que o autor do delito preste o serviço no Estado-Membro em que está socialmente integrado. Prestar serviços à comunidade noutro Estado-Membro não ajudaria a comunidade cujos valores foram afectados pelo delito. Por outro lado, o facto de prestar estes serviços à comunidade, longe de casa, torna essa sanção muito mais penosa.

Em segundo lugar, noutros Estados-Membros as medidas alternativas estão menos desenvolvidas, podendo mesmo não existir um enquadramento social nem instâncias de controlo adequadas. Neste caso, a transferência da execução da medida pode não ter o efeito pedagógico pretendido. Dada esta potencial dificuldade, poderá ser preferível proceder a uma análise comparativa tendo em vista criar, numa fase posterior, um mecanismo de cooperação que poderá facilitar a conclusão de um acordo entre os Estados-Membros em causa.

Deste modo, embora o reconhecimento mútuo de sanções alternativas deva em princípio reger-se pelas mesmas orientações que as penas de prisão ou pecuniárias, afigura-se legítimo, em razão do elevado número de tipos de medidas susceptíveis de figurarem nesta categoria, deixar aos dois Estados-Membros interessados uma maior margem de manobra. Qualquer um desses Estados-Membros poderá pedir a transferência, mas o Estado-Membro requerido não será obrigado a aceder ao pedido.

9.5. Inibição do exercício de uma determinada função ou profissão

Se, após ter sido objecto de uma decisão como a prevista no ponto 3.2, que lhe proíbe o exercício de uma função ou profissão, lhe impede a candidatura a contratos públicos, lhe proíbe o exercício de actividades que impliquem o contacto com crianças ou o priva do exercício de qualquer outro direito, um indivíduo, pelo simples facto de atravessar uma fronteira, puder exercer essas funções, apresentar uma proposta a um contrato público ou receber subvenções nos Estados-Membros vizinhos, o efeito da sanção fica, em grande medida, neutralizado. A Comissão está consciente de que se pode considerar que o alargamento dos efeitos das inibições do exercício de profissões ou funções, para além do Estado-Membro no qual essa inibição foi pronunciada, agrava a situação da pessoa condenada; mas tal medida é necessária para evitar os efeitos atrás descritos, que seriam incompatíveis com uma área de liberdade, de segurança e justiça. Deste modo, deverão ser envidados esforços especiais para ultrapassar os obstáculos ao reconhecimento mútuo das inibições de exercício de funções ou profissões.

O reconhecimento mútuo da inibição de exercício de funções (e medidas similares, como a proibição do exercício de certas actividades) suscita diferentes problemas de ordem prática. Muitas inibições ou outras medidas similares, como as relativas ao direito de exercer determinadas actividades, para serem eficazes no contexto do mercado interno, devem ser reconhecidas e executadas em toda a União. Neste caso, o reconhecimento mútuo deve ser multilateral ou, na realidade, comunitário, devendo proceder-se ao controlo da observância da decisão durante o período fixado. Afigura-se que a única forma de assegurar a consecução desta abordagem passa pela criação de registos, nos quais serão inscritas de imediato as decisões adoptadas (ou que se tornaram definitivas), segundo um modelo determinado que inclua, pelo menos, os dados de identificação da pessoa ou entidade objecto da decisão de inibição, as actividades proibidas e a duração da sanção. Trata-se de uma tarefa desmesurada que apresenta dificuldades idênticas às encontradas a nível da base de dados relativa às pessoas que cometem delitos ligados à criminalidade organizada, incluída na Estratégia Comunitária contra o Crime Organizado, recentemente desenvolvida [24]. Em especial, como serão informados os organismos reguladores responsáveis pelo controlo das actividades (por exemplo, no sector financeiro ou no mundo do ensino, em função do tipo da inibição)-

[24] Prevenção e controlo de criminalidade organizada: estratégia da União Europeia para o início do novo milénio (JO C 124, de 3 de Maio de 2000). Ver também o ponto 5, supra.

10. Protecção dos direitos individuais

Em conformidade com a conclusão 33 de Tampere, o Conselho Europeu considera que o reforço do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais é igualmente susceptível de facilitar a protecção judicial dos direitos individuais. Deste modo, não só importa velar por que o tratamento dos suspeitos e os direitos da defesa não sejam afectados negativamente pela aplicação do princípio, como há que garantir o reforço das salvaguardas ao longo de todo o processo. A pedra angular de qualquer reflexão sobre esta matéria continua a ser a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, e, em especial, os seus artigos 5º, 6º e 7º. No entanto, alguns aspectos concretos, como as condições de prestação de assistência jurídica e de interpretação, poderiam ser revistos. Esta abordagem também é válida para tipos específicos de processos, como os de flagrante delito ou à revelia [25].

[25] A Convenção de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais inclui uma secção integralmente consagrada aos julgamentos in absentia.

11. Aspectos de direito processual em que é considerado necessário um conjunto mínimo de disposições comuns

A conclusão 37 do Conselho Europeu Especial de Tampere exorta ao início de trabalhos relativos aos aspectos de direito processual em que é considerado necessário um conjunto mínimo de disposições comuns por forma a promover a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, respeitando os princípios gerais do direito dos Estados-Membros. Desta forma, o Conselho Europeu admite que o reconhecimento mútuo não pode substituir inteiramente a aproximação das legislações, devendo ambos evoluir em paralelo.

Assim, haverá que identificar as áreas em que é necessário este conjunto mínimo de disposições comuns para assegurar a indispensável confiança mútua que viabilizará o reconhecimento mútuo, definindo--se numa segunda fase o próprio conjunto de disposições.

Domínios em que pode ser necessário um conjunto mínimo de disposições comuns:

- Protecção do arguido no processo, no que se refere aos direitos da defesa, tais como: acesso a aconselhamento jurídico e representação, interpretação e tradução, nos casos em que o arguido desconhece a língua do processo, acesso ao tribunal (no caso dos processos administrativos a nível de recurso);

- Protecção da vítima do delito, no que se refere à possibilidade de ser ouvida no processo-crime, à possibilidade de apresentar provas, etc.

12. O procedimento de validação ("Exequatur")

Idealmente, este procedimento deveria ser desnecessário: o reconhecimento mútuo interviria directa e automaticamente, sem qualquer fase processual adicional. Na prática, isto afigura-se impossível na maioria dos casos. Sempre que uma decisão seja pronunciada noutra língua que não a da(s) pessoa(s) e autoridades em causa, será necessário, no mínimo, traduzir o seu texto. Ademais, afigura-se necessário verificar se se trata na realidade de uma decisão, na acepção do ponto 3.2, e se foi pronunciada por uma autoridade com competência para o efeito.

Se se decidir limitar de alguma forma o âmbito do reconhecimento mútuo, o procedimento de validação (autenticação) deverá incluir uma medida para assegurar que a decisão adoptada se insere nesse âmbito. Se for exigido o respeito de determinadas salvaguardas processuais como condição sine qua non do reconhecimento, devem ser previstas verificações para o efeito. Na realidade, cada aspecto adicional a confirmar antes de uma decisão ser reconhecida no Estado-Membro de execução torna o processo de validação mais complexo e moroso, desta forma retirando ao reconhecimento mútuo as suas principais vantagens, a saber, rapidez e simplicidade. Um processo de validação demasiado pesado teria o efeito de apenas permitir um regime de reconhecimento mútuo que na prática seria sensivelmente equivalente ao regime tradicional de "pedido".

Os aspectos práticos referidos relativamente aos diversos tipos de sanções permitem inferir que pode ser necessário estabelecer diversos processos de validação relativamente a diferentes decisões. Por exemplo, sempre que o tipo de sanção aplicada não exista no Estado-Membro de execução poderá ser necessário um processo de conversão mais elaborado.

13. Prevenir conflitos de jurisdição entre os Estados-Membros

A alínea d) do artigo 31º do Tratado da União Europeia prevê que a acção comum no domínio da cooperação judiciária em matéria penal inclua a prevenção dos conflitos de jurisdição entre Estados-Membros.

Na actual situação, o direito penal de vários países prevê diferentes critérios de competência jurisdicional, facto que se reflecte em diversos instrumentos comunitários [26]. O problema torna-se especialmente agudo nos casos em que é aplicável uma competência jurisdicional universal, como se prevê em diversos instrumentos jurídicos em vigor [27]. Em consequência, é normal que diversos Estados-Membros sejam simultaneamente competentes. Não existe qualquer regra de litispendência nem qualquer hierarquia entre níveis de jurisdição; existe apenas por vezes um incentivo à coordenação e, na medida do possível, à centralização das acusações [28].

[26] Ver, por exemplo, a Acção Comum de 24 de Fevereiro de 1997 relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, Título II/A/f (JO L 63, de 4 de Março de 1997); a Convenção de 26 de Maio de 1997 relativa à Luta contra a Corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-Membros da União Europeia, artigo 7º (JO C 195, de 25 de Junho de 1997); a Acção Comum de 21 de Dezembro de 1998 relativa à incriminação da participação numa organização criminosa nos Estados-Membros da União Europeia, artigo 4º (JO L 351, de 29 de Dezembro de 1998); e a Acção Comum de 22 de Dezembro de 1998 relativa à Corrupção no Sector Privado, artigo 7º (JO L 358, de 31 de Dezembro de 1998).

[27] Por exemplo, a Acção Comum de 1997 relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças.

[28] À semelhança do artigo 6º da Convenção de 1995 relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias ou do artigo 4º da Acção Comum de 1998 relativa à Incriminação da Participação numa Organização Criminosa.

Os pontos de contacto da rede judiciária europeia estão já incumbidos de facilitar a coordenação de casos de pedidos múltiplos emanados de autoridades judiciais nacionais [29]. Ademais, o Plano de Acção de Viena de 1998 adoptado pelo Conselho e pela Comissão [30] sugere o exame, nos cinco anos subsequentes à entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, da possibilidade de criar um registo de casos pendentes, precisamente por forma a prevenir conflitos de jurisdição. Na ausência de uma hierarquização de jurisdições competentes, poder-se-ia, quando muito, estabelecer uma derrogação ao reconhecimento mútuo nos casos em que o Estado-Membro que reconhece a decisão tiver competência jurisdicional e decidir efectivamente acusar ou, embora detendo essa competência, decidir não intentar uma acção [31]. Todavia, afigura-se que esta situação compromete seriamente o princípio do reconhecimento mútuo.

[29] Ver o nº 3 do artigo 4º da Acção Comum que cria uma Rede Judiciária Europeia (JO L 191, de 7 de Julho de 1998). A melhoria das capacidades operacionais da rede está actualmente a ser objecto de debate.

[30] Plano de Acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amsterdão relativas à criação de um Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça (JO C 19, de 23 de Janeiro de 1999). Ver o ponto 49, alínea e) do Plano de Acção.

[31] Alíneas e) e f) do artigo 6º da Convenção de 1970 sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, que consagram estes motivos como justificação para não execução de uma decisão.

13.1. Coordenação

Uma forma de solucionar conflitos de jurisdição entre Estados-Membros e, por conseguinte, evitar a multiplicidade das acções penais, consiste em definir critérios de hierarquização de competências jurisdicionais e encarregar uma instância, já existente ou a criar, da identificação, numa base casuística, do Estado-Membro com essas competências, segundo os referidos critérios. Estas funções poderiam ser atribuídas à Eurojust, ao Tribunal de Justiça ou a outra entidade.

Todavia, se este conjunto de orientações deixar uma margem de apreciação à referida instância, esta poderá ver-se numa situação particularmente difícil ao lidar com casos de forte cariz político. Ao recorrer à sua margem discricionária, estará naturalmente sujeita a críticas intensas, qualquer que seja o sentido da sua decisão. Se esta instância puder comprovar que a sua decisão se baseia em regras estabelecidas, poderá continuar a ser criticada, em especial por parte de interessados que consideram que as regras em causa deveriam ser interpretadas de outra forma, mas tais críticas tornar-se-ão muito mais suportáveis.

13.2. Disposições comunitárias em matéria de jurisdição exclusiva

Com a introdução do reconhecimento mútuo, afigura-se oportuno completar o actual sistema, no quadro do qual diversos Estados-Membros podem ter competência jurisdicional relativamente ao mesmo delito, por meio de regras que designem claramente um único Estado-Membro. As regras em matéria de competência tanto deverão prevenir os conflitos positivos de jurisdição (em que dois ou mais Estados-Membros pretendem julgar um determinado caso) como os negativos (em que nenhum Estado-Membro pretende julgar um certo caso).

Se todos aceitarem que, de acordo com disposições estabelecidas em comum, as autoridades de um (único) Estado-Membro são competentes para se pronunciarem relativamente a um caso, para os outros Estados-Membros será muito mais fácil reconhecerem e, por conseguinte, acatarem a decisão proferida, do que numa situação em que as suas próprias autoridades também se considerassem competentes para tomar uma decisão. Isto tanto vale para as diferenças a nível do direito penal substantivo como do direito penal processual: mesmo nos casos em que não existe criminalidade dual, o Estado-Membro ao qual é solicitada a execução de uma decisão sancionando um comportamento que, no âmbito da sua própria ordem jurídica, não constitui uma infracção, consideraria mais fácil de aceitar esta solução, visto basear-se em regras acordadas em comum que regulam a responsabilidade pelo julgamento desse caso específico. Em termos de direito processual existem diferenças, por exemplo, no que se refere ao designado "principe d'opportunité des poursuites" (princípio da oportunidade). Os Estados-Membros que seguem este princípio deixam ao Ministério Público a competência para decidir, após terem sido reunidas provas de que se verificou um crime, iniciar ou não uma acção. Nas mesmas circunstâncias, a ordem jurídica de outros Estados-Membros estabelece a obrigatoriedade de se intentar o correspondente procedimento criminal. Uma vez mais, se um Estado-Membro cujo sistema de acusação se baseia no princípio da oportunidade tiver competência jurisdicional ao abrigo das disposições estabelecidas em comum e o Ministério Público decidir não intentar a acção penal, os outros Estados-Membros, jurisdicionalmente incompetentes, poderão mais facilmente aceitar essa decisão e a impossibilidade de procederem eles próprios à acusação.

Pode argumentar-se que, com a criação de um tal sistema de reconhecimento mútuo associado a disposições em matéria de competência jurisdicional, os Estados-Membros seriam compensados pela perda de soberania que teriam de aceitar ao reconhecerem decisões de outros Estados-Membros, sendo-lhes conferido um domínio de competência em que podem adoptar disposições em matéria de direito penal. Este domínio de competência poderia ser alargado pelo facto de os restantes Estados-Membros reconhecerem as decisões por eles adoptadas ao abrigo dessas regras. Dir-se-ia que o critério da territorialidade para a definição da soberania é substituído por outros critérios que, muitas vezes, poderão continuar a basear-se na territorialidade. Por exemplo, um dos principais critérios de competência poderá ser o local onde o crime foi cometido.

A necessidade de impedir a possibilidade de escolha do foro mais favorável constitui outro argumento em prol de um conjunto claro de disposições em matéria de competência jurisdicional. Assim, nenhuma parte num processo, seja a acusação, seja a defesa, poderia tentar aproveitar essa possibilidade.

Na maior parte dos casos, as autoridades competentes dos Estados-Membros (potencialmente) envolvidos poderiam determinar, interpretando elas próprias as disposições em matéria de jurisdição, se se justifica que seja o seu Estado-Membro a assumir ou não a acção penal. Apenas nos casos em que as disposições não fossem claras relativamente a um caso concreto em que os Estados-Membros, por qualquer razão, insistissem nas suas competências, é que poderia ser necessário apresentar o caso a um órgão europeu que decidisse a questão da competência jurisdicional. Essa função poderia ser confiada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias [32], à EUROJUST ou a uma entidade semelhante. Independentemente da solução adoptada, seria fundamental a capacidade para decidir rapidamente as questões jurisdicionais.

[32] Eventualmente de uma forma análoga à prevista no Protocolo relativo à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça à Convenção de Bruxelas de 1968 - assinada no Luxemburgo em 3 de Junho de 1971 (JO L 204, de 2 de Agosto de 1975; versão consolidada no JO C 27, de 26 de Janeiro de 1998).

Uma desvantagem de estabelecer um conjunto de regras sobre a atribuição de competência jurisdicional aos Estados-Membros da União Europeia reside na eventual necessidade de laboriosas negociações. Uma vez mais, tais esforços seriam envidados "de uma vez por todas", uma vez que eliminariam a necessidade de resolver questões deste tipo em todo e qualquer caso em que possam estar interessadas as jurisdições de dois ou mais Estados-Membros. Não obstante, qualquer processo de validação deverá confirmar se o Estado-Membro que toma a decisão tem efectivamente a competência necessária para adoptar a decisão a reconhecer. Na maior parte dos casos, não será difícil, em especial se as disposições em matéria de competência jurisdicional forem claras e bem redigidas, embora seja de admitir que, por vezes, casos de maior complexidade venham a exigir esforços consideráveis [33].

[33] O estabelecimento de um sistema em que a competência para julgar um determinado caso é conferida a um Estado-Membro, excluindo, por conseguinte, a jurisdição de todos os outros Estados-Membros, poderá ter repercussões sobre as obrigações internacionais a cujo cumprimento os Estados-Membros se encontram vinculados. Os Estados-Membros podem ter acordado com países terceiros ou organizações internacionais estabelecer jurisdição em certos casos. No âmbito de um sistema comunitário relativo a competências exclusivas, pode suceder que a jurisdição recaia sobre outro Estado-Membro e que o primeiro Estado-Membro não tenha jurisdição. A necessidade de alterar os instrumentos existentes por forma a estabelecer as obrigações dos Estados-Membros face a países terceiros ou organizações internacionais dependerá, provavelmente, em grande medida, da forma como regulamentarem a sua posição face a outros instrumentos.

Pode ainda haver casos em que os Estados-Membros pretendam ter sempre jurisdição, independentemente do local onde foram cometidos os actos relevantes, por exemplo, no que se refere a crimes contra o interesse nacional, como ataques a funcionários seus ou quebra de segredos oficiais/legislação em matéria de segurança nacional. Quaisquer excepções ao princípio da territorialidade eventualmente consagradas deverão traduzir--se numa redução da jurisdição do Estado-Membro onde o acto teve lugar, por forma a evitar os problemas suscitados pela combinação de jurisdições múltiplas e reconhecimento mútuo, como atrás se disse. Caso não possa ser definida uma única jurisdição, terá de ser analisada a possibilidade de subtrair estes aspectos ao reconhecimento mútuo.

Contribuição da Comissão para os trabalhos relativos ao programa de medidas com vista à implementação do princípio do reconhecimento mútuo

Os trabalhos relativos ao reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal poderão ser organizados por "pacotes", cada um incidindo em aspectos que conduzam à necessidade de responder à mesma questão ou a questões semelhantes. Cada um destes "pacotes" poderá dar origem a um ou mais instrumentos jurídicos. Nas respectivas discussões, haverá que ter presentes algumas questões básicas relativas ao reconhecimento mútuo, nomeadamente no que se refere à dualidade criminal, ao reconhecimento total ou apenas parcial, ao processo de validação e às condições processuais a respeitar no Estado-Membro que pronuncia a decisão para que a mesma possa ser reconhecida por outro Estado-Membro.

Os "pacotes" seriam os seguintes:

- Reconhecimento mútuo de decisões que imponham multas em geral (além das infracções rodoviárias).

- Medidas relacionadas com os antecedentes criminais de uma pessoa. Numa primeira fase, poderiam ser criados formulários europeus que permitiriam aos tribunais e aos serviços do Ministério Público enviar facilmente um pedido às autoridades competentes (de preferência centrais) de todos os outros Estados-Membros da União Europeia por forma a determinar se a pessoa em causa tem um registo criminal. Numa segunda fase, seria criado o Registo Criminal Europeu.

- Disposições comunitárias em matéria de competência jurisdicional exclusiva para decisões finais em matéria penal. Em alternativa, caso se considere preferível não lançar um exercício de definição de disposições comunitárias em matéria de competência jurisdicional, será necessário analisar as questões relacionadas com a clarificação do princípio ne bis in idem e com a coordenação dos procedimentos criminais. Isto deverá ser feito paralelamente aos trabalhos em curso na EUROJUST, relativamente aos quais o Conselho Europeu de Tampere estabeleceu como prazo o final de 2001.

- Inibição do exercício de funções ou actividades, sanções alternativas, controlo judicial Pode ter de ser criado um inventário das sanções existentes. A cooperação com o futuro Fórum Europeu sobre a Prevenção do Crime poderá ser promovida.

- Apreensão na sequência de congelamento de activos O resultado dos trabalhos sobre o congelamento de activos deverá ser tomado em consideração para assegurar a compatibilidade das duas fases.

- Execução de sentenças de prisão pronunciadas noutro Estado-Membro Esta situação será abordada no contexto de medidas relativas à transferência de pessoas (em vez da extradição formal). Poderá ser necessário proceder à apreciação da situação em matéria de extradição, actualmente em vigor entre os Estados-Membros da UE, incluindo os instrumentos jurídicos existentes.

Uma vez que esta comunicação apenas incide sobre uma parte do domínio geral do reconhecimento mútuo, a Comissão não considera necessário estabelecer prazos para as medidas atrás mencionadas. Só terá sentido estabelecer prazos para medidas individuais na preparação do programa, que abrangerá todas as medidas a adoptar em matéria de reconhecimento mútuo.

A Comissão convida todos os interessados a apresentar (por escrito) as respectivas observações sobre a presente comunicação até 31 de Outubro de 2000, enviando-as para o seguinte endereço:

Director-Geral Direcção-Geral Justiça e Assuntos Internos

Comissão Europeia

Rue de la Loi 200 B-1049 Bruxelas

Fax: (+32 2) 296.74.81

E-mail: Adrian.Fortescue@cec.eu.int

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