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Document 62018CJ0650

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 3 de junho de 2021.
    Hungria contra Parlamento Europeu.
    Recurso de anulação — Artigo 7.o, n.o 1, TUE — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores em que a União se funda — Artigos 263.o e 269.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Admissibilidade do recurso — Ato impugnável — Artigo 354.o TFUE — Regras de cálculo dos votos no Parlamento — Regimento do Parlamento — Artigo 178.o, n.o 3 — Conceito de “votos expressos” — Abstenções — Princípios da segurança jurídica, da igualdade de tratamento, da democracia e da cooperação leal.
    Processo C-650/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:426

    Processo C650/18

    Hungria

    contra

    Parlamento Europeu

     Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 3 de junho de 2021

    «Recurso de anulação — Artigo 7.°, n.° 1, TUE — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores em que a União se funda — Artigos 263.° e 269.° TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Admissibilidade do recurso — Ato impugnável — Artigo 354.° TFUE — Regras de cálculo dos votos no Parlamento — Regimento do Parlamento — Artigo 178.°, n.° 3 — Conceito de “votos expressos” — Abstenções — Princípios da segurança jurídica, da igualdade de tratamento, da democracia e da cooperação leal»

    1.        Recurso de anulação — Competência do Tribunal de Justiça — Atos adotados ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, TUE — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Competência geral para fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União — Alcance

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigos 263.° e 269.° TFUE)

    (cf. n.os 31‑36)

    2.        Recurso de anulação — Atos suscetíveis de recurso — Conceito — Atos que produzem efeitos jurídicos vinculativos — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Resolução que altera a situação do EstadoMembro objeto dessa resolução, no domínio do direito de asilo Inclusão

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigo 263.°, primeiro parágrafo, TFUE; Protocolo n.° 24 relativo ao direito de asilo de nacionais dos EstadosMembros da União Europeia)

    (cf. n.os 37‑41, 49)

    3.        Recurso de anulação — Atos suscetíveis de recurso — Atos preparatórios — Exclusão — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Ato que não exprime uma opinião provisória — Ato que produz efeitos jurídicos autónomos Inclusão

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigo 263.°, primeiro parágrafo, TFUE)

    (cf. n.os 43‑48)

    4.        Recurso de anulação — Competência do Tribunal de Justiça — Atos adotados ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, TUE — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Competência geral para fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União — Limitação da competência geral pelo artigo 269.° TFUE — Condições específicas — Aplicação a um recurso interposto em virtude do artigo 263.° TFUE — Efeito útil

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigos 263.° e 269.° TFUE)

    (cf. n.os 51‑59)

    5.        Direito da União Europeia — Tratado FUE — Disposições gerais e finais — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Regra de cálculo dos votos dos membros do Parlamento — Regra que exige simultaneamente o acordo de dois terços dos votos expressos e a maioria dos membros do Parlamento — Conceito de votos expressos — Abstenções — Exclusão — Inclusão para o cálculo da maioria dos membros do Parlamento

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE)

    (cf. n.os 82‑88)

    6.        Direito da União Europeia — Tratado FUE — Disposições gerais e finais — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave, por parte de um EstadoMembro, dos valores em que a União se funda — Regra de cálculo dos votos dos membros do Parlamento — Não tomada em consideração das abstenções no cálculo dos votos expressos — Princípio da democracia — Princípio da igualdade de tratamento — Inexistência de violação

    (Artigo 7.°, n.° 1, TUE; artigo 354.°, parágrafo, TFUE)

    (cf. n.os 94‑100)

    Resumo

    O Tribunal de Justiça nega provimento ao recurso interposto pela Hungria da resolução do Parlamento que desencadeia o processo de constatação da existência de um risco manifesto de violação grave, por parte deste EstadoMembro, dos valores em que a União se funda. No cálculo dos votos expressos quando da aprovação dessa resolução, o Parlamento excluiu, com razão, a tomada em consideração das abstenções.

    Em 12 de setembro de 2018, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução (1) sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verificasse, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, TUE (2), a existência de um risco manifesto de violação grave pela Hungria dos valores comuns em que a União se funda. Esta declaração desencadeou o processo previsto no artigo 7.° TUE, suscetível de conduzir à suspensão de certos direitos resultantes da qualidade de membro da União do Estado‑Membro em causa.

    Por força do artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE, que estabelece as regras de votação para efeitos da aplicação do artigo 7.° TUE, a aprovação pelo Parlamento da resolução em causa exigia uma maioria de dois terços dos votos expressos que representassem a maioria dos membros que o compõem. Em aplicação do seu Regimento, que prevê que, para decidir se um texto foi aprovado ou rejeitado, só entram no cálculo os votos a favor ou contra, salvo nos casos em que os Tratados preveem uma maioria específica (3), o Parlamento só tomou em consideração, no âmbito do cálculo dos votos sobre a resolução em causa, os votos favoráveis e desfavoráveis dos seus membros, com exclusão das abstenções (4).

    Entendendo que, no cálculo dos votos expressos, o Parlamento devia ter tomado em consideração as abstenções, a Hungria interpôs, ao abrigo do artigo 263.° TFUE, um recurso de anulação dessa resolução.

    O Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, nega provimento a este recurso. Conclui, em primeiro lugar, que a resolução impugnada pode ser objeto de uma fiscalização jurisdicional ao abrigo do artigo 263.° TFUE. Em segundo lugar, considera que as abstenções dos deputados não devem ser contabilizadas para determinar se é alcançada a maioria de dois terços dos votos expressos, prevista no artigo 354.° TFUE.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça começa por se pronunciar sobre a sua competência para decidir do presente recurso e, em seguida, sobre a admissibilidade deste último.

    Antes de mais, conclui que o artigo 269.° TFUE, que prevê uma possibilidade limitada de interpor recurso de anulação dos atos adotados pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho no âmbito do processo previsto no artigo 7.° TUE, não é suscetível de excluir a competência do Tribunal de Justiça para conhecer do presente recurso. Com efeito, ao sujeitar esse direito de recurso a condições mais estritas do que as impostas no artigo 263.° TFUE, o artigo 269.° TFUE comporta uma limitação à competência geral do Tribunal de Justiça da União Europeia para fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União, pelo que deve ser interpretado de forma restritiva. Além disso, as resoluções do Parlamento, aprovadas ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, TUE, não são mencionadas no artigo 269.° TFUE. Assim, os autores dos Tratados não pretenderam excluir um ato como a resolução impugnada da competência geral reconhecida ao Tribunal de Justiça da União Europeia pelo artigo 263.° TFUE. De resto, esta interpretação é suscetível de contribuir para o respeito do princípio segundo o qual a União Europeia é uma União de direito que estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de processos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a fiscalização da legalidade dos atos das instituições da União.

    Em seguida, o Tribunal de Justiça considera que a resolução impugnada é um ato impugnável. Com efeito, produz efeitos jurídicos vinculativos desde a sua aprovação na medida em que, enquanto o Conselho não se tiver pronunciado sobre o seguimento que lhe deve ser dado, esta resolução tem por efeito imediato afastar a proibição que impende sobre os Estados‑Membros de tomarem em consideração ou de declararem admissível para instrução um pedido de asilo apresentado por um nacional húngaro (5).

    Além disso, a resolução impugnada não constitui um ato intermédio cuja legalidade só pode ser contestada num litígio que tenha por objeto um ato definitivo de que este constitui uma fase de elaboração. Com efeito, por um lado, ao aprovar essa resolução, o Parlamento não exprimiu uma posição provisória, não obstante a constatação posterior pelo Conselho da existência de um risco manifesto de violação grave dos valores da União por parte de um Estado‑Membro ainda estar subordinada à aprovação prévia do Parlamento. Por outro lado, a resolução em causa produz efeitos jurídicos autónomos na medida em que, não obstante o Estado‑Membro em causa poder invocar a ilegalidade dessa resolução em apoio do seu eventual recurso de anulação da posterior constatação do Conselho, o eventual sucesso deste último recurso não permite, de qualquer modo, eliminar a totalidade dos efeitos vinculativos da referida resolução.

    Todavia, o Tribunal de Justiça sublinha que certas condições específicas, previstas no artigo 269.° TFUE, a que está sujeita a interposição de um recurso de anulação da constatação do Conselho, suscetível de ser adotada na sequência de uma proposta fundamentada do Parlamento como a resolução impugnada, também se devem aplicar a um recurso de anulação interposto, ao abrigo do artigo 263.° TFUE, dessa proposta fundamentada, sob pena de privar o artigo 269.° TFUE do seu efeito útil. Assim, este último recurso só pode ser interposto pelo Estado‑Membro objeto da proposta fundamentada e os fundamentos de anulação invocados em apoio desse recurso só podem estar relacionados com a violação das regras processuais previstas no artigo 7.° TUE.

    Em segundo lugar, pronunciando‑se quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça observa que o conceito de «votos expressos», que figura no artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE, não é definido nos Tratados e que este conceito autónomo do direito da União deve ser interpretado de acordo com o seu sentido habitual na linguagem comum. Ora, este conceito, no seu sentido habitual, só engloba a manifestação de um voto positivo ou negativo sobre uma dada proposta, ao passo que a abstenção, entendida como o facto de recusar tomar posição, não pode ser equiparada a um «voto expresso». Por conseguinte, a regra prevista no artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE, que impõe uma votação por maioria dos votos expressos, deve ser interpretada no sentido de que exclui a tomada em consideração das abstenções.

    Dito isto, após ter recordado que o artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE comporta uma dupla exigência de maioria, a saber, que os atos adotados pelo Parlamento ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, TUE devem obter o acordo, por um lado, de dois terços dos votos expressos e, por outro, da maioria dos membros do Parlamento, o Tribunal de Justiça salienta que, de qualquer modo, as abstenções são tomadas em consideração para verificar que os votos favoráveis representam a maioria dos membros do Parlamento.

    Por último, o Tribunal de Justiça considera que a exclusão das abstenções da contagem dos votos expressos, na aceção do artigo 354.°, quarto parágrafo, TFUE, não é contrária ao princípio da democracia nem ao da igualdade de tratamento, tendo em conta, nomeadamente, o facto de que os deputados que se abstiveram na votação agiram com conhecimento de causa, dado que tinham sido previamente informados da não tomada em consideração das abstenções no cálculo dos votos expressos.


    1      Resolução [2017/2131(INL)] (JO 2019, C 433, p. 66).


    2      O artigo 7.°, n.° 1, TUE prevê: «Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados‑Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.° por parte de um Estado‑Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado‑Membro em questão e pode dirigir‑lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.


          O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação.»


    3      Artigo 178.°, n.° 3, do Regimento do Parlamento.


    4      A resolução foi aprovada por 448 votos a favor e 197 votos contra, tendo‑se abstido 48 membros presentes.


    5      Por força do artigo único, alínea b), do Protocolo (n.° 24) relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 305).

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