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Document 62021CJ0159

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de setembro de 2022.
    GM contra Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o.
    Reenvio prejudicial – Política comum em matéria de asilo e de imigração – Diretiva 2011/95/UE – Normas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção subsidiária – Retirada do estatuto – Diretiva 2013/32/UE – Procedimentos comuns de concessão e de retirada da proteção internacional – Perigo para a segurança nacional – Tomada de posição de uma autoridade especializada – Acesso ao processo.
    Processo C-159/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:708

    Processo C‑159/21

    GM

    contra

    Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság

    e

    Alkotmányvédelmi Hivatal

    e

    Terrorelhárítási Központ

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék)

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de setembro de 2022

    «Reenvio prejudicial – Política comum em matéria de asilo e de imigração – Diretiva 2011/95/UE – Normas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção subsidiária – Retirada do estatuto – Diretiva 2013/32/UE – Procedimentos comuns de concessão e de retirada da proteção internacional – Perigo para a segurança nacional – Tomada de posição de uma autoridade especializada – Acesso ao processo»

    1. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração – Política de asilo – Procedimentos de concessão e de retirada da proteção internacional – Diretiva 2013/32 – Direito a uma boa administração – Direito a um recurso jurisdicional efetivo – Decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional ou de retirada dessa proteção que assenta em informações que podem pôr em risco a segurança nacional do Estado‑Membro em causa – Legislação nacional que prevê o acesso parcial do interessado ou do seu advogado a essas informações mediante autorização – Proibição de utilizar as referidas informações para efeitos do procedimento administrativo ou do processo judicial – Inadmissibilidade

      (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Diretiva 2013/32 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 23.°, n.o 1, e 45.°, n.os 3 e 4)

      (cf. n.os 37‑39, 42‑58, 60, disp. 1)

    2. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração – Política de asilo – Procedimentos de concessão e de retirada da proteção internacional – Diretiva 2013/32 – Direito a uma boa administração – Direito a um recurso jurisdicional efetivo – Decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional ou de retirada dessa proteção que assenta em informações que podem pôr em risco a segurança nacional do Estado‑Membro em causa – Fundamentação dessa decisão – Fundamentos precisos e completos relacionados com a segurança nacional, não comunicados ao interessado – Admissibilidade – Requisito – Ponderação das exigências ligadas à segurança nacional com as do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

      [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Diretiva 2013/32 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 23.°, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), e 45.°, n.o 3]

      (cf. n.os 49‑52)

    3. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração – Política de asilo – Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária – Diretiva 2011/95 – Exclusão do estatuto conferido pela proteção subsidiária – Causas de exclusão – Perigo para a segurança nacional – Decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional ou de retirada dessa proteção que assenta em informações que podem pôr em risco a segurança nacional do Estado‑Membro em causa – Parecer não fundamentado, emitido por autoridades especializadas em segurança nacional, que constataram que uma pessoa representa um perigo – Legislação nacional que impõe ao órgão de decisão que exclua a concessão de proteção internacional ou retire uma proteção concedida com base nesse parecer – Inadmissibilidade

      [Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2011/95, artigos 2.°, alíneas d) e f), 14.°, n.o 4, alínea a), e 17.°, n.o 1, alínea d), e 2013/32, artigos 4.°, n.os 1 e 2, 10.°, n.os 2 e 3, 11.°, n.o 2, 23.°, n.o 1, e 45.°, n.o 3]

      (cf. n.os 67‑69, 72‑84, 86, disp. 2)

    4. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração – Política de asilo – Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária – Diretiva 2011/95 – Exclusão do estatuto conferido pela proteção subsidiária – Causas de exclusão – Prática de um crime grave – Concessão ao interessado do estatuto de refugiado no termo de um procedimento anterior – Exclusão decidida com base numa condenação penal que já era do conhecimento das autoridades competentes no momento dessa concessão – Exclusão posterior possível no âmbito de uma nova apreciação individual dos factos pela autoridade competente

      [Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 17.o, n.o 1, alínea b)]

      (cf. n.os 89‑93, disp. 3)

    Resumo

    Retirada da proteção internacional na sequência de um perigo para a segurança nacional: o direito da União opõe‑se à legislação húngara nos termos da qual a pessoa em questão ou o seu advogado só podem aceder ao processo depois de obtida uma autorização para o efeito e sem que lhes sejam comunicados os fundamentos em que assenta a decisão

    As regras da União não permitem que o órgão de decisão dos pedidos de proteção internacional se baseie sistematicamente num parecer não fundamentado emitido por autoridades especializadas ligadas à segurança nacional que constataram que uma pessoa representa um perigo para a referida segurança nacional

    Em 2002, GM foi condenado por um órgão jurisdicional húngaro a uma pena privativa da liberdade por tráfico de estupefacientes. Após a apresentação de um pedido de asilo na Hungria, foi concedido a GM o estatuto de refugiado por acórdão proferido em junho de 2012 pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste Capital, Hungria, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»). Por decisão adotada em julho de 2019, a Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság (Direção‑Geral Nacional da Polícia Migratória, Hungria) retirou‑lhe o estatuto de refugiado e recusou conceder‑lhe o estatuto conferido pela proteção subsidiária regulado pelas Diretivas 2011/95 ( 1 ) e 2013/32 ( 2 ), aplicando‑lhe simultaneamente o princípio da não repulsão. Esta decisão foi tomada com base num parecer não fundamentado emitido por duas autoridades especializadas húngaras, o Alkotmányvédelmi Hivatal (Serviço de Proteção da Constituição) e o Terrorelhárítási Központ (Centro de Luta contra o Terrorismo), no qual estas duas autoridades tinham concluído que a permanência de GM podia pôr em risco a segurança nacional. GM interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, nomeadamente, sobre a compatibilidade da legislação húngara relativa ao acesso às informações classificadas com o artigo 23.o da Diretiva 2013/32 ( 3 ), que prevê o alcance da assistência jurídica e da representação de que beneficia o requerente de proteção internacional. Interroga‑se igualmente sobre a conformidade com o direito da União da norma húngara que exige que a administração se baseie num parecer não fundamentado emitido pelas autoridades especializadas acima referidas, sem poder ela própria apreciar a aplicação da cláusula de exclusão da proteção em causa.

    O Tribunal de Justiça declara, nomeadamente, que a Diretiva 2013/32 ( 4 ), lida à luz do princípio geral relativo ao direito a uma boa administração e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, se opõe a uma legislação nacional que prevê que, quando uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional ou de retirada do mesmo se baseie em informações cuja divulgação possa pôr em risco a segurança nacional do Estado‑Membro em causa, a pessoa em questão ou o seu advogado só podem aceder a essas informações depois de terem obtido uma autorização para o efeito, não lhes sendo sequer comunicada a substância dos fundamentos em que se baseiam essas decisões e não podendo as referidas informações ser utilizadas para efeitos dos eventuais procedimentos administrativos ou processos judiciais. O Tribunal precisa igualmente que as Diretivas 2013/32 e 2011/95 ( 5 ) se opõem a uma legislação nacional por força da qual o órgão de decisão responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional é sistematicamente obrigado, quando as autoridades especializadas ligadas à segurança nacional tenham constatado, através de um parecer não fundamentado, que uma pessoa representava um perigo para essa segurança, a excluir a concessão do benefício da proteção subsidiária a essa pessoa ou a retirar a proteção internacional anteriormente concedida à referida pessoa, com base nesse parecer.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    No que respeita, em primeiro lugar, à questão da conformidade da legislação nacional com o direito da União, na medida em que limita o acesso das pessoas em causa ou do seu advogado às informações confidenciais com base nas quais foram adotadas decisões de retirada ou de recusa de concessão da proteção internacional por razões de proteção da segurança nacional, o Tribunal recorda que, em conformidade com a Diretiva 2013/32 ( 6 ), quando os Estados‑Membros restrinjam o acesso a informações ou a fontes cuja divulgação possa pôr em risco, nomeadamente, a segurança nacional ou a segurança das fontes, os Estados‑Membros devem, não apenas disponibilizar o acesso a essa informações ou às referidas fontes aos órgãos jurisdicionais competentes para se pronunciarem sobre a legalidade da decisão relativa à proteção internacional, mas também estabelecer, no seu direito nacional, procedimentos que garantam o respeito pelos direitos de defesa da pessoa em questão ( 7 ). Embora os Estados‑Membros possam, a este respeito, facultar o acesso às referidas informações ao advogado da pessoa em questão, esse procedimento não constitui a única possibilidade dada aos Estados‑Membros para cumprirem a referida obrigação. As modalidades concretas dos procedimentos estabelecidos para o efeito fazem assim parte da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, desde que, todavia, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade).

    O Tribunal recorda igualmente que os direitos de defesa não constituem prerrogativas absolutas e que o direito de acesso ao processo, que é o seu corolário, pode ser limitado, com base numa ponderação entre, por um lado, o direito a uma boa administração e o direito a um recurso efetivo da pessoa em questão e, por outro, os interesses evocados para justificar a não divulgação de um elemento do processo a essa pessoa, em particular quando esses interesses digam respeito à segurança nacional. Embora esta ponderação não possa, tendo em conta o respeito necessário do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, privar de efetividade os direitos de defesa da pessoa em causa e esvaziar de conteúdo o direito de recurso previsto na própria diretiva ( 8 ), pode, no entanto, levar a que determinados elementos do processo não sejam comunicados à pessoa em questão quando a divulgação desses elementos for suscetível de pôr em risco, direta e especialmente, a segurança nacional do Estado‑Membro em causa.

    Por conseguinte, o artigo 23.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2013/32 não pode ser interpretado no sentido de que permite às autoridades competentes colocar a pessoa em questão numa situação em que nem ela nem o seu advogado possam tomar utilmente conhecimento, se necessário no âmbito de um procedimento específico destinado a preservar a segurança nacional, da substância dos elementos essenciais constantes do seu processo. Nesta matéria, o Tribunal precisa que, quando a divulgação de informações constantes do processo tiver sido restringida por um motivo de segurança nacional, o respeito dos direitos de defesa da pessoa em questão não é suficientemente assegurado pela possibilidade de essa pessoa obter, em determinadas condições, uma autorização para aceder a essas informações acompanhada de uma proibição completa de as utilizar para efeitos do procedimento administrativo ou do eventual processo judicial. Por outro lado, a faculdade de o órgão jurisdicional competente aceder ao processo não pode substituir‑se, para assegurar a garantia dos direitos de defesa, ao acesso às informações constantes desse processo pela própria pessoa em questão ou pelo seu advogado.

    No que se refere, em segundo lugar, à conformidade da legislação nacional em causa com o direito da União, na medida em que confere um papel eminente às autoridades especializadas em matéria de segurança nacional no âmbito do procedimento que conduz à adoção das decisões de retirada ou de recusa de concessão da proteção internacional, o Tribunal declara que cabe exclusivamente ao órgão de decisão proceder, soba fiscalização dos juízes, à apreciação de todos os factos e circunstâncias pertinentes, incluindo os que se prendem com a aplicação dos artigos da Diretiva 2011/95 relativos à revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de refugiado ( 9 ) e dos relativos à exclusão do benefício do estatuto de refugiado ( 10 ). Este órgão de decisão deve, além disso, indicar na sua decisão as razões que o levaram a adotar a sua decisão. Por conseguinte, não pode limitar‑se a executar uma decisão adotada por outra autoridade e proferir, exclusivamente nessa base, a decisão de excluir a concessão da proteção subsidiária ou de retirar uma proteção internacional previamente concedida. O órgão de decisão deve, pelo contrário, dispor de todas as informações pertinentes e proceder, à luz dessas informações, à sua própria apreciação dos factos e das circunstâncias, com vista a determinar o sentido da sua decisão e a fundamentá‑la de forma completa. Embora as informações utilizadas pela autoridade competente para efetuar a sua apreciação possam, em parte, ser fornecidas por autoridades especializadas ligadas à segurança nacional, o alcance dessas informações e a sua pertinência para a decisão a proferir devem ser apreciados livremente por esse órgão. Consequentemente, este último não pode ser obrigado a basear‑se num parecer não fundamentado emitido por essas autoridades, com base numa apreciação cuja matéria de facto não lhe foi comunicada.


    ( 1 ) Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

    ( 2 ) Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

    ( 3 ) Por força do n.o 1 desta disposição: «Os Estados‑Membros asseguram que o advogado ou outro consultor, como tal admitido ou autorizado ao abrigo do direito interno, que assista ou represente um requerente nos termos do direito interno, tenha acesso às informações constantes do processo do requerente nas quais se baseia ou baseará a decisão.

    Os Estados‑Membros podem aplicar derrogações sempre que a divulgação de informações ou fontes possa pôr em risco a segurança nacional, a segurança das organizações ou pessoas que fornecem as informações ou a segurança da ou das pessoas a quem respeita a informação, ou quando ficarem comprometidos os interesses da averiguação referente à apreciação dos pedidos de proteção internacional pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros ou as relações internacionais dos Estados‑Membros. Nestes casos, os Estados‑Membros:
    a) Disponibilizam acesso a essas informações ou fontes às autoridades referidas no capítulo V; e;
    b) Estabelecem na lei nacional procedimentos que garantam o respeito pelos direitos de defesa do requerente
    Relativamente à alínea b), os Estados‑Membros podem, em especial, conceder acesso às informações ou fontes em causa a um advogado ou consultor que tenha sido submetido a um controlo de segurança, desde que as informações sejam relevantes para a apreciação do pedido ou para a adoção de uma decisão de retirada de proteção internacional.»

    ( 4 ) Mais especificamente, o artigo 23.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 45.o, n.o 4, desta última.

    ( 5 ) Mais especificamente, o artigo 4.o, n.os 1 e 2, o artigo 10.o, n.os 2 e 3, o artigo 11.o, n.o 2, e o artigo 45.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lidos em conjugação com o artigo 14.o, n.o 4, alínea a), e o artigo 17.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

    ( 6 ) Artigo 23.o, n.o 1, segundo parágrafo, alíneas a) e b).

    ( 7 ) Esta segunda obrigação baseia‑se no artigo 23.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32.

    ( 8 ) Este direito está previsto no artigo 45.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32.

    ( 9 ) Artigo 14.o da Diretiva 2011/95.

    ( 10 ) Artigo 17.o da Diretiva 2011/95.

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