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Document 62021CJ0814

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de novembro de 2024.
Comissão Europeia contra República da Polónia.
Incumprimento de Estado — Artigo 20.° TFUE — Cidadania da União — Artigo 21.° TFUE — Direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros — Artigo 22.° TFUE — Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado — Cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade — Inexistência do direito de ser membro de um partido político — Artigos 2.° e 10.° TUE — Princípio da democracia — Artigo 4.°, n.° 2, TUE — Respeito da identidade nacional dos Estados‑Membros — Artigo 12.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. — Papel dos partidos políticos na expressão da vontade dos cidadãos da União.
Processo C-814/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:963

Processo C‑814/21

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de novembro de 2024

«Incumprimento de Estado — Artigo 20.o TFUE — Cidadania da União — Artigo 21.o TFUE — Direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros — Artigo 22.o TFUE — Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado — Cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade — Inexistência do direito de ser membro de um partido político — Artigos 2.° e 10.° TUE — Princípio da democracia — Artigo 4.o, n.o 2, TUE — Respeito da identidade nacional dos Estados‑Membros — Artigo 12.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. — Papel dos partidos políticos na expressão da vontade dos cidadãos da União»

  1. Cidadania da União — Disposições do Tratado — Cidadãos da União Europeia que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade — Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro — Alcance — Exercício efetivo desse direito — Acesso igual aos meios de que dispõem os nacionais do referido Estado‑Membro existentes na ordem jurídica nacional — Inclusão

    (Artigo 10.o TUE; artigos 20.°, 21.° e 22.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 12.o; Diretivas 93/109 e 94/80 do Conselho)

    (cf. n.os 91‑96, 99‑115, 118‑125)

  2. Cidadania da União — Disposições do Tratado — Cidadãos da União Europeia que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade — Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro — Regulamentação nacional que recusa a esses cidadãos da União o direito de aderir a um partido político — Inadmissibilidade — Justificação — Respeito da identidade nacional — Inexistência

    (Artigos 2.°, 4.°, n.o 2, e 10.° TUE; artigo 22.o TFUE)

    (cf. n.os 133‑139, 150, 153‑161)

Resumo

Chamado a pronunciar‑se sobre uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, declara que, ao recusar aos cidadãos da União Europeia que não têm a nacionalidade polaca mas que residem na Polónia o direito de ser membro de um partido político, este Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 22.o TFUE.

A Lei polaca relativa aos partidos políticos ( 1 ) prevê que os nacionais da República da Polónia que tenham pelo menos 18 anos de idade podem ser membros de um partido político. Assim, os cidadãos da União Europeia que não têm a nacionalidade polaca, mas que residem na Polónia, não dispõem desse direito.

Por considerar que esta legislação é contrária ao artigo 22.o TFUE, a Comissão Europeia intentou uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça. Sustenta, nomeadamente, que, ao reservar a qualidade de membro de um partido político apenas aos nacionais polacos, a Polónia impede os cidadãos da União que residem neste Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade de exercer os direitos eleitorais nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu nas mesmas condições que os nacionais polacos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça examina o alcance do artigo 22.o TFUE, tendo em conta os termos deste artigo, o seu contexto e os objetivos que prossegue.

Assim, primeiro, nos termos desta disposição, qualquer cidadão da União residente num Estado‑Membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro, e esse direito é exercido sem prejuízo das modalidades adotadas pelo Conselho da União Europeia. Esta redação não contém nenhuma referência às condições relativas à aquisição da qualidade de membro de um partido político. Em contrapartida, ao remeter para as condições do direito de eleger e de ser eleito aplicáveis aos nacionais do Estado‑Membro de residência desse cidadão da União, o artigo 22.o TFUE instaura a proibição de esse Estado‑Membro submeter o exercício desse direito por esse cidadão da União a condições diferentes das aplicáveis aos seus próprios nacionais. Por conseguinte, esta disposição estabelece uma regra específica de não discriminação em razão da nacionalidade e, consequentemente, aplica‑se a qualquer medida nacional que opere uma diferença de tratamento suscetível de prejudicar o exercício efetivo do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu.

Além disso, as modalidades de exercício do direito de eleger e de ser eleito foram adotadas pelo Conselho nas Diretivas 93/109 ( 2 ) e 94/80 ( 3 ), as quais, embora não contenham disposições relativas às condições para a aquisição, pelos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade, da qualidade de membro de um partido político, não podem, nem sequer implicitamente, limitar o alcance dos direitos e das obrigações decorrentes do artigo 22.o TFUE. A este respeito, na falta de disposições específicas relativas a essas condições, a sua determinação é da competência dos Estados‑Membros. No entanto, no exercício dessa competência, estes últimos são obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, incluindo o artigo 22.o TFUE.

Segundo, no que respeita ao contexto em que se inscreve o artigo 22.o TFUE, o Tribunal de Justiça refere‑se tanto às outras disposições do Tratado FUE como às disposições do mesmo nível que figuram, nomeadamente, no Tratado UE e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

A este respeito, antes de mais, o artigo 22.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 20.o, n.o 2, TFUE, associa o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu ao estatuto de cidadão da União. Por outro lado, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, e o artigo 21.o TFUE, a cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros. Existe, assim, um nexo entre, por um lado, o direito de livre circulação e de permanência e, por outro, o direito de os cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade elegerem e serem eleitos nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu.

Em seguida, o artigo 10.o TUE, que reconhece o direito dos cidadãos da União de estarem diretamente representados no Parlamento Europeu e de participarem na vida democrática da União, evidencia o nexo entre o princípio da democracia representativa na União e o direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu associado à cidadania da União, garantido pelo artigo 22.o, n.o 2, TFUE.

Por último, o artigo 12.o, n.o 1, da Carta consagra o direito de todas as pessoas à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico. Este direito corresponde ao direito garantido no artigo 11.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, que constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e pluralista, uma vez que permite aos cidadãos agirem coletivamente em domínios de interesse comum e, ao fazê‑lo, contribuírem para o bom funcionamento da vida pública. Ora, o artigo 10.o, n.o 4, TUE e o artigo 12.o, n.o 2, da Carta reconhecem aos partidos políticos ao nível europeu um papel primordial na expressão da vontade dos cidadãos da União. Os partidos políticos, em que uma das funções é apresentar candidatos às eleições, assumem assim uma função essencial no sistema de democracia representativa, no qual se baseia o funcionamento da União, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, TUE. Portanto, a qualidade de membro de um partido político contribui substancialmente para o exercício efetivo do direito de ser eleito, conforme conferido pelo artigo 22.o TFUE.

Terceiro, no que respeita ao objetivo do artigo 22.o TFUE, este artigo visa, antes de mais, conferir aos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade o direito de participação no processo eleitoral democrático desse Estado‑Membro por meio do direito de eleger e de ser eleito aos níveis europeu e local. Em seguida, este artigo visa garantir a igualdade de tratamento entre os cidadãos da União, o que implica, para que este direito possa ser efetivamente exercido no âmbito das eleições municipais e para o Parlamento Europeu, um acesso igual aos meios existentes na ordem jurídica nacional de que dispõem os nacionais do referido Estado‑Membro. Por último, resulta do nexo entre, por um lado, a liberdade de circulação e de permanência e, por outro, o direito de eleger e de ser eleito nessas eleições que este último direito tende, nomeadamente, a favorecer a integração progressiva do cidadão da União em causa na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento. O artigo 22.o TFUE visa, assim, assegurar a representatividade dos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade como corolário da sua integração na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento.

Em segundo lugar, é à luz destas precisões sobre o alcance do artigo 22.o TFUE, lido à luz dos artigos 20.° e 21.° TFUE, do artigo 10.o TUE e do artigo 12.o da Carta, que o Tribunal de Justiça examina se a diferença de tratamento em razão da nacionalidade, instituída pela legislação polaca, quanto à possibilidade de se tornar membro de um partido político, leva a que os cidadãos da União que residem na Polónia sem ter a sua nacionalidade não beneficiem de um acesso igual aos meios de que dispõem os nacionais deste Estado‑Membro para efeitos do exercício efetivo do seu direito de ser eleitos, em violação do artigo 22.o TFUE.

A este respeito, é certo que é possível, na Polónia, que um candidato independente que não pertença a um partido político seja designado por um comité eleitoral de um partido político. Todavia, por um lado, uma vez que são os membros dos partidos políticos que escolhem os candidatos que devem ser designados, o facto de não ser membro de um partido político tem, em princípio, como consequência excluir um cidadão da União que reside na Polónia sem ter a sua nacionalidade de uma participação na tomada de decisão desse partido quanto à sua designação pelo seu comité eleitoral. Esta circunstância coloca esses cidadãos da União numa situação menos favorável do que a dos nacionais polacos, membros de um partido político, quanto à possibilidade de se candidatarem às eleições municipais e para o Parlamento Europeu na lista de um partido político.

Por outro lado, o facto de os nacionais polacos poderem escolher candidatar‑se quer como membros de um partido político quer como candidatos independentes, ao passo que os cidadãos da União que residem na Polónia sem ter a sua nacionalidade apenas dispõem desta última possibilidade, demonstra que estes cidadãos da União não podem exercer o seu direito de ser eleitos nessas eleições nas mesmas condições que os nacionais polacos.

Em terceiro e último lugar, o Tribunal de Justiça examina se esta diferença de tratamento no que respeita ao acesso aos meios que permitem o exercício efetivo do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu pode ser justificada por razões relativas ao respeito da identidade nacional de um Estado‑Membro, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE.

Antes de mais, é verdade que a organização da vida política nacional, para a qual contribuem os partidos políticos, faz parte da identidade nacional. Todavia, uma vez que o direito de eleger e de ser eleito conferido pelo artigo 22.o TFUE aos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade diz respeito às eleições municipais e para o Parlamento Europeu no referido Estado‑Membro, esta disposição não implica nem a obrigação de esse Estado‑Membro assegurar que esses cidadãos beneficiem do direito de eleger e de ser eleito nas eleições nacionais, nem uma proibição de adotar regras específicas relativas à tomada de decisões num partido político quanto à investidura dos candidatos às eleições nacionais, que excluam que os membros do partido que não são nacionais do referido Estado participem nessa tomada de decisão.

Em seguida, o artigo 4.o, n.o 2, TUE deve ser lido tendo em conta as disposições de importância equivalente, nomeadamente, os artigos 2.° e 10.° TUE, e não pode dispensar os Estados‑Membros do cumprimento das exigências decorrentes das mesmas. A este respeito, o princípio da democracia e o princípio da igualdade de tratamento constituem valores em que a União se funda, em conformidade com o artigo 2.o TUE. Esta disposição não constitui uma simples enunciação de orientações ou intenções de natureza política, mas contém valores que se enquadram na própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum, valores que são concretizados em princípios que contêm obrigações juridicamente vinculativas para os Estados‑Membros. Além disso, o princípio da democracia representativa, no qual se baseia o funcionamento da União, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, TUE, concretiza o valor de democracia referido no artigo 2.o TUE.

Por último, ao garantir aos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro sem ter a sua nacionalidade o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu no referido Estado‑Membro nas mesmas condições que aos nacionais desse Estado, o artigo 22.o TFUE concretiza os princípios da democracia e da igualdade de tratamento dos cidadãos da União, que fazem parte da identidade e dos valores comuns da União, aos quais os Estados‑Membros aderem e cujo respeito devem assegurar no seu território. Consequentemente, não se pode considerar que o facto de permitir que tais cidadãos da União se tornem membros de um partido político no seu Estado‑Membro de residência com vista a aplicar plenamente os princípios da democracia e da igualdade de tratamento viola a identidade nacional desse Estado‑Membro.


( 1 ) A ustawa o partiach politycznych (Lei relativa aos Partidos Políticos), de 27 de abril de 1997 (Dz.U. de 1997, n.o 98, posição 604). V. artigo 2.o, n.o 1, desta lei.

( 2 ) Diretiva 93/109/CE do Conselho, de 6 de dezembro de 1993, que estabelece o sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (JO 1993, L 329, p. 34), conforme alterada pela Diretiva 2013/1/UE do Conselho, de 20 de dezembro de 2012 (JO 2013, L 26, p. 27).

( 3 ) Diretiva 94/80/CE do Conselho, de 19 de dezembro de 1994, que estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (JO 1994, L 368, p. 38).

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