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Document 62021CJ0389

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de maio de 2023.
    Banco Central Europeu (BCE) contra Crédit lyonnais.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Regulamento (UE) n.° 575/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Medida da exposição — Artigo 429.°, n.° 14 — Exclusão das posições em risco que preenchem certas condições — Recusa parcial de autorização — Poder discricionário do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso de anulação — Erro manifesto de apreciação — Fiscalização jurisdicional.
    Processo C-389/21 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:368

    Processo C‑389/21 P

    Banco Central Europeu (BCE)

    contra

    Crédit lyonnais

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de maio de 2023

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Medida da exposição — Artigo 429.o, n.o 14 — Exclusão das posições em risco que preenchem certas condições — Recusa parcial de autorização — Poder discricionário do Banco Central Europeu (BCE) — Recurso de anulação — Erro manifesto de apreciação — Fiscalização jurisdicional»

    1. Política económica e monetária — Política económica — Supervisão do setor financeiro da União — Requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento — Requisitos de liquidez — Rácio de alavancagem — Cálculo — Possibilidade de excluir certas exposições sobre instituições do setor público — Decisão do Banco Central Europeu que recusa a concessão do benefício da derrogação — Fiscalização jurisdicional — Alcance — Limites

      (Regulamento n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 429.o, n.o 14)

      (cf. n.os 55, 56, 65‑106, 89)

    2. Política económica e monetária — Política económica — Supervisão do setor financeiro da União — Requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento — Requisitos de liquidez — Rácio de alavancagem — Cálculo — Possibilidade de excluir certas exposições sobre instituições do setor público — Poder de apreciação das autoridades competentes — Decisão do Banco Central Europeu que recusa a concessão do benefício da derrogação — Obrigação de apreciar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos da situação em causa

      (Regulamento n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 429.o, n.o 14)

      (cf. n.os 57, 92‑94, 100, 101, 106, 121‑123)

    3. Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recurso de decisão do Tribunal Geral ao qual foi dado provimento — Decisão do mérito da causa pelo Tribunal de Justiça — Alcance — Rejeição prévia de um fundamento de anulação num acórdão de anulação — Inexistência de contestação dos fundamentos da referida rejeição por via de recurso subordinado — Consequência — Exclusão de uma nova apreciação

      (Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigos 176.° e 178.°, n.o 1)

      (cf. n.o 79)

    Resumo

    O Tribunal de Justiça confirma a recusa do BCE de excluir do cálculo do rácio de alavancagem do Crédit lyonnais 34 % das suas posições em risco sobre a Caisse des dépôts et consignations

    Anula o acórdão em sentido contrário do Tribunal Geral, o qual excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional ao substituir pela sua a apreciação do BCE do risco de vendas catastróficas a que o Crédit lyonnais estava exposto

    O Crédit lyonnais é uma sociedade anónima de direito francês autorizada como instituição de crédito. Esta instituição de crédito é uma filial da sociedade Crédit agricole SA e, a este título, está sujeita à supervisão prudencial direta do Banco Central Europeu (BCE).

    Em 5 de maio de 2015, a Crédit agricole, em seu nome e em nome das entidades que fazem parte do grupo Crédit agricole, entre as quais o Crédit lyonnais, requereu ao BCE autorização ( 1 ) para excluir do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco sobre a Caisse des dépôts et consignations (CDC), uma instituição pública francesa, resultantes dos depósitos efetuados em várias cadernetas de poupança, que devem, segundo a regulamentação francesa aplicável, ser obrigatoriamente transferidos para a CDC (a seguir «poupança regulamentada»).

    A Decisão de 24 de agosto de 2016, através da qual o BCE recusou conceder à Crédit agricole a autorização requerida, foi anulada por acórdão do Tribunal Geral ( 2 ). Na sequência desse acórdão, a Crédit agricole requereu novamente ao BCE autorização para excluir as posições em risco sobre a CDC. Por Decisão de 3 de maio de 2019 ( 3 ), o BCE autorizou a Crédit agricole e as entidades que fazem parte do grupo Crédit agricole, com exceção do Crédit lyonnais, a excluir do cálculo do rácio de alavancagem a totalidade das suas posições em risco sobre a CDC. Em contrapartida, o Crédit lyonnais apenas foi autorizado a excluir 66 %. Na decisão controvertida, o BCE, considerando que dispunha de um poder discricionário no caso, aplicou uma metodologia que tinha em conta três elementos, nomeadamente, a qualidade de crédito da administração central francesa, o risco de vendas catastróficas e o nível de concentração das posições em risco sobre a CDC.

    O Tribunal Geral ( 4 ) deu provimento ao recurso do Crédit lyonnais que tinha por objeto a anulação da decisão controvertida, na parte em que esta recusou autorizá‑lo a excluir do cálculo do seu rácio de alavancagem a totalidade das suas posições em risco sobre a CDC. Em concreto, o Tribunal Geral considerou que o fundamento da decisão controvertida relativo ao nível de risco de vendas catastróficas estava ferido de «ilegalidade». Por conseguinte, considerou que os dois outros elementos da metodologia aplicada pelo BCE não podiam ter levado o BCE a recusar, na decisão controvertida, conceder ao Crédit lyonnais o benefício da exclusão para a totalidade das posições em risco desta instituição sobre a CDC.

    Chamado a pronunciar‑se sobre o recurso interposto pelo BCE, o Tribunal de Justiça anula o acórdão recorrido e, decidindo a causa definitivamente, nega provimento ao recurso do Crédit lyonnais. Com o seu acórdão, o Tribunal de Justiça presta esclarecimentos sobre o nível de fiscalização exercido pelo juiz da União na apreciação da legalidade das decisões administrativas adotadas pelo BCE, quando este goza de uma ampla margem de apreciação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    O Tribunal de Justiça recorda que, na medida em que o BCE dispõe de um amplo poder de apreciação para conceder ou não a autorização de excluir do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco que preenchem certas condições, a fiscalização jurisdicional que o juiz da União deve exercer sobre o mérito dos fundamentos do BCE não o deve levar a substituir a apreciação do BCE pela sua. Essa fiscalização visa verificar se tal decisão não assenta em factos materialmente inexatos e não está viciada por nenhum erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder. A este respeito, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa, e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas. Com efeito, quando uma instituição dispõe de um amplo poder de apreciação, reveste uma importância fundamental o respeito das garantias processuais, das quais faz parte a obrigação de esta examinar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos pertinentes da situação em causa.

    O Tribunal de Justiça observa que, ao proceder à sua própria apreciação das características da poupança regulamentada e do seu efeito cumulado, o Tribunal Geral considerou que o nível de risco de vendas catastróficas não era suficientemente elevado para justificar a recusa do BCE de excluir a totalidade das posições em risco do Crédit lyonnais sobre a CDC do cálculo do rácio de alavancagem.

    Ora, ao fazê‑lo, por um lado, o Tribunal Geral não pôs em causa as constatações efetuadas pelo BCE quanto às características da poupança regulamentada que o tinham levado a concluir que essas características não permitiam afastar completamente todos os riscos suscetíveis de obrigar o Crédit lyonnais a proceder a vendas catastróficas. Isto é válido, em particular, para as constatações do BCE relativas à grande liquidez da poupança regulamentada na falta de um dispositivo legal que limite os levantamentos desta poupança, bem como à obrigação de o Crédit lyonnais reembolsar os depositantes mesmo durante o prazo de ajustamento de dez dias entre as posições deste último e da CDC. Por conseguinte, o raciocínio do Tribunal Geral não põe em causa a exatidão material, a fiabilidade ou a coerência dos elementos tidos em consideração na decisão controvertida e não demonstra que estes elementos não constituem a totalidade dos dados pertinentes que deviam ser tomados em consideração pelo BCE.

    Por outro lado, a conclusão do Tribunal Geral de que os dados tidos em conta pelo BCE não eram suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem na decisão controvertida decorre da sua própria apreciação sobre o nível de risco de vendas catastróficas. Esta apreciação, que se baseia nos mesmos elementos que foram tidos em conta pelo BCE, afasta‑se da apreciação realizada por esta instituição sem demonstrar o caráter manifestamente errado desta última.

    Ao raciocinar desse modo, o Tribunal Geral, em vez de efetuar a fiscalização do erro manifesto de apreciação que lhe incumbia, substituiu a apreciação do BCE pela sua num caso em que, no entanto, esta instituição beneficia de uma ampla margem de apreciação.

    Além disso, no que respeita à apreciação realizada pelo Tribunal Geral da justificação do BCE relativa à experiência das crises bancárias recentes, o Tribunal não demonstrou em que medida as considerações segundo as quais os depósitos de poupança regulamentada não podem ser investidos, ao contrário dos depósitos à ordem, em ativos arriscados ou não líquidos é suscetível de demonstrar o caráter manifestamente errado da apreciação realizada pelo BCE do cenário de risco de levantamentos maciços que devia ser tido em conta para analisar o risco de vendas catastróficas a que o Crédit lyonnais estava exposto. Isto vale também para as considerações baseadas na diferença entre a dupla garantia da França de que beneficiam as cadernetas de poupança regulamentada e o mecanismo de garantia resultante da Diretiva 2014/49 ( 5 ).

    O Tribunal de Justiça daí conclui que o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida substituindo pela sua própria a apreciação do risco de vendas catastróficas a que o Crédit lyonnais estava exposto, sem demonstrar em que medida a apreciação do BCE contida nesta decisão a este respeito estava viciada por um erro manifesto de apreciação. Ao fazê‑lo, excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional. Além disso, errou igualmente ao considerar que o BCE não cumpriu a sua obrigação de apreciar cuidadosa e imparcialmente todos os elementos pertinentes da situação em causa.

    Na sequência da anulação parcial do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça pronuncia‑se definitivamente sobre o recurso em primeira instância. Analisando os argumentos invocados pelo Crédit lyonnais em primeira instância, considera que, tendo em conta a fiscalização jurisdicional limitada que lhe incumbe efetuar tendo em conta a ampla margem de apreciação de que o BCE dispõe no caso em apreço, o Crédit lyonnais não conseguiu demonstrar que as apreciações dessa instituição, que figuram na decisão controvertida, relativas ao risco de vendas catastróficas e à qualidade de crédito da administração francesa são manifestamente erradas. Confirma assim a decisão de recusar excluir do cálculo do rácio de alavancagem do Crédit lyonnais 34 % das suas posições em risco sobre a CDC.


    ( 1 ) Prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/62 da Comissão, de 10 de outubro de 2014 (JO 2015, L 11, p. 37).

    ( 2 ) Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE, T‑758/16 (v., igualmente, CP n.o 110/18).

    ( 3 ) Decisão ECB SSM‑2019‑FRCAG‑39 (a seguir «decisão controvertida»).

    ( 4 ) Acórdão de 14 de abril de 2021, Crédit lyonnais/BCE, T‑504/19 (a seguir «acórdão recorrido»).

    ( 5 ) Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149).

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