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Document 62022CJ0601
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de julho de 2024.
Umweltverband WWF Österreich e o. contra Amt der Tiroler Landesregierung.
Reenvio prejudicial — Validade e interpretação — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 12.°, n.° 1 — Sistema de proteção rigorosa das espécies animais — Anexo IV — Canis lupus (lobo) — Igualdade de tratamento entre os Estados‑Membros — Artigo 16.°, n.° 1 — Autorização nacional de captura de um espécime de animal selvagem da espécie canis lupus — Avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa — Âmbito geográfico — Determinação do prejuízo — Solução satisfatória alternativa.
Processo C-601/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de julho de 2024.
Umweltverband WWF Österreich e o. contra Amt der Tiroler Landesregierung.
Reenvio prejudicial — Validade e interpretação — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 12.°, n.° 1 — Sistema de proteção rigorosa das espécies animais — Anexo IV — Canis lupus (lobo) — Igualdade de tratamento entre os Estados‑Membros — Artigo 16.°, n.° 1 — Autorização nacional de captura de um espécime de animal selvagem da espécie canis lupus — Avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa — Âmbito geográfico — Determinação do prejuízo — Solução satisfatória alternativa.
Processo C-601/22.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:595
Processo C‑601/22
Umweltverband WWF Österreich
e
ÖKOBÜRO ‑ Allianz der Umweltbewegung
e
Naturschutzbund Österreich
e
Umweltdachverband
e
Wiener Tierschutzverein
contra
Tiroler Landesregierung
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesverwaltungsgericht Tirol)
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de julho de 2024
«Reenvio prejudicial — Validade e interpretação — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 12.o, n.o 1 — Sistema de proteção rigorosa das espécies animais — Anexo IV — Canis lupus (lobo) — Igualdade de tratamento entre os Estados‑Membros — Artigo 16.o, n.o 1 — Autorização nacional de captura de um espécime de animal selvagem da espécie canis lupus — Avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa — Âmbito geográfico — Determinação do prejuízo — Solução satisfatória alternativa»
Ambiente — Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43 — Proteção rigorosa das espécies animais que figuram no anexo IV, alínea a) — Proteção rigorosa do canis lupus — Exclusão das populações de lobos situadas no território de alguns Estados‑Membros enumerados no referido anexo — População de lobos presente na Áustria não abrangida por esta exclusão — Validade à luz do princípio da igualdade entre os Estados‑Membros
(Artigo 4.o, n.o 2, TUE; Diretiva 92/43 do Conselho, artigo 12.o, n.o 1, e anexo IV)
(cf. n.os 32‑39, 42‑46, disp.1)
Questões prejudiciais — Apreciação da validade — Pedido de declaração de omissão de uma instituição da União — Inadmissibilidade
(Artigos 265.° e 267.° TFUE)
(cf. n.o 41)
Ambiente — Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43 — Proteção rigorosa das espécies animais que figuram no anexo IV, alínea a) — Derrogações — Condições — Manutenção, num estado de conservação favorável, das populações das espécies em causa — Avaliação do estado de conservação dessas espécies — Tomada em consideração do nível local e nacional e, se for caso disso, do nível transfronteiriço
[Artigo 191.o, n.o 2, TFUE; Diretiva 92/43 do Conselho, artigos 1.°, alínea i), 12.° a 14.°, 15.°, alíneas a) e b), e 16.°, n.o 1]
(cf. n.os 49‑66, disp. 2)
Ambiente — Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43 — Proteção rigorosa das espécies animais que figuram no Anexo IV, alínea a) — Derrogações — Prevenção de prejuízos sérios, nomeadamente para as culturas, a criação de gado, as florestas, as zonas de pesca, as águas e outras formas de propriedade — Conceito de prejuízos sérios — Prejuízos indiretos futuros não imputáveis ao espécime da espécie animal visado pela derrogação — Exclusão
[Diretiva 92/43 do Conselho, artigos 12.° e 16.°, n.o 1, alínea b), e anexo IV, alínea a)]
(cf. n.os 69‑75, disp. 3)
Ambiente — Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43 — Proteção rigorosa das espécies animais que figuram no anexo IV, alínea a) — Derrogações — Condições — Inexistência de outra solução satisfatória — Apreciação pelas autoridades nacionais competentes — Tomada em consideração das implicações económicas da solução possível — Limites — Ponderação com o objetivo geral de manutenção ou de restabelecimento, num estado de conservação favorável, da espécie animal em causa
(Diretiva 92/43 do Conselho, artigos 2.°, n.o 3, 12.° e 16.°, n.o 1)
(cf. n.os 78‑86, disp. 4)
Resumo
Chamado a pronunciar‑se a título prejudicial pelo Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol, Áustria), o Tribunal de Justiça, por um lado, confirma a validade do artigo 12.o e do anexo IV da Diretiva «Habitats» ( 1 ), que instituem um sistema de proteção rigorosa de determinadas espécies animais, e, por outro, precisa as condições de aplicação do regime derrogatório a esta proteção, conforme previsto no artigo 16.o desta mesma diretiva.
Em 2022, um espécime de animal selvagem pertencente à espécie canis lupus (lobo) esteve na origem de vários ataques a ovinos no Land do Tirol. Considerando que esse lobo representava um importante perigo imediato para os animais em pastoreio e para as culturas agrícolas, o Tiroler Landesregierung (Governo do Land do Tirol, Áustria) autorizou assim a captura do referido lobo, excluindo‑o da proteção rigorosa de que esta espécie animal beneficia ao abrigo do artigo 12.o e do anexo IV da Diretiva «Habitats».
Neste contexto, várias organizações de proteção animal e do ambiente interpuseram recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que a decisão que autoriza a captura não cumpre os requisitos de derrogação previstos no artigo 16.o desta diretiva.
Considerando que a população de lobos na Áustria se desenvolveu desde a entrada em vigor da Diretiva «Habitats», esse órgão jurisdicional interroga‑se, por um lado, sobre a validade do artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva, lido em conjugação com o seu anexo IV, à luz do princípio da igualdade entre os Estados‑Membros, na medida em que este anexo exclui certas populações de lobos presentes no território de outros Estados‑Membros do sistema de proteção rigorosa estabelecido no artigo 12.o desta diretiva, mas não exclui a população de lobos na Áustria. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre as condições de concessão de uma derrogação a esta proteção rigorosa ao abrigo do artigo 16.o da mesma diretiva.
Apreciação do Tribunal de Justiça
Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça recorda que a validade de um ato da União deve ser apreciada à luz dos elementos de que o legislador da União dispõe à data da adoção da regulamentação em causa. No caso em apreço, no momento da sua adesão à União em 1 de janeiro de 1995, a República da Áustria não formulou nenhuma reserva quanto à inscrição no anexo IV da Diretiva «Habitats» da população de lobos presente no seu território, nem apresentou nenhum elemento de prova suscetível de demonstrar que se encontrava numa situação comparável à dos outros Estados‑Membros cuja população de lobos estava, na mesma data, excluída do sistema de proteção rigorosa.
Além disso, a evolução favorável da população de lobos no território austríaco desde a referida adesão corresponde precisamente a um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva «Habitats» e pode ser tomada em consideração para adaptar este quadro técnico complexo de caráter evolutivo. A este respeito, embora a Diretiva «Habitats» permita a adaptação do seu anexo IV ao progresso técnico e científico ( 2 ) e mesmo admitindo que o legislador da União devia ter atuado nesse sentido para retirar a população de lobos na Áustria do sistema de proteção rigorosa, a eventual omissão do referido legislador não pode constituir, no âmbito do mecanismo do reenvio prejudicial, um motivo de invalidade do artigo 12.o da referida diretiva, lido em conjugação com o anexo IV da mesma.
Em todo o caso, o lobo é objeto de uma proteção rigorosa ao abrigo da Convenção de Berna relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa ( 3 ), da qual a União é parte e que a vincula por força do direito internacional. Por outro lado, na medida em que a Diretiva «Habitats» visa assegurar o restabelecimento e a manutenção dos habitats naturais e das espécies da fauna e da flora selvagens num estado de conservação favorável, a proteção prevista no artigo 12.o da referida Diretiva aplica‑se mesmo às espécies que tenham atingido tal estado de conservação, devendo estas ser protegidas contra qualquer deterioração desse estado.
À luz destas considerações, o Tribunal de Justiça conclui pela inexistência de elementos suscetíveis de afetar a validade do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva «Habitats», lido em conjugação com o anexo IV da mesma diretiva.
Em segundo lugar, quanto às condições de concessão de uma derrogação ao sistema de proteção rigorosa instituído pela Diretiva «Habitats», o Tribunal de Justiça começa por recordar que o artigo 16.o, n.o 1, desta diretiva autoriza os Estados‑Membros a derrogá‑lo, desde que essa derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável.
A este respeito, cabe à autoridade nacional competente determinar, num primeiro momento, o estado de conservação das populações da espécie em causa e, num segundo momento, o impacto que esta derrogação é suscetível de produzir sobre essa espécie. A avaliação realizada no âmbito destas duas etapas deve ser efetuada, em primeiro lugar e necessariamente, a nível local e nacional, onde as consequências da derrogação serão geralmente sentidas mais imediatamente. Só quando o estado de conservação da espécie animal em causa se revelar favorável no plano local e nacional é que a avaliação pode, em segundo lugar, se os dados disponíveis o permitirem, ser considerada a nível transfronteiriço.
Em seguida, o artigo 16.o da Diretiva «Habitats» permite que os Estados‑Membros derroguem o regime de proteção rigorosa para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca, às águas e a outras formas de propriedade. Ora, embora esta disposição não implique a ocorrência de prejuízos sérios previamente à adoção das medidas derrogatórias, esses prejuízos não podem ser puramente hipotéticos e devem ser, pelo menos em grande parte, imputáveis à espécie animal visada pela derrogação. Daqui resulta que, tendo em conta o nexo de causalidade que deve existir entre, por um lado, a concessão da derrogação e, por outro, o prejuízo causado por essa espécie animal, o conceito de «prejuízos sérios» na aceção da referida disposição não abrange os prejuízos indiretos futuros que não são imputáveis ao espécime da espécie animal em causa.
Por último, uma derrogação ao abrigo do artigo 16.o da Diretiva Habitats pressupõe a inexistência de outra solução satisfatória que permita alcançar os objetivos invocados em apoio da derrogação. Esta condição, que constitui uma expressão específica do princípio da proporcionalidade, requer, assim, uma ponderação do conjunto dos interesses em causa e dos critérios a tomar em consideração, como as vantagens e os inconvenientes ecológicos, económicos e sociais envolvidos. Para este efeito, as autoridades nacionais competentes devem analisar a possibilidade de recorrer a meios de prevenção não letais que consistam, nomeadamente, na aplicação de medidas de prevenção de ataques aos rebanhos, bem como na adoção de medidas destinadas a adaptar, sempre que possível, as práticas humanas que estão na origem dos conflitos, com vista a favorecer uma cultura de coexistência entre a população de lobos, os rebanhos e os criadores.
No âmbito da determinação de outra solução satisfatória, essas autoridades têm de apreciar, com base nos melhores conhecimentos científicos e técnicos disponíveis, as outras soluções possíveis tendo em conta, nomeadamente, as suas implicações económicas, sem que estas revistam um caráter determinante, e ponderando‑as com o objetivo geral de manutenção ou de restabelecimento, num estado de conservação favorável, da espécie animal em causa.
( 1 ) Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7) (a seguir «Diretiva «Habitats»»).
( 2 ) Artigo 19.o da Diretiva «Habitats».
( 3 ) Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, assinada em Berna em 19 de setembro de 1979 (JO 1982, L 38, p. 3).